8 minute read

O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO DAS PLANTAS E FLORES REPRESENTADAS EM CONTEXTO CEMITERIAL

Sandra Mesquita

A determinação da identidade das plantas e flores representadas em contexto artístico é tecnicamente distinta da identificação de plantas vivas ou espécimes preservados, com um resultado muitas vezes apenas aproximativo. Com muita frequência faltam nas representações elementos identificativos fundamentais e as plantas não são figuradas com o detalhe necessário a uma identificação incontestável, podendo ainda incluir elementos fantasiosos.

Advertisement

A representação de plantas esculpidas em pedra constitui um desafio adicional, pela ausência de cor – importante sobretudo na identificação de flores – e pela perda do detalhe, que é difícil passar para a pedra e que se vai perdendo por erosão, com o passar do tempo. Assim, a decisão final sobre qual o táxone representado, longe de ser clara e objetiva, é muitas vezes feita considerando subjectivamente o contexto simbólico da representação.

No decorrer dos trabalhos de identificação das plantas e flores presentes nas pedras dos cemitérios de Lisboa surgiram várias situações distintas. Em alguns casos, como o azevinho, a romã ou o lírio-do-vale, a representação não levanta quaisquer dúvidas. Nas plantas ornamentais para as quais existe um grande número de cultivares (variedades cultivadas), caso do amor-perfeito e da tulipa, escolheu-se a espécie botânica mais próxima ou a cultivar mais comum. Ressalve-se, no entanto, que, devido a esta mesma incerteza, a representação pode corresponder a uma qualquer cultivar. Quando a incerteza não permitiu uma identificação ao nível da espécie, esta foi proposta apenas ao nível do género, por exemplo, no carvalho e na rosa. Na maior parte das situações, optou-se pela espécie mais provável de entre as possíveis candidatas, por ser a planta mais comum ou mais popularmente representada na época ou, significativamente e na maior parte dos casos, por ser a espécie ou grupo de espécies com um significado próprio na simbologia cemiterial.

A análise da iconografia botânica nos jazigos e nas lápides dos cemitérios de Lisboa reabre assim uma perspetiva esquecida sobre estas obras possibilita um novo olhar sobre estes espaços, guiado pelas plantas representadas.

Botanical Identification Of Plants And Flowers Represented In Cemeterial Context

Sandra Mesquita

Determining the identity of the plants and flowers represented in artistic context is technically distinct from the identification of live plants or preserved specimens, often with approximate results. Important details are frequently omitted. The plants are represented lacking the detail needed to make an unquestionable identification and may also include some fanciful elements.

Identifying plants and flowers sculpted in stone constitutes an additional challenge, due to the absence of colour – sometimes crucial in the identification of flowers – and the lack of detail, which is difficult to carve in the stone and is lost through erosion, with the passage of time. Thus, the final decision on which taxon is represented, far from being clear and objective, is often made subjectively considering the symbolic context of the representation.

In the process of identifying the plants and flowers present in the stones in Lisbon cemeteries, we were confronted with several different situations. In some cases, such as holly, pomegranate or lily-of-the-valley, the representation does not raise any doubts. As for ornamental plants for which there are a large number of varieties, such as pansies and tulips, the closest botanical species or the most common cultivar was chosen, although with the proviso that the representation can correspond to any other cultivar. When uncertainty did not allow identification at the species level, it was proposed at the genus level, for example, in oak and rose. In most situations, the most likely species was chosen among the possible candidates, for being the most common or most popularly represented plant at the time or, significantly and in most cases, because of its particular meaning in cemetery symbolism.

The analysis of the botanical iconography in the tombstones of Lisbon cemeteries thus reopens a forgotten perspective on these pieces and allows for a new look at these spaces, guided by the plants represented within it.

Flores De Pedra Flowers Of Stone

Cipreste, negro cipreste, Árvore da minha paixão; Tu és o fiel retrato Do meu triste coração;

És sentinela dos túmulos; Abrigo dos desgraçados;

Quantos há que te desejam Morrer contigo abraçados:

Tua cor negra e medonha, Teu aspecto longo, e triste; Convida a chorar aqueles

A quem a desgraça assiste;

(...)

Árvore de morte, e de luto; Árvore de mágoa e de dor; Aqui contigo abraçado

Chorei o meu amor.

Cypress, my dark cypress, sole sapling of my devotion; Of my soul’s restlessness you’re the definite depiction.

Custodian of these crypts, santuary for the crestfallen; Of those plenty who pine for what death has stolen.

In ghostly countenance draped, unfolding so long a shadow; For those (who misery feigned), you’re harnessing their throe. (...)

Tree of death – tree of grief. Tree of woe – and bereavement. Nether you I mourned – as if salvaging love from concealment.

Cipreste

Autor anónimo

Cypress

Anonymous author

Translation: David Soares

SAUDADES, SAUDADES-ROXAS, SUSPIROS, SUSPIROS-ROXOS MOURNINGBRIDE

Scabiosa atropurpurea L. Dipsacaceae

Planta espontânea em Portugal, cultivada em jardins, embora não seja muito comum nos jardins portugueses.

A sua identificação foi feita a partir do significado, conhecido na iconografia cemiterial.

This plant is native to Portugal and cultivated in gardens. It was identified thanks to its well-known symbolic meaning in cemetery iconography.

Simbologia

Saudade, Luto

A saudade é das poucas flores cujo significado está no próprio nome: saudade. Também representa o luto.

Muito comum nos cemitérios portugueses no século XIX e início do século XX, muitas vezes conjugada com a Perpétua (outra flor cuja leitura simbólica passa pelo seu nome comum), para uma leitura conjunta: “Saudade Perpétua” ou “Perpétua Saudade”.

Em contrapartida, é muito rara a sua representação em contexto cemiterial fora de Portugal. Nessas situações excepcionais aparece em monumentos fúnebres de portugueses e seus descendentes ou em países com grande influência portuguesa durante o século XIX, como é o caso do Brasil.

A saudade representa também o luto, pois sendo o roxo a sua cor mais comum (em várias tonalidades) e sendo essa uma das cores utilizadas pelas viúvas no século XIX na cultura ocidental para o chamado luto aliviado (após o período de luto pleno, em que apenas era usado o preto, passavam ao período de luto aliviado em que era possível a utilização de outras cores, como o roxo, o cinzento, o castanho, etc.). Na língua inglesa esta flor é conhecida como mourningbride ou mournful-widow (ou seja “noiva enlutada” ou “viúva pesarosa”) devido à cor e à forma, que lembra as saias de luto utilizadas pelas senhoras de classe alta na época.

Apesar de actualmente esta planta ser quase desconhecida na sociedade portuguesa, o mesmo não acontecia no século XIX e inícios do século XX. Esta planta, com um nome tão português, era usada em diversos motivos e decorações, desde frontispícios de livros a azulejos e por isso facilmente reconhecida. Como exemplo da sua popularidade, o arquitecto português Raul Lino (1879-1974) desenhou em 1924 um serviço de loiça decorado com saudades, o qual chamou de “Saudade” e que foi produzido pela famosa fábrica da Viúva Lamego, em faiança e porcelana.

SYMBOLOGY Longing, Mourning

The mourningbride1 is one of the few flowers whose meaning is in its name: longing2. It also represents mourning. Very common in Portuguese cemeteries during the 19th and early 20th centuries, often combined with the everlasting flowers3 (another flower whose symbolic meaning is in its common name), for a joint reading: “Longing Everlasting” or “Everlasting Longing”.

Its representation in a cemeterial context outside Portugal is very rare. In those exceptional situations, it appears in funeral monuments of the Portuguese and their descendants, or in countries with great Portuguese influence during the 19th century, as is the case in Brazil.

The mourningbride represents mourning, since purple is its most common colour (in various shades) and was also one of the colours used by widows in the 19th century in Western culture for the so-called relieved mourning (after the period of full mourning, in which only black was worn, they moved on to a period of relieved mourning, in which it was possible to wear other colours, such as purple, grey, brown, etc.). In English, this flower is known as mourningbride or mournful-widow due to its colour and shape, reminiscent of the mourning skirts worn by upper-class ladies at the time.

1 – Also known as sweet scabious.

Although today this plant is almost unknown in Portuguese society, this was untrue in the 19th and early 20th centuries. This plant, with such a Portuguese name4, was used in several motifs and decorations, from book front pieces to azulejos (Portuguese tiles) and therefore easily recognisable. As an example of its popularity, in 1924 Portuguese architect Raul Lino (1879-1974) designed a dining set decorated with mourningbrides, which he called “Saudade” and which was produced, in faience and porcelain, by the famous Viúva Lamego’s factory.

2 – In Portuguese, the common name of the flower is saudade, a Portuguese word that can be translated as longing.

3 – Also known as curry plant.

4 – The Portuguese word Saudade refers to a very Portuguese feeling and has the reputation of being impossible to translate into other languages. It is very similar to longing, but mixed with melancholia and a deep sadness for things of the past, lost loves, impossible and unfulfilled dreams. It’s very connected to Fado, the national song.

Cat Logo Catalogue

EDIÇÃO | EDITION

Câmara Municipal de Lisboa

DIreção Municipal de Ambiente Estrutura Verde, Clima e Energia

Divisão de Gestão Cemiterial

COMISSARIADO | CURATORSHIP

Gisela Monteiro

Sandra Mesquita

Sara Gonçalves

PREFÁCIO E TEXTOS DE ABERTURA | FOREWORD AND OPENING TEXTS

José Sá Fernandes

Sara Gonçalves

Gisela Monteiro

Sandra Mesquita

TEXTOS | TEXTS

Botânica - Sandra Mesquita

Simbologia - Gisela Monteiro

DESIGN GRÁFICO | GRAPHIC DESIGN

José Dias - Design

TRADUÇÃO | TRANSLATION

Dos autores

By the authors

João Basto (Prefácio | Preface)

REVISÃO DA TRADUÇÃO | TRANSLATION REVIEW

Thao Thi Kahn

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS | PHOTOGRAPHIC CREDITS

Sandra Mesquita

Sara Gonçalves

Gisela Monteiro (Pag.153 - Cirsium vulgare)

Frédéric Bioret (Pag.165 - Convallaria majalis)

Venília Caeiro (Pag.177 - Sprekelia formosíssima)

Ashley Basil, https://www.flickr.com (Pag.65/2ªfoto - Phoenix dactylifera)

阿橋 HQ, https://www.flickr.com (Pag.69/1ªfoto - Salix alba)

B+ Fouzy, https://www.flickr.com (Pag.69/2ªfoto - Salix alba)

Abdulla Al Muhairi, https://www.flickr.com (Pag.65/1ªfoto - Phoenix dactylifera)

Apoxyomenus, https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Purple_ Flower_%22Pensamiento%22_Viola_%C3%97_wittrockiana.JPG (Pag.81/1ªfoto - Viola×wittrockiana)

B.traeger, https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jasminum_officinale. JPG (Pag.105/1ªfoto - Jasminum_officinale)

Jim Evans, https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Common_Jasmine.jpg (Pag.105/2ªfoto - Jasminum_officinale)

阿橋 HQ, https://www.flickr.com/photos/nhq9801/9240223484/in/ photolist-f5wyw1-bEkzm4-jdY7eR-jgXbvj-jtQLFA-jdY76p-fheU6zjmKQqn-bDK33X-je1q6C-92r2ka-8CTpTu-f6BhLg-jpXW9L-jmKPKpjmKS8a-je3rSm-jih53r-jrcUPN-jtNJfZ-jrcVB9-je3rHJ-XSUxTi-FQ7AhFYmA1UH-bZorwW-2avqDCP-YeXmDU-2dyZka9-2k8tcGS-2jZ4tEG2drjGCw-3eebQh-cxokbL-9WmBi-8aPr4h-5Vpdza-f3p12m-jdY6FrjgVjjR-f19nWB-jo7jCi-Zf1m9P-f39M4z-CPASPK-a4vMRr-YR8XPEccMrxf-ZFgCvS-h87xxw (Pag.109/1ªfoto - Chrysanthemum) Cillas, https://commons.wikimedia.org (Pag.125/1ªfoto - Zantedeschia aethiopica)

Seán A. O'Hara, https://www.flickr.com/photos/hortulus_aptus/33589463665/ in/photolist-TbbMiT-2hzGtZq-9ZsSpH-5fBonS-5fBkEU-7uhFBa-78MxhMdDmX2x-78RqHq-78Rrrm-nBcZnd-2hzLhH8-dUstH8-qvEdMF-2jstT1Cbr6385-7UAeog-918Wpv-7UAejn-6cBa35-7pAHH-dGNaWp-MaHCxMVmfSf1-7UAehV-buDjRU-5WVa9q-78MyBB-86e1iG-5WQWdH-2r71om5WV9aU-5WVakC-uEDpEn-5WQUAF-Xt7P4D-89fyHK-89fzUe-dDmWZarQuFnu-UGot2a-rSb96g-5CmuwK-mNvLu-buzzx5-rSmsXp-bHy6hM8GfGNN-buDjSN-64Zy4X (Pag.125/2ªfoto - Zantedeschia aethiopica) Petar Miloševic, https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sunflower_fields_ in_%C5%A0umadija.jpg (Pag.137/2ªfoto - Helianthus annuus) F. D. Richards, https://www.flickr.com/photos/50697352@N00/48653610363/ in/photolist-2h8mti6-iZNLR6-o2aS43-2h8p4K2-fMybPD-iq4UuN-iVyUhS6Utcyk-6UteA8-7uT3HZ-iTYuqY-dVsLoh-2byuLvA-2i9bLem-iq4QJU-dFBL8yCKXYSE-iq4Qq6-8dbZzG-dFwkGX-NNXZKQ-GNuebX-226ARBY-226ASM3q4BaR1-dTBELu-ZMTXYv-KSa38T-2hBtJkH-iY8Vix-Aax7hP-nwDWxRh98nU6-PV59SP-2hrF3XG-G7aVGy-226AT5C-2iqTWXN-ZMTXDc-iXXYxs21E7Lmh-dDUUV8-pPWS77-FVnntZ-dDUV3c-actrzv-iXW1hz-QAr6ebiq4NPw-iq4Dgb (Pag.145/2ªfoto - Convolvulus tricolor) F. D. Richards, https://www.flickr.com (Pag.149/1ªfoto - Paeonia officinalis)

IMPRESSÃO | PRINT

Soartes

ISBN 978-989-96864-8-9

DEPÓSITO LEGAL | LEGAL DEPOSIT

477390/20

2.ª Edição – Lisboa 2022 | Lisbon 2022 500 exemplares | 500 copies

Exposi O Exhibition

ORGANIZAÇÃO | ORGANIZATION

Câmara Municipal de Lisboa

DIreção Municipal de Ambiente Estrutura Verde, Clima e Energia

Divisão de Gestão Cemiterial

COMISSARIADO | CURATORSHIP

Gisela Monteiro

Sandra Mesquita

Sara Gonçalves

TEXTOS | TEXTS

Botânica - Sandra Mesquita

Simbologia - Gisela Monteiro

PROJETO MUSEOGRÁFICO | MUSEOGRAPHIC PROJECT

José Dias - Design

DESIGN GRÁFICO | GRAPHIC DESIGN

José Dias - Design

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS | PHOTOGRAPHIC CREDITS

Sandra Mesquita

Sara Gonçalves

Gisela Monteiro (Cirsium vulgare)

Frédéric Bioret (Convallaria majalis)

Venília Caeiro (Sprekelia formosíssima

Ashley Basil, https://www.flickr.com (Phoenix dactylifera)

阿橋 HQ, https://www.flickr.com (Salix alba)

B+ Fouzy, https://www.flickr.com (Salix alba)

Abdulla Al Muhairi, https://www.flickr.com (Phoenix dactylifera)

Apoxyomenus, https://commons.wikimedia.org (Viola×wittrockiana)

B.traeger, https://commons.wikimedia.org (Jasminum_officinale)

Jim Evans, https://commons.wikimedia.org (Jasminum_officinale)

阿橋 HQ, https://www.flickr.com (Chrysanthemum)

Cillas, https://commons.wikimedia.org (Zantedeschia aethiopica)

Seán A. O'Hara, https://www.flickr.com (Zantedeschia aethiopica)

Petar Miloševic, https://commons.wikimedia.org ( Helianthus annuus)

F. D. Richards, https://www.flickr.com (Convolvulus tricolor)

F. D. Richards, https://www.flickr.com (Paeonia officinalis)

PRODUÇÃO GRÁFICA | GRAPHIC PRODUCTION

PortoDesign

TRADUÇÃO | TRANSLATION

Dos autores

By the authors

REVISÃO DA TRADUÇÃO | TRANSLATION REVIEW

Thao Thi Kahn

APOIO | SUPPORT empréstimo de vitrines showcase loan

This article is from: