Manchas no crepúsculo d'uma época - Artigo Arthur da Paz

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GOIÂNIA, SEGUNDA-FEIRA, 22 DE OUTUBRO DE 2018

“Esse povo cansou. É verdade. Esse povo aspira algo melhor. Esse povo é unânime. Esse povo, mesmo o inclinado à esquerda e mesmo o inclinado à direita, que são o mesmo povo, quer o Brasil prometido do futuro instalado no imediato do presente.”

Arthur da Paz Especial para

T

enho a perceptividade de pre-

ver resultado de eleições e não errar, nunca errei. Este “fenômeno” persegue-me desde que frequento os bastidores da política. Isto é, há oito anos diretos nos domínios da Redação do Diário da Manhã, mas há cerca de 14 anos, quando inclinei minha leitura para a filosofia. Não me gabo disso, aliás, preocupo-me. Esta é uma habilidade que me foi e ainda é-me polida na cognição, desde os oito anos idade, na pequeninez, quando passei a morar com o jornalista Batista Custódio, meu pai. — Tudo bem, tudo bem! Para ser fiel ao fato, ele é meu padrasto. Mas, prefiro a fidelidade ao meu coração, onde Batista só pode ocupar um só posto: o de pai —. E que também nunca errou o resultado de eleição. Mais que isso: é a visão dele que norteia os pleitos onde sua palavra chega, sempre decisiva, sempre fulminante. São 83 anos de caráter incorruptível, 60 de comunicação honrada. Todo esse tempo, quase um século, sua vida foi permeada pela incompreensão de todos fora de sua proximidade e da incompreensão de todos dentro de seu convívio. À exceção minha, que o entendo em cada partícula de pensamento e a cada erupção de sentimento. Sei muito bem! Ele é um vulcão de emoções sempre expelindo a lava flamejante da Justiça. Conviver com ele é estar frente a frente a um espelho da própria consciência. Por isso, no contato com ele, uns fogem raivosos. Outros, porém, dispostos a crescer, permanecem, admirados. Batista é um quasar inteiro. Eu, uma estrela só. Maior que o grau de qualquer sentimento familiar, somos companheiros de outrora, d’outra vida, na França. Nossa simbiose é grande, e eis, pois, outra capacidade que dele herdei: a de não ser compreendido nos corações ao derredor. A razão é objetiva. Somos puramente cristãos. Seguimos Jesus de fato. Sem sectarismos ideológicos, sem psicoteocracias religiosas. O único céu que admitimos para nossas ideias é o da liberdade absoluta. Qualquer grilhão ideológico nos fere e por nós é gravemente repelido e por nós será frontalmente destroçado! Entendemos, ele e eu, que sistemas são armadilhas para aprisionar os comuns, os manipuláveis, os fracos e os ausentes das bibliotecas. E preferimos arrebentar, com as asas da liberdade, qualquer gaiola que tente entortar a nossa visão. Nossos olhos miram um só ideal: o do amor tal qual Jesus o pregou. Nossas mãos repetem um só gesto: o da caridade tal qual Jesus a fez. Por isso, somos os primeiros a defender e proteger os que estão no chão; os que são chutados nos escárnios em suas quedas terríveis. Somos os primeiros a reerguer os derrotados. Os primeiros a receber as pancadas dos maus. É que nosso coração dói demais ao notar a dor alheia, mesmo que o alheio tenha sido perverso. Compreendemos que a maldade é fruto contextual da árvore seca da ignorância. Nisso, levamos sempre, numa mão, o dedo dobrado em posição de consolo para enxugar a lágrima no rosto enrugado de pranto, e, noutra mão, carregamos o livro do Evangelho; para mostrar, ao malvado que caiu, o sonho possível da redenção. Bastando, pois, que siga, sinceramente, a bimilenar cruz do mundo.

RICARDO STUCKERT / PT

Nunca defenderemos bandeiras que possam ferir alguém aqui, outro quem lá, mais outro acolá, ou qualquer um em todos os outros na vida. Somos, Batista e eu, avessos ao paradigma binário que doutrina a visão materialista dos homens. Não nos submetemos às imposições que curraleiam as maiorias gadificadas nos interesses dos déspotas e dos poderosos. Seremos sempre a resistência de asas fenixoidais rajando o fogo do amor nos céus do pensamento livre. Prever eleição, minha gente, calma lá!, não é fenômeno paranormal. Embora, seja eu, um médium. Não é preciso contato espiritual ou manifestação sensitiva para perceber o óbvio já explícito no caminho de um povo. É preciso apenas uma biblioteca na cabeça, e, então, tudo far-se-á claro nos próximos passos do destino. Assim que sempre sei o próximo vitorioso e o próximo derrotado. A história é uma teimosia repetitiva. Muda-se apenas contextos, tempos e personagens, mas a alma dos fatos permanece a mesma. Desta forma antevejo quem sobe à vitória e quem cai à derrota: estão repetecos de velhos trilheiros já fartamente conhecidos nas narrativas dos livros. Então, desde o dia 7 de abril de 2018, no encarceramento de Lula, Bolsonaro venceu a eleição. Indiscutível. Inexorável. Mesmo que o matassem, tal como tentaram, no dia 6 de setembro de 2018, o sentimento coletivo que ele canaliza para si, iria

Iris Rezende

WAGNAS CABRAL

Pedro Ludovico

DIVULGAÇÃO

Totó Caiado

Arthur da Paz, diretor de Redação do jornal Diário da Manhã

DOMÍNIO PÚBLICO

Ciro

WIKIPÉDIA

Marina

Os sábios têm graves receios ao “povo”. Eu, leigo, sempre tive. Porque na velha Judeia, quem lavou as mãos na bacia, não foi apenas Pilatos, mas um povo inteiro. Quem quis um justiceiro, e não um Justo, foi o povo. A decisão mais terrível e errada da humanidade partiu das mãos do povo. Então, não santifiquemos um povo ansioso que, admitamos, já colocou Jair Bolsonaro lá no Palácio do Planalto. Esse povo cansou. É verdade. Esse povo aspira algo melhor. Esse povo é unânime. Esse povo, mesmo o inclinado à esquerda e mesmo o inclinado à direita, que são o mesmo povo, quer o Brasil prometido do futuro instalado no imediato do presente. Os ponteiros do relógio da vida giram, na última década, apressadíssimos. É que o tempo esgotou-se para os empedernidos no mal de seus caracteres. Esse povo tem fome e sede. Esse povo está irado. Esse povo vem enfurecido há anos. Esse povo tornou-se um amontoado de iras há tempos. E sabemos que quem age por instinto já abandonou a razão. Quer ver? Abandonamos a razão quando ignoramos que Henrique Meirelles seria o melhor presidente possível para o Brasil de hoje. Abandonamos a razão quando não permitimos um espaço para debates a João Amoedo na promessa do seu partido Novo. Abandonamos a razão quando escorraçamos Marina Silva na misoginia explícita dos brasileiros.

LEONARDO BENASSATTO / REUTERS

Amoedo

DIÁRIO DOS CAMPOS

eleger um outro Bolsonaro qualquer. O único líder, hoje, capaz de derrotar ou Jair Bolsonaro ou outra potência pública ou uma tempestade política chama-se Lula. E Lula, companheiros, foi expulso do tabuleiro. Nem Bolsonaro pode derrotar a si mesmo, visto que Bolsonaro não é mais a pessoa. Ele é o movimento de reajuste de uma era inteira. É instrumento dolorido de uma mudança incompreendida. É faca abrindo as entranhas de um tempo e que irá escorrer podridão sobre podridão na corrupção brasileira. Inclusive na corrupção que ele mesmo participou nos seus 28 anos de vida pública. Epa! Espera lá, Arthur! Está a defender Bolsonaro? Meus amigos. Saibamos ler a vida. O personagem em questão é necessário ao desejo de um tempo, e não ao seu ou meu anseio pessoal. Não se discute com os determinismos históricos como não se discute com os fatos, mas, sim, aprendamos com eles. Bolsonaro é o fenômeno político que não depende dele. Ninguém pode parar os braços do povo. É nesses braços que ele está sendo carregado. SÉRGIO LIMA / PODER360

Meirelles

CHRISTIAN PARENTE / CAMILA SCHAEFER

TRILUX FOTOGRAFIAS

DIVULGAÇÃO / PT

Lula

Manchas no crepúsculo d’uma época

Abandonamos a razão quando tiramos Ciro da jogada. Suas fanfarronices ser-nos-ia úteis ao País. Abandonamos a razão, pois, em todos os outros bons candidatos que deixamos de eleger para montarmos esse palanque bizarro formatado em um ringue bipolar. Luladdad de um lado. Bolsonaródios de outro. Contudo existe, caros leitores, um outro cenário. Que é o maior de todos os cenários e que não depende de lado algum: — O cenário da mudança urgente, e já!, do Brasil. Isto é, nenhum continuísmo ficaria de pé neste contexto de convulsões nacionais, em nenhuma camada política no País. Somente um líder habilidoso, como o é Lula, seria capaz de usar a magia do seu carisma para fornecer, de novo, esperança a um povo esgotado. A direita assanhada sabe disso. Tomou providências. Lula amanhece todos os dias no cárcere. Há uma angústia sufocada no amargo de muitas gargantas. Ela sinaliza o alerta ao trágico e ao épico que já aconteceu outrora na História. É o temor do dia em que Lula amanhecerá morto ou suicidado em mãos ocultas por entre as grades da prisão. Vejo-o, escorado em sua cela, envelhecido nas dores das traições. Arrependido nas culpas das falhas dos idealistas. Triste na melancolia daquilo que não pode ser mais desfeito. Mas ainda vejo-o na chama acesa do menino pobre que saiu da miséria para ir plantar sonhos na alma de um povo sofrido como sofrido ele fora. O crepúsculo das quedas, porém, não sinaliza o fim eterno. Ao contrário. Com a chegada da noite, vem junto a chance do diálogo, no silêncio da alma, para a construção da própria redenção nos refazimentos da autocrítica. Totó Caiado teve seu mandato senatorial arrancado de si pela Revolução de 1930 que o prendera. Mas as épocas trouxeram sua imagem erguida para sempre na memória do Estado. Pedro Ludovico foi cassado por uma junta militar, em 1969, no expurgo geral do AI-5. Mas as eras o devolveram ao pedestal iluminado dos estadistas nas alvoradas de Goiás. Iris Rezende também foi cassado pelo regime e encarou o azedo no abandono dos amigos. Mas o tempo retornou-o ao lugar de respeito na construção de sonhos para os goianos. Poderá ser, pois, que Marconi Perillo retorne ao peito do Estado no reconhecimento do bem que outrora praticara, quando tiver realizado também, o seu movimento de reedificação consciencial. Se eu conheço Batista Custódio, como admito conhecê-lo, tenho a certeza de que ele sente essa angústia em algum canto e, toda noite, ora a Deus suplicando cabeça erguida aos que caíram no chão do mundo. Como caiu, aqui em Goiás, a estrela de Marconi Perillo, onde os goianos imaginaram que teriam o primeiro presidente goiano da República do Brasil. Não buscarei o refúgio nas ilusões deste ou daquele por estarmos desabrigados de esperança ou enfurecidos de revolta ou amedrontados de temores. O fato é um só. O que presenciamos na absurdidade do momento é a digladiação entre a corrupção da esquerda e a corrupção da direita. Com tantos sofrimentos à vista e tantas falsas vitórias à mostra, eu irei anular meu voto para presidente. Porque não vi, em Haddad, o brilho dos olhos que existiu no olhar de Lula. E porque não vi, em Bolsonaro, a inteligência na cabeça que laureou qualquer outro ex-presidente do Brasil.

Marconi Perillo


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