Nada Recatadas 01

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@nada.recatadas

Edição 1 - Ano 1- Abril 2020

kcotSi

Menstruação ASSÉDIO

Como reconhecer essa agressão e o que fazer se for assediada p. 7

CRÔNICA

Um grito potente contra a violência doméstica p. 8

Livre Tabus do corpo feminino começam a ser quebrados pela união da voz das mulheres p. 4-5

PRECONCEITO

Como é ser mulher no universo masculino das ciências exatas p. 3

+ PARA ELE LER: Será que todos os homens são machistas? p. 6


Editorial

Vestindo a camisa do feminismo ferramenta

Tudo começou nas últimas

Google Trends, que indica os

Segundo

décadas do século 19, quando

miseta

termos mais pesquisados nessa

a primeira onda do movimento

como uma garota”, por exem-

E, se você quer vestir essa

plataforma

as

feminista ocorreu na terra da

plo, você contribui para o fe-

camisa também, trazemos nes-

buscas por “feminismo” em to-

rainha, a Inglaterra. Um grupo

minismo, mostrando qual é sua

ta

do

de mulheres, conhecidas como

batalha

mento significativo a partir de

as

rotas que pensam como você

tórias com as quais você vai rir,

outubro de 2015. E o que isso

grandes atos em Londres pela

ao

chorar

significa? Indica que cada vez

conquista

do

direito

gente fazendo justamente isso

identificar. Nós somos um jor-

mais

ao

ou

sufrágio

o

a

desde

mundo

2004,

tiveram

pessoas

um

feminino

atraindo

redor.

E

“Lute

mais

tem

ga-

muita

ísa Silva, a modelo Fernanda Lima, e a cantora Pitty.

primeira

edição

Nada Recatadas e,

acima

do

jornal

muitas his-

de

tudo,

se

por aí: na cerimônia do Oscar

nal feito por mulheres jovens

2020, a atriz Natalie Portman

para

antes

o movimento feminista também

usou uma roupa bordada com

com a intenção de comparti-

é

teve seu início a partir da luta

os nomes das cineastas mulhe-

lhar

inteiro.

pelo voto, que só foi conquis-

res

também faz parte do universo

tado em 1932.

apenas

por

debatido

discutido

mulheres,

pelo

mundo

hoje

Seja na política, no almoço de

(daí

seu

dizeres

o

tema

voto,

promoveu

e

os

nome o movimento). No Brasil,

um

interes-

suffragettes,

com

sadas pelo assunto e, o que era

estão

au-

Quando você usa uma ca-

que

não

concorreram

ao

outras

mulheres

vivências

quem

prêmio. A youtuber, jornalista e

feminino

Isso tudo parece bem dis-

influenciadora digital Karol Pi-

mos falando.

de amigos. Você deve estar se

tante da nossa rotina, mas não

nheiro debate o tema de forma

perguntando: Mas o que isso

é. Hoje em dia a luta de várias

educativa e descontraída em

mostrar para você que desde

tem a ver comigo? Tudo!

mulheres do mundo é uma só:

seu

tra-

cedo sentimos as dificuldades

pelo

zendo

para

de ser mulher, mas, quando nos

Se hoje você vai à escola,

direito

à

do

outras

YouTube, mulheres

Nada Recatadas

apoiamos

nha em ter uma carreira pro-

mulheres e homens tenham o

pre que possível. Além delas,

tudo fica mais fácil no final.

fissional de sucesso e vai para

mesmo

muitas

personalidades

Não tenha medo: todas pas-

as festas com as amigas é por-

sociedade.

mais

famosas já assumiram defen-

samos por isso e descobrimos

que

perto de nós do que podemos

der o movimento feminista, co-

que no final, ser mulher é incrí-

imaginar.

mo as atrizes Emma Watson,

vel. (Bruna Carnielli e Mariana

Viola Davis, Thaís Araújo e Ma-

Padovesi)

lutaram

por

várias seus

mulheres

direitos.

E

essa luta ainda continua.

na isso

Está

vida está

presente

em

em

pequenas ações do dia a dia.

outras

nas

Fotos: Arquivo Pessoal

participar das conversas, sem-

E

umas

quer

que

valor

para

canal

esta-

gênero,

atrás

seja,

de

que

usa as roupas que quiser, so-

ou

igualdade

do

família, na escola ou na roda

O

sabe

que

jovens,

outras,

Quem não é recatada

Este jornal laboratorial é uma produção do 5º semestre do curso de Jornalismo da PUC-Campinas

Anna Beatriz Viganó, 21 anos, repórter

Mariana Padovesi, 20 anos, editorialista e diagramadora

Curiosa e feminista assumida há um ano. Sofreu assédio

Assumiu-se

psicológico numa relação abusiva e não tem medo de

Antes disso, não sabia como mostrar sua luta no cotidiano.

feminista

pela

primeira

vez

no

Ensino

Médio.

assumir ou falar sobre o assunto.

Ariane Roque, 20 anos, diagramadora Descobriu

seu

empoderamento

após

passar

Mariana Torelli, 20 anos, repórter por

uma

transição capilar. Adeus, padrão!

Teve um ex-namorado que terminou o relacionamento quando ela o chamou de machista e ele não concordou.

Bruna Carnielli, 20 anos, editorialista e diagramadora

Rafaela Guarnieri, 20 anos, cronista e editora de texto

Aprendeu a ser feminista com a mãe, que, mesmo não

Com 14 anos, decidiu nunca ignorar uma mulher que precisa de

sabendo o significado do termo, sempre a ensinou sobre

ajuda.

empoderamento.

Giovanna Giuga, 19 anos, repórter

Rafaella Gianoni, 20 anos, diagramadora

Menstruou pela primeira vez com 10 anos e não entendia

Sofreu abuso psicológico e físico e não quer que ninguém se

porque teria "virado mocinha” só a partir de então.

cale nessa situação.

Julia Vilela, 19 anos, repórter

Rebeca Dias, 20 anos, fotógrafa

Embora nunca tenha se dado bem com as ciências

Nunca gostou de tirar fotos por que se sentia fora do padrão

exatas, admira as mulheres que seguem nessa área,

da beleza. O feminismo a ensinou que o melhor padrão de

enfrentando o sexismo nela existente.

beleza é ser você mesma.

Juliana Doretto, 39 anos, editora-chefe (e professora)

Victória Pinese, 20 anos, repórter

Acredita que a educação, o jornalismo e o feminismo são

Na primeira vez que menstruou, pensou que seu mundo tinha

poderosas forças para tornar o mundo em que vivemos

acabado. Hoje ela ainda vive, menstrua e passa bem.

um lugar melhor.

2

Abril 2020


Reportagem

Fazendo as contas da inclusão

Estudantes e professoras contam como é ocupar espaços no campo das ciências exatas Julia Vilela Dos 27.820 pesquisadores

de

que expõe suas ideias em sala

Universidade

de aula, seus colegas de classe

disciplina em uma sala só de

professora

do

homens: “Evitava tirar dúvidas

Informática

da

exatas e da terra no Brasil, so-

por

Federal

Paraíba

mente um terço são mulheres.

minuir,

Esses são números divulgados

eu

pela plataforma on-line Open

matéria, por ser mulher”.

com

Box

doutorado

da

em

Ciência,

ciências

projeto

que

reúne dados do governo federal para identificar as atividades

de

cientistas

lançada

em

mulheres,

fevereiro

deste

ano. Ocupando espaços nesse universo em que os homens são maioria, estudantes do ensino técnico

e

de

cursos

universi-

tários na área de exatas relatam que, para persistir na área, é

necessário

lidar

com

muito

preconceito e vencer desconfianças. Marina Torelli, de 23 anos, está no quinto ano do curso de engenharia mecânica da Unicamp

(Universidade

Estadual

de Campinas). Ela declara sentir constantemente a necessidade de se esforçar para ter o respeito de seus colegas. “Sei que estão reparando nas minhas falhas”, diz. Em seu curso, de 140 vagas, apenas 14 são ocupadas por mulheres. No entanto, Marina diz que esse cenário a estimulou a seguir, ainda mais determinada, na área em que desejava. “Se nós mulheres não ocuparmos esses es-

achar

que

iriam

me

di-

que

entendido

a

argumentando

não

teria

Aires ao

da

dedica

tema

Centro

suas

das

Josilene

a ignoram e relutam a admitir

pesquisas

que ela está certa. Ela diz não

mulheres

nas

exatas. Ela é uma das idea-

Em 2019, com a ajuda de

lizadoras do projeto Meninas

colegas e professores, ela co-

na Computação, formado por

locou

ex-alunas da UFPB, que pro-

em

prática

um

projeto

que tinha em mente desde o

move,

início de sua vida universitária:

tras, oficinas de programação,

reunir meninas de escolas pú-

robótica e desenvolvimento de

blicas e realizar oficinas, pales-

jogos e aplicativos e debates

tras e rodas de conversa com

em cinco escolas da Paraíba.

pesquisadoras projeto

das

recebeu

M.A.F.A.L.D.A.,

exatas.

o

nome

que

semanalmente,

pales-

O de

significa

ter dúvidas de que terá que lidar com o sexismo na profissão que escolheu seguir, “é tudo sempre mais difícil para as mulheres”. Amanda Figueiredo, 20, é estudante

Segundo Josilene, a ideia de

em

Campinas,

química.

Laura Freitas, professora de física da Escola Estadual Culto

res e homens em áreas específicas. “Como se diz na so-

à Ciência, de Campinas, e uma

ciologia e na educação, du-

das coordenadoras do projeto,

rante a infância as crianças

relata ter sofrido sexismo (pre-

vão sendo adestradas a rea-

conceito

lizar certas atividades, o que

baseado

no

gênero

ou sexo da pessoa) durante a

provoca

faculdade

trabalho”, esclarece a pesqui-

e

sua

vida

profis-

sional. “Na universidade, sem-

a

divisão

sexual

do

sadora. Assim, ela diz que, ao

pre que me destacava, escu-

contrário do que se acredita,

tava

relacionan-

os homens não têm mais ap-

do meu sucesso à minha roupa

tidão para lidar com a tec-

curta e ao meu decote, mas

nologia, mas apenas são mais

nunca à minha capacidade e

preparados para isso durante

esforço”,

viu-se

a infância.

obrigada a mudar a maneira

Nicole

comentários

conta.

Laura

que

no

seu

nenhuma

mulher

na

de

17

anos,

de se vestir e deixar de ir so-

sente isso de perto. Ela está

As mulheres também são mi-

zinha à sala dos professores,

no

noria no curso de Matemática

na tentativa de fazer com que

Computacional

tivar estudantes de escolas públicas

a

escolherem

sua

profissão nas ciências exatas, através de oficinas, palestras e exibição de filmes.

nos

visitam,

conosco.

mentam Amanda

as

eles

Nem

cumpri-

mulheres”,

diz

não

conta.

encontrar

moti-

Meninas SuperCientistas É

um

evento

que

incentiva

meninas a seguirem carreira na

ciência.

São

realizadas

vação em sua mãe, engenheira

visitas a museus e laborató-

química. “Ela é a única mulher

rios e palestras e oficinas co-

na área dela e batalha todo dia

mandadas por cientistas mu-

para provar que lá também é

lheres,

lugar de mulher.”.

escolas

Também mãe,

que

incentivada

atua

na

área

pela de

com

65

alunas

públicas

e

de

particu-

lares. As inscrições são feitas no site (www.ime.unicamp.br

exatas, Rafaella Konno, de 23

/meninassupercientistas/),

anos, é formada em estatística e

mas, por conta da pandemia

atua como analista de dados de

do coronavírus, o evento de

pesquisa de mercado. Rafaella

2020

conta

gra-

cada. A equipe do projeto é

comen-

formada por alunas e profes-

que

duação

durante

ouviu

sua

muitos

tários dizendo que ela deveria

Leite,

Freitas, o grupo busca incen-

com/mafaldaunicamp.

falam

Desenvolvimento em ciênciA.

diz

a Escola Estadual Aníbal de

homens. “Quando os donos da

preconceito que divide mulhe-

o

Ela

entre institutos da Unicamp e

Contato: www.facebook.

empresa

Liderar

em

Criado a partir de parceria

cuidam da produção são todos

para homens é na verdade um

para

são

trabalha

M.A.F.A.L.D.A.

diretoria e os funcionários que

engenhariA

exatas

e

trabalho o preconceito é nítido.

que

ciências

química

uma multinacional da área de

Meninas na químicA, Física e

as

engenharia

da Universidade São Francisco,

Não

Desde cedo

de

Conheça coletivos que incentivam meninas nas exatas

não

tem

data

mar-

soras da Unicamp.

seguir outra profissão, pois seria muito difícil trabalhar com exa-

Elza

tas sendo mulher. “Mas no meu

médio técnico em eletrônica

Formado por alunas, docen-

trabalho é diferente. A maioria

os comentários maldosos aca-

da Escola Técnica Rubens de

tes e funcionárias do Instituto

é mulher, inclusive minha super-

bassem.

No trabalho, ela diz

Faria Souza, em Sorocaba, e

de Matemática, Estatística e

como conta Carolina Idelfonço,

visora”, diz ela, atribuindo esse

que já foi questionada algu-

quer cursar ciência da com-

Computação

de 24 anos. Em 2016, ano em

fato à política de inclusão da

que ingressou na universidade,

mas vezes se teria “pulso forte”

Unicamp, propõe ações para

putação.

empresa em que trabalha. Ela

de 155 calouros, menos de 30

para controlar a sala de aula.

tem duas meninas, contando

conta que a instituição promove

paços nada nunca vai mudar.”

da

Unicamp,

terceiro

ano

“Na

do

minha

ensino

sala

eram mulheres. Carolina relem-

Graduada em ciência da

comigo, e a maioria dos meus

debates

bra que se sentiu pressionada

computação, mestre e doutora

professores são homens.” Ni-

para que as mulheres da equipe

quando

em redes de computadores, a

cole conta ainda que, sempre

não se sintam injustiçadas.

teve

que

fazer

uma

e

rodas

de

conversa

Científica

da

a prevenção e enfrentamento de casos de assédio no instituto. Contato: www.face book.com/GrupoElza.

dis

Carolina Idelfonço Amanda Figueiredo

Josilene Ai res

50 40

no lla Kon Rafae

30 20

Laur a Fr eita s

10 0

Item 1 Item 2 Item 3 Item 4 Item 5

relli Marina To

Fotos: Arquivo Pessoal

Abril 2020

3


Reportagem

Sangue, absorvente e liberdade Tabu, vergonhas e medo acompanham a menstruação, mas algumas mulheres começam a entender que não há nada errado com o ciclo do seu corpo Giovanna Giuga e Victoria Pinese Você já ficou com medo de contar

que

porque

estava

estava

com

dor

menstruada?

mais que Bianca trate a mens-

gostam que as crianças vejam

rem

truação com naturalidade hoje

os absorventes e acham que é

Jaqueline também afirma que

em

algo

“os

“Até

gosto

de

tabus

nos

condicionam

a

menstru-

não foi sempre assim e que “até

estudante de jornalismo Laura

vergonhoso até hoje” e que, em

vez?

o ensino médio os absorventes

Peternela, de 19 anos, que teve

razão disso, “devemos introduzir

eram

sua primeira menstruação aos

esse tema na educação escolar

15. “Eu já tinha noção do que

desde cedo”.

que

pela

estava primeira

um

absorvente

para

esses

receios

são

normais

e

acontecem porque o biológico fato de menstruar é cheio de tabus.

“A

menstruação

é

um

fator de dúvida e desconforto para a adolescente, além de ser

um

momento

em

que

também se criam vários tabus”, conta

a

psicóloga

Maluf.

“Mas

essas

Lucimara

visões

têm

que ser quebradas.” E a experiência pode ser traumática desde cedo. Muitas meninas

menstruam

muito

novas, ainda na infância, e não conseguem entender direito o que está acontecendo nos seus corpos.

Por

isso

é

muito

im-

portante que a família converse abertamente

sobre

mens-

truação e trate o assunto com normalidade,

para

que

a

—,

ela

conta

totalmente

que

escondidos

dos colegas."

fazendo algo proibido? Todos

linguagem

de

“Com

uma

criança

você

moro

com

meus

avós,

de

sangue

apareceu pela primeira vez: “Eu já

sabia

o

estranhei

e

que

era,

me

mas

senti

des-

confortável, até minha mãe me explicar”. A psicóloga Lucimara Maluf explica que isso está ligado à mesma vergonha que temos de “fazer

o

número

2”,

ou

seja,

cocô. Ela esclarece que é um medo de as pessoas saberem que temos necessidades fisiológicas: “É cultural e é, também, um tabu”. A menstruação é a perda de sangue pelo canal vaginal das Geralmente,

acon-

A primeira pessoa para quem contou foi sua avó, que só a partir de então lhe explicou o básico sobre o assunto. Porém, questões

pessoas

pessoas,

principalmente

ho-

mens, enxergam como algo sujo pelo fato de a sociedade ser machista e patriarcal”.

Em relação a isso, a socióloga Godoi

afirma

que

a

vergonha em relação ao corpo feminino

não

foi

mulheres, “Há

inventada

e

sim

cerca

pelos

de

7

mil

esse sistema de exploração e de dominação, o que chama-

criança

desde

pequena

vagina

e

a

vulva.

anos começaram a consolidar

de-

Quando se menstrua, o endo-

mos

veria ter uma conversa aberta

métrio (parte interna do útero)

Além disso, explica que “foi a

com a mãe sobre isso, tanto

fica

meninas

sangue),

como

meninos.

Eles

devem saber o que é.”

mais

para

grosso, pois

(com

está

receber

partir da necessidade de manter as mulheres sobre o domínio

embrião.

A estudante de engenharia

Porém,

se

dação,

ocorre

20

do tecido interno do útero, que

anos,

menstruou

pela

primeira vez com dez anos e

houver

fecun-

descamação

calcinha. Ela só descobriu que

que

foi

algum

imposto

tipo

de

sobre

elas

estranhamento

em relação à própria condição

nião

Conversa em casa

é

a

Jaqueline

tranquila”, conta Amanda, que mora em Santa Rita do Passa Quatro. Muitas meninas, no entanto, mesmo dade

sentem

da

naturali-

menstruação,

vergonha

de

ainda

transpa-

recer para alguém que estão “naqueles

dias”.

Fernanda

(nome fictício), 19 anos, é estudante

de

Ela

gestão e

e

análise

menstruou

se

lembra

com

que

sua

primeira reação foi a de desespero, já que achou que aquele sangue se tratava de um machucado.

Como

estava

na

escola, Fernanda procurou uma monitora para a ajudar, mas se espantou

com

funcionária:

a

reação

“Como

eu

da

estu-

dava em um colégio religioso, ela evitou me explicar sobre o assunto

e

me

disse

como

colocava o absorvente”. A adolescente ainda conta que

se

sentiu

extremamente

envergonhada quando chegou em casa e ouviu de seu pai que

também Andreia a

psicóloga

da

Silveira.

não sabia nada sobre sexo.” A psicóloga Jaqueline afirma que

a

a mulher é constantemente se-

a

xualizada e que “infelizmente, a

esse diálogo aberto em casa.

conversa

seguinte, quando sua mãe lhe

Há algumas famílias que escon-

compreensão da menstruação,

opinião

é

especialista,

que poderia ter filhos. "Mas eu

dia

no

sabendo

da

Segundo

menstruado

mens-

para contar, mas estava bem

Nem todas as meninas têm

tinha

nutrição,

era melhor se cuidar agora, já

corporal”. Quem compartilha dessa opi-

sai em forma de sangue.

lembra que não sabia o que era o sangue que aparecia na

patriarcal”.

muito

de alimentos Bianca Melloni, de

a

sistema

preparado

um

não

de

de

chamei minha mãe no banheiro

dez.

Patriarcado Stela

estudante

ambiental,

útero,

a

dois

o

a

que

por

discutir

a

afirma

formado

deveriam

tabu: “É algo natural, mas as

homens:

é

e

assunto, e não o tratar como um

pelas

reprodutor

fluxo

as colegas. Ela acredita que as

dias.

sistema

ciclo,

sintomas foram detalhadas com

diferente, mas a média é de 28 O

como

a

vejo

anos,

conhecimento do assunto. “Eu

fluxo

ovários, duas tubas uterinas, um

“Eu

19

truou com 12 e já tinha um certo

o

pode explicar à menina o que é menstruação”,

Eidt,

Paulínia.

que

conversado

Amanda

sobre isso”, diz a moradora de

em

tínhamos

feminino

psicóloga.

algo

reagir à situação no momento

pode ter um ciclo de duração

nova.

é

ção,

situação

totalmente

menstruar

anos e conta que não soube

tece todo mês, e cada mulher

naquela

que

nunca

se

está

pensar

como

dez

com

a

também

com

convivência

foi

Ao contrário de Laura, que

compreenda

que

isso

ficou nervosa com essa situa-

menstruou

pela

por

minhas amigas da escola, mas,

campineira

era

passou

Júlia Cruz Falcão, de 14 anos,

adolescente

mulheres.

o

Quem

as

A

menina se sinta confortável e

passando

a

base

para

dos

homens

sobre

o

explicou o que havia ocorrido.

dem o assunto, por vergonha,

que, para ela, é visto como algo

corpo das mulheres tem mais

“Comecei

conservadorismo,

proibido

antigas

importância

do

que

Além

Jaqueline

a

chorar

muito,

porque eu não entendia o que estava acontecendo”, afirma a universitária,

que

mora

em

Santa Bárbara do Oeste. Por

Fotos: Arquivo pessoal

Lucimara.

alguém

uma amiga como se estivesse

Abril 2020

conta

impuras”.

menstruar”

passou

4

sujo”,

como

Sentiu vergonha de dizer para

ando

IStock

dia

vistas

não

saberem

conversa, mais

ou

como

deixando

resistente.

até

por

iniciar o

"Muitas

a

tabu mães

escondem a menstruação, não

desde

civilizações.

as

Achavam

o

disso, a

que

expressão

deveria”. explica

sangue menstrual era algo sujo

que

e até mesmo venenoso, além de

cinha” é o modo como a so-

as mulheres nesse período se-

ciedade parabeniza a menina

Lucimara Maluf, psicóloga,

Bianca Melloni, 20, aprendeu

Julia Cruz Falcão, 14, buscou

acredita ser o diálogo a

a conhecer seu corpo e

apoio nos discursos vindos de

força para quebrar tabus

gosta de menstruar

outras mulheres

“virou

mo-


ou a adolescente por estarem virando

adultas,

pessoas,

nesse

porém

“as

processo,

es-

crianças

ir

ao

banheiro

e

não

querer

falar o motivo por vergonha."

Dores Outro tabu muito comum entre

relata

as jovens é o uso de anticon-

ba-

duas situações marcantes nes-

cepcional. Por ser um método

sicamente, de um dia para o

se universo feminino. “Uma vez

contraceptivo,

presenciei

julgamento

peram

que

outro,

se

as

comportem

como

adultas”.

Manchas Além

conversar é

lidar

na

públicos.

com

situações

como

man-

em

locais

roupa Essa

sobre

importante

constrangedoras chas

universitária

situação

é

o

famoso “confere pra mim se tá manchado”: aquele medo de a

a

ainda

cena

de

tecer, mas calma: Você não é a

única,

pois

todas

pas-

ela

depoimentos de mulheres na internet. Isso nos conforta,

e

não

e

péssima

que

por

se

estar

achar

acredita

uma

as

saída

que

é

jovens

a

para

esse

tipo de situação: “O que não podemos

é

fazer

disso

um

trauma, porque não vai ajudar a

enfrentar

situações

acontecerão

até

que

depois

de

2) Bianca Melloni:

tenho síndrome do ovário poli-

seu ciclo e os seus sentimentos. Apesar de tudo, é com o

cístico [pequenos tumores be-

serem julgadas.

tempo que aprendemos a lidar com essa nova e linda fase

nignos com

no

que

órgão], eu

o

fique

que

um

faz

longo

período sem menstruar. E eu me

sinto

mulher

quando

Falando de momentos constrangedores, se lembra da Jú-

roupa, mas, além da calça, o sangue

escorreu

até

o

sofá

branco de uma amiga. "Eu me desesperei quando senti descer, e o meu maior medo era que

o

irmão

mais

velho

da

minha amiga visse”, conta. Já com

a

Bianca

e

Amanda

aconteceu

a

quando

usavam biquíni. Bianca estava na praia com seus pais, e a

empresas

Iglesias,

menstruação desceu: “Mesmo

11

48

Ana

anos,

Paula

anos,

usando o absorvente, o sangue

lembra que viveu uma situação

começou a escorrer pelas mi-

constrangedora

nhas pernas, e eu fiquei com

que

menstruou

com

na

adoles-

estava

na

escola.

A

eu

minha

contra-

dez,

também

regula

a

tabus, é preciso falar do assunto”.

mens-

truação e diminui a cólica e o

4) Laura Peternela:

fluxo menstrual”. Portanto, mui-

homens da forma mais natural possível para que eles

tas

meninas

o

utilizam

“Falem

de

menstruação

com

os

para

entendam que não há vergonha nenhuma nisso. Assim,

essas outras questões, mas há

outras pessoas podem se inspirar nisso e criar coragem

aquelas que o usam como mé-

para debater o assunto de uma forma natural”.

todo contraceptivo e, “também não há nada de errado nisso”,

5) Laila Cruz:

diz a médica.

bom para o corpo. É uma renovação e uma limpeza do

Conforme explica a ginecologista, o anticoncepcional pode ainda

“Amadas, menstruar é normal e é muito

corpo. Você não está doente e não está ‘naqueles dias’. Você está menstruada. Uma coisa normal".

reduzir os sintomas da

tensão pré-menstrual (TPM), que

6) Stela Godoi:

é causada pela alteração hor-

de reproduzir o machismo. Ele apenas reforça o tabu”.

“Atente-se às suas falas e ações e pare

monal durante o período menstrual,

interferindo

no

sistema

7) Ana Paula Iglesias:

“Acho que as mães ou qualquer

nervoso central. A mulher nesse

pessoa que seja um apoio para a menina deve conversar

período

com ela, para ajudá-la. Ter mais diálogo ajuda a perceber

pode

sentir

cólicas

e

também inchaço nos seios. Entretanto,

existem

quando a menina está passando por problemas”.

aqueles

de sentir vergonha, e acho que mais informação ajudaria

dante Bianca Melloni, “são igno-

na quebra desse tabu, já que as pessoas saberiam mais

está

me

rantes as pessoas que afirmam

detalhadamente sobre o ciclo menstrual”.

envergonhou”,

ser vitimismo a TPM. E a maioria

um

E

sangrando”. e

me

Amanda

churrasco

uma amiga para amarrar na

afirma a estudante.

Já a também estudante de

a

lheres. Mas, como diz a estu-

em

marcou

diz Ana Paula.

não

seu professor disse: “Sua perna

vergonha”.

sorte foi pegar o casaco de

cintura e esconder a mancha”,

avançarmos cada vez mais nesse tema e quebrarmos os

que

piscina com sua turma quando

"O

que

3) Lucimara Maluf: “Como psicóloga, acredito que, para

funções

biológico, pelo qual todas passam. Não há necessidade

estava manchada de sangue. foi

o anticoncepcional tem outras

8) Fernanda (nome fictício):

avisou que sua calça branca

estava

tudo

biológica que é menstruar”.

vitimismo ou desculpa das mu-

muita

de

logista e obstetra Magda Ricci,

“Meninas, conheçam o seu corpo, o

que julgam essa situação como

cência, quando um menino a

pior

Segundo a médica, gineco-

ceptiva: “Além de evitar gravi-

a

com

porque entendemos que acontece com todas nós”.

mam o remédio por medo de

paulistana e administradora de

Hoje

vida

assim,

tas meninas escondem que to-

vergonha

adultas”.

sua

bem

vez foi quando descobri que

meninas, ela já manchou sua

orientar

é

'fazendo algo errado'.“ Outra

lia? Assim como a maioria das

preciso

iniciou

necessariamente. Por isso, mui-

um dia ou já ajudaram alguma

Lucimara

“Procure alguém com quem você

sexual,

escola

saram ou vão passar por isso

amiga a sair dessa situação.

1) Júlia Cruz Falcão:

mente

da

não desce”, conta Laila.

acon-

uma

cadeira

vente.

sim,

pré-

se

amiga que havia manchado a

não

pode,

um

que,

tenha intimidade para falar sobre o assunto, ou busque

menstruação vazar do absorIsso

uma

de

Dez mandamentos contra o tabu da menstruação, segundo as mulheres

garota faz o uso dele, certa-

sentiu de

menstruação, saber

A

“Isso

na

“Menstruação

é

algo

que reforça isso, ou seja, ho-

A socióloga Stela Godoi ex-

9) Magda Ricci: “Meninas, procurem uma ginecologista e

mens, não vive essa situação na

não tenham vergonha de fazer perguntas. Esse processo

plica que essa vergonha que

pele”. Ainda de acordo com ela:

é natural, e todas as mulheres o enfrentam”.

temos

“Esse é o nosso lugar de fala.

em

relação

à

mens-

10) Jaqueline Andreia da Silveira:

jornalismo Laila Cruz, de 20 a-

truação é fruto do disciplina-

Nós

nos,

mento

produzido

menstruação. Esperamos que as

menstruamos,

apenas nove anos de idade e

pelo patriarcado, sobretudo na

mulheres não se vitimizem e não

conhecemos, melhores serão as decisões que tomamos

já sentiu muita vergonha disso.

era

enfraqueçam

em relação a nossa saúde. Com liberdade e conheci-

"Aconteceu,

aquilo que remete à condição

que nos faz enfrentar descon-

do feminino a ser escondido”.

forto todos os meses”.

menstruou

quando

várias

tinha

vezes,

na escola de eu precisar muito

dos

corpos

moderna,

levando

“tudo

é

que

podemos

esse

falar

motivo

de

real

e

está

tudo

bem.

“Mulheres, todas nós Quanto

mais

nos

mento, é natural que o assunto deixe de ser vergonhoso”.

Jaqueline Andreia da Silveira, psicóloga, ressalta o desafio de quebrar o tabu existente Laura Peternela, 19, não sente

Laila Cruz, 20, acredita

mais vergonha de falar sobre

que menstruar

menstruação com homens

é se sentir mulher

Abril 2020

5


Seção

Dê para ele...

só Mas ! ler?

ler

Todos os homens são machistas? Mariana Torelli Esta seção é para você dar para um homem. Dê este texto para ele ler. Aqui, serão abordados assuntos que os homens precisam ler com muita atenção. São temas que, muitas vezes, nossos pais, amigos e companheiros não gostam de abordar, mas que precisam ser debatidos para que a sociedade seja melhor em vários aspectos. Quer um exemplo? Pesquisa realizada pelo instituto Avon, pelo DataPopular, em 2013, com cerca de 2 mil jovens de 16 a 24 anos, diz que 96% dos entrevistados

Resposta da especialista Os homens naturalizam as ações machistas, diz sexóloga

consideram que a sociedade brasileira ainda é extremamente machista. Assim, o primeiro assunto desta seção é o machismo. O

Nada Recatadas ouviu alguns homens de

A

psicóloga

do

Centro

de

Referência

LGBT

de

diferentes idades, classes sociais e profissões, todos moradores do Estado de São Paulo, para

Campinas Bárbara Menêses acredita que nem todos os

entender se eles se dizem ou não machistas.

homens podem ser considerados machistas. Além disso, esse

tipo

também

de por

comportamento mulheres,

pode

quando,

ser

por

desenvolvido

exemplo,

elas

Wellington dos Santos Silva, 21 anos. Gestor ambiental,

Felipe Jacomasso Carbonari, 21 anos. Estagiário em design

defendem os estupradores: “Elas dizem que a

mora

com

digital.

sairiam com uma roupa assim, já que o lugar é perigoso”.

irmão

em

os

pais

Cotia.

e

com

Ele

o

define

com

Mora

com

os

irmã

mais

velha,

a

pais

e

em

machismo como pensamentos

Jundiaí. Ele diz que o machismo

ou atitudes que rebaixam as

é a forma como nossa socieda-

mulheres. E, por causa disso,

de

diz que não se considera ma-

várias

chista,

que

porque

dessa

forma.

mulheres

não

“Para

são

pensa

mim,

as

essenciais

na

vida humana, porque sem elas não seria possível gerar vidas.”

privilegia

os

homens

ocasiões.

é

E

machista

em

reconhece em

certas

situações e em alguns pensamentos: “A primeira impressão

mulher

pediu, por conta do tamanho do short. Falam que não

Os comportamentos machistas dos homens podem ser vistos, por exemplo, em assédios sexuais (leia reportagem na página 7), quando eles usam palavras pejorativas ao falar com uma mulher, ou quando uma garota não consegue achar um espaço de fala, pois sua capacidade intelectual é julgada menor, apenas por não ser homem. Bárbara, que também é sexóloga, ainda diz que, por

que eu tenho é que mulheres é

mais que as pessoas venham mudando, nós ainda vivemos

feio ver uma moça xingando.

em uma sociedade em que o papel do homem e da

não

podem

Mas

isso

xingar,

é

porque

errado,

porque

qualquer um pode xingar”.

mulher

são

muito

rígidos:

“Quem

limpa

a

casa,

faz

Fotos: Arquivo pessoal

compras no mercado, cozinha e cuida dos filhos é a

Caio de Moraes Zohrer da Costas, 16 anos. Estudante do

André Moraes, 20 anos.

curso

de

técnico

agropecuária.

Estagiário em desenvolvimento sistemas.

Mora

com

o

mulher. O homem fica responsável por pagar as contas”. Outro

exemplo

sociedade

de

é

o

que

pensamento o

cargo

de

estabelecido

secretária

deve

pela ser

Mora com os pais em Jundiaí.

padrasto, a mãe, a avó e um

ocupado somente por mulheres, enquanto a direção da

Tem uma irmã mais velha, que

irmão

empresa é de um homem: “Um dos motivos para isso

não mora com eles. Machismo,

afirma que tem alguns pensa-

na

mentos machistas: “Às

visão

homem às

dele,

se

é

quando

considera

mulheres”.

Como

“o

superior ele

não

em

Mogi

Mirim.

Ele

vezes,

penso que amigas minhas conseguem

bons

empregos,

por-

tem esse pensamento, não se

que conhecem algum homem

considera machista.

dentro da empresa. Tento me

acontecer

é

devido

à

dupla

jornada.

Se

a

mulher

é

responsável por cuidar dos filhos e da casa ao mesmo tempo que trabalha fora, dificilmente terá condições para crescer em uma carreira executiva”. A psicóloga explica que “para eles, os homens, é algo

policiar para evitar.”

naturalizado reproduzir esses comportamentos, e grande parte não gosta de ser chamado de machista para não

João Pedro Carlos, 20 anos. Vendedor na cidade de Santa

Guilherme Gustavo dos Santos, 21 anos. Assistente

Rita

logístico, mora com os pais e

do

Passa

Quatro.

Ele

afirma com muita certeza que

um

não é machista. “Nos tempos

Jundiaí. A mãe é pastora da

de

Igreja

irmão

mais

novo

em

ter que repensar suas ações”. Nos depoimentos ao lado, por exemplo, os homens não se reconhecem machistas, já que apenas dois entrevistados reconhecem que reproduzem ações que diminuem as mulheres. Mas é possível

É

observar pequenos atos machistas em suas falas, como

buscando a igualdade, e isso

Amor”. Ele não se considera

preservar o “cavalheirismo” ou pensar na mulher sobre-

acaba

incomodando

machista,

homens

‘machões’.

hoje

muito

as

feliz

mulheres

E

quando

estão

certos eu

vejo

fico

Evangélica

mas

preserva como

mulher conquistando o espaço

conta

ainda

que é seu por direito.”

evitar

o

o

diz

alguns

uma

“Deus

que

princípios,

“cavalheirismo”. que

serviço

tudo como alguém que deve parir. Ela diz ainda que esquecemos que homens e meninos

Ele

gosta

“de

também são afetados pelo machismo. É o que ela chama

braçal

das

de “masculinidade tóxica”, que é um modo estreito de

mulheres”.

enxergar a masculinidade, valorizando a força física e tratando as emoções como uma fraqueza. “Ela pode ser

Vitor Felipe Zanotti, 25 anos. Arquiteto e urbanista, divide o apartamento

falam

para

o

pequeno

menino que homem não chora, que não pode demonstrar sofrimento, nem sentimento”, explica Bárbara.

velha, em Indaiatuba. “Não sou

Assim, ser machista ou reproduzir atos machistas faz

respeitar

um cara machista”, afirma. Ele

com que os homens se sintam incluídos. Aquele que é

mas

mulheres pensa

que

como nem

preconceito. “Na minha opinião, todo mundo é um pouco machista, mesmo que involuntariamente.”

Abril 2020

quando

mora com a mãe e a irmã mais

sempre consegue escapar do

6

também,

amigo

iguais,

um

encontrada,

em Jundiaí. Ele diz que procura as

com

Matheus Trevizan Rodrigues Gomes, 18 anos. Estudante,

diz

ainda

que

feminismo, como

“a

é

a

favor

do

que

ele

entende

busca

das

mulheres

pela igualdade entre o homem e a mulher,

tanto no mercado

financeiro ou na vida”.

menos machista é taxado de frouxa, de frágil. “Repensar os

comportamentos

e

valores

exige

tempo,

diálogo, consciência e autoconhecimento”, diz.

reflexão,


Reportagem

Não é só uma cantada

O de caráter sexual é apenas um dos tipos de assédio que podem atingir as mulheres; veja outros Anna Beatriz Viganó Ela

era

adolescente

Fotos: Arquivo pessoal e

um

curtia o Carnaval. Um grupo

de

homens

pedia

crime

menor,

punido

uma

com prisão ou multa.

adolescente.

sem

o

Fiquei

que

dizer.

Ela

relata

que,

sempre

que posta foto de biquíni

in-

Independentemente

Tinha medo de reclamar e

em

ela

tipo de assédio, a lei pro-

fazerem

da

recebe mensagens de ho-

tirasse uma foto com eles.

um

mens

Com

cessantemente

deles

tege as mulheres em todos

situação,

ela

os casos, mesmo que elas

professor

Foi

um

não

vam.

em

casos de crimes sexuais, a

quando

colocou

a

mão

tenham

seu seio, e fez o registro.

palavra

“Internamente

mais

seguia

me

culpar

eu

con-

lamentar

por

e

querer

me

Júlia

Rocha,

estudante

"Em

mulher

21

publi-

que

em

a

de

23

trangedoras

A

advogada

perfil

do

Ins-

da

que, numa linguagem des-

sentiu

complicada,

fessores

São

o

fala

sobre

mulher,

além

conta

no

muitas

desconhecidos

que cons-

ambiente Ela

vezes

diminuída homens

a

elogiando, com uma conotação

sexual.

Uma

vez,

ela não respondeu a uma

fictício),

situações

sociais,

mensagens

pessoa. não dica,

mas

do

ador,

se

que

pre-

ela

a

um

rência

pro-

Milena

reagido

foi pela

diz

que

ajuda

jurí-

poderia

isso,

ter

registran-

boletim

de

contra por

e

"puta"

procurou

relata

por

de

o

ocor-

assedi-

exemplo,

o

que

pode ser feito on-line. Vittória

vi-

sociais que envolvem essa

cedimento na aula, com a

veu um outro assédio, e o

legislação,

página

na

internet

mais

terem

psicológico.

tiça, esse assédio é “uma

gênero.

Esse

da

da

pessoa

dirigida

e

a

configurado

do

muito

é

pode

como

dependendo

Outra forma de assédio

vontade quem

que

que

ser

crime,

compor-

direito

Pontifícia Católica ma

pelo

o

Paraná,

assédio

Código

apenas

no

pode

cometido

ser

a

xual,

que

Bruna

anos.

Em

fala

invasiva, a

psicó-

Flores,

seu

28

constrangem

Nesse diz

procurar do

curso

lência

mudanças,

mas,

psicológicos

ví-

ela

a

po-

coordee

contra

as

ficaram

desse

comigo.

marcas

que

relaciona-

mento abusivo.”

exigir

A psicóloga Bruna Flores

qui-

diz que a melhor forma de

se

que

ria fazer uma consulta com

acesso à informação. Afi-

do

sofridos

um

nal,

e

tanto por

dos

por

assédios

mulheres

têm

advogado

a

foi

que

de

lidar

que

as-

ter

silenciamento

as

meninas,

mas

os

meninos.

"Eu

en-

que vem se tornando cada

os

garotos

se

pro-

muito

vir-

Bruna

a

uma

sexualidade

na qual eles tentam provar

de

coisas: que é homem, que

a-

sabe

conteça na internet – seja

nina.

me chamar de 'gostosinha

de

para os meninos o quanto

da

curso

o

'brin-

chegou

que

me

até

dei-

é

o

que

suas

Flores,

é

segundo

que

expõem

tipo

turma',

médio.

comum

que,

também vejo

todo

ção

o

um

ensino

ele

seriam

con-

é

constrangimento

"Em

do

com

cadeiras',

que

esse

Outra forma de assédio

advogada

isso

frente à vítima ou ejaculaainda

assédio

são não prejudica apenas

de

o

mulheres

civil ou na criminal.

sensualização

uma

rua,

em

as

senvolver o caso na esfera

da

Maryah,

mais

saber

tra

ta

fessor

casos

para

combater

sobre esse tipo de agres-

força

masturbação

a

precisa-

mais detalhes e, assim, de-

Segundo

de

para

Verônica

conotação sexual por con-

envolve o corpo feminino.

se-

puxões

vários

isso

manipulações

Justiça,

se

levar

a

Maryah

que

nação

tual,

de

caso,

deria

vez mais

nela.

a di-

Hoje, eu luto todos os dias

e

ter

sédio

jogos

fazia

lham

frentou M., de 19 anos, ao

em

psicóloga

sair e

e

cabelo, agarrões, beijos à e,

a

de

amigos “Ele

o

ex-par-

proibia

seus

versos

segundo

todos:

Bruna, são falas que humi-

Salgado

mulher,

a

com

que,

trata de temas sobre vioa

ceiro

humilhava.

@psicologabrunaflores, ela

contra

como

de Seu

sesse

importunação

graves,

constrangi-

encaixa-se

velado

exemplo de assédio moral,

tima.

Instagram,

de

firme”.

mental. Ela ressalta ainda

quanto

são

ou

explica

loga

colegas. Mas a lei também pune

verbal,

qualquer

tipo

mento

mais

além de falar sobre saúde

trabalho

superiores

o

mão

afir-

contexto

de

é

a

que

sexual,

Penal,

ambiente

por

pela

Universidade do

que

seria

segundo

Maryah Fonseca Salgado, em

comum

desagradável

tamento do assediador”.

formada

ma-

pro-

justificativa de os "homens

independente

o

algum

chismo e o preconceito de

grosseira,

como

fizessem

Conselho Nacional de Jus-

manifestação

do

contextos

psicologia,

conta

de

os

sala

de

ter

explicar

anos,

de

mo assédio que tem caráa

20

estudante

direitos

Segundo

feriam que os meninos da

Gonçalves,

que o direito entende co-

sexual.

da

que

redes

chamada

faculdade.

tagram

constrangedoras.

@mulherdedireitos,

por

são

situações

dei-

suas

dessas

anos,

ma

o

acabei

(nome

passa

Maryah.

ama-

A estudante de medicina Verônica

produção de provas", afir-

alimenta

era

todos

Então,

cidade e propaganda, não apenas

pois que

Assédio moral

a

lu-

dificultam

caso

xando por isso mesmo.”

tem

pois

acontecem

gares

de

de

da

relevância,

casos

Depoimentos como esse,

anos,

provas.

Justiça entende que esses

tirar

aquela bendita foto."

de

pouco

insistência,

a

permitiu.

que

do

saber

viés de

sexual, ódio,

seja seja

dis-

divul-

essa

conquistar É

uma

preciso

cultura

me-

mostrar

também

os

os assovios, as falas desa-

xou muito envergonhada e

gação de dados pessoais.

afeta, com vídeos e filmes

gradáveis

até

É o caso vivido por Milena

sobre

Dias,

dialogando",

(como

uma

constrangeu

"cantada”), ou uma intimi-

Os

dação.

gostaram

A

lei

o

enquadra

como contravenção,

ou

colegas

de

de

a

turma.

sala

ouvir

um

primeiro

lugar,

procure

ajuda

para

Atendimento oferecido

o à

pela

número Mulher.

Secretaria

180,

Esse

a é

Central

de

de

serviço Políticas

para Mulheres, órgão do governo federal, com o objetivo

de

receber

denúncias

e

ministração

de

de

ad-

empresas,

de 21 anos.

o

tema

e

também

diz

Bruna.

Ela defende que isso seja feito em casa e na escola.

emocional,

um

Nacional

Júlia sofreu importunação sexual

estudante

Instas legais para seguir e ficar informada

conversando com pessoas de sua confiança. Ligue também

a-

dulto falar dessa forma de

O que eu faço se fui assediada? Em

não

relatos

de

@mulherdedireitos

@mulheres.historicas

A advogada Maryah

Nesse Instagram, você

Salgado fala sobre

vai saber mais sobre

direito das mulheres de

feminismo e mulheres

forma descomplicada.

que mudaram a história.

@psicologabrunaflores

@naoe.amor

A psicóloga Bruna

Chris Menezes, que viveu

Flores trata em seu

um relacionamento

Instagram sobre temas

abusivo, ajuda mulheres a

como saúde mental e

conquistarem a

feminismo.

independência emocional.

violências ou assédios. Os atendentes orientam as mulheres

sobre

seus

direitos

e

as

encaminham

para os serviços de ajuda, quando necessário. Depois

de

realizar

a

ligação, você pode ainda registrar

um

ocorrência

na

boletim

de

delegacia

mais próxima ou de forma

ligue 180

on-line.

Abril 2020

7


Rafaela Guarnieri

Crônica

Quem cala nem sempre consente Não podemos nos silenciar diante da violência doméstica Rafaela Guarnieri Era meio-dia e meia quando ela

chegou

da

escola.

O

medo de falar algo que pudesse desencadear um surto de raiva. A

trajeto do ônibus era sempre o

mais

mesmo,

adolescente

mas

significava

o

marasmo

não

que já se acostu-

simples

que

frase

bastava.

encarava

estava

de

a

olhos

própria

curvas a deixavam nauseada -

tentando decifrar qual tinha sido

talvez

de

o

de

nesse

porque

estivesse

vazio

e

morta

problema

mal

na

mara com a demora. Todas as

estômago

comida

A

mãe,

fixos

tocada,

daquela

momento

vez.

que

Foi

notou

Espaço para arte

o

Um grito potente contra a violência Esta música, composta pela Mc Carol com Karol Conka,

fome. Ficava pensando na tão

hematoma no rosto da mulher. A

representa a realidade de

esperada hora do almoço. A

leve macha roxa na pele. Mas

muitas mulheres brasileiras,

hora do descanso.

não disse nada. A menina nunca

assim como na crônica "Quem

dizia nada.

cala nem sempre consente". A

A menina, com apenas 14

Mc, que é também ativista

anos, pensava que tinha uma

Ouviu-os na noite anterior, no

vida extremamente corrida. Era

entanto. Os barulhos de portas

social, negra e periférica, traz

chegar, almoçar, estudar, lim-

batendo,

em suas músicas temas como

par,

gritos abafados. Deitada em sua

racismo, sexualidade e violên-

começar tudo de novo no dia

cama,

cia contra a mulher.

seguinte. Quando tentava es-

dezenas de vezes, perguntara-se

tudar, era sem concentração.

o

Não conseguia pensar em nú-

alguma

meros ou mitocôndrias, coisas

em

das

pouca

Alguém olhou para ela por mais

foram registrados 145 mil casos

ver

a

tempo do que deveria, porque,

de violência.

porque

o

de

jantar,

quais,

idade,

lavar,

com

não

deitar.

sua

conseguia

importância.

Talvez

vestibular

fosse

um

para

futuro

E

problema

os

xingamentos

como

que

tinha

sido

roupa

casa

havia

errada? do

forma,

provocando?

vez:

Dados do Ministério da Saúde mostram que no Brasil uma

Chegou

mulher é agredida a cada

horário?

quatro minutos, e só em 2018

ela

Talvez

os

feito

daquela

depois

alguma

e

estava

fosse

A canção abaixo, "100% feminista%, é uma forma de

muito

mais uma hipótese criada pela

incentivar as mulheres a não e

distante da realidade em que

imaginação fértil, para não dizer

calarem diante dessas situa-

vivia. Além disso, ela ajudava a

paranoica,

ções. Quem cala não consente,

mãe nas tarefas de casa, sem

fato

qualquer

importava. Ele nunca levava os

um

tipo

muito,

de

questiona-

era

que

o

que

pai

o

motivo

O

não

mento, porque fora assim que

argumentos

a ensinaram a fazer. Era uma

consideração,

menina

maneira de lidar com a sua raiva.

boa,

menina

direita,

menina para casar. Naquele

tinha

ninguém

uma

nunca

acreditava em sua mãe: nem o advogado, mesmo tendo os he-

feitas as refeições, estava lota-

matomas

da, porém silenciosa. Ele esta-

policiais, com

va

teis

humor

simples

verdade,

em

e

mau

a

e

esposa

pequena cozinha, onde eram

de

dia,

Na

da

tinha.

de

novo.

como

boletins

prova,

nem

os

seus breves e inúde

ocorrência.

Os

mas para sermos ouvidas o grito tem que ser potente.

100% feminista- Mc Karol [..] "Sou mulher independente não aceito opressão Abaixa sua voz, abaixa sua mão Mais respeito

Problemas no trabalho, ela pre-

vizinhos também não ajudavam.

sumia. Eram constantes os pro-

Ninguém ajudava. Nem mesmo a

blemas

Sempre

pequena menina deitada ali na

que o dinheiro andava escasso,

cama, no escuro do seu quarto,

a menina se preocupava. Não

durante a briga. Não que fizesse

então toma esse dueto

com

alguma

Desde pequenas aprendemos

a

no

trabalho.

queda

no

padrão

de

diferença,

que

não

Sou mulher destemida, minha marra vem do gueto Se tavam querendo peso,

vida, mas com o pai. Com a

conseguiria enxergar nada com

reação

ter.

aqueles olhos cheios de lágrimas,

Quando a época das “vacas

derramadas em silêncio, é claro,

magras” chegava, algo dentro

porque não queria deixá-lo irri-

a justiça não funciona

dele mudava: todo o carinho

tado.

Me ensinaram que éramos

que existia era substituído por

queria. Talvez não pudesse se le-

frustração,

vantar da cama e gritar. Mandá-

que

ele

raiva

pudesse

e

vazio.

Ele

ficava frio, rude, sem paciência.

Mas

buscando

também

rumo,

forma

ao

mesmo

tempo,

lo parar. Talvez ainda não tivesse força,

de

ou coragem, para isso, naquele

insatisfação, e, mui-

momento. Mas, mesmo encolhida

tas vezes, acabava não encon-

no escuro, sabia que um dia ela

trando o melhor caminho.

teria. Cresceria, estudaria, teria

sanar sua

alguma

sem

Mas,

que silêncio não soluciona Que a revolta vem à tona, pois

insuficientes Discordei, pra ser ouvida, o grito tem que ser potente (...) Represento Nina, Elza, Dona Celestina

A mãe estava cabisbaixa,

um emprego e a tão almejada

Represento Zeferina, Frida,

servindo a todos a comida, no

independência financeira, aque-

Dona Brasilina

prato. Outros de fora, que a

la que sua mãe sempre a acon-

olhassem, pensariam que esti-

selhara

vesse triste, mas na verdade o

deria mais dele, ou de ser algum.

rosto dela estava sempre as-

Só dependeria dela própria.

a

buscar.

Não

depen-

Tentam nos confundir, distorcem tudo o que eu sei Século 21 e ainda querem nos

sim: triste. Sentaram-se à me-

Sabia que aquela futura mulher

sa, e puseram-se a comer. A

não ficaria em silêncio. A mulher

irmã

sobre

que se tornaria não teria medo

na facul-

de deixá-lo irritado. A mulher do

dade. Sua animação era quase

futuro, ao contrário dela, falaria.

Tô no mar crescente porque eu

palpável, como também era o

Nunca deixaria de falar.

faço diferente

seus

8

mais

velha

falava

aprendizados

Abril 2020

limitar com novas leis A falta de informação enfraquece a mente


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