90 Anos com Condeixa

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Esta revista faz parte integrante da edição de hoje do Diário de Coimbra e não pode ser vendida separadamente

90 ANOS COM

CONDEIXA Com o patrocínio de:



90 anos com Condeixa-a-Nova Introdução

Diário de Coimbra

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Memórias com 90 anos

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nossa caminhada pela história leva-nos hoje até Condeixa, concelho a que dedicamos a segunda revista comemorativa dos 90 anos do Diário de Coimbra. Uma história imensa, cheia de “estórias”, que nos levam a uma viagem no tempo, rumo à época dos romanos. Um Império colossal, que trouxe Roma, os seus homens e as suas leis, mas também os seus hábitos e costumes para esta região. Ergueram a cidade e adornaram-na com os símbolos do Império e fizeram de Conimbriga um talismã. De Condeixa, da região e do país. Ontem, hoje e sempre. Mas além deste “vislumbre do Império”, Condeixa tem muito mais História e histórias para contar. Memórias de um povo, marcas incontornáveis de uma vivência e de uma identidade muito própria que, ao longo dos últimos 90 anos o Diário de Coimbra testemunhou nas suas páginas. Vidas e vivências, factos e acontecimentos, pessoas e instituições que, nes-

tas décadas, ajudaram a escrever a história deste concelho. E também os lugares. «Tanto mais que as pessoas, os lugares vivem e morrem. Com uma diferença: mesmo se já mortos, os lugares retêm a vida que os animou», no dizer de Fernando Namora. Longe de nós a pretensão de realizar uma investigação histórica ou efectuar uma cronologia de acontecimentos. Uma ou outra seriam, necessariamente, «uma perdulária expectativa», redutoras na essência, incompletas no desempenho. Limitamo-nos, pois, a uma breve viagem pela história, com encontros marcados com algumas pessoas e com alguns lugares. Momentos passados e vividos que recordamos, ao longo destas páginas, convidando o leitor a fazer-nos companhia e a descobrir, redescobrir ou tão só a recordar, algumas dessas memórias, marcos que fazem parte da identidade de Condeixa e dos condeixenses. 

FICHA TÉCNICA Abril de 2020 Director: Adriano Callé Lucas Directores-adjuntos: Miguel Callé Lucas e João Luís Campos Directora-geral: Teresa Veríssimo Coordenação editorial: Manuela Ventura

Coordenação comercial: Mário Rasteiro Textos: Manuela Ventura Fotos: Arquivo, Núcleo Espeleológico de Condeixa, Santa Casa da Misericórdia de Condeixa e Ferreira Santos

Vendas: Luís Cristóvão e Hélder Rocha Design gráfico: Pedro Seiça Publicidade: André Antunes, Carla Borges e Rui Semedo Impressão: FIG – Indústrias Gráficas, SA

Tiragem: 10 mil exemplares Agradecimentos: Câmara Municipal de Condeixa e Museu Monográfico de Conimbriga, particularmente ao director, José Ruivo, e ao arqueólogo Miguel Pessoa


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Opinião 90 anos com Condeixa-a-Nova

Diário de Coimbra: 90 anos de resistência democrática Nuno Moita da Costa Presidente da Câmara Municipal de Condeixa-a-Nova

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elebramos neste ano de 2020 o 90.º aniversário de uma das instituições mais relevantes da região de Coimbra no combate à censura e à ditadura, pela democracia e liberdade de imprensa. O reconhecimento público do Município de Condeixa-a-Nova pelo papel fundamental que o Diário de Coimbra teve e tem na implementação e desenvolvimento do regime democrático não será, certamente, suficiente para demonstrar a nossa gratidão pelo trabalho realizado por todos os diretores, jornalistas, repór-

teres, fotojornalistas e demais colaboradores ao longo das últimas décadas. Presente nos principais marcos históricos do país e da região, o Diário de Coimbra tem sido a nossa voz em tantos momentos, testemunhando e relatando as maiores conquistas e calamidades de um município tantas vezes esquecido e atropelado pelo quotidiano das grandes urbes. Aos seus leitores permitiu acompanhar a evolução de Condeixa-a-Nova desde a infraestruturação do concelho de redes básicas de abastecimento de água e saneamento, à construção de escolas, biblioteca, estádio municipal, piscinas, zona industrial, museus e outros equipamentos culturais. Uma transformação que permitiu colocar Condeixa entre os concelhos com maior vitalidade demográfica e económica da região, beneficiando da proximidade a Coimbra e do posicionamento privilegiado no mapa do

Diário de Coimbra

país, a meio caminho entre Lisboa e Porto. O Diário de Coimbra tem sido um dos nossos principais veículos de comunicação também nos períodos mais difíceis como os que vivemos com os incêndios de 2017, a tempestade Leslie em outubro de 2018 e, mais presentemente, a crise pandémica provocada pelo novo coronavírus que constitui a maior ameaça ao desenvolvimento da Humanidade. Sabendo-se da importância da comunicação, a competição por visibilidade regional e nacional que se observa num país de retalhos é, hoje, um dos maiores desafios do Poder Local, pelo que os Órgãos de Comunicação Social assumem uma importância determinante para a justa atenção que caberá a cada um. Principal grupo português de imprensa diária regional, o Diário de Coimbra lidera os índices de leitura da imprensa escrita no espaço geográfico onde se afirmou, a Região Centro de Portugal, sendo também por isso merecedor do nosso aplauso, pela capacidade de gestão, rasgo e perseverança demonstrados. Parabéns. 


Diário de Coimbra

90 anos com Condeixa-a-Nova Fernando Namora

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FERNANDO NAMORA:I UM “HOMEM DOI MUNDO, MASI NÃO UM “HOMEMI MUNDANO”I

Fernando Namora foi um “revolucionário” da literatura portuguesa e um dos seus mais conceituados representantes

1919-1989 Considerado um dos maiores vultos da literatura portuguesa, era também “uma pessoa muito especial”, que a filha, Margarida Namora, nos ajuda a conhecer melhor

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meu pai era um homem do mundo, mas não era um homem mundano». Palavras de Margarida Namora, filha de Fernando Namora, que destaca a «componente intelectual, mas também humana» do escritor, «o que ele era como pessoa». «Uma pessoa muito especial», adianta. «Era extremamente rígido no que diz respeito aos princípios morais. Não lidava bem com a traição, com a mentira, com a desonestidade», recorda, sublinhando que foi nesse ambiente e com esses valores que foi educada, «com o exemplo» do pai e «com o que exigia de nós». «Era uma pessoa muito invulgar. Não suportava pessoas de mau carácter e isso provocou-lhe muitos dissabores, muitas invejas, sobretudo no meio

intelectual. Era muito como Torga, metido na sua “casca”, com muitos conhecidos, mas poucos amigos». Nascida em Monsanto, Margarida Namora cedo foi para Lisboa e praticamente nem se recorda da passagem da família pelo Alentejo. «Lembro-me de os meus pais irem ao cinema, com Vergílio Ferreira e a mulher, Regina, e trazerem-me sombrinhas de chocolate». Mas recorda na perfeição do «convívio com pessoas muito interessantes», como Jorge Amado, «um grande amigo do meu pai». «Conheço Jorge Amado de miúda. Fascinava-me», confessa. «Era também muito amigo do escritor catalão Felix Cucurull e do francês André Bei»,diz, e recorda autores dos países de Leste, bem como uma tradutora búl-

gara, «com quem ainda me escrevo». Baptista Bastos, «uma figura muito especial» e Vergílio Ferreira e a esposa, «eram visitas lá de casa», o mesmo acontecendo com Orlando da Costa e Maria Antónia Paula (pais de António Costa) ou ainda Urbano Tavares Rodrigues, «que foi o grande amigo do meu pai até ao fim». Margarida Namora guarda com carinho essas memórias. Mas também outras. Confessa que não se recorda do pai «como médico», nem em Monsanto, nem no Alentejo. Apenas em Lisboa, quando Fernando Namora começou a trabalhar no Instituto Português de Oncologia (IPO) onde ela passava as manhãs, «a brincar com uma máquina de escrever e a desenhar». Escrever e desenhar. Duas paixões de


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Fernando Namora 90 anos com Condeixa-a-Nova

Diário de Coimbra

Fernando Namora e também da filha, que também adora ler, um “vício” que ainda hoje mantém, conjugado com as viagens. «Já dei duas voltas ao mundo», diz, confessando que pouco tempo passa em Portugal. Um porto de abrigo, na partida para uma nova viagem. Quanto à escrita, assume que escreve bem. «Tenho facilidade em escrever» e, inclusivamente, ajuda as amigas e os filhos, quando necessário. Chegou mesmo a fazer crónicas das suas muitas viagens, para apenas para “uso próprio”. Uma “coisa” mais séria? Publicar? «Deus me livre!», responde, taxativa. «Isso nunca me passou pela cabeça». Aliás, a arte das palavras que Fernando Namora tão bem manejou, ficou por ali. «A escrita não passou para mais ninguém», diz. Diferente destino teve a pintura, outro dos talentos de Fernando Namora. «Passou para os meus sobrinhos». Ele, arquitecto, ela de Belas Artes. Uma veia artística cuja génese Margarida Namora encontra na avó materna. Quantos aos seus filhos, nem a escrita nem a pintura tiveram “descendência”. Fernando Namora notabilizou-se na escrita, mas também deixou marcas na pintura

Aversão total ao barulho e à luz Fernando Namora tinha um ritual muito próprio para escrever. «Não conseguia escrever com barulho», conta a filha. As manhãs eram o seu tempo de escrita. «Levantava-se relativamente cedo e ficava em casa. A meio da manhã saía – vivíamos na Infante Santo – e ia tomar café. Depois vinha e escrevia até à hora do almoço. Nunca vi o meu pai escrever à noite», diz, recordando as rotinas do escritor, que escrevia todos os dias, durante a manhã. A tarde era diferente. O laboratório e as livrarias faziam parte do seu circuito. «Jantava-se cedo, por volta das oito horas. Às vezes os pais saíam à noite», especialmente para ir ao cinema, que Fernando Namora apreciava bastante. Visitas a amigos não eram muito frequentes. «Deitava-se muito cedo e não podia ouvir barulho nem ver luz», uma situação «maçadora», recorda a filha, particularmente quando a família viajava. Em casa, «a empregada não tinha licença para fazer barulho». Em Monsanto, onde a família Namora se deslocava com frequência, «os horários eram diferentes». «Era capaz de escrever à tarde. Passava quase todo o dia a escrever». “Obrigatória” era, a meio da manhã,

a interrupção para o “cafezinho”. Fernando Namora escrevia sempre à mão. «Depois da sua morte, ainda encontrei blocos, onde tomava apontamentos de coisas que lhe despertavam interesse, que depois eram motivo de reflexão», diz Margarida Namora. Depois, «passava à máquina». «Às vezes escrevia à máquina, mas era raro». E foi sempre a mesma velha máquina que Margarida conheceu. «A minha mãe tinha uma máquina moderna, mas o meu pai não. Foi sempre uma máquina antiga», que hoje se encontra na Casa Museu, em Condeixa.

Resgatar o autor do “esquecimento” Obras preferidas? A pergunta é quase feita a medo, mas Margarida Namora responde sem qualquer problema. «Tenho várias». “Retalhos da Vida de um Médico” é uma delas, a primeira que refere. «Muitas daquelas coisas foram baseadas em vivências que se passaram em Monsanto. Nasci lá, é a minha terra e tenho lá casa. Identifica-se comigo e com a minha história de vida». “Deuses e Demónios da Medicina”. «Sempre adorei biografias, foi, em parte, um livro que me foi dedicado». Já o

“Jornal sem data”, «fez-me muito mal em termos psicológicos, entristeceu-me imenso. Estava a ver o meu pai já doente, mas tem páginas fantásticas», ou ainda “Diálogo em Setembro”. “Mar de Sargaços”, é um dos seus poemas preferidos. «De um modo geral, não há nenhum livro de que não goste. Uns mais, porque são mais densos ou têm vivências que reconheço», diz, destacando «o fantástico domínio da língua portuguesa» que define Fernando Namora. «Escrevia admiravelmente bem. Talvez só Aquilino Ribeiro seja um escritor mais requintado que o meu pai», afirma esta leitora voraz. O escritor deixou como herança uma obra de peso, com dezenas de títulos, que, não subsistem dúvidas, marcou claramente uma época. Hoje é diferente. Mas este «limbo que se viveu nos últimos anos» não afectou apenas a obra do autor de “Rio Triste”. «O mundo mudou, as pessoas mudaram», diz Margarida Namora, fazendo notar que, hoje, quando entramos numa livraria, não “vemos” livros de Namora, mas também não encontramos a obra de outros escritores. «Onde estão Aquilino, Vergílio Ferreira, Urbano… o próprio Saramago?», questiona.



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Fernando Namora 90 anos com Condeixa-a-Nova

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Retalhos de uma vida

Margarida Namora e Marcelo Rebelo de Sousa

«Gostava que obra do meu pai estivesse mais visível», confessa, assumindo alguma expectativa com a sua reedição. «Tenho sido contactada por várias pessoas», especialmente ligadas a universidades, que pretendem aceder à obra, uma vez que ainda não foram reeditados todos os títulos. Lamenta ainda que o escritor tenha feito parte do Plano Nacional de Leitura, mas tenha sido retirado. «Há professores que me vêm perguntar onde podem encontrar o título A ou B», adianta, e acredita que o futuro ainda lhe pode reservar «surpresas agradáveis». Margarida Namora não esquece as comemorações do centenário e da mesma forma que elogia o «carinho», «o empenho» e o «afecto» do município de Condeixa, aponta o pouco destaque que, em termos nacionais, nos diversos eventos e nos media, em especial na televisão, foi dado a este acontecimento. As comemorações do centenário incluíram Fernando Namora, Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner. «Só se ouviu falar de Sophia», faz notar, considerando que se tratou de «algo escandaloso», sintomático que uma «contra-corrente que mina as coisas». «É triste», conclui.

Reconhecimento de Estado Margarida Namora recebeu, no ano passado, das mãos do Presidente da República, a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. «Não estava à espera», confessa, recordando que Marcelo Rebelo de Sousa tinha anunciado, em Condeixa, no início das comemorações do centenário do nascimento de Fernando Namora, a atribuição desta distinção. «Não ficou decidido quando seria. Quando aconteceu foi muito “em cima”, soube praticamente na véspera». A condecoração foi entregue na abertura da Festa do Livro, em Belém, em finais de Agosto do ano passado. «Não posso deixar de estar agradecida, como filha», pois «é a mais alta condecoração do país. Agradeço o gesto e a deferência, mas não estou deslumbrada», sublinha. O galardão já está em Condeixa, na Casa-Museu Fernando Namora. 

Margarida Namora lamenta que o escritor tenha sido retirado do Plano Nacional de Leitura, mas acredita que a reedição da sua obra pode permitir redescobrir Fernando Namora

Fernando Gonçalves Namora nasceu a 15 de Abril de 1919, em Condeixa-aNova. Licenciado em Medicina pela Universidade de Coimbra, exerceu a sua profissão, como médico, em Condeixa e depois na Beira Baixa e no Alentejo, acabando por se instalar em Lisboa, onde foi assistente do Instituto Português de Oncologia. Mas é como escritor que Fernando Namora deixa a sua marca. Um percurso que iniciou antes de completar 20 anos. Estreou-se com um livro de poesia, em 1927, depois de um livro de contos, em co-autoria com Carlos Oliveira e Artur Varela. O primeiro romance, “As sete partidas do mundo”, surge em 1938 e ao longo de cinco décadas produz uma imensa obra literária, que reuniu géneros tão diversos como o romance ou a poesia, a novela ou a biografia. Alguns dos seus livros foram adaptados ao cinema e grande parte da sua obra foi traduzida em diversas línguas e publicada em mais de duas dezenas de países. Distinguido com os mais prestigiados prémios literários, Fernando Namora foi agraciado pela Presidência da República com os títulos de Grande Oficial acto da Ordem de Santiago de Espada, atribuído por Ramalho Eanes, e com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, entregue por Mário Soares. A título póstumo, em 2019, foi distinguido por Marcelo Rebelo de Sousa com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. Morreu em Lisboa, no dia 31 de Janeiro de 1989. 


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90 anos com Condeixa-a-Nova Fernando Namora

MÁRIO SOARES INAUGUROU CASA FERNANDO NAMORA 1990 Presidente da República elogiou o empenho do município na concretização do “sonho” do escritor

Centenário do nascimento do escritor assinalado com um painel na Casa-Museu

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Presidente da República declarou-se admirador de Fernando Namora e considerou “profundamente merecida”a homenagem prestada, ontem, em Condeixa-aNova, ao escritor». É desta forma que o Diário de Coimbra, na edição de 1 de Julho de 1990 noticia a inauguração da Casa-Museu Fernando Namora. Na cerimónia, Mário Soares «enalteceu o trabalho de recuperação do imóvel, desenvolvido pela Câmara Municipal, considerando que a edilidade se deve sentir orgulhosa por ter concretizado o sonho do escritor», adianta. «Penso que se Fernando Namora pudesse estar aqui ficaria muito satisfeito», acentuou o Presidente da República, elogiando a «simplicidade, modéstia e humanismo» do autor de “Retalhos da Vida de um Médico”». Mário Soares, que cumpria o seu segundo dia de presidência aberta na região, enaltecia, ainda, a importância e o reconhecimento internacional do escritor. «Muitas décadas antes de a literatura portuguesa estar na moda, já Namora era traduzido e lido pelo mundo fora», referiu.

O jornal destaca a presença de muitos amigos do escritor nesta homenagem, apontando, nomeadamente, Álvaro Salema, Lyon de Castro e José Manuel Mendes – este último responsável pela evocação do homenageado. Aponta, igualmente, a

Diário de Coimbra, 1 de Julho de 199o

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presença da viúva de Fernando Namora, Zélia Namora, e de outros familiares, bem como de «antigos companheiros de escola e muitos conterrâneos». Zélia Namora encerrou a cerimónia e, escreve o jornal, afirmou que a Casa-Museu constituiu um «acto da maior relevância», uma vez que contribui para «perpetuar o nome» de Fernando Namora. A Casa-Museu Fernando Namora, instalada na residência que pertenceu aos pais do escritor, «alberga quadros, livros e variadíssimo artigos de uso pessoal de Fernando Namora», adianta o jornal, apontando, designadamente, para «um alfinete de gravata e um pijama amarelo». «O escritório que Namora tinha na sua residência de Lisboa foi também reconstruído na Casa-Museu que, desde ontem, perpetua o nome do escritor na sua terra natal», remata o articulista. Os pontos fulcrais de uma visita contemplam o núcleo de pintura de Fernando Namora, o acervo do escritório do escritor, transferido de Lisboa, bem como um fundo bibliográfico com cerca de quatro mil exemplares de livros e revistas da sua biblioteca pessoal, bem como uma colecção de manuscritos, apontamentos originais, provas tipográficas, livros publicados e anotados para futuras edições. Existe ainda um segundo núcleo de pintura e escultura, que apresenta trabalhos de diversos autores nacionais e estrangeiros, alguns dos quais com dedicatórias a Namora. A Casa-Museu foi um dos espaços eleitos para as comemorações do centenário do nascimento de Fernando Namora, com o município a proceder à inauguração de um painel de azulejos, no dia 15 de Abril, numa cerimónia que contou com a presença do Presidente da República, que visitou demoradamente o espaço, na companhia da filha do escritor, Margarida Namora. Liliana Pimentel, vereadora da Câmara de Condeixa, sublinha a importância da Casa-Museu, que tem registado indicadores crescentes de visitação (2.300 em 2019. «Representa a memória de uma personalidade importante na literatura portuguesa e presta um serviço, ao país e ao mundo, na divulgação da sua obra». «Fernando Namora nasceu em Condeixa e o município tem todo o orgulho em associar-se ao escritor e à sua obra, divulgando e preservando este ícone da literatura portuguesa», adianta. 


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Educação 90 anos com Condeixa-a-Nova

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Edifício da actual Escola secundária foi inaugurado em 1995. Fernando Namora é o patrono da escola desde Março de 2002

ESCOLA QUER FORMAR E CRIAR VALOR 1995 Secundária Fernando Namora foi inaugurada em 1995 e é a sede do Agrupamento de Escolas de Condeixa. Um mundo onde ensinar e aprender é um desafio encarado com todo o gosto

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ão 12 escolas, 188 professores e 1.813 alunos. Dificuldades existem, mas também verdadeiros momentos de glória marcam a história deste Agrupamento, com sede na Secundária, única do concelho, que tem Fernando Namora como patrono. E foi precisamente “às custas”de Fernando Namora que a escola voltou a brilhar, no início do ano, na exposição dos Estabelecimentos Escolares, realizada na Direcção-Geral, em Lisboa. Cassiano Silva regressou à ribalta e, depois de no ano passado ter ganho o Prémio Nacional de Leitura, deixou, agora, a directora geral “de boca aberta”, quando declamou Fernando Namora.

Orgulhosa, Anabela Lemos, directora do Agrupamento, elogia a capacidade do jovem, com apenas 10 anos, que «conseguiu fazer passar a mensagem» de “Terra 24” e “Fazer as coisas fracas”. «Fernando Namora não é um autor fácil», refere. Cassiano Silva voltou a brilhar, agora com o autor de Condeixa, depois de ter conquistado o prémio nacional com um poema de Sophia de Mello Breyner. Beatriz Diogo fez-lhe, na altura, companhia, precisamente com um texto de Fernando Namora. «Dois autores cujo centenário foi comemorado no ano passado», realça a directora, que “responsabiliza” os «professores de português, especialmente do 1.º ciclo, e muito fortemente

as bibliotecárias da escola – existem quatro bibliotecas e duas professoras bibliotecárias – por toda esta dinâmica» e pelos bons resultados. «São pequenas vitórias da escola que se podem traduzir em grandes conquistas», considera. Fernando Namora já tinha levado, há quatro anos, as escolas de Condeixa à Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, com uma exposição de capas gigantes dos livros do escritor, redesenhadas pelas crianças do pré-escolar. «Tínhamos capas super animadas, coloridas, cheias de vida». Agora foram as comemorações do centenário. Cada grupo escolheu uma obra e «construiu um objecto tridimensional que



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Educação 90 anos com Condeixa-a-Nova

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para «motivar a aprendizagem».

Práticas inovadoras a pensar no futuro A flexibilidade curricular constitui outra aposta, que avançou no ano passado» e de «forma diferente». «Criámos disciplinas novas no currículo dos nossos alunos». Uma situação que se aplica ao 5.º e 9.º anos, com o objectivo de «desenvolver o gosto pelas ciências». No ano passado foi criada outra disciplina, para o 6.º ano, de Comunicação e Expressão e Línguas, que pretende desenvolver as competências de oralidade, em português e língua estrangeira. Orgulhosa, Anabela Soares fala de um projecto, dinamizado por alunos do 5.º ano, “Eu ajudo-te, tu ajudas-me, nós aprendemos”, que não é mais do que uma «sala de estudo, organizada por quatro alunos, que pretendem ajudar os colegas».

Agrupamento de Escolas tem uma grande apetência pela música Possui uma Orquestra, uma Fanfarra e ainda um grupo especial “Pedras Preciosas” Azulejo junto ao portão de entrada evoca a figura do patrono da escola

reflectia o seu “sentir”. Um desafio que envolveu, explicaAnabela Lemos, todo o agrupamento, mas particularmente o pré-escolar. Mas há mais arte no Agrupamento de Escolas de Condeixa. Exemplo disso é a Orquestra que representa «a estratégia mais democratizada do agrupamento para desenvolver a sensibilidade artística e musical» e tem constituído «uma rampa de lançamento para muitos alunos» que não têm, no concelho, «uma resposta de formação musical». A Orquestra inclui alunos do 5.º ao 12.º ano e tem habitualmente 30 elementos. Mário Alves é o professor responsável. Existe, também, uma Fanfarra, cujo surgimento está directamente relacionado, explica Anabela Lemos, com a «integração» de alunos de outras nacionalidades. «Não tendo educação musical, têm ali uma actividade extracurricular que dá um grande contributo à sua integração». A Fanfarra reúne 15 alunos e foi dinamizada pela professora Isabel Correia. Teve um período de

paragem e ressurgiu, há três anos, sob a batuta do professor Luís Borges. Isabel Correia é a responsável por um outro grupo musical, “Pedras Preciosas”, que reúne oito alunos com dificuldades motoras, cognitivas, síndrome de Down e paralisia, cuja actividade é mais “intra muros”. Estes três professores «não são comuns», garante a directora, elogiando o seu empenho. «Já fomos cantar as Janeiras ao ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, há três anos», exemplifica. Toda a “base” musical está centrada na Escola Básica N.º 2. «Os nossos protagonistas principais são os alunos, mas temos uma “mão-cheia de professores fabulosos», afirma. Anabela Lemos destaca, além da área da formação musical, as professoras bibliotecárias – Ana Rita Amorim e Carla Fernandes, que «trabalham desalmadamente nas 12 escolas», e também a equipa de Desporto, liderada por Mário Teixeira. «Fabulosos» são, igualmente, os formadores na área das novas tecnologias, cada vez mais importantes

Inovadora é, também, a aposta na avaliação formativa. O objectivo é «desenvolver instrumentos de avaliação, além dos testes, que permitam que os alunos consolidem a sua aprendizagem», procurando que as matérias sejam absorvidas. Um programa que está a avançar este ano e envolve um vasto trabalho experimental, nomeadamente através de debates, relatórios, trabalho de pesquisa, apresentações orais, relatórios, etc. Directora da Escola Secundária desde 1995 e do Agrupamento de Escolas desde 2007, Anabela Lemos refere, ainda, os cursos profissionais, que têm registado uma adesão crescente. «Somos uma escola pequena, só abrimos um curso por ano, mas optámos por cursos de dupla saída», explica. Os cursos existentes este ano são os de técnico de Turismo – uma referência na Escola, cujo professor, Rui Rato, é o grande dinamizador dos Encontros de Turismo, um trabalho verdadeiramente profissional – e Electrónica, Automação e Comando e curso técnico de Redes Eléctricas e Apoio Psicossocial. 


90 anos com Condeixa-a-Nova Ruínas

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RUÍNAS DEI CONIMBRIGA:I UM VISLUMBREI DO IMPÉRIOI

Ruínas de Conimbriga constituem uma referência única do património romano a nível nacional

1930 Portas abriram-se aos visitantes em 1930, depois de um conjunto significativo de escavações. Entretanto, aumentou a área visitável, mas o potencial arqueológico mantém-se intocável, à espera do empenho das futuras gerações

O

s repuxos dão vida à água. Eram mais de 500. Os mosaicos estendem-se, gloriosos, mostrando o génio de uma arte ancestral. Restam alguns frescos. Será que G. C. Rufos era o proprietário deste fantástico palácio? A pergunta permanece sem resposta. Mas a surpresa, a admiração, toma conta de todos aqueles que chegam à Casa dos Repuxos, nas Ruínas de Conimbriga. Basta semicerrar os olhos e quase é possível ver os antigos habitantes da casa, envergando as suas túnicas, a circular pelos jardins, na frescura de uma

manhã de sol ou num final da tarde. Terá sido assim? Fica a pergunta. Será que Cantaber, o suposto proprietário da maior residência privada da cidade, com 3.260 metros quadrados, sucumbiu à entrada traiçoeira dos suevos na cidade, no ano de 467/68? A “sugestão”foi deixada pelos escritos de Idalécio de Chaves, bispo de Chaves e cronista galaico-romano, que dando conta da invasão, afirmava que este povo bárbaro levou prisioneiros os filhos e a mulher de Cantaber. Este foi um dos primeiros edifícios a serem escavados, nos inícios da década de 30 do século passado e o relato do bispo inspirou os arqueólogo, que “atribuíram” a Cantaber a propriedade desta verdadeira mansão, que apresenta cerca de quatro dezenas de compartimentos, distribuídos por cinco conjuntos, cada um com o seu peristilo. E não faltam as termas, construídas no final do século II, outrora ocupadas pelos jardins da casa. Um dos pontos de

paragem obrigatória e que, sem dúvida, encanta os visitantes. Virgínia Rodrigues, brasileira, administradora de imóveis, olha, sonhadora para os mosaicos desta casa, mas também para a Casa dos Esqueletos e para Casa da Cruz Suástica, nomes que os arqueólogos deram às descobertas, sensibilizados com o que viram. «Já conheço Roma. Queria saber o que é que os romanos vieram fazer aqui», afirma, prometendo «ler e estudar» para perceber as motivações deste vasto império. Mas será, seguramente, na Casa dos Repuxos que os visitantes ficam definitivamente rendidos à técnica e ao génio criador dos romanos. Mas também à arte, ao requinte e ao bom gosto deste “vislumbre” do Império. Construída nos inícios do século I, a Casa dos Repuxos foi alvo de uma grande remodelação no século seguinte e abandonada e demolida nos finais do século III, inícios do século IV, aquando do levantamento da muralha defensiva,


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Ruínas 90 anos com Condeixa-a-Nova

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que reduziu a cidade a cerca de metade, numa altura em que o Império começava a dar sinais de colapso. Perdeu-se, possivelmente, na época, a majestade de um edifício. Mas ganhou-se, hoje, a magia da recuperação de uma grande residência aristocrática, já por si construída sobre um anterior edifício, pois o abandono ajudou a conservar a arte dos mosaicos e dos frescos, mas também os traços de uma arquitectura singular.

Uma relíquia encontrada por força do acaso Esta é, sem dúvida, uma das “relíquias” das Ruínas de Conimbriga, mas a sua descoberta, quiçá como tantas outras, ficou a dever-se a uma obra do acaso. Em 1907, «são identificados vestígios de um edifício que, hoje, julgamos, pela descrição feita, corresponder à Casa dos Repuxos. Mas, na altura não há intervenção», explica José Ruivo, director do Museu Monográfico. A intervenção só acontece em 1939. «São dadas instruções, pelo que na altura seria a Junta Autónoma de Estradas, para fazer um acesso a Conimbriga, para trazer visitantes e, criar um espaço para estacionar os autocarros e as viaturas dos visitantes», explica. Com as obras à porta, o arqueólogo Vergílio Correia, à época o grande dinamizador das escavações, pôs “mãos à obra” e «começou a ter resultados», com o surgimento de estuques com pinturas e mosaicos, dos quais fala «com grande entusiasmo num

Casa dos Repuxos é uma das relíquias de Conimbriga

relatório apresentado à tutela». O acesso e o parque de estacionamento ficaram sem efeito. Em contrapartida, surgiu a “pressão”para avançar com as escavações. «A escavação da Casa dos Repuxos foi feita em três meses», sublinha José Ruivo. «Hoje não o faríamos nem em três anos». Talvez por essa “pressão”, «não conhecemos – o que não quer dizer que não exista – um registo das peças arqueológicas encontradas durante as escavações», diz ainda o arqueólogo. Certo é que, já à data, Vergílio Correia defendia a cobertura do espaço, de molde a manter os mosaicos “in situ”, e sugeria a criação de uma cobertura para a Casa dos

Repuxos, que foi colocada, sublinha José Ruivo, «50 anos depois». Com efeito, os mosaicos e os repuxos foram restaurados em 1953 e a cobertura de protecção construída em 1991. Atenção, a casa não está totalmente escavada. O edifício prolonga-se para Norte, sob o caminho de terra batida que impõe um limite à área visitável de Conimbriga. No terreno contínuo há mais descobertas para fazer. Possivelmente uma zona habitacional e de lojas. A escassos metros é bem visível o viaduto, que faz antever uma rua, em direcção ao antigo anfiteatro. Mas Conimbriga tem muito mais histórias para contar, edifícios para descobrir nos

Área visitável inclui edifícios e espaços públicos, residências aristocráticas e bairros e grande número de mosaicos “in situ”


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Ruínas 90 anos com Condeixa-a-Nova

cerca de três hectares de área escavada. Ao lado das casas senhoriais erguem-se as “insuas” (seriam os modernos blocos de apartamentos), e as suas lojas, os vestígios do aqueduto, das portas da cidade, do Fórum, das Termas, mas também das estradas e caminhos romanos, das duas muralhas - a primeira, chamemos-lhe administrativa, e a segunda, essa sim, defensiva - mas também, entre muitos outros, os vestígios de uma basílica paleo-cristã.

A “primeira” cidade, Conimbriga no seu apogeu, teria cerca de 20 hectares, uma boa parte dos quais está debaixo da aldeia de Condeixa-a-Velha, mas a cidade do Baixo Império ficou reduzida a 11. «O que está escavado é, seguramente, um décimo do potencial arqueológico de Conimbriga», afiança o director, que destaca o aumento considerável da área visitável – muito mais do que de escavações – nos últimos 20/30 anos. «O maior problema não é es-

Obras estão a recuperar muralha do Baixo Império

Intervenção na muralha é um trabalho lento e minucioso

Arrancaram em Janeiro e, seguramente, vão prolongar-se durante todo o ano. Em causa está a intervenção na muralha do Baixo Império. Uma obra a realizar de forma faseada, que começou junto às Termas da Muralha e envolve a limpeza e reabilitação da muralha, sendo necessário, em algumas situações, repor a argamassa “perdida”. A “dona da obra” é a Câmara Municipal de Condeixa, que assumiu a componente nacional da empreitada (74.748 euros euros), cujo valor global se cifra em 457.548 euros, com o apoio de fundos comunitários (Centro 2020) de 382.500 euros. A obra começou naquela zona por questões «estratégicas», uma vez que se tornava «mais fácil montar os andaimes», pois, mais à frente, há estruturas arqueológicas que dificultam mais esta operação. «É um balão de ensaio para percebermos

as dificuldades», esclarece José Ruivo. Esta mesma muralha apresenta, na zona do vale de Condeixa-a-Velha, uma zona não visitável, problemas que se podem considerar graves. «Há risco de derrocada, há 50, 100 anos, não sabemos», adianta o director. Ao longo de séculos, a muralha, à semelhança do que aconteceu com outras estruturas da antiga cidade, terão servido como matéria-prima para outras construções. Paulatinamente, a retirada reiterada de pedra foi “escavando” a muralha, que praticamente ficou “suspensa”. Urge, pois, uma intervenção, para consolidar a muralha e evitar o colapso. Além da muralha, Conimbriga vai receber outras obras, na zona de acesso, nomeadamente na bilheteira, que incluem a instalação de máquinas automáticas de venda de bilhetes. 

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cavar. O problema é conservar. A partir do momento em que expomos uma relíquia, estamos a expô-la à degradação, que pode ser mais ou menos lenta», adverte José Ruivo. São séculos de história, escritos nas paredes, nos mosaicos, nas ruas da antiga cidade. «Conimbriga tem muito para dar. Os bisnetos dos nossos bisnetos ainda têm aqui muito trabalho para fazer», garante o arqueólogo. 

Conimbriga cativa mais de 100 mil visitantes As Ruínas e o Museu Monográfico de Conimbriga são um dos monumentos nacionais mais visitados de todo o território nacional e, contrariando a tendência crescente, não tem registado quebra de visitantes. O público escolar ocupa, depois de um certo período de crise, uma “fatia” muito significativa dos visitantes, que diariamente demandam o espaço. Vêm da região, mas também dos mais diversos pontos do país. É preciso não esquecer que Conimbriga é uma referência, em termos nacionais, quando se fala em património romano, além de que constitui a maior e mais relevante mostra de mosaicos “in situ” existente em todo o território nacional. No último ano, mais uma vez Conimbriga ultrapassou a fasquia dos 100 mil visitantes (100.077), registando uma percentagem significativa de portugueses, com um total de 63.180, de acordo com os dados fornecidos pelo Museu Monográfico. Crescente é também o número de visitantes estrangeiros, com os norteamericanos “à cabeça”, com 5.845, seguindo-se os franceses, com 5.659 visitas e os vizinhos espanhóis, com 4.443 visitantes. Os ingleses ocupam o quarto lugar no ranking das visitas, de acordo com os dados referentes ao ano transacto, com um total de 2.119 presenças. Os italianos encerram o “top five” do público estrangeiro, com 1.124 visitantes. 


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ANFITEATRO: UM TESOURO À ESPERA DE ESCAVAÇÕES 1971 Conhecido desde 1971, será um dos espaços públicos mais emblemáticos da antiga cidade e um dos anfiteatros romanos melhor preservados… por milhares de toneladas de terra e resíduos

Em Condeixa-a-Velha as arcadas do anfiteatro são visíveis e foram usadas, durante séculos, pela população como “arrumos”

U

m canteiro de favas cresce, sereno, debaixo das frondosas nogueiras. Há um recanto com couves, tangerineiras e laranjeiras. Nem falta uma figueira, uma ameixoeira e um diospireiro. Sim, parece uma quinta. Ou pelo menos um quintal. As grossas paredes da muralha chamam a atenção. Altaneiras, embora aqui e ali um tanto decrépitas. Luxuriante, no seu inconfundível verde forte, crescem as plantas de acanto. Sim! O símbolo de Roma está ali, imponente. Um sinal de que o território é romano. E se dúvidas existirem, basta olhar para o arco, localizado a escassos metros, que não terá muito mais de um metro visível. No limite do terreno, confundindo-se com as paredes das casas, ergue-se outro arco e mais outro. Estamos em Condeixaa-Velha, nos limites da povoação. Debaixo dos nossos pés, a três/quatro metros de profundidade, está a arena do anfiteatro.

Um dos tesouros que Conimbriga continua a guardar e a manter quase em segredo. Conhecido cientificamente desde 1971, o Anfiteatro será, hoje, um dos mais relevantes monumentos públicos da antiga cidade romana que se mantém soterrado. Em 1991, realizou-se ali uma escavação. José Ruivo, director do Museu Monográfico, então aluno de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade e de Coimbra, participou nesse projecto e não tem dúvidas de que terá sido, «o primeiro ser humano que, nos últimos 500 anos», esteve debaixo e um dos arcos do anfiteatro. «Entrei de gatas e, no meio, consegui estar de pé», o que significa que o arco, completamente rodeado de terra e entulho, mantinha uma abertura de, pelo menos 1,70 metros. Sobre os antigos muros, “cresceram”, de um lado, casas, e do outro, mantém-se a muralha, imponente, deixando vislumbrar a forma elíptica da arena, que rondará os

80/90 metros de cumprimento e 60/70 de largura máxima. No lado exterior da muralha foram efectuadas algumas intervenções, desde 2006 a 2018, que permitiram identificar galerias para a entrada no anfiteatro, cujas bancadas terão aproveitado o próprio desnível dos terrenos. Do lado de dentro, ou seja, na arena – onde há séculos se terão defrontado gladiadores, um dos espectáculos de eleição na Roma antiga – não se voltaram a realizar escavações. Aliás, a intervenção de 1991 terá “esbarrado”com uma raíz de nogueira, que acabaria por secar, “obrigando” a então directora, Adília Alarcão, a indemnizar o proprietário da árvore. «Na altura os terrenos não eram nossos», explica José Ruivo. Hoje já são. Pelos menos aqueles quintais foram adquiridos pela Direcção Geral do Património Cultural. Algumas casas adjacentes, erguidas sobre os muros do anfiteatro, já foram com-


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Sobre os arcos erguem-se casas em Condeixa-a-Velha

pradas, umas pelo Museu, outras pela Câmara Municipal de Condeixa, que está a negociar a compra de outras. Debaixo de algumas destas habitações, estão, perfeitamente visíveis, três arcos, um dos quais supostamente será o arco central do anfiteatro. Durante décadas, terão sido usados como currais para animais ou arrumos para lenha. «Não será o mais emblemático, mas será um dos mais bem preservados edifícios de Conimbriga», afirma José Ruivo, para quem poderão ter existido, no país, anfiteatros romanos «mais majestosos», mas o certo que «não chegaram até nós». E não tem dúvida

alguma de que, «se escavarmos tudo isto até ao nível de circulação – o que significa três/quatro metros de profundidade – teremos aqui um edifício majestoso. Só as estruturas de base são grandiosas», faz notar. Neste espaço, quando todas as casas e terrenos deixarem de pertencer a privados será possível criar, em Condeixa-a-Velha, uma «praça monumental». O que significa abrir uma outra “porta”de acesso a Conimbriga. Mais, cimentar uma aliança com a vila e com os seus habitantes. «Quantos dos 100 mil visitantes do Museu se deslocam a Condeixa-a-Velha? Não serão mais

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de 200», afirma José Ruivo. O objectivo é inverter essa tendência e criar sinergias. Sobretudo “dar” alguma coisa à população que, no passado, se viu despojada daqueles que seriam os seus melhores terrenos agrícolas “a favor” da escavação das ruínas. Agora, no entender de José Ruivo, é tempo de as ruínas darem o seu contributo para o desenvolvimento da localidade. A criação de uma praça monumental e de um centro de interpretação representam um primeiro passo nesse sentido. Quanto a escavações para pôr a descoberto o anfiteatro, será cedo para se falar nisso. «Neste momento não há condições para uma intervenção em força no anfiteatro», afirma José Ruivo. Razões?«Apenas somos proprietários de 45%» dos terrenos e das casas necessárias e ainda há a questão dos acessos». Todavia, refere, há um programa de investigação plurianual, projecto que envolve a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, o Museu Monográfico e a Câmara Municipal de Condeixa, que arranca este ano e irá ficar muito centrado no vale Norte e zona do anfiteatro. «Prevê-se a realização de sondagens arqueológicas, com vista a uma futura intervenção em maior escala, num futuro não muito longínquo no anfiteatro». «O potencial é magnífico», assume. Sendo certo que o desafio é gigantesco, a escavação do anfiteatro representa, também, mais um atractivo significativo, em termos de visitação, a Conimbriga. 

Anfiteatro será um dos edifícios mais bem preservados das Ruínas, precisamente pelo facto de estar quase totalmente soterrado Escavações estão dependentes, numa primeira linha, da aquisição das casas que ainda são pertença de privados

No “quintal”, José Ruivo mostra um dos arcos do anfiteatro



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Espólio recolhido nas escavações inclui um conjunto de peças escultóricas

bjectos de uso pessoal, peças de olaria ou serralharia, mas também de higiene e adorno, artigos religiosos e ligados a diferentes actividades e profissões, e mesmo alguns tesouros juntam-se a esculturas, mosaicos, fragmentos de estuques e de frescos. São testemunhos da vida quotidiana e do ambiente requintado da urbe que foram recuperados em Conimbriga – aos quais se junta uma maqueta do antigo Forum – que fazem parte da exposição permanente patente nas salas do Museu Monográfico. Um espaço inaugurado em 1962, apenas com uma ala. Na década de 80, depois das escavações luso-francesas, o Museu foi sujeito a obras de ampliação. Foi nessa altura que se construiu o peristilo. Mas é preciso ir mais longe e avançar com uma nova intervenção.

Estudo efectuado pelo Museu aponta as linhas mestras da intervenção que representa um investimento de dois milhões de euros

Maqueta do antigo Forum ilustra a imponência do monumento

AMPLIAÇÃO DO MUSEU À ESPERA DE OPORTUNIDADE 1962 Inaugurado em 1962, o núcleo museológico foi ampliado na década de 80. Quase quatro décadas depois precisa de um olhar atento da tutela para crescer e para se modernizar

«Há um estudo prévio», refere o director, que foi apresentado à tutela em 2017 e espera uma oportunidade para avançar. As estimativas apontam para um investimento total de «dois milhões de euros». «É uma espécie de caderno de encargos. Se a tutela entender, permite abrir um concurso para uma equipa de projectistas. É uma declaração de intenções», onde estão asseguradas as «linhas mestras que queremos sejam consideradas pela equipa de projectistas», esclarece. O alargamento do espaço impõe-se. «O Museu não tem capacidade para realizar as suas próprias exposições, nem para receber outras exposições», alerta o director, destacando a importância de dar a conhecer ao público a dinâmica interna e o trabalho de «arqueologia e investigação» que são feitos “dentro de portas”. Da mesma forma, não há espaço para acolher uma exposição externa, seja de um outro espaço cultural ou de um artista. Pior, o espaço dedicado à “reserva”, onde estão colocadas todas as peças arqueológicas que não estão expostas, tem lotação completamente esgotada. «Não há espaço para receber mais peças», refere o arqueó-



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Peristilo do Museu Monográfico foi construído na década de 80

logo, sublinhando que essa realidade é, inclusive, um obstáculo à realização de escavações, porque «não há capacidade de armazenamento de peças». O aumento do espaço da reserva é, pois, uma necessidade imperiosa, a que o projecto de requalificação do Museu Monográfico pretende dar resposta. Mas também a exposição permanente carece de intervenção. Data dos anos 80 do século passado. «Tem quase 40 anos, está velhinha, mas, mesmo assim, ainda hoje considero que se trata de uma exposição muito bem conseguida». Verdade é que «já não corresponde às exigências do público actual, que pede soluções mais dinâmicas e interactivas». «Já não é estimulante», adianta, defendendo a necessidade de «repensar o discurso museológico». «A exposição permanente e o Museu são um museu dentro do museu», brinca José Ruivo, que destaca a importância desta mostra permanente para «contextualizar» a cidade e ajudar a «perceber aspectos fundamentais da sociedade» da época.

Além da exposição permanente e da criação de espaços para acolher exposições temporárias, as linhas-mestras para a requalificação do Museu Monográfico contemplam a criação de novas salas e gabinetes e também um espaço para instalar a oficina do mosaico. A 12 de Junho de 1962 o Diário de Coimbra dava conta da inauguração do Museu Monográfico de Conimbriga, destacando a entrega do edifício - «o primeiro em Portugal» - pelo Ministério das Obras Públicas ao Ministério da Educação. Uma tarefa assumida pelo ministro Arantes e Oliveira, que assumia o seu «vivo desejo de valorizar arqueológica e artisticamente Conimbriga», não apenas através do Museu, «situado junto das muralhas da antiga cidadela romana, próximo do rio formosíssimo ali descoberto», mas também «dotando-a de arranjos exteriores» e «valorizando-a turisticamente». «Conimbriga adquiriu aspectos completamente ignorados e hoje estão asseguradas as escavações sob orientação científica», escrevia ainda o jornal.

Arantes Oliveira recordava, na oportunidade, os seus «tempos de infância» e as visitas que efectuava a Conimbriga, «onde os estudos e as escavações foram progressivamente fazendo daquele lugar uma das mais notáveis estações arqueológicas portuguesas». Uma palavra para distinguir «quantos se empenharam no empreendimento», designadamente o «arquitecto Amoroso Lopes, autor do projecto do Museu e o dr. Bairrão Oleiro, incansável na colaboração dada». Da visita que se seguiu às instalações do Museu Monográfico, o jornal aponta as muitas peças patentes nas «três salas de exposição, armazém de materiais arqueológicos e colecções-reserva, uma ampla sala de trabalho, laboratório, câmara escura e residência do guarda, bem como uma sala de chá anexa, com os respectivos serviços e cuja existência o afluxo crescente de turistas impunha». Referência, ainda, para a instalação de uma cabine telefónica, no pequeno átrio do Museu Monográfico.


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1985 A disposição das pequenas tesselas norteia o padrão da obra. Um trabalho minucioso, de saber e paciência, que ultrapassa as fronteiras de Conimbriga

A

Oficina de Restauro de Mosaico de Conimbriga é a única existente em Portugal. Além de trabalhar o mosaico de Conimbriga também faz trabalho para o exterior. Manuel Santo é o “obreiro” desta casa, e está “às voltas” com um mosaico da Coriscada, próximo de Meda. «Um painel com cinco placas», dedicado ao deus Baco, explica o técnico, manuseando e encaixando as “tesselas”, as pequenas pedras, pretas e brancas, de «calcário» e outras, em tons mais avermelhados, «feitas em cerâmica», esclarece. «Gosto do que faço», afirma Manuel Santo, natural de uma aldeia das proximidades, que concluiu, em 1987, a sua formação como “Artista de conservação e restauro”. Começou a trabalhar em Conimbriga em 1994, depois de uma experiência numa empresa privada, de Soure, também ligada à conservação e restauro.

Tradição de restauro de mosaico tem uma longa história em Conimbriga, mas o futuro não será assim tão certo Todos os mosaicos de Santiago da Guarda foram tratados nesta oficina, onde também, recorda «fizemos trabalhos para a Europália», festival internacional realizado na Bélgica, que em 1991 teve Portugal como país convidado. Mais “próximo”, Manuel Santo refere os trabalhos efectuados para a Quinta das Lágrimas, em Coimbra, mas muitos outros painéis, «de fora», provenientes de «outras estações arqueológicas». Mas as “exigências” também, estão ali mesmo ao lado, em Conimbriga. «Ainda hoje estive nas ruínas», conta, sublinhando a necessidade de atenção permanente aos mosaicos expostos “in situ”. Estes, que exigiram a sua atenção, deixando temporariamente o trabalho de Baco, foram destapados, e «algumas das “tesselas”arrancadas, que foi necessário compor» O único assistente operacional, com 63 anos, «não chega

A ÚNICA OFICINAI DE RESTAUROI DE MOSAICOSI para as encomendas». «Precisamos de recursos», alerta José Ruivo. A importância da oficina? «É uma necessidade fundamental», responde o director do Museu. «Basta pensar que um dos maio-

res tesouros de Conimbriga consiste no conjunto de mosaicos romanos “in situ”, o maior em Portugal. A oficina é fundamental para assegurar a conservação dos mosaicos, dos que estão expostos e dos que estão


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cobertos. Há mosaicos que ainda estão sobre a argamassa romana», refere. Em relação às colecções, «a situação está mais ou menos estabilizada, mas as ruínas precisam conservação e restauro diário. Há tesselas e estuques que se soltam. É preciso não esquecer que as ruínas estão ao ar livre, ao sol e à chuva», afirma. «É necessário tratar os mosaicos, que estão expostos e ganham fungos», alerta, fazendo notar que os mosaicos expostos foram «todos levantados nos anos 40/50 e assentam em suportes de cimento, que estão a dar de si. Há necessidade de, se não substituir, pelo menos fazer uma intervenção, pois começa a haver destacamento de tesselas. Já se notam falhas! Começa a haver destacamentos importantes de tesselas no pavimento por incapacidade nossa, por não conseguirmos fazer a manutenção», sublinha o director. José Ruivo adverte ainda para o facto de se tratar de trabalhos que não se conseguem fazer em todas as estações do ano. A oficina foi criada em 1985/86, a seguir à inauguração do novo Museu, muito embora o trabalho em mosaico se faça desde os anos 40. Uma “escola” que nasceu quando uma equipa de especialistas ita-

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Manuel Santo trabalha na recuperação do painel de Baco

lianos, juntamente com a equipa de Manuel Heleno, do Museu de Arqueologia, esteve em Conimbriga a dar formação aos operários que ali trabalhavam. Instalada num edifício pouco atractivo, em fibrocimento, desde meados dos anos

80, a Oficina de Restauro de Mosaico “sonha” com um novo espaço. O local já está escolhido, na “arquitectura” do projecto de ampliação do Museu Monográfico. Só falta mesmo saber quando será possível a sua concretização. 

Laboratório de conservação e restauro Conimbriga foi, durante décadas, a grande escola, sobretudo até à década de 90. «Não haverá nenhum técnico no país na casa dos 50 anos, que não tenha passado por Conimbriga», afirma o director do Museu Monográfico, destacando a «importância fundamental» do Laboratório de Conservação e Restauro, criado no âmbito das escavações luso-francesas (1964-71), as primeiras com a metodologia científica moderna, que incluíram a Universidade de Coimbra e a Universidade de Bordéus. «O laboratório é essencial. As escavações produzem uma quantidade de material impressionante e é necessário, ao mesmo tempo que decorrem os trabalhos de escavação, fazer a triagem, colagem, restauro», refere José Ruivo, destacando o «apoio técnico» do laboratório, que «permite efectuar as exposições permanentes».

Laboratório recupera achados

«Não há uma peça de cerâmica ou de metal, que não tenha sido tratada em laboratório», adianta. Seja ao nível da limpeza, seja da reconstrução. «A maioria das peças cerâmicas são constituídas por dezenas de fragmentos. De algumas só tínhamos metade e os técnicos terminam a peça». Apesar de «fundamental», o laboratório, neste momento, tem apenas um técnico de conservação e restauro. «Um técnico superior que é responsável por toda a área de conservação e restauro de Conimbriga. Urge olhar para isto», alerta José Ruivo, salientando que Pedro Sales «está a chegar aos 60 anos». «A principal prioridade da direcção é para a necessidade de ter pelo menos mais dois técnicos superiores o que significa uma equipa de três elementos, porque, de facto, é uma área fundamental», afirma. 



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Vergílio Correia foi o responsável pela maioria das escavações efectuadas

VERGÍLIO CORREIA: O IMPULSIONADOR DAS ESCAVAÇÕES 1888-1944 Arqueólogo imprimiu a sua marca e, goste-se ou não se goste, é reconhecidamente um nome incontornável na história das Ruínas de Conimbriga

V

ergílio Correia (1888-1944) é, sem dúvida alguma, o «grande impulsionador das escavações em Conimbriga», afirma José Ruivo, director do Museu Monográfico. «Foi o primeiro director das escavações», faz notar Miguel Pessoa, responsável pelo Centro de Estudos Vergílio Correia, lembrando que se efectuaram escavações antes, mas «a descoberta sistemática da cidade é iniciada com ele, em 1929». Foi, recordam, a primeira vez que se adquiriram terrenos e se deu início a um «trabalho continuado». «Praticamente tudo o que hoje vemos em Conimbriga – A Casa dos Repuxos (1939), a Casa da Cruz Suástica (1938), a Casa dos Esqueletos, a Casa de Cantaber, todo o complexo das Termas e Aqueduto – é do tempo de Vergílio Correia». «Num tempo de grande exiguidade para toda a população, de grandes dificuldades, fizeram-se aqui as maiores descobertas», adianta o arqueólogo, apon-

tando para os «mais de 80 painéis de mosaicos» descobertos no tempo de Vergílio Correia, entre 1930 e 1944, altura em que morreu, vítima de acidente. Um «visionário», sublinha Miguel Pessoa, recordando que já em 1936 Vergílio Correia propunha a criação de um Museu, o que só viria a acontecer em 1962. O director do Museu destaca a sua «visão estratégica para

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Conimbriga» que o levou, nos anos 30, a defender que os mosaicos da Casa dos Repuxos ou se levantavam e colocavam nas paredes do Museu – cuja construção defendia - ou fazia-se uma cobertura e mantinham-se no local. «O que só foi feito 50 anos depois», sublinha, destacando a preocupação «com a importância do sítio arqueológico» já demonstrada na época. Mas se Vergílio Correia foi a grande figura das escavações de Conimbriga, a sua obra não se ficou pelos domínios da arqueologia. Foi também um eminente historiador de arte, etnólogo e professor universitário. Miguel Pessoa destaca esse trabalho e essa «figura que nos inspira» relativamente ao conhecimento do património de Condeixa e concelhos vizinhos, um legado que deu origem a várias publicações, nomeadamente ao “Inventário Artístico de Portugal -Distrito de Coimbra”, publicado em 1953, com a chancela da Academia Nacional das Belas Artes, onde se espelha o trabalho de Vergílio Correia, em parceria com o padre A. Nogueira Gonçalves, responsável pela “reorganização” da obra. «Ia a todos os sítios, estava com todas as pessoas, desde a mais recôndita aldeia até à cidade. Calcorreava terras onde nem estradas havia. Nem de bicicleta lá se conseguia ir, mas foi lá», sublinha Miguel Pessoa, exemplificando com a catalogação feita pelo arqueólogo dos retábulos de Diogo Contreiras (século XVI), existentes na Igreja de Ega. «Quando procuramos conhecer o património, Vergílio Correia vem-nos sempre bater à porta», assegura.

Espólio fotográfico dá origem a exposições Vergílio Correia, que foi director do Diário de Coimbra (10 de Setembro de 1937 a 4 de Junho de 1944, data da sua morte), também “inspirou” o Centro de Estudos com o seu nome, um projecto que, esclarece Miguel Pessoa, surge em 2013, no quadro da «promoção da candidatura de Conimbriga a Património da UNESCO». Mas também coincidiu com o contacto com a família nora e netos, que «nos facultou uma série de documentos de Vergílio Correia». Entre esse espólio está o arquivo de fotografia em chapa de vidro, parte do qual deu origem à exposição “Vergílio Correia: um olhar fotográfico”, que constitui a primeira “publicação”do Centro de Estudos, inaugurada em 2015, no Museu PO.RO.S, em Condeixa,


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e que tem vindo a percorrer o país. «Esta colecção de fotografias que a família guardou representa mais de 900 imagens». Um espólio «fantástico» que esteve guardado mais de um século, «numa centena de caixas». Receber e trabalhar este espólio representou «uma alegria muito grande» e «só levantámos o véu», adianta o responsável, destacando as 30 imagens que integraram a primeira exposição. A próxima está a ser preparada, centrada na viagem que Vergílio Correia fez a Marrocos, em 1923, com o apoio do Ministério da Educação, «com a intenção de registar, avaliar e valorizar as construções portuguesas as Marrocos». Uma viagem que contemplou Safi, Magazão e Azamor, «onde registou cisternas, fortalezas, construções manuelinas da época». O arqueólogo, historiador e, aqui, particularmente etnólogo, publicou, no mesmo ano, destaca Miguel Pessoa, um livro, “Terra doAlém”, que dá testemunho dessa viagem de recolha, que também envolveu Fez, Casablanca, Marraquexe, Meknès, Salé, entre outras. «Visitou esses sítios e registou, fotograficamente, as construções portuguesas, mas também cenas da vida quotidiana,

momentos musicais...». «Estamos trabalhar nesse espólio», que «revela a verdadeira alma do etnólogo». Uma tarefa que conta com o apoio do Instituto Luso-Árabe. Mas também o apoio da Câmara Municipal de Condeixa, é fundamental. «É a nossa parceira principal», diz Miguel Pessoa, garantindo que foi com o apoio da autarquia que foi possível «recuperar as fotos e fazer a exposição itinerante». Também o Museu Monográfico de Conimbriga é parceiro do projecto, o mesmo acontecendo com aAssociação Eco-Museu de Condeixa, que dá suporte ao Centro de Estudos Vergílio Correia, sem esquecer, claro, a família,«que tem sido inexcedível». Aexposição “Viagem a Marrocos”, deverá ser inaugurada no dia 10 de Junho, data de aniversário do Museu Monográfico (inaugurado em 1962). O objectivo é que também possa percorrer o país, à semelhança da primeira. E «fazia todo o sentido ir a Marrocos», diz Miguel Pessoa.

Homenagem no dia 10 de Junho O nome de Vergílio Correia, - “Vergílio dos Cacos”, como lhe chamava Miguel

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Torga - que durante bastante tempo, demasiado, talvez, foi ostracizado, quase esquecido, volta, assim, à ribalta. E também às Ruínas de Conimbriga. No dia 10 de Junho, ser vai descerrado, à entrada do Museu Monográfico, um baixo relevo, em branco, com Vergílio Correia envergando o traje académico. Uma placa completa a homenagem, recordando que o arqueólogo e professor da Universidade de Coimbra foi o impulsionador das escavações arqueológicas ali efectuadas, entre 1929 e 1944, ano em que morreu. Trata-se de «fazer justiça a uma figura a quem todos devemos muito», afirma o director do Museu. José Ruivo recorda que no ano passado, por iniciativa da Câmara Municipal e do Centro de Estudos, foi dado o nome do investigador à rua que dá acesso ao Museu. 

Exposição e “busto” vão ser inauguradas no aniversário do Museu, numa homenagem de agradecimento a Vergílio Correia


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Dez conjuntos monumentais «A cidade luso-romana de Conimbriga e o seu território exemplificam bem a interacção do Homem com a Natureza e reúnem dez conjuntos monumentais que lhe conferem valor de património Mundial». Assim escreve o Movimento e aponta os 10 conjuntos:

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CANDIDATURA A PATRIMÓNIO MUNDIAL DA UNESCO 2013 Assembleia Municipal aprovou proposta por unanimidade, dando origem a um movimento imparável. Dossier foi preparado e entregue em 2017

1 – Muralhas, Portas, Estradas e Pontes: o Rio dos Mouros cavou os vales e optimizou as defesas 2 – Aqueduto, Torre e Nascente de Alcabideque: do sistema de captação e convergência, na lagoa, às torres de água da cidade 3 – Forum dotado de Templo, Praça Pública, Mercado e Tribunal: centro cívico, administrativo, comercial, religioso e modelo do Império 4 – Palácios, Vivendas e Bairros Populares: duas faces da sociedade romana 5 – Anfiteatro: lugar público de recepção e entretenimento das comunidades do território 6 – Balneários públicos e privados e palestra panorâmica: evidência de segurança, a maior mercê providenciada por Roma 7 – Mosaicos geométricos, vegetalistas e figurativos: pintura em pedra nos pavimentos “in situ” 8 – O Museu e o edifício. O Museu e a Arquitectura Paisagista. O Museu – Escola de Arqueologia, Museologia e Conservação e Restauro. O Museu e as colecções arqueológicas da Idade do Bronze, Romana, Visigóticas e Islâmicas 9 – Baby Canyon do Rio de Mouros, o pendor Norte da Serra de Sicó e a flórula vascular da mata da Bufarda 10 - Eixo da Romanização: Villa romana do Rabaçal, a Villa romana de São Simão (Penela), a villa romana de Santiago da Guarda (Ansião) e o Vicus de Chão de Lamas (Miranda do Corvo) 

Movimento entende que há razões de peso para o reconhecimento da UNESCO

A

ideia nasceu em 2013, na Assembleia Municipal, e «foi votada por unanimidade». Os quatro partidos - PS, PSD, Bloco de Esquerda e CDU - com assento naquele órgão «uniram-se por esta causa». Miguel Pessoa foi o responsável pela ideia, mas faz questão de sublinhar a envolvência do todo, a unidade que a proposta gerou. E também foi o arqueólogo que, em parceria com o antropólogo António Lino Rodrigo, preparou o dossier que, em 2017, foi entregue à comissão de avaliação. Não se trata da candidatura de Conimbriga a património da UNESCO, corrige. Trata-se, isso sim, de «um movimento para a promoção da candidatura». Um movimento que “pôs mãos à obra” e tem vindo a promover um conjunto de reflexões, onde junta o património e a comunidade e que não se fica por Conim-

briga. «Conimbriga significa cidade, mas também o território» que administrava e outras villas romanas, como o Rabaçal, S. Simão (Penela) ou Santiago da Guarda (Ansião). Ou ainda Chão de Lamas, uma aldeia que foi milimetricamente estudada – uma vez que a A13 lhe passou por cima – e cujo espólio romano está em Miranda do Corvo. Mas há mais localidades que viveram na “sombra” ou ao lado de Conimbriga. «A cidade não podia viver sozinha», adverte o estudioso, apontando, por exemplo, as hortas famosas de Eira Pedrinha, que seriam o “supermercado” de Conimbriga. Ou Alcabideque, de onde vinha a água que abastecia a cidade no tempo dos romanos. Um sentimento que tem ganho forma e força num conjunto de jornadas que o Movimento para a Candidatura de Conimbriga tem vindo, através da Associação



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Ruínas 90 anos com Condeixa-a-Nova

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Ecomuseu de Condeixa, a desenvolver. Trata-se de um trabalho de investigação, que começou em 2014, com as primeiras jornadas dedicadas a Condeixa-a-Velha. «Metade da cidade abandonada pelos romanos é o vale e o berço de Condeixa-a-Velha», faz notar o arqueólogo, recordando que é por isso que se pode dizer que Conimbriga foi sempre habitada até aos dias de hoje. Se em Condeixa-a-Velha está a cidade, em Alcabideque está a nascente da água que alimentou Conimbriga e que foi tema das segundas jornadas, em 2015. As terceiras, no ano seguinte, foram dedicadas a Eira Pedrinha, uma «aldeia com um património fantástico», designadamente as «grutas pré-históricas» e um «vale extremamente fértil» que cativou o homem a fixar-se. As quartas jornadas representaram uma homenagem a Vergílio Correia, o impulsionador das escavações de Conimbriga. Seguiu-se, em 2017, a reflexão sobre cerâmica, através do encontro “A mão e o barro”, que reuniu artistas, ceramistas e artífices, todos com uma raíz comum, a escola da cerâmica tradicional de Conimbriga. Em 2017, assistiu-se ao En-

contro Portugal-Argélia, dedicado ao mosaico romano. «Conimbriga não é só o património que tem, também promove encontros, troca de saberes, tem esta força aglutinadora que reúne estudiosos», realça. No ano seguinte, as atenções centraram-se no património construído e nas suas alterações. “Casa Grande, sobradinho e arquitectura de produção: novos desígnios, novo serviço”, foi o tema do colóquio, onde se reflectiu sobre a evolução de alguns dos antigos palácios e das novas funcionalidades que apresentam, mas também de novos projectos. No ano passado, as jornadas foram de-

dicadas ao Mosaico Romano, com o Encontro Portugal-Inglaterra-País de Gales”, que também serviu para preparar o Encontro Internacional do Mosaico, a realizar em 2024 em Conimbriga. Trata-se de uma iniciativa da Associação Internacional para o Estudo do Mosaico Antigo, com sede em Paris, que se realiza de três em três anos. Depois de Veneza, Madrid e Chipre, para o ano decorre em Leon (França) e, três anos depois, Conimbriga é o centro deste programa de cinco dias, que se estende a S. Simão, Santiago da Guarda e Rabaçal. Está, também, previsto um dia em Alter do Chão e Mértola, terminando em Faro. «Estamos a tentar consolidar estes três encontros, que são muito importantes», refere Miguel Pessoa. A cerâmica, destaca, tem «uma grande importância», seja em termos históricos e artísticos seja, mais recente, na dinâmica industrial. Para já não falar na incontornável importância do mosaico e do património construído. «Condeixa tem sete palácios e um conjunto notável de monumentos», refere Miguel Pessoa, sublinhando a necessidade de «consolidar esta reflexão». 

Onde é que há um sítio com este potencial?

sublinhando a necessidade de «melhores condições» para acolher a exposição permanente, exposições temporárias e para a oficina de mosaico. Aponta ainda os estragos da tempestade Elsa, em Dezembro de 2019. «Caíram cerca de três metros de muralha», entre os quintais, no vale de Condeixa-a-Velha. Quanto ao tempo que pode demorar, Miguel Pessoa não tem “pressa”. Lugo, na Galiza, exemplifica, «demorou 20 anos» para conseguir a classificação de 1.500 metros de muralha romana. Coimbra também esperou praticamente duas décadas pela classificação da Universidade, Alta e

Rua da Sofia. Confiante, acredita que este projecto, liderado pela Associação Ecomuseu de Condeixa, em parceria com a Câmara de Condeixa e o Museu Monográfico é fundamental e o reconhecimento da UNESCO seria uma mais-valia para Conimbriga, pois permitiria «consolidar a defesa deste património» e garantir a sua valorização. Mas representaria, igualmente, «mais visitantes para a cidade», o que requer «um turismo à altura», com o envolvimento da comunidade, da população e das empresas e instituições locais. O arqueólogo acredita na viabilidade do projecto. «Fazemos a diferença. Não é em qualquer sítio que existe uma cidade romana como Conimbriga, com esta vivência com as vilas que estão a ser descobertas», refere. «Conimbriga tem cerca de 90 pavimentos de mosaico», contabiliza. Juntam-se- lhe 21 da villa romana do Rabaçal, 33 de Santiago da Guarda e 16, «já descobertos, em São Simão». «Onde é que há um sítio, em Portugal ou mesmo noutro país que concentre um património desta qualidade?», questiona Miguel Pessoa.

«Apresentámos um dossier e temos noção que há coisas que podem ser melhoradas», desabafa Miguel Pessoa, confessando que o «silêncio» que se tem feito sentir desde 2017 «causa alguma ansiedade». «Gostávamos que nos dissessem alguma coisa», diz, embora compreenda que os procedimentos têm os seus momentos próprios. «Aguardamos serenamente um sinal», assume, fazendo notar que este processo «tem sido acompanhado por trabalho», com a realização destas jornadas que «servem para mostrar que Conimbriga merece mais atenção do que aquela que tem tido». Exemplos? São muitos. O arqueólogo, que começou a trabalhar em Conimbriga em 1973, nas férias e «nunca mais» dali saiu, aponta a ampliação do Museu. «É preciso obra, tem mais de 30 anos», refere,

Miguel Pessoa


90 anos com Condeixa-a-Nova Ruínas

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Município empenhado no processo «A ideia foi imediatamente apadrinhada pelo presidente da Câmara e pela Câmara Municipal», afirma Nuno Moita. Para o autarca de Condeixa, a proposta de candidatura a património da UNESCO constitui «uma forma muito positiva de valorizar aquele património» e também de «fazer alguma pressão junto da tutela para «olhar com outros olhos para Conimbriga». O presidente da Câmara destaca os «vários passos», nomeadamente «todo o levantamento do património material, imaterial e paisagístico do concelho» que foi efectuado e «dá suporte à proposta de candidatura», apresentada em 2017. Um trabalho que, destaca, «não parou». «Está a ser feito um trabalho fantástico de levantamento sistemático do património do concelho», de

Museu não quer perder a “oportunidade” Também José Ruivo, director do Museu Monográfico de Conimbriga, entende que o reconhecimento da UNESCO seria «muito importante», nomeadamente «no acesso mais fácil a recursos que neste momento estão indisponíveis». «Também é importante em termos de visibilidade», diz, muito embora ressalve que, hoje em dia, Conimbriga é «reconhecida a nível nacional e internacional».

uma forma «altruísta e voluntária», sublinha, destacando o trabalho e o empenho de Miguel Pessoa, quando muitos processos similares são «tratados por profissionais». Nuno Moita entende que depois do trabalho de investigação, é tempo de «fazer lobbie». «Fiz força para que Conimbriga fosse intervencionada», diz, referindo-se à empreitada, a rondar o meio milhão de euros de investimento, que já está a ser feita na muralha e vai envolver a bilhética, com o apoio de fundos comunitários e assumida pela Câmara de Condeixa (dona da obra). Refere, ainda, a compra de terrenos e casas, na zona de intervenção arqueológica,

Nuno Moita

Em termos de visitação, o director não tem dúvidas do impacto. «Temos noção que, neste momento, os circuitos turísticos estão organizados em função do Património UNESCO. Estamos no vértice entre Tomar, Batalha, Alcobaça e Fátima (que não é) e vemos passar os autocarros na

José Ruivo

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igualmente definida com a tutela, em 2015, onde «a Câmara já vai à frente do Governo». O processo, reconhece, é moroso. «Coimbra levou 20 anos», recorda. Mas começa a ter reflexos, nomeadamente através do «interesse dos grupos parlamentares» do PS e da CDU. O autarca admite que o município, em parceria com a Associação Ecomuseu de Condeixa e o Museu Monográfico possam, por exemplo, «apresentar uma petição à Assembleia da República para que seja analisado o processo». Confiante, Nuno Moita entende que «Conimbriga tem um património que merece ser distinguido» pela UNESCO e considera que a atribuição deste «selo de qualidade» iria representar «uma revolução, em termos de visitação», quer a Conimbriga, quer a Condeixa». Crítico, não deixa de sublinhar que seria, também, uma “chapada de luva branca” aos governantes e lembra que «o processo começou contra a vontade do então secretário de Estado». O Governo PS, ao contrário, «sempre se mostrou favorável», adianta. A13 e na A1 e não param cá», faz notar. «Não sei se teríamos capacidade para receber 400 mil visitantes, como recebe a Universidade ou a Batalha», refere, reconhecendo que a passagem em massa de visitantes «tem implicações negativas na estrutura arqueológica». Todavia, se «Conimbriga conseguir ingressar neste clube restrito, entendemos que, do ponto de vista do público e dos visitantes, iria aumentar a viabilidade do espaço, se bem que também exigiria uma intervenção maior no museu e no sítio arqueológico». «O Museu está empenhado». «Era a grande oportunidade» para ultrapassar todas as dificuldades e «avançar com todos os projectos», conclui.


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Museu PO.RO.S 90 anos com Condeixa-a-Nova

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Museu PO.RO.S tem vindo a conquistar o público e os “críticos”, somando prémios a nível nacional e internacional

MUSEU PO.RO.S: TECNOLOGIA AO SERVIÇO DO PATRIMÓNIO CULTURAL 2017 Inaugurado em 2017, Museu Portugal Romano em Sicó é um sucesso em termos de visitação e reconhecimento. Mas sente falta de uma estratégia concertada de promoção

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sámos a tecnologia para promover o património, esta herança única que é a romanização». Simples e taxativo, Nuno Moita, presidente da Câmara Municipal e Condeixa, define, assim, o Museu PO.RO.S – Portugal Romano em Sicó. Um projecto «bastante inovador», iniciado pelo executivo anterior, liderado por Jorge Bento, mas que contou com uma intervenção activa

O convite já foi feito e o município de Condeixa aceitou e está empenhado na candidatura do PO.RO.S ao Prémio Museu Europa 2021

do actual presidente. «Demos-lhe uma componente tecnológica mais forte», sublinha o edil. «Transformámos um centro interpretativo num centro interactivo, colocando a tecnologia ao serviço da promoção do património». Um objectivo duplamente conseguido. Isto porque, além de dar destaque à herança romana, a marca distintiva de Condeixa por excelência, permitindo, de uma


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forma lúdica e interactiva, perceber as vivências, os usos e costumes e a cultura deste povo, o Museu PO.RO.S está instalado numa outra referência em termos de património construído, o antigo palácio da Quinta de S. Tomé. O projecto representou um investimento de 3,5 milhões de euros, com uma comparticipação de fundos comunitários e 75%. No dia 6 de Maio de 2017, no meio de um verdadeiro séquito de legionários, nobres, escravos, onde não faltava o imperador, assistiu-se à inauguração do Museu PO.RO.S. Um espaço que permite apurar o conhecimento, mas também alimenta a curiosidade sobre a vida do império e do povo romano, funcionando como uma “ante-câmara” pedagógica para uma posterior visita ao terreno, às Ruínas de Conimbriga. Aliás, esta parceria estreita, esta partilha entre as duas entidades, constitui um ponto de honra para o autarca de Condeixa. Na inauguração do Museu PO.RO.S, Nuno Moita fez questão de afirmar que esse era «o primeiro dia de uma nova era para Condeixa». E tinha razão. Condeixa ganhou uma nova “sala de visitas”, com um espaço cultural de excelência que, além da componente museológica, oferece a possibilidade de realizar outro tipo de eventos, nomeadamente exposições permanentes. «O PO.RO.S veio reforçar os hábitos culturais de Condeixa», considera. Nos dois primeiros anos, o Museu PO.RO.S recebeu «cerca de 43 mil visitantes», um número que o autarca de Condeixa considera «absolutamente fantástico para um museu municipal». Mas, crítico, Nuno Moita não deixa a “ofensa ficar em casa”: «Estamos a ser pouco acarinhados pela região», afirma. Porquê? «A romanização traz à região cerca de 250 mil visi-

90 anos com Condeixa-a-Nova Museu PO.RO.S

tantes - sem contar com o Museu Machado de Castro – e não há respostas, nos programas turísticos para este produto estabilizado». A Câmara Municipal de Condeixa, assume, tem feito o seu “papel”. Mais, «tem-se esforçado» para promover este património, designadamente marcando presença em feiras internacionais de turismo, como aconteceu recentemente com a FITUR, em Madrid. «Mas a Câmara não é uma agência de turismo», faz notar. Nuno Moita aponta os muitos autocarros que passam pela A13 e pela auto-estrada do Norte (A1), em direcção a Coimbra. Passam ao lado de Condeixa… mas não param! Falta, no entender do autarca, «potenciar, em termos nacionais, a importância cultural e turística do património da romanização». Um roteiro que, necessariamente, tem de destacar, ao invés do que acontece agora, Condeixa. Conimbriga representa «a maior presença arqueológica de todo o território nacional», reitera Nuno Moita. «O PO.RO.S merecia um tratamento diferenciado por parte do Turismo e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC)», diz ainda o autarca, confessando as condicionantes orçamentais que impedem o município de fazer mais. Todavia, já existem parcerias, em termos de visitação, com um bilhete único que envolve o Exploratório e o Portugal dos Pequenitos, em Coimbra, e também o Museu Monográfico de Conimbriga. «É necessário promover a visitação», diz, defendendo que este é um «trabalho que devia ser feito pelo Turismo», «muito mais do que a distribuição de “flyers”». Pese embora a crítica, o autarca de Condeixa elogia a «esforço» feito pelo presidente da Turismo Centro de Portugal, Pedro Machado nesta matéria. 

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Museu distinguido a nível nacional e internacional

Reconhecimento não falta ao Museu PO.RO.S. A nível nacional e internacional. Com efeito, em Maio de 2018 o Museu Portugal Romano em Sicó foi distinguido pela Associação Portuguesa de Museologia com o primeiro prémio na categoria “Aplicação e Gestão Multimédia”. Seguiu-se, em Setembro, na Dinamarca, a conquista de dois galardões no âmbito dos Prémios Heritage in Motion, os “Óscares dos museus”, como diz Nuno Moita. Trata-se de um prémio instituído pela Academia Europeia de Museus, Europa Nostra e Europena, que atribuiu ao Museu de Condeixa a principal distinção, o que equivale a dizer que o PO.RO.S é considerado «o melhor museu multimédia interactivo da Europa». O museu recebeu, ainda, um segundo galardão, na categoria “Experiências Interactivas”. Continuando na rota dos prémios internacionais, o Museu de Condeixa já foi convidado e vai mesmo candidatar-se ao Prémio Museu Europa 2021. 


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Museu PO.RO.S 90 anos com Condeixa-a-Nova

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Promover a Rota da Romanização Vislumbre do Império Mais um exemplo do empenho do município em valorizar esta herança romana é o programa Vislumbre do Império, uma recriação histórica, centrada em Conimbriga, que teve o seu início em 2014 e que tem vindo a crescer e a consolidar-se. «Começou por ser apenas um dia», recorda o autarca, elogiando o trabalho de uma empresa, contratada para o efeito. Hoje, «são três dias». Mais, «três dias com a participação e o envolvimento das associações locais e da comunidade local». «É mais uma forma de valorizar um monumento único que Portugal tem, as Ruínas Romanas de Conimbriga», adianta Nuno Moita, destacando, igualmente, o crescente envolvimento da comunidade e do tecido associativo. Inclusivamente, já motivou a criação da Associação de Recriação Histórica de Condeixa. O evento decorre no terceiro fim-de-semana de Junho e constitui um convite para visitar Condeixa e Conimbriga, que destaca, além do património histórico, a gastronomia, as artes tradicionais, os artesãos e os produtos endógenos da região de Sicó.  Associação foi oficialmente formalizada no passado dia 3 de Março, em Condeixa

O empenho do município na Rota da Romanização não deixa dúvidas a ninguém. «Somos município fundador daAssociação de Municípios do Portugal Romano», criada em Abril de 2018, recorda Nuno Moita. «Fizemos um levantamento dos municípios com património romano e, dos 27, reunimos 10, os municípios fundadores». A reunião realizou-se, precisamente, no Museu PO.RO.S, em Condeixa, e contou com a participação de responsáveis dos municípios deAnsião, Braga, Condeixa, Lisboa, Penela, Oliveira do Hospital, Seixal, Vidigueira, Tomar e Santiago do Cacém, os fundadores da associação que, entretanto, já contou com mais adesões. No passado dia 3 de Março, a associação foi formalmente constituída, no Cartório Notarial de

Condeixa. «Um dia histórico para a valorização do património romano», afirmou Nuno Moita. Assinaram a escritura nove municípios, a saber: Ansião, Braga, Condeixa-a-Nova, Oliveira do Hospital, Penela, Santiago do Cacém, Seixal, Tomar e Vidigueira. Uma associação de municípios que representa, no entender do autarca, «um primeiro esboço do que poderá ser um grande circuito da rota do romano». Condeixa, assume, tem uma «responsabilidade acrescida» neste processo. «Temos o maior vestígio romano», recorda, confiante que esta associação de municípios pode funcionar como «um mecanismo para acesso a fundos comunitários». Crítico, mais uma vez, Nuno Moita

aponta o facto de já não existir «um fundo específico para promover a romanização», uma vez que «deixou de existir o PROVERE Villa Sicó», Programa de Valorização Económica dos Recursos Endógenos. «Perdemos esse fundo, que não se destinava apenas para a promoção turística, mas também para a arqueologia e preservação do património». Por isso, o autarca de Condeixa faz um apelo, no sentido de que o quadro Centro 20-30 comporte «um fundo comunitário específico para o eixo da romanização». «Esta associação pode ser um motor desse programa e do plano específico para a romanização», considera. O fundo específico pode ser «nacional ou regional». O que importa, afirma, «é que seja criado».


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Paços do Concelho 90 anos com Condeixa-a-Nova

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PRESIDENTE DA REPÚBLICA INAUGURA PAÇOS DO CONCELHO 1990 Belmiro Moita da Costa, pai do actual autarca, era o presidente da Câmara Municipal. Mário Soares foi agraciado com a Medalha de Ouro do Município

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oi o meu primeiro discurso perante um Presidente da República». Palavras de Belmiro Moita da Costa, presidente da Câmara Municipal de Condeixa em Junho de 1990, altura em que foi inaugurado o edifício dos novos Paços do Concelho. Mário Soares elogiou a obra. «Disse que era dos poucos palácios com aquele estilo que conhecia», recorda o antigo autarca, pai do actual presidente do município de Condeixa. Aconteceu no dia 30 de Junho, numa cerimónia que representou o corolário de um longo e moroso processo. Mas «pacífico», adverte Belmiro Moita da Costa, recordando que o edifício foi adquirido quando era presidente do executivo camarário Armando Martins Tavares. «Até tivemos o apoio do Governo da altura», adianta. Seriam, recorda, «18 mil contos» para apoiar uma obra «de cerca de 90 mil contos». «Foi uma obra de grande interesse para o concelho», adianta o antigo autarca de Condeixa (1985-1993), que também foi deputado da Assembleia da República, presidente da Assembleia Municipal de Condeixa e professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. O Palácio dos Figueiredos passava, assim, definitivamente, a cumprir uma função de interesse público, ao serviço das gentes de Condeixa, como Paços do Concelho. Em causa está uma casa senhorial seiscentista, que no século XVII foi restaurada e ampliada. Conhecido, desde então, como Palácio dos Figueiredos, foi considerado, pela sua arquitectura, um dos palácios mais belos de Portugal. Talvez por isso tenha sofrido de uma forma muito significativa o impacto das invasões francesas. Reza a história que foi incendiado durante a terceira invasão, à semelhança, de resto, com o que aconteceu a muitos outros palácios e solares existentes no concelho de Condeixa.

Diário de Coimbra destacava, a 1 de Junho de 1990, a cerimónia de inauguração

O edifício ficou em ruínas e no século XIX foi recuperado, «respeitando inteiramente a sua arquitectura e traçado do século XVII». Passou a ser propriedade de Artur da Conceição Barreto, que o doou ao Hospital Municipal. Em 1973, foi adquirido pelo município de Condeixa-a-Nova e ali funcionaram, durante mais de uma década, o Tribunal Judicial de Condeixa e o Clube de Condeixa. Em 1974, pelo decreto n.º 735/74 de 21 de Dezembro foi classificado como Imóvel de Interesse Público. Em 1984, começaram as obras de restauro do palácio, que decorreram até 1990, «Estava muito deteriorado», recorda Belmiro Moita da Costa, que destaca o «empenho dos arquitectos», dos operários e dos «funcionários do município» na concretização da obra de recuperação «deste bonito palácio». As obras ficaram concluídas em 1990, no mesmo ano em que, a 30 de Junho, se assistiu à inauguração, presidida pelo Presidente da República.

Mário Soares protagonizava, de acordo com o que o Diário de Coimbra escrevia na altura, a primeira visita de um Chefe de Estado a Condeixa e também ao vizinho concelho de Soure e em ambos os municípios foi galardoado com a medalha de ouro. «Recebido pelo presidente da Câmara, Belmiro Moita, nos novos Paços do Concelho», Mário Soares elogiou «as obras de adaptação do edifício», relatava o jornal. Belmiro Moita da Costa aproveitou a oportunidade e alertou o Presidente da República para «a necessidade de dar resposta a determinadas carências, aludindo, designadamente, à falta de uma passagem desnivelada sobre a EN1 e de uma variante à vila», refere o Diário de Coimbra. Em resposta, Mário Soares reiterou a defesa da «articulação do diálogo entre o poder central e o poder local» e prometeu, dentro do «limite» das suas «competências constitucionais», estar «atento àquilo que se passa». 


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90 anos com Condeixa-a-Nova Misericórdia

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SANTA CASA: RESPOSTA PRONTA PARA QUEM MAIS PRECISA 1940 “Sopa dos Pobres” foi a primeira obra da Misericórdia, que em 1970 consegue concretizar o sonho de origem: abrir um “lar de inválidos”

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asceu com o propósito muito claro de ajudar quem mais precisava, fosse com a distribuição de esmolas aos enfermos e inválidos, leite aos recém-nascidos, ou roupa e livros às crianças da escola. A construção de um «albergue para internar os indigentes velhos, inválidos do trabalho», foi, desde a primeira hora, um dos seus desígnios. Falamos da Santa Casa da Misericórdia de Condeixa que elegeu a sua primeira mesa administrativa em Novembro de 1929. Cândido Sotto Mayor foi o seu primeiro provedor, cargo que desempenhou até à altura da sua morte, em 1951. Todavia, a acção da Santa Casa só ganhou relevo em 1940, com a criação da “Sopa dos Pobres”. «Isac Pinto foi o grande obreiro» desse projecto, recorda o actual provedor, Manuel Branquinho, lembrando que este serviço social funcionava num edifício junto ao Hospital Municipal D.Ana Loboreiro de Eça. «Uma senhora muito rica, Elsa Sotto Mayor, foi uma grande benemérita da Sopa dos Pobres», adianta. Só em 1970 a Misericórdia conseguiu cumprir o sonho de inaugurar o “lar de inválidos”, erguido com a ajuda do legado do benemérito Fortunato de Carvalho Bandeira. Com capacidade para acolher 40 idosos, foi, na altura, necessário «recorrer a todo o país para ocupar o lar». Os primeiros utentes foram acolhidos em Janeiro de 1971. Dava-se, assim, o primeiro passo para um desafio gigantesco, em termos de apoio social, que

Estrutura residencial para seniores é uma das respostas emblemáticas da Santa Casa

a Santa Casa tem vindo a desenvolver até aos dias de hoje. O lar mantém-se. Mas hoje, além da Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, a Santa Casa presta outras respostas, para os mais velhos e também para os mais

novos. E não tem “mãos a medir”. Com efeito, apesar de o lar ter capacidade para 130 utentes, “não chega para as encomendas”.«Temos lotação esgotada, com mais de 300 pessoas em lista de espera», confessa o provedor. «Dizermos a pessoas


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Misericórdia 90 anos com Condeixa-a-Nova

Casa da Criança é uma das respostas da Santa Casa para os mais novos

com 80 ou 90 anos que têm de esperar é muito doloroso», adianta Ana Apóstolo, directora técnica da instituição. Sobretudo, confessa, «não podemos falar em prazos para eventuais vagas», pois «quando recebemos utentes, por norma, ficam até ao final da vida». Mas há mais questões a ponderar. «Temos cada vez mais pessoas nos lares de idosos com problemas de demência. A esperança de vida aumentou, mas também aumentou a dependência relativamente a unidade de saúde, nomeadamente na área

Faz falta em Condeixa uma unidade de cuidados continuados e a Santa Casa assume o seu interesse em avançar nesse sentido, assim tenha o aval da tutela

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da saúde mental», alerta Ana Apóstolo. E a verdade é que, «não há respostas». «Os lares de idosos não estão preparados para responder a situações de demência ou saúde mental», adianta a directora técnica. Da mesma forma que não estão preparados para acolher, como acontece agora, pessoas com outro tipo de problemas, que exigem uma atenção permanente e continuada em termos de cuidados de saúde. «Muitas vezes as pessoas são canalizadas para o lar de idosos quando precisam mesmo é de cuidados continuados», diz ainda, confessando que a «Misericórdia sente essa pressão», particularmente pelo facto de não haver respostas de proximidade em termos de cuidados continuados. «Só na Tocha e em Cantanhede», esclarece o provedor, fazendo notar a distância e as «dificuldades daqui resultantes em termos de visitas». Necessidade existe e a Santa Casa já manifestou a sua vontade de avançar com uma unidade de cuidados continuados. Uma proposta apresentada em 2017 e que apontava para a construção desta valência nas instalações do antigo hospital municipal, abandonado há muito. Todavia, ainda não há resposta. A instituição não tem dúvidas de que uma valência destas, em Condeixa, «é necessária». Mais, poderia “libertar” algumas camas, talvez 40, do lar, actualmente ocupadas por utentes que carecem de cuidados de saúde permanentes. 

Da Sopa dos Pobres à Cantina Social Se começou a sua função solidária com a Sopa dos Pobres, na década de 40 do século passado, a Misericórdia de Condeixa voltou a prestar esse tipo de serviço. Aconteceu em 2012, numa clara resposta à crise instalada e aos problemas sociais daí decorrentes, que levou à criação da Rede Solidária das Cantinas Sociais. «Quando começámos chegámos a ter 100 utentes», refere Ana Apóstolo. Agora são 24. A funcionar em regime de “take-away”, os utentes, previamente definidos, recorriam à cozinha da Santa Casa para garantir as refeições diárias. Entretanto, explica a directora técnica, o programa de apoio mudou e centra-se agora na entrega de géneros alimentares. «Só quem não tem capacidade de armazenamento ou de confecção dos alimentos»

Nova cozinha foi inaugurada em 2019

continua a receber as refeições. De resto, a Santa Casa entrega mensalmente, 41 cabazes, que incluem desde carne, peixe, ver-

duras, mercearia, entre outros. São 21 famílias beneficiadas, o que corresponde a 64 pessoas. Falando ainda em refeições, a Santa Casa investiu, no ano passado, 800 mil euros na construção de uma nova cozinha, que tem capacidade para servir 600 refeições por dia e dá resposta a todas as valências da instituição. «Diminuíram os desperdícios e ganhámos poder negocial junto dos fornecedores», faz notar o director-geral, Jorge Costa. A Misericórdia tem sido, também, a entidade coordenadora e executora dos projectos CLDS, de combate à pobreza e exclusão social. Um programa iniciado em 2014 e que culminou em Janeiro do ano passado e garantiu apoio a 350 pessoas. 


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90 anos com Condeixa-a-Nova Misericórdia

Desafios para o futuro

Manuel Branquinho, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Condeixa

«A sustentabilidade desta casa», que tem um universo de 135 funcionários efectivos, é a grande preocupação do provedor, Manuel Branquinho, em termos futuros. «O custo de salários devia rondar os 50%, para garantir um equilíbrio sustentável, mas anda perto dos 70%. Isso começa a preocupar», adianta, reconhecendo, muito embora, que os salários «são baixos». «O Governo não tem olhado para esta situação como devia», considera. As contas são fáceis de fazer. «Desde 2014, o salário mínimo aumentou 29,31%, a inflação 5,4% e a comparticipação do Estado 12,7%», explica o director-geral. Significa

que «tem havido um aumento da despesa e não da receita». Mas há ainda uma segunda questão, adverte o provedor. «Somos uma IPSS e devemos priorizar pessoas com carência», nas diferentes valências. «Temos pessoas com reformas de 100, 200 euros e não podemos virar as costas a estas pessoas», adianta Ana Apóstolo. «Temos de atender, em primeiro lugar, as situação mais desfavorecidas», remata o provedor. Além da «sustentabilidade», a directora técnica aponta a «dificuldades em captar mão-de-obra competente». «Os ordenados continuam a ser baixos e o regime de turnos não é aliciante», faz notar, sublinhando

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a grande rotação de funcionários, pois, «quando encontram alguma coisa melhor vão-se embora». Aliás, quando os Hospitais de Coimbra abrem concurso, «os colaboradores da Santa Casa ficam sempre muito bem classificados», diz ainda. É também a pensar no futuro que a instituição tem vindo a efectuar um conjunto de obras de construção, remodelação e requalificação. Actualmente decorrem no Centro de Dia. Trata-se da instalação de uma sala de fisioterapia, ginásio, e de sala multimédia e de leitura, além de pequenas adaptações para facilitar a mobilidade dos utentes. A intervenção está a decorrer e representa um investimento de 109.985 euros, a que acresce 12.585 euros em equipamento, que conta com o apoio do Fundo Rainha D. Leonor, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no valor de 56.800 euros. A empreitada deverá estar concluída em Junho. Ainda sem data, está uma intervenção “ponderada” para a Casa da Criança, uma vez que Condeixa foi o único concelho, além de Lisboa e Porto, contemplado no programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais, muito embora o financiamento ainda não esteja garantido. O projecto, já aprovado pela Segurança Social, implica um investimento de 330 mil euros, mais 12.585 para equipamento, que pretende requalificar as instalações, aumentando a capacidade para receber mais três utentes. 

Dos mais velhos aos mais novos Em 1982 a Santa Casa de Condeixa alargou as suas respostas para Centro de Dia, que começou a funcionar no mesmo edifício do lar de idosos, mas acabaria por ser transferido. Também na década de 80, em 1986 começa a sua intervenção no apoio à infância e juventude, respectivamente com as valências de jardim-de-infância, creche e também a ATL. É também nessa altura (1989) que começa o programa de apoio domiciliário. Desde 2004 que tem em funcionamento o Centro deAcolhimento Temporário para Crianças e Jovens em Risco. Trata-se de uma “casa de família”, que recebe crianças encaminhadas pelo Tribunal de Menores ou pela Comissão de Protecção

Centro de Dia de Condeixa-a-Nova

de Crianças e Jovens. Tem capacidade para acolher três bebés, até aos 3 anos, e três rapazes e três raparigas, dos 3 aos 12 anos. A lotação está sempre completa. Actualmente a instituição garante apoio a 130 seniores em estrutura residencial, e a 70 em centro de dia (Condeixa-a-Nova, Condeixa-a-Velha, Anobra e Vila Seca). São 70 os beneficiários do apoio domiciliário (todo o concelho). Hoje em dia, já não existe ATL e as respostas para a infância são asseguradas em duas valências, a Creche Pezinhos de Lã, com 59 crianças e a Casa da Criança, com as valências de creche (39 crianças) e jardim-de-infância (50 crianças). 


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Escarpiada 90 anos com Condeixa-a-Nova

Diário de Coimbra

“UM CAFÉ E UMA ESCARPIADA” 2015 Município registou a marca em 2015, garantindo a “protecção” e a “propriedade” deste original doce de padaria. Um exclusivo “made in Condeixa”

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ão se sabe como nasceu. Nem quando. Mas, indiscutivelmente, sabe bem. Falamos da escarpiada, um “doce de padaria”que faz parte da memória colectiva de todos os habitantes de Condeixa. Mas já galgou fronteiras e começou a ser conhecido “fora de portas”. A candidatura, em 2019, ao concurso 7 Maravilhas Doces de Portugal deu uma ajuda para esta maior notoriedade. «Fizemos parte dos sete doces finalistas na fase distrital», recorda Anabela Malo, engenheira civil, que trabalha no Gabinete de Apoio ao Empreendedor e acompanhou todo este processo. Aliás, a candidatura foi apresentada pelo município e Anabela Malo integrou a equipa que fez todo o “trabalho de casa”. Um desafio que lhe permitiu conhecer de uma forma mais ampla os “contornos” de um doce que, como todos os naturais de Condeixa, conhece desde sempre. «Não se sabe quando a escarpiada começou a ser feita», mas segundo testemunhos recolhidos, «terá sido há mais de 100 anos». A antiga padaria “Biju” é apontada como a casa da “provável” origem da escarpiada. «Mas há quem diga que não é bem assim» e ponha em causa que tenha sido Lino Pedro Augusto o “criador” da escarpiada. Quanto às razões, continuam no “segredo dos deuses”. Sem querer entrar em especulações, Anabela Malo sublinha a grande tradição de moer o cereal nos muitos moinhos existentes no concelho. «É um doce pobre», feito com «massa de pão, azeite, açúcar amarelo e canela», refere. «A receita passou, oralmente, de geração em geração» e a escarpiada era consumida sobretudo nos «momentos festivos», ou seja, nas festas de Santa Cristina , as grandes festas do concelho, mas também por altura dos Passos, da Páscoa ou ainda pelo Natal. «Antigamente era confeccionada em caçoilos», em doses “familiares”, e, depois, «cortada à fatia. «Só na segunda metade do século XX, para facilitar a comercialização, começou a ser feita em doses individuais», cujo peso oscila entre as 80 e as

Padarias e pastelarias de Condeixa são o único local onde se encontra este doce

100 gramas, esclarece. Fiel às origens, ou seja, às padarias onde nasceu, a escarpiada também seria, nalguns casos, confeccionada em casa. Sobretudo por pessoas que «compravam a massa de pão na padaria» e concluíam, depois, a preparação do doce». Mas, hoje em dia, também é possível encontrar este doce em praticamente todas as pastelarias do concelho de Condeixa. São, de acordo com Anabela Malo, 11 os actuais produtores, entre padarias e pastelarias. «É um doce simples», mas «requer tempo», porque é necessário, primeiro que tudo, fazer a massa de pão. «E tem segredos», adverte a técnica. O grande segredo «está na forma como é feita a dobra da massa», adianta, explicando que a massa é estendida num tabuleiro e depois é colocada a mistura de açúcar e canela. «A dobra é fundamental, o segredo, para que o molho – resultante do açúcar derretido com a canela - não saia». É esse molho que confere o carácter único a esta especialidade característica de Condeixa. «Que nós saibamos, não é confeccionada em mais sítio

nenhum». De resto, o município registou a marca, em 2015, atestando que se trata de um produto único do concelho. A certificação é o próximo passo. O consumo da escarpiada depende do gosto e da circunstância. Há quem a sirva como sobremesa e “cai bem”. Mas também há quem a considere ideal para um lanche. De preferência na companhia de um café ou de licor de leite, também muito usado em Condeixa, adianta Anabela Malo. Aqui fica a sugestão. Se ainda não conhece, desloque-se a Condeixa e, numa pastelaria, numa padaria ou num café peça um café e uma escarpiada. Vai ver que vale a pena!

Município registou a marca, em 2015, garantindo que este é um produto único de Condeixa. A certificação é o próximo passo


Diário de Coimbra

90 anos com Condeixa-a-Nova Cine-Teatro

CINE-TEATRO: A SALA DE ESPECTÁCULOS DE CONDEIXA 1986 Junto ao quartel dos bombeiros foi erguido o Cine-Teatro, que ainda chegou a ser gerido pela associação humanitária. Hoje, continua a ser pertença dos bombeiros, mas a gestão é da autarquia

Cine-Teatro é propriedade dos Bombeiros Voluntários, mas gerido pelo município

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a altura havia apoios para estas coisas», afirma Gustavo Santos, presidente da direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Condeixa. Mais, «o terreno era grande demais só para o quartel». A estas duas realidades juntou-se o facto de não existir, à data, «uma sala de espectáculos em Condeixa». É assim que nasce o Cine-Teatro de Condeixa, propriedade dos Bombeiros Voluntários, mas

cuja gestão é, desde há alguns anos, da responsabilidade da Câmara Municipal de Condeixa. A construção do então denominado Centro Cultural e Recreativo começou em meados de 1984, “entrando ao serviço”, de acordo com a pesquisa efectuada pelo chefe Carlos Peça (já falecido), dos Bombeiros de Condeixa, no dia 1 de Dezembro de 1986, por ocasião do nono aniversário da associação. O montante despendido

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«rondou os 25 mil contos, cobertos, na sua maioria, por verbas da autarquia e do Estado», adianta. «É um magnífico espaço, com 260 lugares» e com valências para teatro, cinema e outras manifestações sócio-culturais. Inclui, também, «algumas áreas para a prática de actividades desportivas, como a ginástica e o judo», refere o antigo chefe, na revista comemorativa dos 25 anos dos Bombeiros de Condeixa. Adiantava, ainda, que, desde a abertura, funcionava, no segundo andar, «com carácter regular, a Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian». A exploração do Cine-Teatro teve, ao longo dos anos, diferentes modalidades. Começou por ser explorado pelos órgãos internos da associação, «com todas as tarefas inerentes a uma casa de espectáculos a serem asseguradas pelo pessoal do corpo activo e dirigentes». Funcionou regularmente, com a apresentação de filmes, «dos melhores que se produziam na altura». Numa segunda fase, a gestão do cinema passou a ser efectuada por uma empresa privada, em estreita supervisão da direcção. Actualmente, em conformidade com os termos de um protocolo celebrado em 1991, com a Câmara Municipal de Condeixa, cabe à autarquia a gestão da casa de espectáculos. «Cedemos as instalações à Câmara», explica o presidente da direcção, fazendo notar que o imóvel continua a ser pertença dos bombeiros, mas a sua gestão passou para a tutela da Câmara Municipal. Em troca, o município entrega mensalmente um valor de 7.500 euros aos Bombeiros Voluntários, diz ainda. «Além de cinema, já passaram por esta sala grandes figuras da cultura nacional, espectáculo de teatro e revista à portuguesa, bandas filarmónicas, coros, concertos por orquestras sinfónicas, etc.», relata o antigo chefe. 


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Padre Boi 90 anos com Condeixa-a-Nova

PADRE DR.IJOÃOI ANTUNES:I UMA “LENDA”I QUE MARCOUI CONDEIXAI Padre João Antunes, uma das figuras que marcou a história e a vida do concelho

1931 Criador do Orfeão de Condeixa e da Escola de Desenho Industrial, morreu 26 de Agosto de 1931, praticamente na miséria. A sua vida e a sua obra são, hoje, quase uma lenda

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asceu filho de ricos e morreu pobre; trabalhou para os outros e nisso esbanjou os seus bens; procurou a beleza da vida e quis pô-la ao serviço do povo». «Aquele homem - o dr. João Antunes - era de uma força natural, instintiva e forte». Palavras de De-

niz-Jacinto, proferidas em Agosto de 1956, nas comemorações do 25.º aniversário do falecimento do «insigne cidadão», citado por M. Rodrigues dos Santos, no livro “Padre-Boi não é lenda – esboço biográfico do P. Dr. João A. Antunes”, uma obra lançada em 1990 pela Câmara Municipal

Diário de Coimbra

de Condeixa-a-Nova. João Augusto Antunes (1863 – 1931) foi uma figura lendária, que marcou a vida e a história de Condeixa. «Eis o Padre-Boi, sua alcunha. Comilão émulo de D. Carlos. Eu parava na rua, deslumbrado e estarrecido, para lhe admirar o porte e lhe beber as famas. Financiada do seu desgovernado bolso uma Escola de Artes e Ofícios; com mestres de quilate; morreu sem um lençol na cama. Mas entretanto a vila multiplicara-se em pintores de domingo, marceneiros-artistas, ferreiros, compositores populares». Fernando Namora traça, assim, o perfil do criador da Escola de Desenho Industrial e do Orfeão de Condeixa. «Asua majestade composta de um imenso mas equilibrado físico, calça e jaquetão negros, cabeleira à Liszt, laço à La Vallière. Centro e trinta quilos, eu sei lá, bem distribuídos numa altura de dois metros e tal. Um espanto!», escreve Manuel DenizJacinto, admirador confesso e amigo de longa data do Padre-Boi.Aliás, o dramaturgo, encenador e crítico, foi um dos principais oradores da primeira homenagem que Condeixa rendeu ao Padre-Boi, em Agosto de 1939, com a inauguração, no cemitério de Condeixa, de um plinto encimado pelo seu busto. Uma obra custeada por subscrição pública, escreve M. Rodrigues dos Santos, que contou, entre outros, com o contributo dos escritores Afonso Lopes Vieira, Júlio Brandão e Abel de Lacerda, dos pintores António Rodrigues Gonçalves, José Contente e Ezequiel Pereira, e do «arquitecto Raul Lino, que ofereceu a planta do monumento, e F. A. Santos, que assina o medalhão em bronze nele afixado». O Diário de Coimbra noticiou a «sentidíssima homenagem de saudade» de Condeixa ao seu antigo pároco, também «director e fundador do antigo Orfeão de Condeixa» e «cidadão muito ilustre» e de «altas qualidades», destacando a presença de «quasi todos os seus habitantes». Manuel Deniz-Jacinto «impressionou vivamente a assistência, pela eloquência e conceitos da sua oração, que excedeu toda a expectativa e profundamente calou no espírito de todos os que o ouviram», escreve o Diário de Coimbra, a 28 de Agosto de 1939, sublinhando o «primoroso discurso» do encenador, que destacou os «méritos de artista» e as altas qualidades de civismo» do padre João Antunes. Natural de Coimbra, João Antunes chega


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90 anos com Condeixa-a-Nova Padre Boi

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a Condeixa em 1894. Licenciado em Teologia e em Direito assume a paróquia e a Conservatória do Registo Predial, mas os seus dotes artísticos, profusamente desenvolvidos enquanto estudante da Lusa Atenas, depressa vieram ao de cima. No convívio com toda a comunidade, mas também na obra pioneira que desenvolveu. O Orfeão de Condeixa (1903– 929) é um desses exemplos. «O professor de instrução primária de Condeixa encontra-se no orfeon, e canta com alguns dos seus discípulos. Dentro desta confraria desapareceram as castas, as diferenças de fortuna, as opiniões individuais; só o grupo vive, apenas o Côro existe. É este o espírito dos orfeons, e é esta, que eu saiba, a primeira

Orfeão de Condeixa e a Escola de Desenho Industrial foram dois dos grandes projectos em que o Dr.João Antunes empenhou a sua vontade e também a fortuna tentativa que no género se fez em Portugal», escrevia o poeta Afonso Lopes Vieira, que promoveu a apresentação, em 1916, do Orfeão de Condeixa em Lisboa. Um êxito, que os jornais elogiavam, destacando «o verdadeiro milagre» feito pelo padre João Antunes no Teatro da República, ao fazer «com que a rude e inculta gente do campo, sem a mínima cultura artística, sem os mais leves conhecimentos musicais, execute obras de Bach, Beethoven, Palestrina, Keil etc». Também se deve a João Antunes a criação da Escola de Desenho Industrial (1914-1927). «O padre pensa na promoção cultural e profissional dos jovens de Condeixa, tenta descobrir-lhes aptidões artísticas, orientá-las, cultivá-las e abrir portas

O Diário de Coimbra noticiou , em Agosto de 1939, a homenagem póstuma

a ofícios e profissões rentáveis». Abel Manta, Piedade, António Augusto Gonçalves, Fausto Gonçalves, Pedro Olaio foram alguns dos pintores que colaboraram com esta obra, de acordo com M. Rodrigues dos Santos. «Amo muito a Santa Igreja, mas amo também os meus filhos e a suas mães». Uma expressão atribuída ao sacerdote, que fez orelhas moucas «ao cumprimento dos preceitos canónicos que o vinculavam ao celibato eclesiástico». Todavia, não serão 35 os filhos que teve. O autor de “Padre-Boi não e lenda”afiança que, «filhos comprovados conhecem-se-lhe 13, de cinco diferentes mulheres». A fama de grande comilão valeu-lhe a alcunha de “Padre-Boi”, conjugada com a sua enorme estatura. Relatos não faltam na obra de M. Rodrigues dos Santos que testemunham o grande apetite do sacerdote

que rivalizava com o do rei D. Carlos, traço comum que, de resto, os aproximou. Para o seu apetite voraz «um grande peru não passava de um passarinho e uma enorme pescada ficava diminuída à proporção da minúscula marmota». «O arrependimento e a pobreza conjugaram-se para que ao leão moribundo tudo faltasse na hora da morte, menos a ingratidão de alguns que dele fruíram amizade sem barreiras, convívio enriquecedor e, até, conhecimentos que os ajudaram a fazer carreira. No frio rés-dochão da Casa da Lapa, que escolhera para se finar, sobravam vestígios do equipamento do Orfeão e da Escola de Desenho que aí tinham funcionado, recordações dos tempos áureos da sua cruzada altruísta, mas faltava um simples lençol a jeito de lhe servir de mortalha», escreve M. Rodrigues dos Santos. 


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Orfeão 90 anos com Condeixa-a-Nova

Diário de Coimbra

ORFEÃO DR. JOÃO ANTUNES PROMOVE CULTURA 1997 Sessenta e seis anos após a sua morte, obra do benemérito volta a renascer em Condeixa. Um projecto que os irmãos Devesa chamaram a si e que encara o futuro com optimismo

Orfeão possui cerca de quatro dezenas de coralistas e está aberto a novas adesões

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s dois irmãos, António Pedro Devesa e João Paulo Devesa, foram os principais obreiros do projecto que, a 1 de Abril de 1997, dava origem a uma nova colectividade cultural, nascida em Condeixa. Promover o canto coral e os artistas da terra foi a “demanda”que motivou os irmãos, que continuam, hoje, firmes e envolvidos no projecto. Um como director artístico. Outro como professor na secção de fado. «Foram eles que tiveram a ideia de avançar com a constituição da Associação Orfeão Dr. João Antunes», recorda o presidente da direcção, António Rodrigues. Mas a “inspiração”, estava e está na figura e na obra do Dr. João Antunes. «Foi o fundador do primeiro orfeão amador do país, um coro que, nessa altura – princípios do século passado – cantou em grandes palcos, o que era praticamente inimaginável». Ao longo de mais de seis décadas após a morte desta figura emblemática, foram várias, reconhece aquele responsável, as tentativas para “recuperar” o orfeão, mas «nenhuma teve êxito». Até 1997, altura em que

os irmãos Devesa conseguem fazer renascer o grupo coral que, em honra do pioneiro, tem o seu nome. O mesmo acontecendo com a Associação. Com cerca de quatro dezenas de coralistas, entre homens e mulheres, com idades entre os 12 e os 80 anos, o Orfeão Dr. João Antunes dos tempos de hoje mantém o mesmo espírito intergeracional da origem e reúne em palco três gerações da mesma família, conta António Rodrigues, referindo-se à jovem de 12 anos, aluna do Conservatório, que toca violino e canta no coro com a mãe e com a avó. Igualmente “inspirado”no espírito filantropo do patrono, «ninguém ganha um cêntimo», facto que, reconhece António Rodrigues, «não é muito habitual» neste tipo de estruturas, particularmente nos dias de hoje. A Escola de Artes e Ofícios fundada por João Antunes, conhecido pelo Padre-Boi, «frequentada, entre muitos outros, por Fernando Namora», sublinha o responsável, também ganhou vida dentro da associação. Assim, além do orfeão, funciona a Academia Musical, que garante formação na área da

música e do canto e possui 15 alunos. Ainda na área da música, está a escola de fado, um projecto mais recente, com pouco mais de ano e meio, que ensina fado de Lisboa e de Coimbra a 15 alunos, distribuídos por duas classes, uma mais avançada e outra de iniciação. Outra valência é a secção de pintura, actualmente orientada por Anit, uma artista da Pampilhosa da Serra já com créditos firmados. «Estamos abertos a todas as sugestões. Se houver alguém que nos queira apresentar um projecto ligado à cultura, estamos abertos a novas secções», afirma António Rodrigues, deixando claro que o objectivo da Associação Orfeão Dr. João Antunes é «oferecer o maior número de valências à população de Condeixa e concelhos limítrofes». Com satisfação, faz notar que, neste momento, além de uma base muito sólida em Condeixa, a associação já cativou pessoas residentes em Coimbra e em Penela. E é também nesse sentido que o presidente da direcção apela aos munícipes, particularmente de Condeixa, para «se aproximarem» mais da associação e integrarem qualquer uma das suas valências. «O nosso objectivo é chamar as pessoas», sublinha, deixando um convite aberto a quem queira integrar o coro. «É necessária uma regeneração», afirma. «Os ensaios são à sexta-feira, pelas 21h30», diz. Ensaios que decorrem na sede da associação, no edifício do Cine-Teatro, um espaço «cedido gratuitamente pela Câmara». Anualmente, por alturas da celebração do aniversário, em Abril, o Orfeão promove um Encontro de Coros. Evento que este ano foi adiado para Setembro, de forma a permitir a presença do Coro de Câmara da Madeira – onde o Orfeão Dr. João Antunes se deslocou em Outubro passado e de mais dois grupos corais. Um grande espectáculo coral para presentear Condeixa. 


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90 anos com Condeixa-a-Nova Biblioteca

BIBLIOTECA: ESPAÇO DE LEITURA E CULTURA 2008 Novo edifício veio imprimir uma nova dinâmica cultural ao município, onde os livros são, tão, só, uma pequena componente

Em 2015 a Biblioteca passou a ter como patrono o antigo autarca, Jorge Bento

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exígua Biblioteca Municipal muda de “casa” e, sobretudo, ganha dignidade. Para trás ficava o último piso do Cine-Teatro, onde os livros se acumulavam desde 1972. Mas também a tradição, de longos anos, “imprimida” pela Fundação Calouste Gulbenkian, que primeiro ocupou o celeiro de S. Marcos (1962) e, 10 anos depois, mudou para o Cine-Teatro. Com o novo edifício, inaugurado em 2008, inicia-se uma nova era e eleva-se claramente o nível e a diversidade da oferta cultural da biblioteca, que regista cerca de seis mil leitores inscritos, dos 2 aos 88 anos. Liliana Pimentel, vereadora responsável pelo pelouro da Cultura na Câmara Municipal enaltece esse «conjunto de dinâmicas variadas», que têm na leitura e na requisição de livros uma das suas ínfimas vertentes. «Temos um produto cultural envolvente, que inclui desde os bebés de meses aos idosos de 90 anos», afirma Liliana Pimentel, que se recorda do momento da inauguração. Na altura fazia parte da Assembleia Municipal, mas estava ausente, em Roterdão, a fazer o doutoramento. Já com a sua chancela, na vereação camarária, foi inau-

gurada, em 2016, a Bebéteca. Um projecto destinado a bebés e pais, com sessões de leitura, música, ioga, massagens e workshops. O teatro infantil e as histórias também fazem parte da programação, particularmente aos sábados. Liliana Pimental destaca, com satisfação, a verdadeira “ocupação” por parte dos estudantes. «Às vezes parece que estamos numa biblioteca da Universidade», afirma, destacando que esta procura significativa por parte deste público ditou, inclusivamente, uma alteração do horário de funcionamento, de forma a dar resposta às necessidades dos estudantes. O espólio, constituído por cerca de 33 mil documentos, entre livros, CD, DVD e periódicos, tem um registo assíduo de leitura e requisição, seja no espaço da biblioteca, seja para levar para casa, aqui com uma média de sete mil empréstimos/ano. Um espólio que adquire um espectro mais alargado, uma vez que, sublinha a vereadora, faz parte da Rede de Bibliotecas de Condeixa, que, além deste espaço, inclui as bibliotecas escolares «Temos toda a catalogação on-line», facto que permite aceder de uma forma mais eficaz a qualquer do-

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cumento. Liliana Pimental sublinha, com agrado, o grande impacto desta rede nos jovens do concelho, que, no ano passado, teve resultados brilhantes no Concurso Nacional de Leitura, com os prémios conquistados pelos alunos Cassiano Silva e Beatriz Diogo. «A biblioteca é um espaço com uma grande dinâmica em termos de divulgação cultural», afirma, exemplificando com a realização de exposições, apresentação de livros e espectáculos. “Lérias, Letras & Companhia”é outro projecto que a Biblioteca dinamiza, com o objectivo de proporcionar uma tarde bem passada em torno de leituras, de letras e partilha de diversas temáticas, que arrancou em 2014.Avereadora destaca a participação significativa de um público «reformado, mas intelectualmente muito activo», na discussão e na recolha de informação sobre a história, o património e as tradições do concelho, matérias que têm permitido, esclarece, lançar «colectâneas sobre a história de Condeixa, trabalhos sobre pessoas e lugares do concelho». O grupo efectua, também, viagens e roteiros culturais. Também numa iniciativa da Biblioteca Municipal, realizam-se os concursos de Espantalhos e de Poesia.

Homenagem a Jorge Bento «A Biblioteca não tinha nome e, por iniciativa do executivo municipal foi-lhe atribuído o nome de Jorge Bento», antigo presidente da Câmara Municipal que foi, de resto, o promotor desta e de outras obras de vulto no concelho. «Uma homenagem efectuada em vida», sublinha a vereadora, a 24 de Julho de 2015, no Dia do Município, altura em que Jorge Bento também foi agraciado com a Medalha de Honra do Município. Jorge Bento «trouxe o século XXI para Condeixa», disse, na altura Liliana Pimental, que considera a biblioteca como espaço certo para distinguir o antigo autarca (falecido em Dezembro de 2015), «tendo em conta a sua personalidade». «Era um homem muito culto, que gostava muito de ler», diz. Liliana Pimental recorda que apresentou a ideia ao antigo autarca, que «ficou muito feliz». «Não podíamos ter feito melhor escolha. É uma homenagem ao engenheiro Jorge Bento e uma forma de perpetuarmos o seu nome», diz ainda. 


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ADEC 90 anos com Condeixa-a-Nova

Câmara lançou reptum aos empresários e “nasceu” a ADEC

ASSOCIAÇÃO REÚNE E APOIA TECIDO EMPRESARIAL 2016 Constituída em 2016, Associação de Desenvolvimento Empresarial de Condeixa tem vindo a crescer e a afirmar-se como uma voz activa e uma estrutura de apoio aos empresários do concelho

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asceu formalmente em 2016, em resposta a um desafio lançado pela Câmara Municipal. Mas já havia “antecedentes”, ou seja, um contacto muito próximo entre vários empresários do concelho. Nuno Rebanda, vice-presidente daAssociação de Desenvolvimento Empresarial de Condeixa (ADEC) recorda-nos esta “ante-câmara”da associação, que envolvia particularmente os empresários instalados na Zona Industrial. «Encontravam-se ao almoço, partilhavam experiências, discutiam problemas», explica. E foi a este núcleo de empresários que a autarquia lançou o reptum para criação da ADEC, oficializando aquilo que já era uma prática corrente, mas de uma forma estruturada e, sobretudo, com o desígnio de envolver o mais possível todo o tecido empresarial concelhio. «Somos uma associação empresarial multisectorial», faz questão de sublinhar Nuno Rebanda, que «tem como objectivo defender os interesses dos empresários de Condeixa«. Grandes e pequenos.

Da indústria, mas também do comércio. Nuno Rebanda destaca o trabalho que tem vindo a ser feito, no sentido de dar a conhecer a associação e os serviços que presta e que tem dado frutos. Particularmente no sector da hotelaria e restauração, que numa fase inicial tinha uma presença muito incipiente, mas já tem uma representação assinalável. «O número de associados mais que duplicou», afirma, apontando as mais de 80 empresas que actualmente integram a ADEC. «É um passo importante», no sentido de «ter uma estrutura cada vez mais profissional, mais sólida», afirma o vice-presidente, que, além da angariação de novos associados, destaca a necessidade de promover aADEC e dar a conhecer as suas valências e as respostas que garante, tendo sempre como objectivo «apoiar o tecido empresarial» e «dar resposta às necessidade dos empresários do concelho». Nuno Rebanda destaca o «catálogo de formação bastante bem elaborado», que

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tem subjacente um «protocolo com uma entidade formadora certificada». Esta “oferta” está disponível e qualquer associado pode consultar e, inclusivamente, fazer sugestões. Para o caso de haver dúvidas, a ADEC também possui uma «ferramenta, que nos permite avaliar as necessidades de formação» e, a partir daí, «agilizar uma resposta específica. A formação é gratuita e certificada», adianta. A ADEC também tem vindo a promover sessões de esclarecimento, versando «temas sensíveis» ou «pertinentes» para os vários sectores de actividade, nomeadamente relacionadas com alterações legislativas, como o novo Código do Trabalho, legislação ambiental, e «tudo o que tenha a ver com requisitos legais». Ou também questões de âmbito mais geral, como o Orçamento de Estado, exemplifica. Disponibiliza, ainda, uma ampla gama de apoios, a nível jurídico, contabilístico e fiscal, entre outros, visando «colmatar as necessidades dos associados». Acomponente de marketing e comunicação também está contemplada, particularmente no que se refere à área da comunicação digital, importante para «empresas mais pequenas» que, de per si, «dificilmente terão capacidade para o fazer». A pensar nestas e também nas empresas de maior dimensão, a ADEC apresentou um candidatura para acções de formação, centradas nas áreas da “Economia digital” e “Implementação de sistemas de gestão”, que permite envolver 10 empresas em cada uma das valências. Estes programas de “acção-formação”, comportam formação certificada nestas vertentes, além da disponibilização de serviços de consultoria. Nuno Rebanda reconhece que é importante, neste momento de vida da associação e com o objectivo de consolidar a estrutura, «passar a mensagem» e «dar a conhecer o que temos para oferecer, quais são as nossas propostas», no sentido de as empresas e os empresários perceberem efectivamente que «existem projectos de valor» e «há vantagem em ser associados da ADEC». «Promover o concelho para a instalação de novas empresas» é outra das vertentes de actuação da associação, que também quer desenvolver uma dinâmica social, de molde a garantir uma verdadeira «inserção na comunidade» e uma «ligação dos empresários com o tecido social». Nessa linha celebrou um protocolo com a Associação dos Bombeiros Voluntários. 



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Património natural 90 anos com Condeixa-a-Nova

Diário de Coimbra

DESCOBRIR O FANTÁSTICO MUNDO SUBTERRÂNEO

O fascínio pelas grutas e algares e o desejo de preservar este património está na origem deste núcleo

1995 Nascido em 1995, o Núcleo de Espeleologia de Condeixa (NEC) assume a missão de estudar, promover e proteger um património com muitos milhões de anos

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calcário e a água fazem a diferença. Um é macio e o outro, sendo “mole”, tanto “bate até que fura”. As marcas existem há milhões de anos. Os dinossauros poderão ter sido as testemunhas vivas desta metamorfose do território. Mas não estão cá para contar como foi. A ciência dá as respostas possíveis e, num registo minimalista, a “equação” é simples: a água domina e o calcário cede. Um e outro são abundantes no maciço de Sicó e deixaram a sua marca diferenciadora no território, com um mundo de grutas, cavernas e algares. “Construídos” ao longo de milhares de anos, convidam a ser explorados. E foi isso mesmo que deu origem ao NEC – Núcleo de Espeleologia de Condeixa. Trata-se de uma associação juvenil, com grandes preocupações ambientais, que nasceu em 1995, reunindo um grupo de jovens entusiastas do mundo subterrâneo. «Nascemos com o objectivo de estudar, explorar

e proteger o património subterrâneo», afirma Nuno Redinha, sublinhando o grande número de grutas e algares que se encontram em todo o concelho. O estudo e a exploração fazem parte dos propósitos fundamentais da associação, mas também a formação constitui uma trave-mestra da orientação do NEC. Uma linha condutora que, de acordo com Nuno Redinha, hoje em dia está mais “fragilizada”, sobretudo tendo em linha de conta a idade mais avançada dos fundadores da associação e a subsequente «menor disponibilidade». Mas também o facto de, entretanto, terem surgido alternativas relativamente a esta área, uma vez que a espeleologia tem vindo a crescer e a conquistar adeptos. «Nos primeiros tempos fizemos muita formação», recorda Nuno Redinha, apontando particularmente os cursos destinados a alunos das escolas e a grupos de escuteiros. Cursos de primeiro nível, que permitem aos participantes obter as primeiras “luzes” para entrar numa caverna. Mas nada dos “voos altos”que a escalada exige.Aformação de monitores foi outras das áreas em que o NEC apostou nessa mesma fase. Marcante, desde a origem aos dias de hoje é a componente de estudo e exploração. No território concelhio, na região, mas tam-

bém em vários pontos do país, na Europa e no mundo. «Fazemos parte da Federação Portuguesa de Espeleologia», afirma Nuno Redinha, destacando o facto de isso representar um “salvo-conduto” para participar em vários eventos e actividades em todo o território nacional. Mas também fora. Em colaboração com outros grupos de espeleologia, designadamente dasAstúrias, «participamos na inventariação e catalogação de grutas nos Picos da Europa», um dos “paraísos” da espeleologia, garante. Mas também noutras «explorações internacionais», com «exploradores de todo o mundo», nomeadamente no México. «Só podemos proteger o que conhecemos», afirma Nuno Redinha. Por isso este empenho na exploração, na descoberta, no conhecer mais e melhor as cavernas e as grutas. “Fazer luz” sobre este mundo subterrâneo e dá-lo a conhecer. Mas, adverte, «a espeleologia não é uma actividade de massas». «O mundo cavernícola é muito sensível», o que impede, por exemplo, levar uma centena de pessoas para uma gruta. Mais, é preciso “saber”. E não basta ter uma formação de “nível 1”. Isso apenas chega para chegar “à porta” da gruta. É necessário muito mais, em termos de técnica e de equipamentos. 


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O encanto das Buracas do Casmilo «Provavelmente será o mais belo monumento do ponto de vista geomorfológico», afirma Nuno Redinha. Com milhões de anos, a explicação «talvez mais plausível», no entender do espeleólogo, para esta estranha formação será a existência de um monte, de natureza calcária, que teria, no seu interior, um conjunto de galerias, uma espécie de grande gruta, com várias salas escavadas pela erosão da água. Na sequência de um qualquer fenómeno geomorfológico, «um abatimento, um tremor de terra», alvitra, assistiu-se a uma deslocação de terras e o “telhado”do monte “desabou”. As buracas são, quase diríamos, o esqueleto, as ruínas desse monte, com esse alegado desabamento a pôr a descoberto, a expor o interior do monte, sujeito à erosão provocada pela água, pelo vento, pela passagem do tempo. «As galerias que vemos são o que resta das galerias de outrora», explica, apresentando-nos as Buracas do Casmilo, a designação popularmente dada a estas galerias, cavernas “escavadas”e encravadas na rocha. Ao longos dos séculos, estas buracas terão sido usadas como espaço de armazenamento e, sobretudo abrigo para os pastores guardarem os animais. Terão sido habitadas? «Não temos conhecimento». «Há algumas situações, “buracas” semelhantes noutros pontos do país que, efectivamente, foram habitadas, mas aparentemente, isso não aconteceu no vale do Casmilo, em Condeixa». Pelo menos de uma forma contínua. «Sabemos que existe uma cavidade onde foram encontradas algumas moedas, alegadamente do período romano ou pós-romano. Poderia ter sido um esconderijo», avança. Com um notável valor geológico e pai-

As Buracas são uma atracção que leva muitos visitantes ao vale do Casmilo

sagístico, as Buracas do Casmilo “dividem-se” entre os municípios de Condeixa e de Soure. Basicamente, são duas grande buracas, separadas por uma linha de água, que “corre” em tempo de chuva e que funciona como estradão no tempo seco.Aestas duas grandes galerias, juntam-se «pequenas reentrâncias, com dimensão menor» e que «não são tão belas», afirma o espeleólogo. As Buracas do Casmilo convidam a uma visita e são muitos os turistas que as procuram e olham, fascinados, para estas “bocas abertas”, incrustadas no monte. Também os amantes das actividades mais radicais e de turismo de natureza ali têm um verdadeiro paraíso. «O Casmilo é propício à escalada ao pedestrianismo e também ao BTT», afirma Nuno Redinha, recordando que o Núcleo de Espeleologia chegou a promover, na dé-

cada de 90, três edições de um “Fim de semana radical”. «Na altura era uma inovação», afirma. BTT, escalada e descida de paredes com treino de corda faziam parte destes programas, que reuniram 30 a 40 pessoas e se revelaram um verdadeiro sucesso. Hoje são diversificadas as propostas nessa área, mas, pelo menos para já, o Núcleo de Espeleologia de Condeixa não pensa retomar essa via. 

As buracas convidam os visitantes, com as suas enormes bocas escancaradas, mas também são um paraíso para os amantes dos desportos radicais


50 Património natural 90 anos com Condeixa-a-Nova

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Rio de Mouros é um espaço cheio de mistérios, com o seu canhão, as grutas e uma vegetação peculiar

Os segredos do Rio de Mouros “Ali, a dois passos da vila, o Rio dos Mouros. Nasceu de um fio de água, do suor de uma rocha, entre urzes e monte. Ainda a meio da serra, é um ribeirito que não dá para matar a sede a um rebanho. Mas, depois, a terra começa, subitamente, a ficar brava, com penedos que têm o ar das montanhas e o rio despenha-se entre silvais e as fragas em som e espuma, com um fragor que, de Inverno, com as cheias, estremece os ouvidos da serra e dos homens. As margens, já na área da vila, empinam-se, e o rio corre num vale profundo e pedregoso; margens altas e esburacadas de cavernas, onde há raposas e morcegos. De um lado, a terra árida, esboroa-se nas mãos, os olivais são áridos e tristes; já da outra banda, centenas de metros além, a água rompe e esgueira-se de todos os lados, humedece e fertiliza a terra, atapetando-se de verdes frescos e variados”. Trecho de um texto de Fernando Namora, publicado em 1941, na revista “Turismo em Coimbra” Passa junto a Conimbriga e o seu percurso calcário, mais uma vez, marca a diferença.

Aqui com a particularidade de calcário e águas estarem unidos, como duas faces da mesma moeda. É a água que corre e o leito e as margens que a acolhem. O resultado só podia ser fantástico. Mas também mágico. Sim, em tempo de chuvas o rio rompe, furioso, com as suas águas revoltas. Em tempos de seca, a água «praticamente desaparece». «Infiltra-se no leito calcário». O curso do rio vem do maciço, colhe água do Paço da Casa, do Rabaçal, e desagua, mais à frente, no Rio Ega. «Como percorre uma zona calcária, facilmente escava gargantas profundas na rocha», explica Nuno Redinha, esclarecendo, de uma forma simples, o fenómeno do canhão fluviocársico, esta «garganta profunda» criada pelo rio. Mas, também nas margens o rio abre “buracas”, um «conjunto de mini buracas que, ao longo do seu percurso, a água foi escavando», adianta. Na “parede” do leito do rio, o espeleólogo destaca particularmente uma gruta, que «parece uma pequena igreja», abaixo de Conimbriga, cujo acesso é «bastante difícil», obrigando a percorrer o curso do rio. Nuno Redinha recorda que, «talvez há 30 anos», o rio «estava limpo», uma vez que, particularmente as cabras, andavam

pelas margens e mantinham a zona limpa de vegetação. «Hoje estão cheias de mato», o que dificulta o acesso, sublinha, num quase registo de advertência para alguns aventureiros. Nas imediações, cresce um bosque sui generis, com características da floresta laurissilva, onde proliferam loureiros, azevinhos, medronheiros, azereiros entre outras espécies características deste tipo de floresta e que revelam uma zona bastante interessante do ponto de vista botânico. Voltando ao percurso do Rio de Mouros, é claro o interesse crescente que este “fenómeno”tem vindo a suscitar junto do público visitante. O município, explica o espeleólogo, fez um conjunto de melhorias no acesso e hoje é possível, com alguma facilidade e, sobretudo, com segurança, «ir até à cascata do Rio dos Mouros», onde também foram colocados equipamentos de segurança. Nuno Redinha refere, também, a existência de um projecto para a criação de um passadiço, que, partindo de Conimbriga, permitirá acompanhar o percurso do rio e apreciar o canhão, a cascata, a floresta laurissilva, mas também a gruta que parece uma igreja. Um percurso de descoberta onde a natureza promete surpreender.


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SAÚDE MENTAL NO CENTRO DE TODAS AS ATENÇÕES 1958 Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus decidem instalar-se na região e em 1961 recebem a primeira doente. Apenas mulheres… até 2010. Hoje são 410 e a lotação está completamente esgotada

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á árvores frondosas, despidas pelo Inverno, e, à sombra das laranjeiras descansam bancos e mesas. Nos jardins crescem flores e nas hortas verdes florescem couves e alfaces, ingredientes importantes para as refeições de toda a casa. Multiplicam-se os edifícios e nem faltam singulares casas de madeira. Parece uma quinta e, na verdade, também é uma quinta. Mas é muito mais do que isso. As placas de “consulta externa” ou o estacionamento reservado a “médicos”, ajudam a perceber onde estamos. Uma Casa de Saúde. A capela indicia-nos o espírito de religiosidade que ali existe. A estátua evocativa de S. Bento Menni identifica a congregação. Estamos na Casa de Saúde Rainha Santa Isabel das Irmãs Hospitaleiras. Não parece, mas estão ali internadas 410 pessoas. Homens e mulheres. Mas nem sempre foi assim. A irmã superiora, Manuela da Conceição, e o director-gerente, Miguel Ângelo, guiam-nos numa viagem pela “História e Memória” desta casa. A obra de Joaquim Chorão Lavajo e Laurinda Martins de Faria, baseada nas crónicas escritas pelas irmãs, é o “nosso guia”. Embora a memória gigantesca da irmã superiora raramente tenha falhas. A “instalação”das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus em Condeixa dá os seus primeiros passos em 1958. A Congregação já conhecia as carências, no «campo da assistência às pessoas portadoras de doença mental» e decide aqui «abrir uma casa de saúde». De passagem por Portugal, a caminho da Colômbia, a superiora geral foi «posta ao corrente desta necessidade e apoiou a ideia». Seguiu-se a deslocação, a Coimbra, da superiora provincial, irmã Eloísa de Jesus Pires, à procura de «uma quinta, nos arredores da cidade». Em Janeiro do ano seguinte era adquirida a Quinta dos Silvaes, «dotada de terreno de cultivo, com abundância de água, vinhas, olival, laranjal, um lagar de azeite e um pe-

A estátua dedicada a S. Bento de Menni dá as boas-vindas a quem chega à instituição

queno e antigo solar». O projecto da futura Casa de Saúde «previa a construção de cinco pavilhões, uma capela e instalações agrícolas e desportivas», referem os autores, destacando o empenho do presidente da Câmara Municipal e Condeixa, Evaristo Cerveira de Moura («que veio a tornar-se um grande benfeitor da casa), «que se deslocou a Coimbra para apresentar o projecto ao presidente da Comissão de Construções Hospitalares, Prof. Bissaya Barreto, e ao governador civil, eng. Horácio de Moura, que incentivaram incondicionalmente a efectivação da obra». No dia 24 de Janeiro de 1959, chegam a Condeixa, «para acelerarem o processo, cinco religiosas», entre as quais se encontrava a superiora provincial. No dia 5 de Junho, já se encontram na quinta as quatro religiosas da comunidade definitiva: as irmãs Celeste Dias, Fátima do Rosário, Maria do Vale Florido e Clara Alves (que morreu dia 3 de Fevereiro, com 91 anos). A instituição recebe a primeira doente no dia 20 de Março de 1961. A primeira de muitas. Sempre com problemas psiquiátricos ou de

saúde mental e com fracos recursos económicos. Durante muitos anos foram apenas mulheres. Os primeiros homens chegaram à Casa de Saúde em 2010. «As irmãs mantêm-se sempre», embora o seu número fosse superior no passado. Uma presença diferenciadora, no entender de Miguel Ângelo. «Estas casas vivem muito com a disponibilidade 24 horas por dia das irmãs, o que deixa a instituição mais descansada», adianta. «Não trabalhamos 24 horas por dia, mas estamos presentes», esclarece a irmã superiora. «É uma mais-valia inquantificável, não é possível orçamentar essa presença», diz o director-gerente, economista de formação. O complexo possui uma casa destinada às irmãs, com uma valência que acolhe as religiosas mais idosas e doentes. A instituição foi crescendo, ao longo destas seis décadas. Psiquiatria, psicogeriatria e deficiência mental são as três grandes áreas de intervenção da unidade hospitalar, que acolheu, nos anos 60, por indicação do bispo de Coimbra, um grupo grande de jovens do “Refúgio”, instituição que acolhia


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raparigas sem eira nem beira. A maioria, quando tinha idade e capacidade, trabalhava em casa de famílias. As que não reuniram essas competências acabaram por encontrar na Casa de Saúde Rainha Santa Isabel a sua casa e a sua família. Até ao fim da vida. O mesmo aconteceu em 2012, com o encerramento do Hospital Psiquiátrico de Lorvão. «Foram 29 utentes» que para ali foram, muitos com idade bastante avançada. Oito morreram, entretanto.

Aposta na reabilitação inclusão e autonomia Com idade avançada, mas também de meia idade e muitos jovens são encaminhados para a Casa de Saúde de Condeixa. «A psiquiatria é uma ciência como a cardiologia», afirma a irmã superiora, reconhecendo a necessidade de «lutar contra o estigma» que envolve esta área de saúde que é a sua grande paixão. Mas mais velhos ou mais novos – desde os 23 aos 90 anos todos têm pela frente, desde que entram, um «projecto de reabilitação e autonomia», se não for autonomia total, pelo menos que lhes permita «mais qualidade de vida». «Trabalhamos sempre o doente para a promoção da sua autonomia. Esta filosofia de reabilitação, física e de autonomia é sempre feita, faz parte de um plano individual de intervenção, de um projecto de inclusão e de socialização», explica a irmã superiora. Por isso a instituição tem uma panóplia de propostas, todas a trabalhar em sintonia e com um mesmo objectivo, que vão desde

410 utentes e 300 colaboradores Com capacidade para 410 utentes, distribuídos pelas áreas de psiquiatria, psicogeriatria e doença mental, nas vertentes de curto, médio e longo internamento e reabilitação, a Casa de Saúde Santa Isabel das Irmãs Hospitaleiras possui utentes vindos de praticamente todo o país e apresenta um universo de 300 colaboradores. Duas irmãs da congregação mantêm-se a tempo inteiro e duas estão a “meio tempo”. Algumas das irmãs reformadas, apesar da idade avançada (87 e 88 anos), «dão o seu contributo», nomeadamente ajudando a dar as refeições aos doentes ou no trabalho da quinta. 

Quinta Pedagógica é uma pequena aldeia rural, com casas de madeira

as respostas clínicas, garantidas por uma equipa multidisciplinar, às terapias ocupacionais, que incluem ateliers de bordados e pintura, actividades desportivas, jogos, piscina, passeios, formação e prática na área da pastelaria, um bar, entre muitas outras. Os programas de recuperação e inclusão na comunidade são outra das apostas da unidade de saúde, que promove a “desinstitucionalização” dos utentes e que tem vindo a somar sucessos. O director-gerente e a irmã superiora falam com entusiasmo das cinco senhoras que vivem num apartamento, na vila, com total autonomia, e num outro grupo que se encontra instalado numa vivenda, a oito quilómetros de Condeixa. «Vêm cá todos os dias e, para isso,

Obras de ampliação e requalificação Uma das valências da casa está em obras. Trata-se do espaço onde funcionou o Colégio Rainha Santa Isabel, que abriu em 1972, destinado a raparigas, que além da formação liceal pretendia ser um espaço para descobrir vocações. Com capacidade para 120 jovens, fechou em 1978 por falta de alunas. O espaço acabou por ser absorvido pela estrutura hospitalar e actualmente está a ser sujeito a uma ampla obra de requalificação e am-

têm de apanhar dois transportes», faz notar Miguel Ângelo, dando conta que algumas «estão internadas há mais de 30 anos». Parte delas trabalha na instituição, nomeadamente na lavagem da louça. Outro projecto é a Quinta Pedagógica das Romãzeiras. Em causa está um pequeno bairro, de casas construídas em madeira, instalado na quinta. «São quatro casas, uma pequena aldeia rural. Cada casa tem cinco doentes, que vivem em família. Têm a sua vida completamente autónoma. Cozinham, tratam da roupa», exemplifica a irmã Manuela da Conceição. Dentro do complexo, funciona ainda uma Unidade de Ganhos de Autonomia (UGA), um apartamento “interno”. 

pliação. A primeira e a segunda fase da obra deverão estar concluídas em Agosto. Todavia, o espaço não vai permitir acolher mais doentes, sublinham os responsáveis. Antes redimensionar as respostas e, inclusivamente, acolher valências administrativas. Todavia, tem outras novidades, designadamente no registo de autonomia e inclusão e também de resposta às famílias. Em causa está um projecto para a criação de sete apartamentos terapêuticos para acolher casais ou pais e filhos, envolvendo um máximo de 14 pessoas. 



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Um exemplo de vocação

Irmã Manuela da Conceição, superiora da instituição de Condeixa, e o director gerente, Miguel Ângelo

Era a oitava de 11 irmãos e o seu sonho era que um dos “rapazes” (leia-se, um dos seus irmãos”) fosse para a Congregação de São João de Deus. Nenhum dos irmãos “estava para aí virado”. E acabou por ser ela a “escolhida” por Deus. «Foi a última congregação que conheci», confessa Manuela da Conceição, irmã superiora da Casa de Saúde Rainha Santa Isabel das Irmãs Hospitaleiras. «Conheci a congregação no centenário. Foi em Janeiro de 1981», recorda. Em Setembro, participava num campo de férias e «10 dias depois, fiquei». Até hoje. Os valores e princípios cristãos, incutidos pelos pais foram, desde sempre, a base de uma formação religiosa. Mas a «vocação», essa só surgiria mais tarde. «Tinha 23 anos quando vim para a congregação». Antes, ainda “fugiu”… ou tentou “fugir”. «Até deixei de ir à missa», recorda a irmã Manuela. Aos 19 anos entendeu ir para Inglaterra, onde começou a trabalhar. Num domingo à tarde, sentada num jardim a contemplar as tulipas, fez-se “luz”. «Não é isto que quero para a minha vida», concluiu. O caminho começou logo depois, numa cruzada feliz de ajuda ao próximo. «Daria uma boa mãe, não tenho dúvidas. Mas consagrei-me, contra tudo e contra todos», diz ainda, lem-

brando que, na altura, era o “braço direito” da mãe, que, por isso mesmo, não aplaudiu a ideia. «A Psiquiatria e Jesus Cristo são as minhas duas paixões. Adoro ser hospitaleira». Palavras proferidas com um sorriso aberto e um olhar brilhante. Aliás, esse sorriso, essa magia da entrega fazem parte da essência da irmã superiora das Hospitaleiras da Casa de Saúde de Condeixa. Afável e sorridente, cumprimenta todos os funcionários, colaboradores e doentes com quem se cruza. Chama cada um pelo seu nome. E também eles param e sorriem, deixando um cumprimento carinhoso à irmã Manuela. Natural da Madeira, a irmã superiora admite que ainda “hesitou”, quando o caminho da vocação se abriu, «entre as crianças e os doentes», entre a pedagogia do ensino ou o tratamento das feridas da alma. Optou pela última, assumindo-se como enfermeira das Irmãs Hospitaleiras, congregação fundada em 1881, em Ciempozuelas (Espanha), por S. Bento Menni, que chega a Portugal em 1894 e a Condeixa em 1959. Há um ano que ocupa o lugar de irmã superiora em Condeixa, mas conhece bem a Casa de Saúde Rainha Santa Isabel. «Já cá estive há 20 anos», recorda. Durante quatro

anos foi directora de enfermagem. Depois rumou para Braga e, entretanto passou por outras casas. «É assim a vida da congregação», que tem como regra: “Orar, servir e amar”. «Ninguém vem para uma congregação se não tiver vocação», mas a «vocação tem de ser alimentada todos os dias». Esta e todas as outras vocações, sejam elas quais forem. «É como a vida de um casal, que tem de ser alimentada», faz notar a irmã superiora. O “alimento” encontra-o a irmã Manuela da Conceição na «oração, no encontro comigo mesmo e com Deus. Isso prepara-me para a missão». Hospitaleira, devotada ao próximo e à saúde mental, a irmã superiora não deixa qualquer margem para dúvidas quando afirma: «sou uma mulher feliz!». 

A Psiquiatria e Jesus Cristo são as duas grandes paixões da irmã superiora, que, comum sorriso franco e aberto declara: “sou uma mulher feliz!”


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TRADIÇÃO DE LOUÇA PINTADA À MÃO 1965 Com 13 anos, António Rebelo dava os primeiros passos na Cerâmica de Conimbriga. Apanhou-lhe o jeito e hoje tem um atelier onde continua a pintar louça. “É o que sei fazer”, diz

É

uma tradição ancestral, que levou longe o nome de Condeixa e criou muitos e bons artistas. Um mundo de segredos rodeia esta arte, de pintar louça com motivos dos séculos XV e XVII. Uns são mais fáceis. Outros mais morosos e exigentes. Os mais antigos são os preferidos de António Rebelo. «Dão mais trabalho, mas sobressaem mais», afirma o artista, com 67 anos, que tem o seu atelier em Atadoa, onde continua a trabalhar. Uma arte onde se estreou aos 13 anos. Era o mais novo de seis irmãos, mas, apesar disso, não fez mais do que a 4.ª classe. Tinha 10 anos e a professora, recorda, ainda tentou que «fizesse o exame de admissão» que lhe permitiria continuar a estudar. «Via que eu podia ir mais além, mas em casa não havia essa possibilidade», conta António Rebelo, natural da freguesia do Sebal. Por isso, disse adeus à escola e começou a ajudar a família no trabalho do campo. Até aos 13 anos, altura em que entrou para a antiga Cerâmica de Conimbriga, então uma referência na produção e pintura de louça decorativa. «Era aprendiz», e, tal como muitos outros, «comecei a fazer uns rascunhos» O encarregado, atento, dava as orientações e, tempos depois, «escolhia quem tinha mais jeito». Foi o seu caso. Quem não tinha “mão” para a pintura era mandado «para o barro, para o enchimento ou para o gesso», explica. António Rebelo foi um dos muitos pintores que trabalharam na Cerâmica de Conimbriga. Saiu na década de 80, quando as dificuldades e a crise “bateram à porta” da empresa. Ainda passou pela cooperativa Estrela de Conimbriga, onde continuam a trabalhar muitos dos seus antigos colegas. Mas acabou por sair e emigrar. «Trabalhei dois anos na construção civil, na Alemanha», recorda, mas um acidente obrigou-o a regressar à terra natal e a empenhar-se em fazer aquilo que sabia: pintar louça. «Estávamos em 1994/95», recorda António Rebelo, que frequentou um curso de formação, em Coimbra, que lhe permitiu obter o financiamento necessário para a compra de um forno. «Era a coisa

António Barrico Vaz e António Rebelo concentrados na sua pintura

mais cara», refere. O terreno era da família e, em Atadoa, nascia o seu atelier. «Trabalha-se muito, senão não dá para comer». Uma afirmação que pode parecer estranha, pois, reconhece, «numa loja, uma peça destas é caríssima». O preço de venda ao público, normalmente, «é 100%» superior ao que é pago ao artista. Mas António Rebelo já viu esse valor atingir os «200%». Trabalha por encomenda, juntamente com um antigo colega da Cerâmica de Conimbriga, António Barrico Vaz, com 60 anos. Por uma questão de organização, «para a louça ser sempre igual, eu faço o traço todo e ele enche», explica. Todavia, nenhuma peça é igual à outra, mesmo que a travessa, o prato ou o jarrão tenham o

Uma arte com António Rebelo está muito céptico relativamente ao futuro desta arte. «Tem tendência a acabar. Mais uma década e acaba», afirma. A justificação é só uma: «não há pessoas a aprender!» e «um pintor demora seis/sete anos a fazer-se».

mesmo tamanho e o desenho igual. «Cada peça é uma peça, são sempre diferentes», garante. Esse é o segredo de uma arte feita à mão, com a louça pintada, peça por peça. Um exercício de precisão, mas também uma paixão, onde cada artista imprime a sua marca pessoal. Pratos, travessas, jarrões, bules, chávenas, suportes de colheres e até andorinhas. «Pintamos de tudo um pouco». Quem manda é, em última análise, o gosto e querer do cliente. Quanto ao tempo que demora, tudo depende. «Do tamanho da peça», mas também do motivo. Se for do século XV, «demora mais tempo», pois é «um trabalho mais minucioso» e «a peça é muito cheia», com motivos «muito miudinhos». «Dá muito mais trabalho que os motivos do século XVII, muito mais rápidos». Mas também «não são tão atractivos». Por isso, apesar de mais trabalhosos e exigentes, não hesita: «prefiro os desenhos do século XV», diz. «Gosto do que faço. Se não fosse isso já tinha acabado com isto há muito tempo», diz António Rebelo, apontando as «muitas horas de trabalho» que soma todos os dias. Resultados? «Dá para ir sobrevivendo, mas para muito mais não dá. Não dá para grandes vidas», assegura. 


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Cerâmica 90 anos com Condeixa-a-Nova

Tradição cerâmica pronta para conquistar o futuro

Antiga Cerâmica de Conimbriga vai ganhar nova vida e dar alento à tradição cerâmica

A cerâmica e Condeixa sempre caminharam de “braço dado”. «É o nosso produto de referência», afirma, com orgulho, Nuno Moita, presidente da Câmara Municipal de Condeixa, destacando a beleza artística da tradição da «cerâmica de Conimbriga, do século XV e XVII, pintada à mão». Ainda hoje existem pequenas unidades fabris e, sobretudo, muitos artesãos, que mantêm, com o seu génio criativo, essa cultura viva. Outras há que morreram, como a Fábrica de Cerâmica de Conimbriga, uma das mais emblemáticas e cujo nome correu mundo. O município está empenhado em desenvolver essa apetência natural e em manter a cerâmica como uma bandeira. Hoje e no futuro. E porque sobre os escombros também se constrói vida, é precisamente nas instalações da antiga Fábrica de Cerâmica de Conimbriga que vai avançar um Centro de Desenvolvimento Cerâmico. Trata-se de um projecto abrangente que, sublinha Nuno Moita, pretende «preservar essa tradição», «esse conhecimento», esse «saber-fazer», essa «marca diferenciadora»

que Condeixa tem. Mas, em simultâneo, quer dar-lhe «valor acrescentado», «incorporar conhecimento», através das novas tecnologias, colocando a ciência e a técnica ao serviço desta arte tradicional. Por isso, o Instituto Pedro Nunes (IPN) foi escolhido como parceiro deste projecto, responsável pela «incorporação de tecnologia no processo criativo». Mas também fundamental no apoio à incubação de ideias e projectos de negócio, uma área onde, sublinha o autarca, aquele organismo tem uma experiência ímpar, procurando catapultar definitivamente o mundo da cerâmica para o futuro e também para o sucesso. No espaço da antiga fábrica de cerâmica decorativa, encerrada na década de 90 do século passado – que o município adquiriu - pretende-se que esta arte ancestral ganhe todo o seu fulgor, através da criação de um espaço multifuncional dedicado à cultura cerâmica, onde será possível encontrar artesãos a trabalhar nos respectivos ateliers, um centro de incubação diferenciado para esta área – mas também para outros sec-

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tores, aproveitando todo o know how a instalar -, e igualmente espaços de exposição e comercialização de produtos cerâmicos. Prevista está, ainda, a realização de actividades complementares, desde performances criativas a espectáculos. Um espaço vivo e a pulsar de vida, que representa, também, uma nova era para a antiga Fábrica de Cerâmica de Conimbriga, uma vez que, subjacente ao projecto, está a recuperação da essência do edifício, designadamente de alguns dos seus elementos mais emblemáticos, como acontece com os fornos. Trata-se, também, sublinha o autarca de Condeixa, de «reabilitar o património edificado», no âmbito do Programa de Requalificação Urbana, garantindo a recuperação da velha cerâmica, mas também de dar outra dignidade a uma das portas de entrada da sede do concelho. Em síntese, valoriza-se duplamente a memória e a tradição, relançando para o futuro uma cultura ancestral. «É um projecto para o futuro», salienta o presidente da Câmara Municipal de Condeixa. O Centro de Desenvolvimento Cerâmico representa um investimento de cerca de um milhão de euros, com 85% de fundos comunitários. Nuno Moita recorda os problemas levantados pelo Instituto de Mobilidade e Transportes (IMT) – que teve de ser consultado dada a proximidade com o IC2 - que “emperrou” o processo, ao dar um primeiro parecer negativo à instalação desde centro criativo e de desenvolvimento, num espaço que anteriormente era ocupado por uma empresa cerâmica. «Chegámos a temer perder o financiamento comunitário», recorda o autarca, que espera proceder ao lançamento do concurso em breve, confiante que a obra possa arrancar em Setembro.

Centro de Desenvolvimento Cerâmico pretende preservar esta arte ancestral, mas também imprimir-lhe valor acrescentado através das novas tecnologias


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90 anos com Condeixa-a-Nova Cerâmica

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Dominó nos quatro cantos do mundo «Hoje não basta ser bom para se sobreviver. É preciso ser muito bom!». Uma análise, mas também um conselho de João Xavier, o “homem forte” da Dominó – Indústrias Cerâmicas S.A. Uma empresa que é uma referência, uma marca conhecida no país e no mundo. Mas também uma “história” de vida com mais de 30 anos. João Xavier (pai, já falecido), foi o obreiro do projecto, juntamente com um sócio, José Cardoso. Trabalhavam ambos, conta o filho, na Estaco, uma emblemática empresa de cerâmica de Coimbra, da qual João Xavier era sócio. Em 1988, decidiram sair e, juntos, arrancar com um novo projecto empresarial. Um assumia a liderança comercial. O outro as “rédeas”da produção. Condeixa foi o seu berço. Até hoje. A empresa arrancou em força em 1990 e cresceu de uma forma acentuada, em termos de produção e dimensão industrial e também nas vendas. No mercado português, na Europa e no mundo. «É um mercado muito competitivo», afirma João Xavier, sublinhando que «a oferta é muito superior à procura». Por isso, o «preço é uma variável muito importante». Sobretudo em países mais distantes, onde o custo de transporte é um “handicap” à implantação e ao negócio. «Chegamos aí com um custo acrescido», refere. Mas há “nichos”curiosos, com apetência pelos revestimentos e pavimentos cerâmicos da Dominó, como, exemplifica, Israel ou o Katar. Se os países da Europa são o centro de “consumo”, com destaque para Espanha, Inglaterra, Alemanha, França ou Bélgica, com «encomendas diárias ou semanais», João Xavier refere os países africanos de língua portuguesa (PALOP), mas também a África do Sul. Aqui, «temos um distribuidor em exclusivo» e, com notório agrado, aponta a escolha Dominó por um dos principais bancos sul-africanos, o FNB, que está a «remodelar as suas sucursais com os nossos produtos». Importante é, também, um distribuidor nos EUA. Grécia, Hungria, Finlândia, República Checa e também a Croácia surgem como mercados emergentes. Se o preço é uma das variáveis fundamentais, há outras. João Xavier destaca o «desenvolvimento do produto», mas também a «sua promoção no terreno, o acom-

Empresa possui cerca de 180 trabalhadores. Alguns desde o arranque do projecto

panhamento e o serviço ao cliente», que requer «uma relação quase pessoal», visando criar uma «fidelização», fundamental para o sucesso. «Argumento importante», segundo o gestor, é também a «estabilidade e credibilidade da empresa». «Temos clientes muito antigos, que nos conhecem bem e nos defendem no mercado», adianta. Mas para quem dirige uma empresa, os desafios são constantes.. «Temos de estudar o mercado, perceber as necessidades», num quase “jogo”de antecipação. «O gosto de um sueco é diferente do gosto de um francês do Sul», aponta João Xavier, à frente da empresa desde 2010. Mais uma peça deste “dominó” a ter em conta. «Há diferentes tendências que actuam de formas diferentes nas diversas culturas e o estudo dessas tendências é feito quase diariamente pela empresa, para desenvolver produtos que se adeqúem aos seus gostos e necessidades». Todos os cuidados são poucos, porque «os investimentos numa série nova são muito grandes» e se o sucesso do mercado não corresponder «não há retorno». Trata-se, em síntese, de «desenvolver produtos», mas, também, de «gerir factores de imprevisibilidade»: «podemos fazer todos os estudos e levantamentos, mas só conseguimos testar verdadeiramente o produto no mercado», aponta. Para «desenvolver produtos novos», a

empresa tem uma equipa, que «trabalha as características estéticas, a cor, o desenho, as superfícies, o brilho ou o mate», procurando ir ao encontro das solicitações». O equipamento é outra das referências. «Nos últimos anos, o equipamento industrial de cerâmica tem evoluído muito», diz o empresário, exemplificando com a capacidade de, através de «máquinas digitais, imprimir em cerâmica um padrão enviado por computador com uma fidelidade muito grande». Isso permite, exemplifica, «imitar pedra ou madeira» e «desenvolver colecções com uma capacidade de impressão que antes não existia». Trata-se da tecnologia ao serviço da produção, mas também exige «investimentos intensivos», sob pena de «rapidamente ficarmos desactualizados». «As disponibilidades são sempre menores do que as oportunidades», afirma, fazendo notar que qualquer investimento tem de ser rentável. Ou porque é «mais eficiente e representa uma diminuição de custos» ou porque «permite um produto melhor». A empresa está actualmente «empenhada na optimização energética», com a instalação de painéis fotovoltaicos. As razões são várias, mas a de maior peso é o «custo da energia, seja electricidade, seja gás natural. Ao sermos energeticamente mais eficientes, isso tem implicações no custo do produto», adianta João Xavier. 


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Bombeiros 90 anos com Condeixa-a-Nova

Actual quartel foi inaugurado em 1984 por Ramalho Eanes

EMPENHO COLECTIVO REACTIVA BOMBEIROS 1977 Depois de um interregno de mais de quatro décadas, população e autarquia empenharam-se no regresso ao activo da Associação Humanitária

H

ouve um incêndio numa casa, em Condeixa. Os bombeiros de Coimbra demoraram muito tempo, conta-se, e correu tudo muito mal». Gustavo Santos, presidente da direcção dos Bombeiros Voluntários de Condeixa, recorda o episódio que, em Julho de 1977, dava o mote para a reactivação da Associação Humanitária. Uma memória que o chefe Carlos Peça (falecido em Janeiro deste ano), recordava em 2002, numa revista comemorativa dos 25 anos da associação. A fonte é o Diário de Coimbra, que dava conta, na edição de 11 de Setembro de 1977, de um grande incêndio que mobilizou as corporações de Bombeiros de Coimbra, aos quais se juntou a corporação de Soure, ajudados por populares. «Ardeu totalmente o sótão da casa, propriedade do capitão José Alfredo de Sousa Faria Saraiva, comandante do Grupo Regional de Trânsito da GNR de Coimbra. O locatário, Miguel Preces, encontrava-se de férias». O incêndio terá sido causado por um curto-circuito no sótão e os «prejuízos são

bastante elevados, cerca de 300 contos», avançava o jornal. «Foi um momento de grande consternação e indignação», diz Carlos Peça, assumindo que «foi o rastilho para a aceleração do processo de reactivação dos bombeiros». A Câmara, através do vereador Carlos Beloto, assume a vontade expressa de avançar com a criação dos bombeiros e, um grupo de condeixenses constitui-se em “Comissão promotora”, realizando, a 1 de Dezembro, uma reunião, na Casa do Povo, com esse objectivo. Jaime Marta Soares, autarca de Poiares e comandante dos Bombeiros locais «foi convidado a estar presente». Dava-se o passo decisivo para o renascer dos Bombeiros de Condeixa. «Já lá vão 42 anos», sublinha Gustavo Santos, que destaca o papel assumido pela Câmara, presidida por Armando Martins Tavares, e particularmente pelo vereador Carlos Beloto, que «foi o impulsionador número um e à volta dele outros se juntaram» e que viria a ser o primeiro comandante da “revitalizada” associação. No início do

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ano de 1978 começou o processo de “instrução”, tendente à constituição de um corpo activo, com o apoio dos Bombeiros Municipais da Figueira da Foz, que garantiram formação em Condeixa. «Às quartas e sextas-feiras, à noite, em Condeixa e no nosso “Quartel”, na garagem do Palácio, ministravam os conhecimentos teóricos e alguns práticos da actividade, com instrução em viaturas e equipamentos que faziam deslocar», escreve Carlos Peça. «Aos domingos de manhã, deslocavam-se os elementos da primeira escola dos Bombeiros Voluntários de Condeixa à Figueira, na camioneta do sr. José Alcobaça e em carros particulares», adianta. Os meios humanos empenhavam-se na melhor formação. Quanto aos meios materiais, «tínhamos um Land Rover, oferecido pelo comandante Matoso, do Palácio Sotto Mayor», recorda Gustavo Santos, sublinhando que esta viatura é hoje uma «peça de museu», mas também a «coqueluche» dos Bombeiros de Condeixa. «Depois, conseguimos comprar uma carrinha Mercedes, que transformámos. Foi a nossa primeira ambulância».

Construção do novo quartel, o terceiro da associação, é o próximo desafio e está para breve «O nosso primeiro quartel foi uma garagem do palácio Sotto Mayor», recorda. «Cabiam lá dois carros». Seguiu-se o antigo Matadouro Municipal, cedido pela Câmara. O terceiro quartel, actualmente em funcionamento, foi inaugurado a 8 de Abril de 1984, numa cerimónia presidida pelo então Presidente da República, Ramalho Eanes. «Chorei imenso nesse dia. Estava em Paris, não pude estar presente», conta, agora com um sorriso, Gustavo Santos, na altura empregado bancário, em serviço na capital francesa. Carlos Peça recorda a mobilização geral para reunir fundos de apoio aos Bombeiros. Particularmente os cortejos de oferendas, em 1979 e em 1983. «A vila conheceu um momento estonteante nesses dias, com carros, camionetas, carros e tudo o mais que pudesse transportar as centenas de dádivas (…) recolhidas afanosamente pelas pelas cerca de 70 comissões de moradores das freguesias, de bairro, de ruas, de lugares,


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que, com muita alegria, encheram as ruas da vila, numa manifestação de carinho pelos bombeiros e verdadeiro e salutar bairrismo condeixense». O quartel custou cerca de 24 mil contos.

O sonho de um novo quartel A necessidade de um novo quartel é indiscutível. Aliás, Já em 2002 Carlos Peça apontava a necessidade de uma mudança de instalações, pois o quartel «há algum tempo que se vem mostrando insuficiente para responder às várias necessidades que se deparam no quotidiano do corpo de bombeiros». «As questões da centralidade do local, acessibilidade para entrada e saídas que podem condicionar a capacidade de resposta, fluxos de tráfego e de pessoas, mobilidade do elementos bombeiros, prontidão assegurada com pessoal em regime de permanência, etc. São matérias que se podem ser equacionar hoje e numa perspectiva de futuro, de modo diverso de há 20 anos», escrevia Carlos Peça. Um processo moroso, encravado durante demasiado tempo, que Gustavo Santos veio resolver, no seu regresso à presidência da direcção, onde cumpre o segundo mandato. A grande “questão” era o terreno, que estava a colocar o “pau na roda”. «Comprei o terreno», diz, com tranquilidade o antigo bancário. Mas, com toda a franqueza, confessa: «nunca pensei conseguir comprar aquele terreno». Porquê? Nada mais nada menos que um “tabu”. «O terreno pertencia à família Sotto Mayor e sempre se pensou que não seria comercializável», refere. O que Gustavo Santos fez foi quebrar barreiras que, em última análise, não existiam. «Marquei uma reunião com a filha» e pouco depois chegava à fala directa com os proprietários. «Não pediu nada, eu é que ofereci», deixa bem claro, apontando os 200 mil euros que custou o terreno, de 3,5 hectares, adquirido há três anos. Aliás, o anúncio foi feito, com pomba e circunstância, nas comemorações do aniversário. Foi lançado concurso para o projecto, que «está pronto e aprovado pela Câmara», refere. O lançamento do concurso público para a execução da empreitada é o próximo passo. Trata-se de uma obra que representa um investimento de dois milhões e 400 mil euros, com um prazo de execução é de 20 meses. «Queríamos começar já a obra amanhã», desabafa o dirigente. 

90 anos com Condeixa-a-Nova Bombeiros

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Cortejo para adquirir carro de combate a incêndios O primeiro cortejo de oferendas, realizado em Fevereiro de 1979, destinou-se, de acordo com o antigo comandante Jorge Moreira, à compra de uma viatura Dodge, um carro americano «que custou quase dois mil contos». Lembra as «muitas carradas de pinheiros», cuja venda «rendeu quase mil contos». Encomendado em Março de 1978, o Dodge Pierce Custom 400 era, de raíz uma viatura de combate a incêndios, considerada, na época, «das melhores viaturas do nosso país». Chegou a Condeixa, segundo refere Carlos Peça, em Janeiro de 1979 e foi baptizada em 18 de Fevereiro, sendo-lhe colocada uma placa que dá conta da solidariedade do povo de Condeixa: “Povo do Concelho de Condeixa - Viatura adquirida por subscrição pública – Cortejo de oferendas – 18-0279.” Foi, recorda o actual comandante do quadro de honra, «um carro de guerra». Íamos nele para todo o lado, mas chegámos a uma altura em que tínhamos medo que ficasse pelo caminho». Era um carro verdadeiramente especial, «com três lugares à frente, com o motorista, e cinco atrás, agarrados com

Bons meios mas a carecer de substituição O presidente da direcção faz uma análise positiva dos meios actualmente disponíveis, em termos humanos – com cerca de 120 bombeiros – e também em termos materiais. «Estamos bem equipados. Não precisamos de mais meios, mas de substituir alguns», nomeadamente, ambulâncias, refere, sublinhando que há viaturas que «já estão a “comer muita oficina”». «Temos encomendada uma ambulância de transporte de doentes», refere, e aponta a necessidade de substituir uma viatura de fogo, mas «não conseguimos lá chegar». «Temos de viver com o que temos. A não ser que nos saia a sorte grande», remata, bem-disposto, Gustavo Santos. 

Dodge adquirido com verbas de cortejo

uma pega de cabedal». Hoje, o velhinho Dodge ainda existe. «É uma peça de museu», esclarece Adelaide Silva, que desde 1989 está ao serviço dos Bombeiros. É usado em momentos solenes, envolvendo elementos dos bombeiros voluntários, nomeadamente casamentos ou funerais. 

“Bombeiros antigos” tiveram vida curta Os “Bombeiros Antigos”, como eram designados, teriam sido fundados em 1929 e João Lopes Carreira terá sido o primeiro comandante. De forma “organizada”, a colectividade só terá funcionado até 1932. Todavia, depois disso, de acordo com pesquisa feita por Carlos Peça, se bem que de uma forma não oficial, os elementos que integraram o corpo de bombeiros continuavam a mobilizar-se e a usar o equipamento ainda existente para socorrer quem precisava. 


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Arte 90 anos com Condeixa-a-Nova

LEVAR LONGE O NOME E OBRA DE MANUEL FILIPE 2007 Galeria foi inaugurada no dia 9 de Dezembro de 2007, no espaço da antiga Escola Conde Ferreira. A obra do pintor, doada ao município, é o centro das atenções

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isso «dava muitos quadros a amigos». Mas também há obras suas em várias colecções particulares e museus. Rui Miranda destaca as obras do Museu de Almofala, de Figueiró dos Vinhos, que, inclusivamente, já foram mostradas em Condeixa. Em regime de permanência, a Galeria tem 21 obras de Manuel Filipe. «Meia dúzia está a ser recuperada», refere. Nada de grave. Apenas uma intervenção de manutenção. Mas a galeria também recebe outros pintores. Esse é, de resto, o objectivo deste projecto que, além de divulgar a obra de Manuel Filipe, pretende dar a conhecer outros artistas, sobretudo jovens.

Manuel Filipe (1908-2002) nasceu em Condeixa, frequentou a escola de Artes e Ofícios Dr. João Antunes e foi, além de um grande mestre, um grande professor e um pedadogo

Galeria promove, todos os anos, ateliers de pintura, um convite a crianças e artistas

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anuel Filipe é um nome grande das artes plásticas. «Pode ser considerado o introdutor do Neorrealismo em Portugal», afirma Rui Miranda, responsável pela Galeria Manuel Filipe. Um espaço inaugurado em 2007, nas instalações da antiga Escola Conde Ferreira, onde está patente o espólio que o pintor doou ao município. Rui Miranda destaca o trabalho desenvolvido por Manuel Filipe na década de 40, altura em que «produz um conjunto de quadros a carvão, a que chamou “Fase Negra”. Temos só três ou quatro quadros dessa fase, o que é uma pena, porque é a fase mais importante da sua obra». Uma fase em que Manuel Filipe produz, entre outras, “Deus, Pátria e Família”, obra que está no Museu do Chiado, em Lisboa, e é considerada por Delfim Sardo, doutorado em Arte Contemporânea, «uma obra prima da pintura portuguesa do século XX». Manuel Filipe pertenceu ao grupo “Os Divergentes”, que também integrou Pedro Olayo, pintores oposicionistas ao Modernismo, movimento que marcou a década de 20/30, par-

ticularmente Almada, explica. A emergir e tendo em Manuel Filipe uma das figuras de proa, estava o Neorrealismo, uma corrente que, explica Rui Miranda, «só se chamou assim em Portugal». As razões são óbvias, pois o movimento denominava-se Realismo Social ou Realismo Socialista, designação que “não passava”no “crivo”do regime de Salazar. Mas há outras diferenças. «O Neorrealismo quer, sobretudo, ir para a rua, caracteriza-se por grandes murais. Isso em Portugal não aconteceu. Não era possível», afirma. «Se só os quadros de Manuel Filipe eram considerados subversivos, quanto mais um mural!», faz notar. A propósito, Rui Miranda recorda a perseguição da PIDE ao artista: «Ou deixa de ser professor e continua a pintar, ou deixa de expor». Manuel Filipe, professor de desenho, foi colocado “entre a espada e a parede”. «Sobreviveu. Continuou a ser professor. Mas nunca deixou de pintar». Mas também não vendia quadros. Apenas um. «Terá sido “obrigado”a vender uma obra à Gulbenkian. «A arte não é para vender!». «Era esse o seu espírito», afirma. Por

«Hoje, a obra de Manuel Filipe é mais conhecida que há 10 anos», afirma o responsável pela galeria, que destaca uma «outra atitude» relativamente ao pintor de Condeixa e à sua obra que «em 2007/8 praticamente não era conhecido». A mudança “fez-se” com uma aposta na promoção deste espólio, em levar a obra de Manuel Filipe a outras galerias e museus. Reconhecimento que hoje se faz notar, também, no facto de haver pessoas a elaborarem teses sobre o artista. Aliás, muito recentemente foram lançadas duas obras sobre Manuel Filipe.«A Galeria conseguiu catapultar a obra de Manuel Filipe», diz, com satisfação, Rui Miranda. A Galeria pretende ser um espaço vivo, de interacção, e isso tem acontecido, particularmente com o “Atelier de Pintura”, que decorre em finais de Junho e Julho, depois do encerramento do ano lectivo. «Oferecemos telas e tintas e temos aqui um conjunto de pessoas a pintar», refere. Uma iniciativa que se tem revelado um sucesso e junta meia centena de alunos de Belas Artes, mas também crianças de 7 e 8 anos. «Divertem-se e aprendem». Rui Miranda já não “sonha”que algum destes “pequenos pintores” seja, no futuro, um mestre na arte. «Se algum deles pedir aos pais para ir visitar uma exposição ou um museu, já valeu a pena», afirma. 


90 anos com Condeixa-a-Nova Desporto

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GLÓRIA NO CLUBE DE CONDEIXA 2019 Clube viveu, em Outubro de 2019, um dos momentos altos da sua história, com um jogo “grande” frente ao Rio Ave. Pela primeira vez transmitido em directo pela televisão

Equipa faz a festa, celebrando os bons resultados

N

o dia 19 de Outubro de 2019 fez-se história. No Clube de Condeixa, mas também no concelho. Pela primeira vez, o emblema condeixense recebeu uma equipa da I Liga e num jogo que teve direito a transmissão televisiva. A partida contou para a terceira eliminatória da Taça de Portugal, e colocou frente-a-frente o Clube de Condeixa e o Rio Ave. «Perdemos por 0-1, mas foi um grande jogo». Palavras entusiásticas de Sérgio Fonseca, presidente do Clube, que sublinha a «marca» imprimida por este jogo, que representou, igualmente, «a primeira transmissão televisiva» de um jogo, a partir do Estádio Municipal de Condeixa. Um momento de glória para um clube centenário, fundado em 1900. Mas há mais feitos relevantes para assinalar. Na época passada, a equipa sénior de futebol guindou-se, pela primeira vez, às provas nacionais, ganhou a Taça AFC e o Campeonato Distrital, naquela que foi uma “dobradinha” inédita, que já em 2017/18 havia conquistado Taça AFC e Supertaça. Já a equipa sénior feminina de futebol compete no Nacional da 2.ª Divisão e disputa o apuramento de subida à Liga Feminina. Realce ainda para a transferência deAna Seiça que, no arranque da época, rumou ao Benfica e tem sido presença assídua na Selecção Nacional.

Negócio com clubes grandes Outubro de 2019 fica na história também por outras razões. Luís Montenegro era vendido ao Sport Lisboa e Benfica. Sérgio Fonseca recusa-se a divulgar o valor do “passe”, mas admite um «bom encaixe financeiro». Mais do que isso, «o reconhecimento, por um clube grande, do trabalho que desenvolvemos». Montenegro joga nos sub-23, mas assinou «contrato de quatro anos e meio» com o clube da Luz. «Foi a nossa primeira transacção para um grande clube», diz o presidente, reconhecendo que se trata de «um marco». «O Clube de Condeixa já é visto com outros olhos». Na calha estão outras “transferências”, mas... o segredo é a “alma do negócio”.  O futebol é a “estrela da companhia”, mas o clube, que possui 600 atletas federados, tem outras modalidades, desde o kickboxing, atletismo, BTT, voleibol, duatlo e bilhar. Com 120 anos de história, viveu

momentos bons e maus. E se agora tudo corre sobre rodas, nem sempre foi assim. «Houve uma fase em que quase fechou», refere Sérgio Fonseca, recordando que a “coisa” só não “descambou” de vez graças «ao senhor Joaquim Pocinho, que fez tudo para manter a porta aberta». Há cinco anos como presidente, depois de dois como “vice”, Sérgio Fonseca destaca a «fase ascendente» que o Clube vive, reconhecido pela Federação Portuguesa de Futebol que, também em 2019, em Junho, atribuiu a Certificação de Entidade Formadora de quatro estrelas. «Significa o reconhecimento do mérito dos mecanismos de gestão e formação», refere, reiterando o empenho em revalidar a certificação. Mas nem tudo são “rosas”. A verdadeira “explosão” tem consequências. «Temos 14 equipas de futebol e, para treinar e fazer jogos não há capacidade de resposta», o que obriga várias equipas a «treinar» fora do concelho e torna notórios os problemas de instalações. «O Estádio Municipal só tem um campo e precisamos de um segundo campo… ou um terceiro», adianta o presidente. Um desígnio para o qual o clube precisa «do apoio da Federação, do Instituto Português do Desporto e da Câmara Municipal». «Temos muitos atletas, temos previsão de crescer mais e precisamos urgentemente de novas instalações», destaca o presidente, assumindo que este é um dos seus objectivos prioritários. Igualmente na linha da frente está o desejo de «unir a vila de Condeixa com o Clube». Trata-se de «promover o associativismo», para que «as pessoas incluam o Clube na sua vida», participando de forma activa nos eventos que promove. «Temos de tentar arranjar ferramentas para termos mais adeptos e sócios a apoiar o Clube. Chamar mais gente ao Estádio», remata. Com um orçamento de «meio milhão de euros», o Clube de Condeixa, tem uma forte dimensão social, com uma resposta que «não se limita à formação como atletas». «Queremos, sobretudo, formar bons homens e boas mulheres, bons cidadãos, pessoas com carácter», sublinha Sérgio Fonseca. 


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Teatro 90 anos com Condeixa-a-Nova

FESTIVAL DE TEATRO HONRA DENIZ-JACINTO 2015 Projecto da autarquia surgiu no âmbito das comemorações do centenário do dramaturgo e afirmou-se como evento de destaque no calendário cultural do município

Diário de Coimbra noticiava, em Marco de 1997, a homenagem da Universidade

O

que fazer para perpetuar o nome de Deniz-Jacinto e dar a conhecer o seu nome a Condeixa?». Liliana Pimentel, vereadora responsável pelo pelouro da Cultura na Câmara Municipal de Condeixa, confessa que foi esta a questão que o executivo colocou com o objectivo de assinalar o centenário do nascimento de Deniz-Jacinto, que se comemorou em 2015. «Poucas pessoas conheciam a história de vida e a obra de Deniz-Jacinto», salienta, recordando a colocação de uma placa na casa onde o dramaturgo viveu, bem como a realização de colóquios, nomeadamente com elementos do TEUC – Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra, e de pessoas que foram suas contemporâneas, algumas das quais conheceram Deniz-Jacinto. Um programa envolvente que incluiu, ainda, o lançamento do Festival de Teatro Deniz-Jacinto. O projecto, recorda, apontava para a realização do evento «de dois

em dois anos». Todavia, «atendendo à grande adesão, com as sessões tão cheias de público, decidimos fazer o festival todos os anos». Com a participação de grupos amadores e profissionais, o festival tem vindo a crescer e a ganhar «cada vez mais projecção». «Este ano fez a sua internacionalização», recorda Liliana Pimental, referindo a presença de um grupo espanhol. A vereadora aponta a inovação, introduzida há dois anos, com a inserção do teatro escolar, que correu da melhor forma. A ideia partiu do facto de haver um conjunto de obras que fazem parte do plano de estudo dos alunos e que algumas companhias levam à cena. «Falámos com os professores de português e com as bibliotecas, fomos ver quais as companhias que tinham essas peças de teatro e criou-se um momento de teatro escolar».O resultado foi, mais uma vez, excelente. Reflexo disso foi o facto de escolas de outros concelhos, como Coimbra, Ansião, Figueira da Foz ou Penela ma-

Diário de Coimbra

nifestarem o ensejo de ir ao Cine-Teatro de Condeixa assistir aos espectáculos. Liliana Pimentel destaca a importância de Manuel Deniz-Jacinto como uma figura grada da cultura de Condeixa, «contemporâneo de Fernando Namora e Manuel Filipe». Licenciado em Ciências Matemáticas e Engenharia Geográfica, Deniz-Jacinto (1915-1998) foi um grande dramaturgo e um apaixonado pelo teatro. Fundou o TEUC, juntamente com Paulo Quintela, com quem colaborou igualmente no estudo da obra de Gil Vicente, mas também encarnou várias personagens criadas pelo “pai” do teatro português, nomeadamente o “Diabo”, do Auto da Barca do Inferno. Deniz-Jacinto foi presidente da Associação Académica e do Orfeon Académico de Coimbra, e também foi director interino do Diário de Coimbra, em 1945, onde escreveu alguns artigos considerados «polémicos», facto que lhe valeu ter sido suspenso e demitido compulsivamente pelos serviços de censura. Militante anti-fascista, foi preso pela PIDE, na Figueira da Foz, e cumpriu pena entre 1949 e 1953 na cadeia do Aljube e no forte-prisão de Caxias. Foi agraciado com a Comenda da Ordem do Infante por Mário Soares (1988), a Medalha de Mérito Cultural pela Câmara de Coimbra (1996), a Medalha de Mérito Cultural da Câmara Municipal de Condeixa (1996) e a Medalha e Honra da Universidade de Coimbra (1997).

Retomar prémio literário Também como homenagem ao dramaturgo, o município de Condeixa lançou, em Janeiro de 2015, o Prémio Literário de Dramaturgia e Ensaio Deniz-Jacinto. «Correu muito bem», afirma Liliana Pimentel, destacando a ampla participação e o interesse demonstrado pelos concorrentes, bem como um prémio financeiro apelativo, no valor de três mil euros. A primeira edição contou com a participação de 39 autores e 59 trabalhos. Luís António Couto Coelho foi o vencedor na categoria de “Texto Dramático” e João Maria André na categoria de “Ensaio Teatral”. Inicialmente prevista para 2018, a segunda edição do prémio acabou por “ficar na gaveta”. «Está pendente», afirma a vereadora, que sublinha a “fasquia alta”, em termos de qualidade, que a organização quer de todo preservar, mais, «elevar». «Queremos repor o prémio», garante. Falta apenas a «oportunidade». 




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