Café Cultura: a terceira onda do café

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CULTURA

fotos

entrevista

Café é cultural e familiar. Até que ponto o café é saudável na alimentação? Confira três famílias nas quais o café está presente em todas as histórias.

Ensaio de fotos das plantações do Centro do Café realizado no Instituto Agronômico de Campinas (IAC) pela jornalista Daniele Panta.

Entrevista exclusiva com a jornalista Kelly Stein, criadora do primeiro podcast sobre cafés do Brasil, o COFFEA.

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Editorial Expediente

Este caderno especial foi produzido por seis estudantes da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas, para a disciplina Jornalismo Especializado, no 7º semestre do curso. Professor: Carlos Alberto Zanotti Reportagens: Amanda Scomparin Port, Carolina Lima, Danielle Panta, Isabella Cardoso, Isabella Lima e Tábata Alexandroni.

O seu café mudou, e Esqueça tudo o que está muito melhor você sabe sobre café

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esde a popularização do café por sua característica utilitária, capaz de dar energia aos trabalhadores da Grande Depressão Americana, a produção e o preparo da bebida passou por uma série de mudanças. A mais recente delas ficou conhecida como a Terceira Onda do Café, termo cunhado pela barista Trish Skeie, em artigo publicado no boletim de notícias da Roaster’s Guild, a Associação Comercial Global de torrefação de café, no ano de 2003. A Terceira Onda, como os movimentos anteriores, surgiu da insatisfação do público com os processos do movimento anterior. A primeira Onda, caracterizada pelo aumento do consumo da bebida no início do século XX, deu abertura à Segunda pela baixa qualidade dos cafés comercializados. A Segunda Onda, mais recente, teve início entre as décadas de 1960 e 1990. Ela é caracterizada pelos cafés gourmet com adição de diversos outros elementos, como chocolates, caramelos, e outros aditivos. A Terceira Onda surgida como uma reação a massificação dos cafés da onda anterior, conseguiu, no entanto, tirar proveito do último movimento. “Nasceu aquela cultura do masterchef. Era um saco, mas pra nós isso até que foi um fogo amigo, fez as pessoas entenderem que exis-

te diferenças entre as qualidades. Você passa a ter uma relação diferente com a bebida que bebe e passa a valorizar a cadeia”, conta Gustavo Mourtada, sócio

Fundador da Cafeteria Café Container. Ainda assim, os cafés das duas ondas não se assemelham. Na Segunda, mesmo com a melhora na qualidade dos produtos, a expansão da produção para o modelo global sacrificou o processo, gerou um café massificado. A nova Onda, então, adota um modelo artesanal, buscando as melhores características para o produto final. O grão é, na grande maioria das vezes, o Coffea arabica L., sem misturar com outros grãos, processo conhecido como “blendagem”. A torra é mais leve, por isso seu consumo é indicado sem aditivos como açucar ou outros ingrendientes. O preparo utiliza cafeteiras como a Moca Italiana, Prensa Francesa, V60, até mesmo a Cold Brew, que extrai o café a frio por 18 horas. A produção também se preocupa em divulgar informações como local onde o grão foi cultivado. Assim, você pode diferenciá-lo de cafés commodity, os tradicionais do mercado da Segunda Onda e mais comuns no mercado.

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café especial não se assemelha àquele que você encontra na prateleira do mercado, nem ao oferecido em cafeterias como Starbucks. Do plantio até o preparo, os processos são modificados para atender novas demandas do público, agora mais preocupado com as características do produto que consome.

O sabor é completamente diferente dos modelos anteriores, mais intenso e de torra mais leve, envolvendo uma verdadeira experiência de paladar. Em cafeterias especializadas, a bebida é elaborada

manualmente junto ao consumidor, enquanto ouve do barista as característica do café que irá provar. Seu consumo é indicado sem açúcar ou outros aditivos, que mascaram o sabor real da bebida. Nesse modelo, é possível sentir cada nota de sabor, sem o amargor característico da torra intensa dos movimentos anteriores.

Além do sabor, os grãos são produzidos sob rigorosos padrões de qualidade, respeitando também exigências sociais e ambientes ao longo dos processos de cultivo.

Os impactos do grão na produção do café

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omo a escolha dos grãos na produção da bebida impacta diretamente no sabor do produto final, a seleção da composição é esencial para a produção de um café de qualidade elevada. Ao longo da Primeira Onda, a bebida era produzida com grão Robusta, conhecido pela qualidade inferior ao comumente utilizado a partir da Segunda Onda, Coffea arabica L.

Além dos produzidos com grãos únicos, conhecidos por single origin, também há os blends, misturas de grãos, nor-

malmente desvalorizados. No entanto, o sabor do café especial varia conforme o período e local de cultivo. O blend surge como então uma solução para manter uma assinatura de sabor para as cafeterias, sem ficar refém do clima. “A proposta disso é manter uma linha sensorial ao longo do ano. O blend me dá essa assinatura, independente da safra”, conta Gustavo Mourtada, sócio Fundador da Cafeteria Café Container, em Campinas.


Ensaio

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Um século de pesquisas para produção de café “A primeira vez que visitei o Centro de Café, na Fazenda Santa Elisa, unidade do Instituto Agronômico de Campinas, (28/05/2018) fiquei deslumbrada pelo tamanho da área e a quantidade de cultivares plantadas no local. É no Centro que os pesquisadores analisam as diferentes espécies de coffea, a forma de secar o café, e inclusive as características sensoriais do grão. Na fazenda vemos, um contraste: as instalações históricas, e novos cultivares de café que nos próximos anos poderão estar nas prateleiras e cafeterias de todo o mundo.” Danielle Panta Fotos: Danielle Panta


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Consumo consciente se une ao café Preocupação com o modo de produção e características do grão gera um novo modo de consumir e produzir a bebida

Foto:TábataAlexandroni

Tábata Alexandroni

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e onde veio o café que você tomou essa manhã? De que espécie era o grão? Em que propriedade foi cultivado? Por quem? Essas perguntas começam a ser respondidas com a chegada da Terceira Onda do Café, movimento que busca adotar uma filosofia de consumo mais consciente da segunda bebida mais consumida no Brasil, perdendo somente para a água. A exigência crescente dos consumidores por qualidade juntamente com a insatisfação com a padronização dos cafés gourmet da Segunda Onda, a exemplo da Starbucks, motivou a busca pelos melhores atributos e a retomada do preparo artesanal da bebida. O café especial passa a ser considerado único, e o maior nível de envolvimento do consumidor mostra a preocupação com as origens e características da bebida. Para a doutoranda em Administração pela Universidade de Lavras (UFLA), Elisa Reis Guimarães, autora da dissertação “Terceira Onda do Café: Base Conceitual e Aplicações”, o café especial passa a ser visto como um item sazonal, consumido sem aditivos para apreciar suas notas aromáticas de sabor. Confira abaixo os destaques da entrevista sobre esse movimento que ganhou força no Brasil nos últimos anos. *** Ao longo da Terceira Onda, o café passa a ser valorizado como não era antes. Como isso acontece? Essa valorização se deve principalmente ao conceito de terroir, importado do mercado de vinhos finos, que atribui a qualidade do produto à sua origem de produção, tanto por suas características climáticas e de solo, quanto pelas pessoas envolvidas no cultivo. Volta-se a atenção aos cafeicultores, às propriedades cafeeiras e às variedades de café e técnicas de produção, assim como à sua influência na qualidade e sabor final da bebida. Entende-se também que safras diferentes, assim como no mercado de vinhos, resultam em

grãos diferentes. Há preocupação de passar para o consumidor as qualidades do café especial? Sim, pois, caso ele não compreenda e valorize as características, não estará disposto a pagar um preço superior ao de cafés commodity. A educação do consumidor parece ser um Elisa Guimarães, em entrevista concedida para a reportagem por videoconferência em Lavras (MG) dos fatores essenciais para A complexidade de compre- cional e internacional. Mas não continuidade e crescimento da ensão de alguns conceitos liga- acredito em uma massificação, Terceira Onda do Café em todo dos aos cafés especiais também como com os cafés de Segunda o mundo. A educação se dá por contribuem em parte para a ima- Onda, tanto pelas questões como meio da informação, seja ela a atenção dada ao terroir e às divulgada em profundidade nas gem de produto elitizado. diferenças entre safras, quanto embalagens do produto, em pela dificuldade de produção de Qual é o público consumicampanhas de conscientização, cafés especiais em tão larga escursos promovidos por especia- dor de cafés especiais? cala, o que, aliás, faria com que Existem diferentes níveis de listas, ou mesmo pelo barista no deixassem de ser especiais. envolvimento com a bebida. Há momento da preparação da bebiaqueles consumidores que busda. O que se espera para o mercam apenas o prazer do consumo cado dos cafés especiais para de um produto de qualidade e Esse novo tratamento dado os próximos anos no Brasil? aqueles realmente apaixonados aos cafés e a comercialização em pequenas quantidades faz pela bebida, que buscam com- Acredita-se que ele cresça, com que ele seja visto como preendê-la, experimentar dife- acompanhando países como rentes métodos de preparo e di- Estados Unidos e Austrália? item elitizado? Este mercado apresenta tenDe certa forma, sim. Pelos ferentes perfis sensoriais. Alguns dência constante de crescimento, inclusive se profissionalizaram custos superiores de produção e acredito que os cafés especiais na área, tornando-se cafeiculpercepção do produto, os cafés têm grande potencial e especiais ainda um futuro muito protem preço consimissor no Brasil. derado elevado Aqui a Terceira por grande parOnda ganhou força te da população nos últimos cinco a que ainda não dez anos, estimulacompreende toda pela realização de talmente suas caeventos, como a Semana Intertores, mestres de torra, baristas, racterísticas. Daí vem a grande nacional do Café, pela expansão pesquisadores. Os consumidores importância das ações de educação do consumidor. Ele precisa de Terceira Onda, então, seriam de cafeterias e outras empresas especializadas. A globalização, entender também que, em geral, do segundo tipo. a grande facilidade de comunio preço pago por cafés commodicação e compartilhamento de coO aumento da oferta do ty não remunera adequadamente o cafeicultor, frequentemente café especial pode fazer com nhecimento e as vivências internão cobrindo os custos de pro- que sua produção seja massi- nacionais também estimularam dução. Os cafés especiais não só ficada, como aconteceu com a demanda. Entre 2012 e 2016, resultam em maior qualidade de os cafés gourmet da Segunda o consumo de cafés especiais teve crescimento médio anubebida para o consumidor, mas Onda? al de 20,6%, devendo alcançar Acredito, sim, em uma extambém em uma postura diferente em relação ao cafeicultor e pansão do consumo de cafés 1,063 milhão de sacas em 2021, em maior exigência de sustenta- especiais, que se tornarão mais aumento de aproximadamente bilidade ambiental, social e eco- disponíveis e acessíveis a uma 117% em relação ao volume atumaior parcela da população na- al . nômica da atividade.

“O preço pago por cafés commodity não remunera adequadamente o cafeicultor”


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Cada nova variedade exige 40 anos de pesquisa Mesmo com a demanda de novas cultivares de café, as pesquisas em melhoramento levam quase meio século para serem concluídas

Danielle Panta

Foto:Danielle Panta

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oi-se o tempo em que o desafio dos cafeicultores brasileiros era manter os números das safras de café. O processo de melhoramento dos grãos com qualidades superior leva em torno de 40 anos para ser finalizado e comercializado ao público. De acordo com o pesquisador e diretor do Centro de Recursos Genético do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Carlos Augusto Colombo, hoje os produtores buscam por qualidade. “A linguagem dos cafeicultores costumava ser: Quanto produz por área? Era assim que eles se comunicavam. Hoje é diferente, o questionamento muda para: Produz quanto? E com que qualidade?”, afirma. Cafeicultores de lavouras que produzem em ambientes com mudanças climáticas constantes, a exemplo de André Luis da Cunha, proprietário de terras em Ribeirão Corrente (SP) e Ibiraci (MG), buscam nos institutos de pesquisas em melhoramento genético por cultivares que tenham alta produtividade e qualidade. “Os produtores buscam por novos materiais dentro das suas propriedades, já que é primordial reduzir custos e otimizar todo o processo de produção”, conta. O pesquisador e diretor do Centro de Café do IAC, Julio Mistro, afirma que essa necessidade transformou o fator qualidade em foco das pesquisas atuais na área de melhoramento genético. “O processo se baseia no cruzamento da planta A com B. Desse processo surgem as filiais ou F1, o pesquisador pula a seleção do F1 a F8; ou até alcançar uma uniformidade genética deste material. Em média, você leva 5 anos para avançar cada geração, ou seja, até 40 anos para terminar os cruzamentos”. Como o tempo de análise dos resultados obtidos no cruzamento genético é longo, os melhoristas preveem as necessidades que serão abrangentes para grande parte dos produtores, como resistência a ferrugem e a seca. “É difícil para o pesquisador prever o futuro e dizer a demanda do mercado daqui a 30 ou 40 anos, então, trabalhamo-

Através do melhoramento genético o fruto do café pode passar por variações de cores, tamanhos e sabor

com uma margem menor de 10 a 15 anos, assim conseguimos atender a cafeicultura moderna”, conta Mistro. Mas, a demanda por pesquisas é constante, conforme relembra Colombo. “Como o objetivo do melhoramento é sempre produzir uma nova planta com uma característica melhor do que as que estão sendo cultivadas, nós temos fatores atuais que causam a necessidade de novos cultivares para atender o mercado: como uma planta com alta produtividade, devido ao aumento da população, e também resistência para as mudanças climáticas.” Além do melhoramento genético, os processo de colheita, pós colheita e torragem dos grãos também são essenciais para definir a qualidade do café.

Foto:Danielle Panta

Pesquisador do IAC, Sérgio Parreiras, mostra espécies de Café da Etiópia

A AMEAÇA DOS NOVOS CULTIVARES

Pensando nas necessidades do produtor atual, há 40 anos os pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) iniciavam a pesquisa de melhoramento genético das cultivares de café arábica IAC Catuaí SH3, IAC Obatã 4739 e IAC 125 RN, que apresentaram maior resistência a ferrugem e ganho de 35% a 70% na produtividade dos grãos. Além da maior tolerância, o IAC Catuaí SH3 também suporta a climas secos, por conta da pouca exigência hí-

drica do grão. A resistência das cultivares, lançadas em 2013, além de aumentar a efetividade das plantas levou a produção de café orgânico nas lavouras de André Luis da Cunha. Pesquisador do Centro de Café do Instituto Agronômico de Campinas, Sérgio Parreiras Pereira conta que essas plantas foram desenvolvidas a partir das espécies trazidas de uma expedição feita na Etiópia, na década de 60. “Essa expedição trouxe grande parte do nosso germoplasma, ou seja,

um banco de espécies plantas de café, o maior do mundo”, conta. Entretanto, o pesquisador e diretor do Centro de Recursos Genético do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Carlos Augusto Colombo, explica que a falta infraestrutura do Centro de Café, localizado dentro da Fazenda Santa Elisa, causou a perda das espécies vindas da África “mesmo com a importância do Instituto na Agricultura Brasileira, não há investimento ou contratação de novos pesquisadores”.


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E-commerce impulsiona revendedores de cafés Empresários apostam em relação do novo perfil consumidor de cafés especiais com os avanços do universo de vendas pela internet

Amanda Port

Foto:Amanda Port

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s cafés gourmets adquiridos pela nova geração consumidora de café são o novo segmento do e-commerce no Brasil. Com sites interativos que explicam desde o plantio diferenciado do grão de cada fazenda produtora até o modo de torra, sabores e aroma, os denominados “apreciadores de café” agora têm a possibilidade de escolher o produto de qualidade sem precisar sair de casa. No mercado desde 2015, a Coffee and Joy, criada pelo engenheiro de software Sérgio Miranda, trabalha com venda de cafés especiais online vindos de diversas fazendas pelo Brasil e enviam os pacotes para as residências dos compradores. O proprietário acredita na importância do papel da tecnologia para propagar o mercado mais sofisticado do café: “Aqui nós brincamos que somos uma empresa de tecnologia que se expressa através do café. É fundamental o papel da tecnologia e das mídias atuais para conseguirmos mudar e inserir um novo conceito sobre o café para os brasileiros’’. De acordo com a Embrapa Café, o Brasil é 2º maior consumidor de café do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e a estimativa é de que em 2021 esse número seja igualado dado o crescimento na procura do produto. Um relatório feito pela Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) mostra que o consumo de café cresceu 3,3% em apenas um ano e o principal motivo disso é a melhoria da qualidade do café brasileiro oferecido para os consumidores que agora buscam os denominados cafés “premium” (categoria superior com grãos selecionados e blends de sabores). Com a projeção de aumento de 10% no consumo e procura de grãos premium e a estimativa de que o número de jovens consumidores e apreciadores de café aumentará a cada ano, a oportunidade de digitalizar o mercado atraiu os empresários a facilitar o acesso do consumidor ao café. Mesmo com a procura impulsionada, o empresário acredita que o mercado de cafés premium ainda está engatinhando: “É preciso mostrar valor para o consumidor, deixar claro os benefícios

A hora do café virou ritual especial para Melissa depois de comprar o café online

“ Aqui nós brincamos que somos uma empresa de tecnologia que se expressa através do café ”

e a diferença do café especial para o tradicional. Quem está acostumado a pagar 10 reais em 500 gramas de café na prateleira de mercado, estranha quando vê, na média, um café especial de 250 gramas sendo comercializado a 25 reais’’, comenta. A advogada e apreciadora de cafés, Melissa Torquato, explica que depois que experimentou o café especial, nunca mais comprou do tradicional: “Hesitei um pouco quando vi pelo site o preço do saco pequeno e, junto ao frete, dava para comprar ao menos 4 pacotes de café em pó no mercado. Quando recebi em casa o pacote e experimentei, nunca mais comprei o café tradicional, é um preço e qualidade que vale a pena”, afirma. Para contornar os problemas de preço e falta de mercado físico para a venda de café premium, a start up aposta em oferecer um site multimídia com design chamativo que possui vídeos, fotos, ilustrações e informações sobre cada grão especial e como foram escolhidos oferecendo uma plataforma de conteúdo educativo para justificar o custo maior do que um café produzido em escala para mercados: “Muitas vezes o consumidor não tem ideia do trabalho que é feito no campo para entregar um produto de excelente qualidade na mesa dele, nosso papel é utilizar a tecnologia para mostrar tudo isso. Unindo cada vez mais a ponta que produz e a ponta que consome.’’ Foto:Arquivo C&J

Sérgio Miranda (meio) e seus sócios da Coffee&Joy com o café especial embalado pronto para envio. Exclusividade é chave.


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Nova onda para o barista e consumidor

A atual cultura de consumo do café além de valorizar toda a cadeia cafeeira coloca em destaque o profissional e o apreciador de uma boa xícara da bebida

Foto:Isabella Lima

Isabella Lima

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om a chegada da Terceira Onda do café o papel do barista e do consumidor dessa iguaria brasileira se transformou. Essa evolução trouxe a valorização do café especial e tornou o barista, o profissional especializado no produto de alta qualidade, em uma figura reconhecida e qualificada. Isso também despertou nos consumidores o interesse pelas etapas de produção, da plantação a extração do grão, do fazendeiro ao torrefador. Tornando ambos os principais destaques dessa nova era do café. Elisa Reis Guimarães, Mestre em Administração na área de concentração em Gestão de Negócios, Economia e Mercados voltado para a área do café, conta que o termo “barista” surgiu ainda na Segunda Onda do café. Ele se referia ao responsável que somente preparava a bebida e não tinha conhecimento um aprofundado sobre a mesma. Foi só com a chegada da Terceira Onda que o barista se tornou um profissional de grande responsabilidade e com intensa qualificação. “Ele se transformou em um artista, responsável por destacar e entregar ao consumidor toda a qualidade arduamente trabalhada ao longo da cadeia produtiva, especialmente por cafeicultores e mestres de torra”, explica. Cinco anos atrás, pouco se ouvia falar sobre essa profissão. Gustavo Mourtada, sócio fundador da Café Container, em Campinas. Quando ele planejava a abertura do negócio, descobriu esse movimento do café enquanto ainda era uma marola. “Parece bobagem, mas ninguém sabia o que era barista. Decidi fazer um teste e anunciar uma vaga de emprego, ninguém se inscreveu. Só apareceram interessados quando eu mudei o termo para barman”, conta. Em função disso, surgiu a ideia de usar adesivos nas xícaras com o selo “feito por barista”, justamente para despertar a curiosidade do cliente. “Nossa ambição era fazer as pessoas saírem daqui entendendo que café não é tudo igual. A bebida especial envolve a valorização de ponta a ponta”, conta Mourtada

Barista Fernando Furlaneto em uma tarde agitada, moendo os grãos de café especial, primeira etapa de produção da bebida.

ao se referir à todas as etapas do café, desde o profissional que planta até aquele que extrai para a xícara. O barista é o elo mais próximo ao consumidor, portanto, ele é o principal responsável por transmitir informações e contribuir para a educação de consumo de cafés especiais. Por isso, Elisa afirma que para atuar na área é preciso uma ampla habilidade que envolve o conhecimento sobre todo o ciclo do café, além de ter um bom relacionamento com o consumidor. Para trabalhar na cafeteria de Mourtada, é preciso passar por um curso teórico e prático que envolve o aprendizado sobre os tipos, processamentos, temperatura, produção de qualidade e degustação da bebida. Somente após essa etapa, o barista começa a extrair os cafés e a entender o funcionamento das máquinas, portanto, durante os vinte primeiros dias, ele está sempre acompanhado por um profissional especializado. Fernando Furlaneto, barista no Café Container há três anos prepara o café em frente ao cliente, ele vivencia de perto a extração e explica as nuances

dos grãos e as particularidades da bebida antes de servi-la. “Os consumidores estão querendo cada vez mais entender sobre o mundo dos cafés especiais, isso inclui as notas aromáticas, tipos de café, torra, métodos de extração, entre outras propriedades da bebida”, conta. Quando o café começa a ser entendido em sua complexidade, a forma de consumi-lo passa a ser moldada. Em meio as infinidades de tipos de café e formas de extração, o consumidor

e suas notas gustativas”, explica a jovem que tem preferência pela Prensa Francesa e Moka Italiana na extração do grão. Caroline procura explorar o universo do café para se manter informada através de pesquisas sobre os novos métodos de extração, além de consultar as próprias embalagens do produto. Nela, é possível encontrar a região de colheita, os procedimentos realizados no grão e até mesmo a história daquele café. Portanto quando surgem dúvidas, ela costuma procurar baristas e ressalta a importância da profissão. “O papel deles faz toda a diferença para um cliente que não entende o valor daquela xícara ou o motivo pelo qual é preferível que seja consumido sem açúcar”, explica ao se referir a nova cultura de consumo de café. Cafeterias preparadas, profissionais capacitados e dispostos a compartilhar conhecimento e clientes interessados em aprender e compreender os procedimentos que fazem a terceira onda do café tomar impulso e crescer gradativamente. Essa evolução na cultura cafeeira é o início, o primeiro sopro de vento que começa a formar essa onda em sua nova fase.

“ É um caminho sem volta, é uma xícara de ruptura ” desenvolve a capacidade gustativa e perceber as diferenças físicas e sensoriais do produto. Algumas pessoas preferem gastar um pouco mais na compra de grãos selecionados. Caroline Pires, agente de atendimento ao cliente e amante da bebida é uma delas, pois não consegue mais beber qualquer tipo de café. “A forma como eu consumia café mudou completamente. Eu costumava adicionar açúcar, hoje sem chance. Eu me considero mais exigente, diferencio com facilidade os cafés de qualidade


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Histórias coadas

O café faz parte da cultura do brasileiro e muitas vezes faz parte também das memórias de cada um por ser apresentado ao paladar e ao olfato desde bebê Isabella Cardoso

Foto:Isabella Cardoso

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om o costume familiar de se reunir para a “hora do café” passado de geração em geração, as crianças acabam por começar o hábito de tomar a bebida muito cedo, junto com os primeiros alimentos. Mas a nutricionista Andreza Botelho afirma que isto não é prejudicial a partir dos dois anos de idade, respeitando o limite de meia xícara por dia. Já as crianças de seis a dez anos podem tomar 1 xícara ao dia. Depois disso, o consumo recomendado é o mesmo de um adulto, no máximo 4 xícaras pequenas. A avó de Veridiana Romeiro, Elyde Romeiro, não tinha essas informações nutricionais, mas entendia que “um pouquinho” de café não fazia mal a ninguém. Veridiana toma café “desde sempre”, isso porque sua avó tinha o costume de dar café na “colherzinha” para todos os bebês que iam a sua casa, desde filhos e netos, até crianças de vizinhos e conhecidos. “Era de safadeza mesmo, o bebê chegava e ela já colocava a colher dizendo ‘ah é só um cafezinho’”, conta rindo. Elyde via essa atitude como um gesto de batismo e iniciação. Assim que o bebê começava comer papinha ela dava o café, e depois, conforme a criança fosse crescendo, esse hábito tornava-se uma forma de “os pequenos” participarem do ritual familiar, a “hora do cafezinho”, que ocorria na parte da tarde e depois das refeições, almoço e jantar. Veridiana lembra com humor que o café estava presente até nos velórios, “Alguém levava uma garrafa de café em todos que fui”, afirma. Ela perdeu a mãe e a avó e diz que todas as lembranças da família estão relacionadas ao café. Sua amiga, Maísa dos Santos, também tem boas lembranças com café. Ela ia para a casa de sua avó, Jeronima dos Santos, na cidade São Joaquim da Barra todas as férias. Quando chegava, 3h da manhã, sua avó estava esperando com bolos, tortas e café. “Nunca teve hora, tomamos de manhã, à tarde, à noite, de madrugada, e nem idade, nunca teve essa de que criança não podia tomar”, conta. Maísa diz também que o café foi a primeira coisa que a prendeu a cozinhar. Subindo em uma cadeira ao lado da avó. Desde então, apaixonou-se por cozinhar e hoje faz gas-

Maisa fez essa tatuagem com a letra da avó, que aprendeu a escrever com 75 anos.

“ Só tenho lembranças boas, quando penso no café, é um elemento muito presente na minha família”. Maisa Foto:imagem de arquivo

tronomia. Lembra que Jeronima sempre foi muito exigente com a forma de fazer a bebida. Tinha a “colher certa”, o “coador certo”, a “maneira certa”, a “marca certa”, São Joaquim claro, porque segundo ela o melhor era produzido na “cidade dela”. Á noite, Maísa conta que passavam madrugadas tomando café e jogando baralho. “É carinho, é amor, só tenho lembranças boas quando penso no café, é um elemento muito presente na minha família”. Com Danica Stobienia foi diferente, ela começou a tomar café mais tarde, dentro da idade recomendada, 3 anos. Mas sua mãe teve medo de que pudesse fazer mal e tirou o café da infância dela. “O que aconteceu foi que minha família sempre teve tradição de se reunir e montar mesa para o café.” Aos poucos, ela começou a tomar também, “uma vez ou outra”, na xícara de café, enquanto os adultos tomavam na xícara de chá. Danica conta que o que mais gostava era dessa proporção dos “grandes” tomarem na xícara grande e dos “pequenos” na xícara pequena. “Me encantava tomar o café na micro xícara”, afirma. Mas ela gostou tanto que passou a tomar escondido e sua mãe, preocupa, foi tirando esse costume do dia a dia. “Ela cortou o café de casa por alguns anos e por minha causa, porque eu era uma criança e estava ficando meio viciada.”, conta. Não adiantou. Hoje ela toma entre 5 e 7 xícaras de café por dia, “recentemente eu deixei de fumar cigarro, mas eu não deixo de tomar café, é um vício delicioso, não é?”, pergunta com humor. Na verdade, o café não vicia, como afirma a nutricionista Andrezza Botelho. Não é uma bebida feita apenas de cafeína, por esse motivo pode ser retirada da dieta sem nenhum sintoma de vício. O problema é que se tomado em excesso, como é o caso de Danica, ele pode provocar a taquicardia, redução da absorção de cálcio e insônia. Mas o café não é um vilão, não! Sendo consumido “de pouquinho” assim como as avós de Veridiana e de Maísa pensavam ser “o jeito certo”, o café ajuda na produção de serotonina, dopamina e noradrenalina no cérebro, contribuindo para a pessoa ficar mais alerta e funcionando também como antidepressivo leve. Além de deixar muitas boas recordações.


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COFFEA convida para uma prosa sobre café O primeiro podcast sobre em café no Brasil procura levar informações sobre a bebida do campo a cidade de forma desconhecida e atraves de um novo formato Carolina Lima

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om cerca de dez mil ouvintes, o COFFEA prova que café, audio e jornalismo se tornam uma associação deliciosa em todos os sentidos. O primeiro podcast focado em café, no país que é o maior produtor cafeeiro no mundo, propõe criar um elo entre todos os segmentos da cadeia do café através da comunicação, ao produzir um um conteúdo independente sobre o tema “do campo à xícara”.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), caiu sobre Kelly e sua carreira. “Não faz o menor sentido meu trabalho se eu não conseguir chegar nessas pessoas”, conta a profissional que há seis anos escreve sobre café, o campo e os trabalhadores, mas nunca pensou que sua produção não seria acessada por grande parte da população do campo. Vinda de uma família simples, a informação é de extrema importância na vida de Kelly. A gratidão pelo aprendizado e a paixão por informar e ter seu

não falta! No início da carreira abordando assuntos cafeeiros, novos ângulos sobre o tema para produção de reportagens era o que mais preocupava a profissional. Quando se tornou criadora de conteúdo por três anos para o blog Mexido de Ideias, da marca Três Corações, produzir de uma a duas matérias por dia trazia o medo de um futuro sem pautas. Ela acreditava que depois de seis meses ficaria desempregada, afinal, não há assuntos suficientes sobre fruto sobreviver em um meio jornalísFoto: Pedro Hummel

cidade grande ou no interior do país, não tem a cultura do podcast”, explica a jornalista. Pensando nisso, Kelly apresenta esse novo formato usando analogias diferentes para cada faixa etária. “Para os mais velhos, eu tenho que falar que é uma estação de rádio na internet. Para os jovens eu falo que é um Netflix de áudio. O pessoal entende”, afirma. Pensando em acolher toda a variedade de público, desde os coffee lovers até os produtores e acadêmicos no assunto, que o pilar editorial do podcast traz o que a idealizadora chama de “porteira para dentro e para fora”. Os episódios de cerca de trinta minutos com temas diversos, desde jargões técnicos, estudos científicos até tendências locais e mundiais, curiosidades e cobertura de evento. “O objetivo é desvendar o mundo do café através de uma linguagem fácil e acessível”, explica Kelly.

QUARTA ONDA

A jornalista Kelly Stein batizou o projeto de COFFEA, pois este é o nome científico do ponto de encontro da cadeia do café

A jornalista e idealizadora do projeto, Kelly Stein, conta que antes de tudo, o projeto é um convite para tomar um café sem pressa. Acima de tudo, o COFFEA quer levar a conversa para a mesa de todos. Atuante na área gastronômica e especialista em café, a ideia de fazer um podcast sobre o tema surgiu quando ela estava em uma fazenda do fruto, produzindo uma matéria para a revista internacional Stir Tea&Coffee, no qual ela é colunista e correspondente. Lá, ela se deparou com uma realidade que a chocou. Um senhor assinou o papel para retirada de uma cesta básica sujando o dedo de tinta e marcando a folha com a digital. Naquele momento, a realidade dos 11,8 milhões de analfabetos do país, de acordo pesquisa de 2017 do

trabalho como ferramenta para transformar a vida do outro é o que a move. Naquele momento, ela percebeu que uma prosa ouvida seria mais acolhedora do a escrita. Assim, teve o seu primeiro contato com o podcast através de um grupo de amigos em comum, que já produziam conteúdo para a plataforma. Em parceria com o UltraGeek, podcast que aborda a tecnologia com uma mistura de humor, que ela lançou seus primeiros conteúdos em áudio falando sobre café. Esses arquivos envolvendo curiosidades sobre o café ou tecnologias na produção do mesmo chanou atenção do público. Assim, os responsáveis pelo UltraGeek indicaram para a profissional criar o seu próprio podcast abordando o tema. Afinal, quando o assunto é café, pauta

tico. No fim das contas, ela se viu enganada, “o negócio realmente me surpreendeu”, afirma. Hoje, além de colunista para a internacional Stir Tea & Coffee, uma revista voltada para negócios sobre chá e café, ela escreve para a também internacional Barista Magazine, focada no consumo da bebida, além de tocar o COFFEA, que segue crescendo. De acordo com a jornalista, até os produtores e trabalhadores rurais acessam o conteúdo, eles baixam os episódios no computador das Associações Cooperativas das fazendas em que trabalham e salvam o conteúdo em um pen-drive para escutar em casa, reunindo os amigos e a família. Como ele apresenta a plataforma para as pessoas que vivem em uma área mais rural que é interessante. “O brasileiro, seja na

A busca por uma experiência mais satisfatória da nova geração de consumidores de café, que exigem uma maior qualidade de frutos e preparações rigorosas da bebida caracteriza a Terceira e mais recente onda do café. “As questões como sustentabilidade e comércio justo ganharam proporções grandes”, acrescenta Kelly. A figura do barista se tornou não só importante, mas indispensável. Com essa demanda, o profissional foi obrigado a ganhar maior conhecimento sobre as dinâmicas do grão, assim ele se tornou o responsável por transformar uma simples xícara de café em uma obra de arte. Esse tratamento não vai se perder tão cedo, afinal, a aposta para a Quarta Onda, na qual Kelly afirma que está começando a ser formada, será de tornar o café cada vez mais artesanal. Ela conta que o novo movimento se forma “quando os próprios consumidores compram café verde e o torram em casa”. Isso já acontece nos Estados Unidos, onde existem microtorrefadores, no qual o consumidor pode gerar o seu próprio perfil de torra, tornando o café ainda mais íntimo e especial aos seus apreciadores.


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