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PREFÁCIO FLORES DE PEDRA
José Sá Fernandes
A maioria das pessoas quando entra num cemitério, com maior ou menor emoção, sente sempre qualquer coisa de diferente.
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As sensações variam de pessoa para pessoa, umas vezes ligadas a memórias, outras a religiões, ideias e histórias, outras a encontros e desencontros, muitas vezes a despedidas ou a um simples adeus.
No fundo, há lembranças, e quando percorremos as ruas dos cemitérios e vemos esculpidos em pedra, num ou noutro sítio, cravos ou amores-perfeitos, parece que ouvimos, tal como é associado ao miosótis, um sussurro de alguém que nos diz: – Não te esqueças de mim!
Às recordações acrescem saudades, às vezes representadas por suspiros roxos que tanto nos podem fazer, naturalmente, suspirar, como corar e até pensar como seria a vida com os ausentes ainda perto de nós.
Podemo-nos iludir que também num cemitério existem ricos e pobres, pessoas educadas e outras desmazeladas, pessoas ilustres e pessoas esquecidas. Na verdade, vemos jazigos sumptuosos e outros abandonados, sepulturas e gavetas ornamentadas e arranjadas, outras sujas e desprezadas, e urnas com pedras preciosas e outras despojadas, ambas a guardar cinzas das cremações. Há epígrafes eruditos e gloriosos, outros populares, uns são mais elaborados outros mais simples. Mas de uma coisa temos a certeza, seja qual for o aspecto ou a condição, todos os que ali chegam – ao sono eterno – têm o mesmo destino físico, aliás, como dizia o botânico camoniano e aristocrata, Conde de Ficalho: Os nobres também fedem! Esta temporalidade universal é expressa em algumas peças de pedra com a flor dormideira, a papoila ou da perpétua.
Nas visitas aos cemitérios muitos levam fé no renascimento dos mortos, a ressurreição, outros na reencarnação, daí estes lugares estarem artisticamente pontuados com tulipas e narcisos, as flores da renovação, e até com flores de maracujá, as flores da paixão.
O tempo que nos distancia de cada uma das mortes faz com que os rostos dos que partiram se vão desvanecendo da nossa memória.
Alguns episódios que com eles convivemos tornam-se confusos. Mas, há um qualquer tipo de relacionamento que perdura para além daquela morte, a que podemos chamar de imortalidade, que assim existe mesmo, também para quem não acredita que haja outra vida.
A hera, o cipreste, o loureiro, o azevinho ou o acanto, esculpidos nos cemitérios, sugerem esse estádio, a que a rosa acrescenta o amor, para alguns eleitos, o amor imortal.
Claro que há lagrimas, as violetas, e há sempre um sentimento de perda, como nos diz a calêndula, por vezes envolta na pureza da açucena, mas talvez o mais importante seja sentir esperança. Esperança que nos foi deixada pelos que morreram e esperança em nós, ou seja, a esperança do lírio e do jasmim. Nesses momentos, a força de vermos um carvalho, mesmo que em escultura, também pode ser necessária quando vamos a um cemitério.
Nos cemitérios, olhar para a glória-da-manhã ou ouvir o episódio bíblico em que se parabolizam as sementes do trigo que, deitadas à terra, só fazem novas plantas os grãos que morrem, levam-nos a reflectir sobre a beleza do mundo e o sentido da vida.
Este livro / catálogo identifica muitas destas plantas e do seu simbolismo. Está em nós aproveitarmos e confortarmo-nos com esta sabedoria ou simplesmente admirarmos as suas representações artísticas.
Não quero deixar de agradecer às autoras por permitirem sermos acompanhados, se quisermos, em cada uma das nossas idas a um destes cemitérios de Lisboa, por estas flores de pedra que, por esta ou por aquela razão, nos podem mesmo fazer companhia, tal como os simples crisântemos, das raras flores que naturalmente florescem no Outono em Portugal, no dia de finados.
No âmbito da Lisboa Capital Verde Europeia 2020, ligar a botânica e as suas histórias também à morte e aos espaços onde esta está presente, é um facto de grande relevância, pois neste ano tão importante para Lisboa, e quando queremos ter respeito por todos, não nos podíamos mesmo esquecer de ninguém. Obrigado.