Escondidos no Caminho - Aisthesis da Pareidolia - Capítulo 01

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Escondidos no caminho Dan Pelegrin




Líquen 2018 Fotografia manipulada Serra da Russa, Chapada dos Guimarães, MT 61 X 45 cm






Rochas. 2015 Fotografia Parque Nacional de Jericoacoara, Jijoca de Jericoacoara, CE 45 X 61 cm


© Daniel Pellegrim Sanchez, 2023 Tradução Emyle Daltro Fotos Dan Pelegrin, Emyle Daltro e Iza Daltro Apresentação Pamela Merrill Brekka Produtor Cultural Jota Júnior Santos Suzana Guimarães Revisão Victoria Bragatto Rangel Pianca Gabriella Maciel Diagramação e capa Miqueias Mesquista Agradecimentos Emyle Daltro, Leonardo Pellegrim, Fernanda Pinheiro, Rafaela de Liz Sanchez Lermen e Helenice Pellegrim Sanchez

www.danpelegrin.com


Escondidos no caminho

Aisthesis da pareidolia




Apresentação Dan Pelegrin não é um contador de histórias comum. Tampouco é apenas um criador, fluente em uma série de meios de comunicação. Dan Pelegrin é um feiticeiro. Ele é capaz de conjurar do ar rarefeito criaturas miraculosas e monstros fantásticos. Como ícones medievais, considerados objetos divinos “não feitos”, as imagens de Pelegrin simultaneamente negam − e depois destacam − sua natureza mediada. Escondida, no Caminho, está a história deste complicado e mágico paradoxo. Pelegrin passou sua infância em Marialva, PR, Brasil, conjurando máquinas, humanoides e dragões. Seu trabalho atual, como Rochas, 2015, Dragão da Folha Seca, 2012, Arara, 2020, e Paisagem com Coelho, 2018, reflete sua formação inicial. É um catálogo que apresenta respostas profundamente meditativas tanto à natureza como ao sobrenatural, assim como à intervenção humana no mundo natural. Por definição, sabemos ser a arte o oposto da natureza. A arte é concebida, mediada, manipulada. A arte muda a natureza, a desfaz, fabrica. Aqui está o paradoxo diante de nós: no mundo de Pelegrin, arte e natureza são uma coisa só. As imagens complicadas de Pelegrin, ao mesmo tempo compreensíveis, convidativas e familiares, fornecem poucas evidências de processo, artifício ou intervenção humana. A imagem diz: “entre - este é um espaço seguro”, e então o monstro aparece. Pelegrin enreda, brinca de forma magistral com a história e a natureza da representação, via pareidolia. No século XVI, Leonardo da Vinci definiu a pareidolia como imagens que são simultaneamente escondidas e aparentes. São imagens aleatórias que cada pessoa deve discernir por si mesma na fibra natural da criação. Leonardo associou esta atividade, este modo de olhar, à invenção artística. Paradoxalmente, uma vez que o artista registra tais imagens “aleatórias”, elas se tornam artificiais como resultado da intervenção humana. Ao longo da história, artistas e críticos de arte se debateram com o papel do artifício, a intervenção artística explícita. A arte deve enganar os olhos, como se olhassem através de uma janela para uma paisagem real? Ou o artista deve deixar sua marca − chamar a atenção para a práxis como um tipo de assinatura − o artista estando assim sempre presente na vida da obra? Noções de natureza versus artifício dominaram o pensamento do final do século XVI, e se manifestaram, por exemplo, na cultura de elite do wunderkammer. Os teólogos argumentaram que nenhum homem pode adquirir o verdadeiro conhecimento que está oculto, escondido na natureza e no mundo natural. No entanto, coleções de objetos naturais (gabinetes de curiosidades) poderiam ajudar a mente curiosa a "localizar a atividade humana dentro do mundo natural, ou melhor, em relação à presença eterna de Deus como manifestada através de seu trabalho como o supremo artesão da natureza". (Georg Hoefnagel, Archeypa, 1592). Esta é uma referência à complicada relação entre modelo e imagem, não manufatura (criação de Deus) e manufatura (artifício, a criação do homem). Máquinas, humanoides e dragões. De certa forma, um resumo perspicaz da amplitude da impressionante obra de Pelegrin. Máquinas como referência ao artifício, a criação do homem; humanoides como centro da criação de Deus, e dragões como reino da magia.


Como os leitores-espectadores deste volume irão observar, o trabalho de Pelegrin envolve os antigos paradigmas aqui considerados de uma forma profundamente significativa. A arte insignificante é, entre outras coisas, uma cópia de algo mais, desprovida de significado. A arte relevante, ao contrário, confunde o entendimento com camadas dinâmicas e complicadas de significado. Dan Pelegrin conjura ícones, não arte − imagens divinas, geradas, não feitas; aparentemente desprovidas de processo, mas ricamente imbuídas de significados: coisas mágicas, não fabricadas. Pamela Merrill Brekka, PhD1 University of South Florida, Tampa

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Performance de abertura da mostra Escondidos no Caminho – Aisthesis da Pareidolia realizada no MAUC, Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará em novembro de 2022, participação com improvisação em dança de Emyle Daltro e Yara Castrillon, curadoria de Pamela Merrill Brekka. Foto: Tais Rodrigues Cavalcante.


Sumário

Apresentação ...........................................................................................................

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Percursos: pareidolia nas trilhas da infância e juventude........................................

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Viagens: pareidolia, aisthesis e poiésis.....................................................................

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InVisíveis: no caminho da antiga Chapada..............................................................

98

Conexões: natureza/cultura, trabalhos, artistas e o tempo ..................................... 136 InVersões: arte e tecnologia, ciência e religião........................................................ 186 Diversas imagens...................................................................................................... 204 Lista cronológica de referências .............................................................................. 221 Bibliografia ..............................................................................................................

232

Sobre o autor ..........................................................................................................

235

Legendas das imagens em destaque ......................................................................

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O caramujo não precisou sair do casco para escutar o segredo das folhas.


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No enredo das trilhas, caminho e destino desafiam o tempo.


Percursos: pareidolia nas trilhas da infância e da juventude Nasci e morei até os onze anos de idade em uma cidade pequena, Marialva, no norte do Paraná, Brasil. Nos desenhos de infância, prevaleciam “máquinas”, “humanoides” e “dragões”. Fazendo uma revisão dessas memórias, pude perceber que os desenhos de máquinas eram motivados pelos instrumentos dos trabalhadores da cidade, sobretudo meu pai, que trabalhava na construção civil. Assim, betoneiras e britadeiras, como também máquinas pesadas, a exemplo de esteiras, guindastes, patrolas, escavadeiras, trens, tratores e colheitadeiras, eram articuladas com figuras que, por sua vez, surgiam também da observação da forma das rochas, nuvens, manchas, sombras, detalhes de flores, frutas e verduras, sempre fazendo a associação dessas formas a pessoas, animais etc. Essas formas me inspiravam ou transformavam-se em personagens que povoavam as máquinas.

Peneira de areia. 2015. Fotografia Fortaleza, CE 42 X 59,4 cm


Memórias do percurso:

Construção da igreja matriz Nossa Senhora de Fátima em Marialva, PR Década de 1960

Pavimentação da Rua Washington Luiz, Marialva, PR. Década de 1960 Acervo de fotografias de Antônio Sanchez2 (in memoriam) 2

Meu pai, quando o trabalho infantil não era proibido, trabalhou na olaria com o meu avô, fazendo tijolos, depois foi trabalhar empregado em algumas lavouras de café no Paraná, chegou a ser meeiro plantando amendoim, milho etc. nos corredores dos cafezais. Em determinada época ele saia da zona rural para tocar na banda da Igreja em Marialva, e logo migrou para cidade, tornando-se servente, pedreiro, mestre de obra na construção da igreja matriz de Marialva, que durou anos. Depois disso, passou a vida na construção civil, tornando-se um empreiteiro de classe média sem formação acadêmica.


Quando criança, na casa de meu avô, mostrei um desenho para minha tia Nilza. Era algo como um trator patrola com rodas traseiras de esteira, e frente de trem, com limpa-trilho e vários monstrinhos na parte de cima. Ela viu e perguntou: – De onde você copiou isso?

- Copiei das máquinas da cidade, tia. – E essas coisas em cima da máquina? Como lembrei que um dos monstros tinha visto em uma nuvem, fiz um gesto apontando o dedo para cima. A minha tia fez uma cara estranha e saiu. Fiquei pensando se copiar é bom ou ruim... Ou os dois, ou nenhum dos dois... Ao mesmo tempo, fiquei feliz por ter feito “uma cópia” de algo que parecia tarefa de alguém mais velho ou mais experiente.

Cyborg. 2016. Aquarela sobre papel Fortaleza, CE 42 X 29,7 cm



Vila Velha, Ponta Grossa, PR Década de 1960, Acervo de fotografias de Antônio Sanchez (in memoriam)


Meu pai, tios e avô foram músicos. Capas de discos e diversas músicas influenciaram minha formação artística. Minha avó materna fazia trabalhos em tricô e algumas tias pintavam quadros, faziam roupas, tapetes, toalhas de mesa e colchas em crochê e tricô.

Antônio Sanchez (in memoriam) Década de 1960 Foto de família Marialva, PR

Matilde Sanchez (in memoriam) Trabalho em crochê – cesto e flores Mandaguari, PR


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D Lírio 1998 – 2018 Acrílica sobre tela Cuiabá, MT Fortaleza, CE 70 X 50 cm

Eu devia ter uns cinco ou seis anos de idade, quando minha mãe, Helenice, me chamou para visitar minha tia Elza. Ao chegar à casa, enquanto as comadres conversavam, resolvi esperar na varanda. Sentei-me em um degrau e fiquei observando as flores do quintal. Passaram nuvens, passou o tempo, devo ter esperado por horas... Quando minha mãe saiu, perguntei: – Mãe, aquela flor se mexeu?! – Sim! É um girassol, meu filho – ela respondeu.

A partir daquele dia passei a ter mais interesse na observação do tempo e da natureza e no significado das palavras. Ao me colocar em outro tempo, mais lento, é possível perceber não apenas o movimento na natureza, mas também as nuances de sombras, formas, dentre outras coisas que mudam e, muitas vezes, são ocultadas pela velocidade cotidiana das grandes cidades.


Ainda criança, na casa em que nasci, em Marialva, para ir do nosso quarto – meu e de meus irmãos – ao quarto de meus pais, eu precisava atravessar a sala. Durante a noite, com as luzes apagadas, as sombras provocavam medo. Lembro-me que, por ao menos duas noites, mesmo temendo o “monstro que bicava a porta”, eu atravessara correndo a sala. Dias depois, sob a luz do sol, falando sobre a figura para meus pais, chegamos à conclusão que o tal monstro era a flor de Strelitzia reginae – plantada ao lado da porta de entrada da casa, localizada na sala. A flor, movida pelo vento noturno, produzia a sombra e o “toc toc” temidos. Minha avó Amália gostava muito de cultivar flores; na entrada de sua casa também havia várias dessa espécie. Depois da descoberta, essa passou a ser uma das minhas flores preferidas.

Estrelícia. 2015. Fotografia Guaramiranga, CE 42 X 59,4 cm



Recentemente, produzi alguns trabalhos relacionados a aspectos das formas diante de alterações sutis de luz e sombra. Quando me refiro ao tempo de observação, faço referência também às mudanças nas formas e nas sombras. A noite instaura a escuridão tanto dentro de casa, quanto fora, em paisagens mais amplas, a exemplo das florestas, aflorando todos os nossos sentidos, estimulando a imaginação e nos desafiando na lida com o medo. Em meu apartamento, à noite, com redução da iluminação, as roupas, tecidos e outras texturas estimulam minha imaginação...

Arara 2019 Fotografia Fortaleza, CE 90 X 61 cm



Também nos primeiros anos de vida, eram comuns as metáforas e representações criadas com o corpo. As mãos fechadas se transformavam em bocas/personagens que travavam conversas e diálogos entre si e “amigos”. Barriga, orelha, nariz, sobrancelhas, joelhos, cotovelos, entre outros, também se tornavam personagens e ganhavam apelidos. Havia também o jogo com as mãos, que brincavam de criar imagens com as sombras projetadas na parede. Dessas brincadeiras que envolvem o corpo, algumas tinham para mim um significado especial... As três pintas do meu tórax se transformaram em “Três Marias” e a pinta no meu olho esquerdo, que curiosamente era dividida em meia pinta para cima e meia para baixo, era chamada de “janelinha”.

Dan Pelegrin e Emyle Daltro Sombra. 2013. Fotografia Fortaleza, CE 42 X 27,9 cm


Foi na infância que comecei algumas coleções. As empresas de chiclete estimulavam as coleções de figurinhas, com álbuns para serem preenchidos. Algumas vezes andávamos na rua olhando as calçadas em busca de embalagens descartadas com figurinhas. Depois disso veio a coleção de brinquedos, selos, cédulas antigas e arte.

Arara. 2020. Fotografia com manipulação digital Fortaleza, CE 61 X 45 cm




No período de migração para Mato Grosso (1982 − 1986), nos mudamos definidamente de carro (Volkswagen Fusca), mas antes e depois disso fizemos diversas outras viagens de ônibus, de carona de caminhão (Fenemê, Escânia etc) e também lembro de ter viajado algumas vezes na caçamba de uma caminhonete (C10) com capota, quando isso era permitido. Passávamos grandes períodos observando a paisagem pela janela e, em alguns momentos, nuvens e sonhos se misturavam... Quando minha família se estabeleceu em Cuiabá, capital de Mato Grosso, passei alguns anos sem desenhar. Na adolescência, ressurgiu o interesse pelo desenho de carros e logo voltaram os “monstros” que pesquiso até hoje.

Fusca. 1997 – 2018. Nanquim sobre papel Cuiabá, MT – Fortaleza, CE 42 X 29,7 cm


Voltei a desenhar no colégio, no início dos anos 1990, motivado pelos amigos Roberto, Zathar e Paulo. Copiávamos e criávamos carros estilizados.

Sinca Chambord. 1992 – 2018. Nanquim sobre papel. Cuiabá, MT – Fortaleza, CE 42 X 29,7 cm

Fiz minha graduação em Direito e, nesse período, me interessei por muitas coisas. Continuava com desenhos diversos, experimentando. O meio universitário me atraiu para a prática de charges. O viés político e irônico dos chargistas brasileiros me chamava a atenção para as questões sociais, políticas e de justiça. Ainda hoje, trago em meus trabalhos um pouco da ironia e do sarcasmo utilizados como crítica política, mas tenho preferência pelo uso do recurso da paródia, algo que também vem dos tempos da infância.




Após finalizar a graduação em Direito, em 1998, fui selecionado para participar do XVII Salão Jovem Arte de Mato Grosso3. Foi um grande incentivo para continuar com o trabalho artístico. As obras Beetle (Fusca) e Moby-cicle (Moto) abriram novos caminhos de trabalho.

Moby-cycle. 1996 – 2020. Ink on paper Cuiabá, MT – Fortaleza, CE 42 X 29,7 cm

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. Minha participação encontra-se registrada nos catálogos e fotos do XVII Salão Jovem Arte de Mato Grosso. O Salão Jovem Arte teve sua primeira edição em 1976. A princípio, realizado pela Secretaria de Estado de Cultura e Fundação do Estado de Mato Grosso, o salão teve e ainda tem importante papel no fomento às artes visuais na região Centro-Oeste do Brasil.


Ainda em 1998, em Cuiabá, realizei uma exposição no Shopping Goiabeiras e participei de outras, onde apresentei estudos sobre uma temática recorrente na região: o peixe.

Peixe. 1996 – 2016. Nanquim sobre papel Cuiabá, MT – Fortaleza, CE 42 X 29,7 cm


Hamlet de William Shakespeare:

Hamlet Você vê uma nuvem lá que está quase na forma de um camelo? Polônio Massa, como um camelo de fato. Hamlet Acho que é uma doninha. Polônio É apoiado, como uma doninha. Hamlet Ou uma baleia. Polônio Muito parecido com uma baleia.



Nuvem. 2019. Fotografia Fortaleza, CE 42 X 59,4 cm


Nuvem. 2019. Fotografia Fortaleza, CE 42 X 59,4 cm




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