Escondidos no Caminho - Aisthesis da Pareidolia - Capítulo 04

Escondidos no caminho

Aisthesis da pareidolia

Conexões: natureza/cultura, mimesis, obras, artistas e o tempo Recentemente, ao pesquisar sobre pareidolia na internet, percebi que, para cada idioma acessado, eram apresentadas diferentes informações correlatas ao termo. Com isso, surgiram muitas curiosidades. De forma resumida, destaco algumas a seguir.

Stum.1 2022. Tinta acrílica sobre linho Chapada dos Guimarães, MT – Fortaleza, CE 245 X 235 cm

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Fotografia da exposição Escondidos no Caminho – Aisthesis da Pareidolia realizada no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, em novembro de 2022 com a curadoria de Pamela Merrill Brekka.

Em 2013, a artista Frances Culshaw escreveu o livro An Atom of Meaning: Playing with Pareidolia: Accidental Art for People who Can't Draw (Um Átomo de Significado: Brincando com Pareidolia: Arte acidental para pessoas que não podem desenhar). Nessa obra, a artista articula o acaso e a arte, trazendo consigo os elementos da natureza. Com o naturalismo de Robert Marcham e o gestualismo da pintura de ação de Jackson Pollock, ela articula o verme da madeira, musgo e, como ela diz no seu website, o sol que brinca num riacho saudável, citando também Bach.

Accidental art, tree faces, nature faces, found art, found abstraction, etc. são termos atuais na Internet para aqueles interessados na articulação entre natureza e desenho, pintura, etc.

Casca de árvore. 2021 Recorte de foto original com uma sequência de fotografias manipuladas. Impressão fine-art, jato de tinta sobre tela. Praça das Flores, Fortaleza, CE 3 de 70 X 70 cm

Em 2018, quando comecei a organizar materiais para este livro, Markus Baker e Mark Baker publicaram o livro Pareidolia: Faces em Everyday Objects. Em 2019 foram publicados outros livros sobre o tema, tais como Pareidolia de Sarah Read, Eliza Chan, Tim Major, entre outros; Nox Pareidolia de Robert S. Wilson, Brian Everson, Laird Barron etc. e I See Faces de Irena Lannoo. No livro de 2018 dos Baker, há uma diversidade de tomadas elétricas.

Tomada, 2021.

Duas fotografias manipuladas e mixadas por computador com transferência de estilo neural, sendo uma de emaranhado de fios (Brasília, DF, 2011) e outra de tomada (Fortaleza, CE, 2021).

Diferentemente desta imagem abaixo, que foi sutilmente manipulada, na China e em outros países do oriente, centenas de pessoas registraram, através de filmes e fotografias, peixes (na maioria carpas) com “faces escondidas”. Existe o termo rén miàn chí (人面鱼) para designar como “peixe do rosto humano” os peixes que nos fazem imaginar rostos no espelho d’água, os quais atraem a atenção de muitas pessoas.

Piraputanga. 2013. Fotografia com manipulação digital Bonito, MS 42 X 29,7 cm

No fóssil abaixo, que faz parte do acervo do Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, no Ceará, a face escondida é de mais ou menos dois centímetros, portanto bem pequena.

De fato, como vimos acima, alguns insetos e animais se vestem de outros animais maiores, mais perigosos, ou de humanos, mimetizando-os. A probabilidade de ser, ao mesmo tempo, uma mostra de fossilização com molde externo de osso e uma impressão que mimetiza algo parecido com um humano é muito pequena.

A possibilidade de encontrar alguns insetos ou animais raros que mostram, em tamanho menor, características de diferentes espécies de seu tempo, ou de outros, é uma provocação.

Emyle Daltro e Dan Pelegrin Fotografia de fóssil. 2017 Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, CE

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Na próxima página: Duende do Cariri. 2017 - 2022. Tinta acrílica sobre tela Santana do Cariri, CE 70 X 50 cm

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O trabalho Duende do Cariri participou em 2022 da exposição Elos Ancestrais no SESC Crato, CE. Curadoria de Maria Cecília Calaça.

No Japão, um dos termos usados para pedra [com] rosto humano é jinmenseki (人 面石). Existe na cidade de Chichibu o museu Chinsekikan, onde há uma grande coleção dessas pedras reunidas desde a década de 1950 por Shozo Hayama. Notamos também que esse interesse se expande para grandes monumentos naturais.

Para muitos povos orientais, esses locais − morros, montanhas, beira de rios etc. − onde se formam ou se encontram essas pedras são considerados sagrados. Algumas trilhas e mirantes são estrategicamente feitos e posicionados para a visualização de grandes formas rochosas, o que nos leva à compreensão da importância do ângulo de visão, da rotação de cabeça e do recorte físico e temporal para vermos as imagens nas pedras grandes, que não podem ser recolhidas e estrategicamente exibidas como os jinmensekis vistos no museu Chinsekikan.

De acordo com Yoshiko Hayama − filha de Shozo, que continua o trabalho de coleta de jinmensekis − “para encontrar as pedras, caminhamos passo a passo, se andarmos muito rapidamente não vamos encontrá-las. Então caminhamos lentamente para coletá-las”3.

Yoshiko Hayama se refere às pedras pequenas, como as que estão no Museu, pois as pedras monumentais podem ser vistas de longe, mesmo dentro de veículos em movimento. Em ambos os casos é preciso de sensibilidade no olhar. Essa atenção e cuidado com a coleta das pedras e com o acesso aos monumentos demonstra a compreensão que os japoneses têm da necessidade de tempo para a contemplação e a sensibilização do olhar.

Arranjo de pedras no jardim japonês. 2006. Fotografia.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, RJ. 29,7 X 42 cm 3

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=IfdihPR__WI> Acesso em: 27 abr. 2021

Morro do Japão. 2009. Fotografia Chapada dos Guimarães, MT 42 X 29,7 cm

Morro Soberbo. 2007. Fotografia Chapada dos Guimarães, MT 42 X 29,7 cm

Assim como no oriente, descrito nas páginas anteriores, os povos originários de Abya Yala e Pindorama – América do Sul e Brasil – têm, cada um ao seu modo, um nome para essa forma de ver que aqui chamamos de pareidolia.

Morei em Cuiabá por dezoito anos e na Chapada dos Guimarães por oito anos e, durante esse período, pude observar que os monumentos de pedra e manchas dos paredões de arenito formam um sem-fim de imagens. Algumas delas foram definidas ou nomeadas por portugueses colonizadores outras por guias, turistas e muitas pelos povos originários. Diversos desses monumentos de pedra e morros foram nomeados pelo Bakaru4 Boe/Bororo5.

Entendo Bakaru como algo que se assemelha ao vento, ao ar que respiramos, que possibilita a vida de todo o planeta, pois a cosmologia singular, as “leis” e formas próprias de se relacionar com o mundo e pensar os mitos, histórias, mistérios dos Boe, são vitais para a manutenção desses povos.

Em proto-Bororo, a tradução para rocha é tori. Toribigódu significa, dentre outas coisas, rochas esguias, rochas elevadas, rochas semelhantes a obeliscos que se elevam no meio da mata, como aquelas registradas neste livro, na região da Mata Fria, na Chapada dos Guimarães. Túpa, para os Boe de Mato Grosso do Sul, significa imagem ou algo como imagem invisível6. Túpa, traduzido como imagem invisível, demonstra a multiplicidade de possibilidades de visualização do que está oculto, escondido, incluindo rostos (Je em BoeBororo), animais, ferramentas, etc.

Bakaru, “história do povo”, “fundamento”, “códigos sociais”, são narrativas míticas contendo os princípios socio-cósmicos dos Bororo. Ver: DE SOUZA, L. A. Bakaru na comunidade indígena bororo da Aldeia Central de Tadarimana, em Rondonópolis-MT: conceitos e manifestações. 2014.

Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, 2014.

De acordo com Félix Adugoenau, Bakaru são "leis" originárias Bororo, normas de conduta e explicações de fenômenos e mistérios, legado deixado para o Povo Bororo por "Bakororo" e pelos grandes chefes. "Bakororo" é o chefe máximo do lugar dos mortos, situado a "Meri Butu" (oeste).

"Itubore" é o grande chefe situado a "Meri Rutu" (leste). Ver: ADUGOENAU, F. R. Tributo ao povo Bororo. Disponível em: <http://felixadugo.blogspot.com/2013/04/tributo.html>. Acesso em: 04 jul.

2018.

5 Ver: Povo Bororo. Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Bororo>. Acesso em: 21 mar. 2021.

6 CALDAS, José Augusto. Vocabulário da língua indígena dos Bororos Coroados. José Augusto Caldas.

Tipografia de O Mato Grosso: Cuiabá, 1899.

Disponível em: < https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/2895>. Acesso em: 27 de abr. 2021.

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Aturuári Bokodoriri. 2009 Conhecido como Morro de São Jerônimo

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Nas caminhadas que fiz na Chapada dos Guimarães, o Aturuári Bokodoriri7 (Grande Morro do Tatu Canastra), hoje chamado de Morro de São Jerônimo, ganhou especial significado para mim. Foi um estímulo para a criação do trabalho Onde Tatu?!!8.

O morro de Santo Antônio do Leverger ou Aturuári Toroari9 (Grande Morro do Gavião) e o de São Jerônimo, a meu ver, são morros complementares, irmãos no sentido sagrado de Aturuá (herói gigante). Do alto do Morro de Santo Antônio, além da planície pantaneira, vemos no horizonte, as linhas do Rio Cuiabá e suas alterações no nível da água.

Tudo isso se alia a contos Bororo. Vale lembrar que Cuiabá era território Bororo e Chapada dos Guimarães era considerada território sagrado Bororo, havendo por alguns períodos disputas com o povo Kayapó10.

Em proto-Tupi-Guarani, pedra significa itá e toβá significa rosto humano. Para designar rosto de animais é usado o termo sobá. Muitos monumentos de rocha no Brasil são chamados, por guias de turismo, pelos seus nomes ancestrais, a exemplo do Pico do Itacolomi em Ouro Preto, Minas Gerais. Existem muitas cidades no Brasil que levaram o nome de Ita (pedra), como Itatiaia, no Rio de Janeiro, Itapipoca, no Ceará, ou mesmo outros picos como o Itapeva no estado de São Paulo e os picos do Itajurú e do Itambé em Minas Gerais.

A habilidade de visualização que envolve a ancestralidade ameríndia geralmente é desenvolvida de várias formas, existindo estímulos e análise dos sonhos, sons, cheiros, estímulos mentais e catárticos que envolvem rituais com danças, consumo de preparados com plantas, jejuns, grandes caminhadas etc.

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Esse nome foi-me apresentado pelo guia Noam Salzstein. Noam pesquisou e documentou depoimentos de comunidades tradicionais que habitam a base do Morro de São Jerônimo. SALZSTEIN; Noam. Serra Acima, Serra Abaixo. Caminhos Históricos que ligam Cuiabá à Chapada de Guimarães. Disponível em: <http://carcara.org/artigos/serra-acima-serraabaixo.html>. Acesso em: 27 abr. 2021.

8 Onde tatu?II – Disponível em: <https://www.dansanz.com/2021/02/ondetatu.html#:~:text=Chapada%20dos%20Guimar%C3%A3es%2C%20MT>. Acesso em: 21 abr. 2021.

9 DRUMOND, Carlos. Contribuição do bororo à toponímia brasílica. Universidade de São Paulo. São Paulo, 1965.

Disponível em: <http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/biblio%3Adrumond-1965contribuicao/Drumond_1965_ContribBororoToponimiaBrasilica.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.

10 MATTOS JR., Jorge Belfort. A Ocupação de Chapada dos Guimarães no Período Colonial. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em História e Historiografia de Mato Grosso) – Departamento de História. Fundação Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá: UFMT, 1983. Disponível em: <http://www.chapadadosguimaraes.com.br/monogcapa.htm>. Acesso em: 11 jun. 2011.

Vale a pena mencionar que a pesquisa que chamei de aisthesis da pareidolia mobiliza a atenção e curiosidade de muitas pessoas que passam a colaborar espontaneamente, enviando-me “coisas que viram”.

As pessoas mais próximas, como minha esposa e filha, estão sempre colaborando.

Nos trabalhos em que existiu atuação direta e intencional delas na composição da obra, deixo explícito nas legendas essa coautoria.

Abaixo, trago fotografias nas quais esposa (Emyle) e filha (Iza) brincam com crianças moradoras da praia de Gaibú (Vale do olho d'água em Tupi) e Calhetas em Santo Agostinho, Pernambuco, no nordeste do Brasil. Nessa ocasião, começamos a construir imagens colocando sementes e tampinhas no lugar dos “olhos” das rochas milenares. As crianças se atraíram pelo aspecto lúdico da ação. Fotografamos a brincadeira.

A parada para visitar essas praias foi muito significativa, pois, de acordo com os historiadores, essas rochas datam de milhões de anos e esse pequeno território foi um dos últimos pontos de ruptura do supercontinente Gondwana, dando origem aos continentes africano e sul-americano e ao Oceano Atlântico entre eles. Sagrado território tupi-guarani onde, provavelmente, também foi um dos locais onde atracou o navegador e explorador espanhol Vincente Pinzón, três meses antes da chegada do navegador e explorador português Pedro Álvares Cabral que, ao chegar, mais abaixo, em Porto Seguro, onde hoje é a Bahia, reivindicou a longa faixa de território para a coroa portuguesa, iniciando o processo de colonização portuguesa em território tupi-guarani. A praia de Calhetas tem o formato geral de um coração, lembrando, entre outros lugares, o Lago di Scanno, na Itália.

Estesia lúdica interativa. 2011. Fotografia Forte de São Francisco Xavier. Praia de Gaibú. Cabo de Santo Agostinho, PE 27,9 X 42 cm

Rochas. 2011. Fotografias Forte de São Francisco Xavier. Praia de Gaibú. Cabo de Santo Agostinho, PE 42 X 59,4 cm

Praia de Calhetas. 2021. Fotografia Cabo de Santo Agostinho, PE 45 X 61 cm

Registro também a colaboração criativa de meu irmão Leonardo e da minha cunhada Naíra. Leonardo fez a ligação com Portugal e a Europa, por meio de um folar, que me fez lembrar os trabalhos de Giuseppe Arcimboldo (1527 – 1593) e os grotescos de da Vinci. Naíra contribuiu com uma pedra em formato de coração, meio preta e meio branca.

Importantes também são as colaborações de amigos e de outros profissionais do turismo ou da arte. Coloco como exemplo a de Thiago Araújo Magalhães, que me entrevistou para fazer seu trabalho de conclusão do curso de licenciatura em Educação Artística, com habilitação em Artes Plásticas, trazendo algumas informações para a minha pesquisa e reforçando outras, a exemplo da influência sutil da pareidolia nas pinturas de paisagens e nuvens vistas em obras de Cézanne, Matisse e Alberto da Veiga Guignard. O trabalho do Thiago nos informa sobre a atração desses pintores por elementos e cores nas paisagens, contendo formas que estimulavam sutilmente a imaginação.

Ao estudar sobre estímulos sutis para a imaginação, me deparei com algumas citações que falam sobre a vida e atuação de Apeles de Cós e Protógenes (fl. século IV a.C.), descritos por Plínio, O Velho, em História Natural. Assim como Leonardo da Vinci (1452 – 1519), Apeles ensinava formas de sensibilizar o olhar através de elementos sutis, principalmente nos traços para a pintura de rostos, sua especialidade11. Protógenes me chamou a atenção por conta de um episódio, no qual ele faz o acabamento de uma pintura arremessando uma esponja marinha no quadro. Desse modo, ele consegue o efeito desejado na pintura de uma crina de cavalo, resultante do acaso. Esse procedimento passa a ser experimentado por outros artistas da época.

Outras colaborações foram as de guias de turismo e turistas, a exemplo da fotografia da pedra e do galho oferecidas pelo turista Fernando. Na companhia do guia José Paulino (in memoriam), ele me mostrou antigas trilhas Bororo que se tornaram tropeiras e patrimônios geológicos, como a caverna Aroe Jari, a qual está presente em meu trabalho de várias formas.

Cito também a colaboração da turismóloga Diana Simões (Portugal), que me acompanhou em 2005, numa visita aos monumentos naturais do Caixão de Pedra, auxiliando nos registros fotográficos para o inventário dos patrimônios ambientais da Chapada dos Guimarães.

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Para mais informações, ver: <https://www.unicamp.br/chaa/rhaa/downloads/Revista%202%20%20artigo%2023.pdf> e <https://www.britannica.com/biography/Pliny-the-Elder>. Acesso em: 27 de abr.

2021.

Quando mostrei os Dragões nas páginas anteriores, escrevi sobre o recurso ensinado por Leonardo da Vinci (1452 – 1519) que consiste em separar formas da paisagem, trabalhando o acabamento, definindo e concebendo o que imaginamos com aquela forma. Na paisagem de Santa Maria della Neve, de autoria de Leonardo da Vinci, tenho a sensação de que o artista trabalhou o movimento inverso: modificou a paisagem inserindo várias formas inacabadas ou com pouca definição, que criam ou provocam associações imaginativas.

Fiz um exercício de imaginação tentando extrair das formas dessa paisagem todos os elementos e ilações que consegui. Em primeiro plano, a imagem tem forma de serpente.

De um lado uma pequena casa de campo está de frente para a cidade, talvez uma representação de Anchiano e Roma (ou Florença), campo e cidade.

Recentemente descobriram uma flor esboçada atrás da cidade; a casa no campo também me remete ao olho de um falcão. Acima, na vegetação, vejo um galo ou galinha e também há uma rosa nessa imediação; mais abaixo, nas rochas, um leão e uma raposa; com esforço, vejo um lagarto... Na parte mais rasa do vale, onde poderia existir uma ponte, vejo um rosto de macaco e, do outro lado, aparecem uma ovelha ou cão e um urso. Em segundo plano, mais ao fundo, vejo o lago com barcos, o cavalo e a montanha que se assemelha ao dorso de uma mulher, que estaria sendo fitada por um minúsculo pintor, com seu cavalete posicionados sobre o morro cabeça de cavalo. Que viagem a minha, nossa!!!

Nessa imaginação rarefeita que miudezas possibilitam, a anca do cavalo pode conter uma cabeça de cavalo marinho. Vale pontuar que Florença vivia forte influência do pensamento grego clássico, o que me faz lembrar das sutilezas de Apeles, do pensamento de Heráclito de Éfeso − “a natureza ama ocultar-se” – e de pensamentos orientais já acessados pelo ocidente desde antes de da Vinci (vide Marco Polo 1254 - 1324) .

Próximas páginas: Leonardo Da Vinci.

5 de agosto de 1473.

Paisagem de Santa Maria della Neve.

Desenho.

Anchiano, Itália.12

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Esta obra caiu em domínio público no Brasil e no seu país de origem Itália, também em outros países e áreas onde o período de proteção dos direitos de autor é igual ou inferior à vida do autor, mais 100 anos .

Fonte/fotógrafo: Galleria degli Uffizi, Florence, Itália.

Disponível em: <https://www.wga.hu/html/l/leonardo/11nature/01landsc.html>. Também encontra-se como conteúdo livre na Wikimedia Fundation. Acesso em: 08 de dezembro de 2021.

No trabalho abaixo, uso esse recurso inverso, descrito na página anterior, para esconder na imagem central diversos elementos que remetem a montanha, falcão, coelho, tartaruga, machado, touro, raio, dragão, concha, auréola etc. Pensei em atribuir o título de auto-semiosfera a esse trabalho, mas o título que prevaleceu foi Semiosfera 8D, fazendo referência à semiótica e a da Vinci, embora no desenho utilize linhas brutas, pouco sutis.

Sou destro, com visão dominante no olho esquerdo. Por conta dessa característica, tenho dificuldades em manejar, por exemplo, o arco e flecha. A maioria deles são feitos para pessoas destras, com visão destra.

No meu caso, tenho que usar um arco especial, mas não é somente no olho e em alguns instrumentos que a diferença se mostra; vejo também mais facilmente os rostos escondidos, quando a imagem está de frente ou quando, de perfil, a mesma está direcionada para o lado esquerdo, ou melhor, quando a imagem está espelhada para o lado esquerdo.

Percebi isso comparando imagens que foram digitalizadas e espelhadas e estão disponíveis na internet das duas formas, para os dois lados. Existem dúvidas, mas segundo muitos historiadores, Leonardo da Vinci desenhava com ambas as mãos. No entanto pouco escuto falar sobre seu olho dominante, se é que isso seja relevante.

Semiosfera 8D. 2014. Aquarela e nanquim sobre papel Fortaleza, CE 33 X 55 cm

As pessoas que trabalham com alimentos, na cozinha, estão constantemente em contato com várias formas de pareidolia e algumas utilizam formas esculturais no preparo de alimentos e pratos. Muitas vezes, as imagens se formam ao acaso, nos pratos, se revelam em frutas, verduras etc.

Giotto di Bondone (1267 – 1337) além de pintar um rosto-nuvem no afresco Morte e Ascensão de São Francisco (1267 – 1337), na Basílica de São Francisco de Assis, fez vários arranjos com frutas na ornamentação da Igreja. O pintor Giuseppe Arcimboldo (1526 – 1593) é uma grande referência histórica na pintura, criando rostos com diversos alimentos.

Alguns quadros de natureza morta mostram frutas que sugerem outras imagens, ou arranjos que sugerem outras formas “escondidas” nas frutas, jarros, mesas... Enquanto morei em Cuiabá, pude ver esse recurso nas obras de Adir Sodré13 (in memoriam). Também vejo formas “escondidas” em obras de Vik Muniz14 e de outros artistas.

Leo Pellegrim e Dan Pelegrin Folar15. 2019. Fotografia.

Aveiro, Portugal 27,9 X 42 cm Adir Sodré de Souza (Rondonópolis, MT, 1962 – Cuiabá, MT, 2020) foi um pintor e desenhista. Sua obra se destaca pelo colorido exuberante e pela temática social de caráter irreverente. Ver: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8510/adir-sodre>. Acesso em 07 de mai. 2020.

14 Vik Muniz – (São Paulo, SP, 1961) é fotógrafo, desenhista, pintor, gravador. Ver: <https://vikmuniz.net/pt/>.

14 Folar é tradicionalmente o pão da Páscoa em Portugal, feito com água, sal, ovos e farinha de trigo. A forma, conteúdo e preparação variam de acordo com as regiões de Portugal e variam de normal a salgado, nas mais diversas formas. Em algumas receitas ele é recheado com um ovo cozido na casca. Em outros lugares, é feito folar doce. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Folar>. Acesso em 27 abr. 2021. Vik Muniz – (São Paulo, SP, 1961) é fotógrafo, desenhista, pintor, gravador. Ver: 13

<https://vikmuniz.net/pt/>.

15 Folar é tradicionalmente o pão da Páscoa em Portugal, feito com água, sal, ovos e farinha de trigo. A

forma, conteúdo e preparação variam de acordo com as regiões de Portugal e variam de normal a salgado, nas mais diversas formas. Em algumas receitas ele é recheado com um ovo cozido na casca. Em outros lugares, é feito folar doce. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Folar>. Acesso em 27 abr. 2021.

Morangos. 2019. Fotografia.

Fortaleza, CE 45 X 61 cm

Couve. 2018. Fotografia.

Fortaleza, CE. 45 X 61 cm

Estudos sobre rochas e pedras interessam muito à minha pesquisa. Cito como exemplo a fotografia de satélite que mostra uma face humanoide na região rochosa chamada Cidônia Mensae, em Marte16. A imagem foi registrada pela nave Viking 1, em 25 de Julho de 1976. Outro monumento de pedra que encontrei, através de buscas pela internet, foi a pedra Profile Rock, que estava localizada em Freetown, Massachusetts, EUA17. A pedra desabou ou foi destruída em junho de 2019.

A montanha de Santa Vitória em Aix-en-Provence, pequena cidade no sudeste da França, foi retratada inúmeras vezes por Paul Cézanne (1839 – 1906). Essas pinturas me foram apresentadas pelo amigo artista Thiago Magalhães, em seu trabalho de conclusão do curso de Licenciatura em Educação Artística, de tema foi Pareidolia na arte contemporânea, pesquisa já citada anteriormente.

Com a provocação de Thiago, busquei imagens na internet da montanha Santa Vitória e apliquei os recursos descritos por da Vinci para extrair alguns rostos, o que demonstrou que as rochas da montanha estimulam inúmeras conexões, sendo algumas mais notáveis.

Na internet, uma imagem do Monte Santa Vitória (Mount Saint Victory18), de autoria da Oliver Topf. Recortei esta imagem da Internet e com manipulação digital fiz um giro de 90°. Entre as figuras que a montanha suscita aparece um grande rosto de olhos fechados. Os olhos fechados na paisagem lembram descanso, sono, estado meditativo ou de êxtase, morte etc.

Pesquisando na internet, encontrei a fotografia e o desenho feitos pelo pintor e gravador belga James Ensor (1860 – 1949), nos quais o pai do artista aparece em seu leito de morte. Encontrei também uma pintura de Ensor na capa de um blog19, na qual um rosto semelhante ao do pai dele está incrustado nas dunas de uma paisagem, transmitindo sensações parecidas às proporcionadas pela paisagem de olhos fechados do monte Santa Vitória20.

Próxima página: Açafrão da terra. 2022. Fotografia.

Fortaleza, CE. 45 X 61 cm

16

Ver: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Cydonia_Mensae>.

Disponível em: <https://spookygeology.com/faces-in-places-mimetoliths/>. Acesso em: 21 abr. 2021.

18 Ver: < https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ste_victoire_Croix.jpg>. Acesso em: 21 abr. 2021.

19 Ver: <https://jamesensorblog.wordpress.com/ 20 Ver: < https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ste_victoire_Croix.jpg>. Acesso em: 21 abr. 2021 17

Cenoura e erva-cidreira. 2022. Fotografia.

Fortaleza, CE. 45 X 61 cm

A pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, RJ, um dos exemplos mais notáveis de formação de rosto por meteorização ou intemperismo em rocha encontrado no Brasil. O Tocador de Órgãos formado em Sardenha, na Itália, também me sensibilizaram assim como a Pedra da Galinha Choca, um monólito que fotografei na cidade de Quixadá, no Ceará. Ao abrir um leque tão grande de conexões, a internet acaba possibilitando insights criativos com a manipulação das imagens.

Foi o que me ocorreu quando vi a imagem da Dog Rock em Albany, na Austrália Ocidental21 e lembrei-me da obra O Cachorro se Afogando (1820 − 1823)22 do artista espanhol Francisco de Goya (1746 – 1828). Ao colocá-las lado a lado, surge a sensação de que Goya, de algum modo, retratou a pedra.

Pedra da Galinha Choca, 2022 Fotografia Quixadá, CE 45 X 61 cm.

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Disponível em: <https://trove.nla.gov.au/newspaper/article/50052925>. Acesso em 27 de abri. 2021.

A pintura O Cachorro se afogando (1820 − 1823) de Francisco de Goya e a rocha Dog Rock. 1937. Disponíveis em: <https://www.museodelprado.es/en/the-collection/art-work/the-drowning-dog/4ea6a3d1-00ee-49eeb423-ab1c6969bca6>. Acesso em: 27 abr. 2021 22

A conexão de alguns de meus trabalhos com o surrealismo abstrato de Joan Miró (1893 − 1983) foi por várias vezes mencionada pelo público que visitou as exposições que fiz e das quais participei.

Desde quando realizei minha primeira exposição, Miró foi e ainda é uma referência que o público, em geral, associa ao meu trabalho.

Encontro com Miró. 2009 – 2015. Aquarela e nanquim sobre papel Chapada dos Guimarães, MT – Fortaleza, CE 33 X 33 cm

Daniel Pellegrim e Iza Daltro.

Varanda da sala. 2013. Fotografia.

Fortaleza, CE 42 X 27,9 cm

Em 2012, tendo contato com professores e estudantes da Universidade de Brasília (UnB), recebi estímulos que me instigaram a articular outros textos e artistas ao meu trabalho.

Até então, ainda não conhecia Jean Dubuffet, mas depois de ter contato com um livro dele, identifiquei-me com os trabalhos e biografia desse artista francês.

Fala. 1998 – 2018. Aquarela sobre papel Cuiabá, MT – Fortaleza, CE 42 X 27,9 cm

Outro livro importante que abriu caminhos para que eu percebesse possíveis articulações entre meu trabalho com obras de vários artistas contemporâneos foi Arte depois das Vanguardas23, do professor Ricardo Nascimento Fabbrini.

Este livro foi indicado e emprestado pelo amigo e artista de Chapada dos Guimarães, Carlos Antônio Batista (Carlinhos). Diversos artistas apresentados por Fabbrini compõem seus trabalhos com ideias e conceitos de outros, desdobrando-os, procedimento que uso e evidencio em minhas obras.

Carlinhos também me incentivou a conhecer a obra do poeta, artista visual e artista gráfico brasileiro Wladimir Dias-Pino (1927 – 2018)24, que inspirou a exposição Assimetria dos Lados, em 2011.

Fabbrini analisa diversas obras e artistas relacionados à pós-vanguarda dos anos de 1970 e apresenta registros de uma pluralidade de formas de apropriação da tradição pela arte contemporânea, confrontando obras atuais com o repertório da história da arte e o legado das vanguardas.

Asas. Assimetria dos lados. 2011. Fotografia.

Poesia visual. Impressão jato de tinta sobre papel Brasília, DF. Dimensões variáveis

23

Wladimir Dias-Pino foi programador visual, artista gráfico e poeta. Viveu em Cuiabá e no Rio de Janeiro.

Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Wlademir_Dias-Pino>. Acesso em: 27 abr. 2021. Vale a leitura da Entrevista com Wlademir Dias-Pino, poeta revolucionário, feita por Eduardo Kac e disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-53202015000200006>. Acesso em: 06 mai. 2021.

24 FABBRINI, Ricardo Nascimento. 2002. A arte depois das vanguardas. Editora da USP e editora da UNICAMP.

Em um dos capítulos, o autor escreve sobre ornamentação e cita o trabalho dos artistas estadunidenses Jeff Koons e Kenny Scharf, os quais se tornaram de especial interesse para minhas pesquisas, não pelo resvalo com o kitsch, mas sim pela organicidade de suas obras. Nesse mesmo capítulo, cita outros artistas que criam uma geometria ornamental no movimento de arte moderna, momento no qual aparecem nomes como Henri Matisse, Gustav Klimt e M. C. Escher.

Ao seguir a “costura” entre vanguardas, pós-vanguardas e arte contemporânea, conheci obras de artistas como Franz Ackermann, que extrai de suas viagens caricaturas e formas para compor seus trabalhos. No centro das pinturas e instalações de Ackermann surgem suas viagens. Fotografias e fragmentos da paisagem urbana são utilizados nas composições artísticas.

Em alguma medida, identifico-me com Ackermann, pois fotografias dos locais para onde migrei pelo Brasil − do Paraná para Mato Grosso, de Mato Grosso para o Distrito Federal, do Distrito Federal para o Ceará − e as paisagens naturais e urbanas desses e de outros locais aparecem em meus trabalhos.

Pensando nessas poéticas, principalmente no que diz respeito a paisagem urbana, vale trazer mais algumas referências não citadas no final do capítulo anterior. Em suas obras, Charles Baudelaire, mostra como a atitude de Flanar é uma forma de observar e experimentar a vida captando as sensações e impressões que a cidade oferece.

O filósofo alemão Walter Benjamim, em sua escrita “infância berlinense” revive Baudelaire reafirmando esse amor pelas ruas: “Não encontrar o caminho em uma cidade não significa muito. Mas se perder em uma cidade, assim como se perder em uma floresta, requer treinamento.”

O conceito de deriva, criado pelo pensador situacionista25 Guy Debord, se aproxima das proposições de Benjamim ao criar uma técnica de exploração psicogeográfica do ambiente urbano. Ao renunciar os motivos do deslocamento e se abrir para as solicitações dos terrenos e dos encontros Debord parece propor diálogos com o acaso.

Em a “Alma encantadora das Ruas”, João do Rio escreve que “É vagabundagem?

Talvez. Flanar é a distinção de perambular com inteligência”. Essa vagabundagem/caminhada inteligente, nos remete ao termo “vadiação”, termo afrorreferenciado, que nasce com a resistência ao trabalho escravizado, que hoje possui múltiplos significados, muito utilizado nas cantigas e rodas de capoeira, samba e jongo para se referir à brincadeira, à diversão, ao jogo descontraído, sem opressão ou objetivo 25

A IS (Internacional Situacionista) - grupo de artistas, pensadores e ativistas situcionistas - lutavam contra o espetáculo, a cultura espetacular e a espetacularização em geral, ou seja, contra a não-participação, a alienação e a passividade da sociedade. Eles acreditavam que o principal antídoto contra o espetáculo seria o seu oposto: a participação ativa dos indivíduos em todos os campos da vida social, principalmente naquele da cultura. O interesse dos situacionistas pelas questões urbanas foi uma consequência da importância dada por estes ao meio urbano como terreno de ação, de produção de novas formas de intervenção e de luta contra a monotonia, ou ausência de paixão, da vida cotidiana moderna. A crítica urbana situacionista continuaria assim, em sua essência, pertinente ainda hoje. Assim como a sua proposta principal de participação dos cidadãos na construção das cidades, sobretudo se pensarmos na atual “espetacularização” do espaço urbano (JACQUES, 2002).

industrial, usando a roda como campo de confraternização, celebração, improviso, encontro entre as pessoas etc. A vadiação se faz da zona rural (Quilombos, Aldeias, Vilas etc) e da periferia para a cidade, para o centro, praças, praias, etc e vice verso, mas também em pequenos espaços internos como terreiros, quintais, ocas etc.

No livro “Paisagem Urbana” (The Concise Townscape) Gordon Cullen, utiliza os termos visão serial, local e conteúdo para dizer das sensações dos caminhantes diante dos detalhes das cidades, para isso utiliza esboços e desenhos em uma análise sequencial das cenas urbanas. Para Cullen os sucessivos pontos de vista, os contrastes que surgem em um percurso são como jogos de percepção que promovem a experiência urbana, causam impacto visual e dão vida a cidade.

Fotografia de intervenção urbana26. 2013.

Cuiabá, MT

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Trabalho feito juntamente com à professora Dr.ª Maria Thereza Azevedo (UFMT), com a produção de fotografias e intervenções no centro de Cuiabá. Os trabalhos foram produzidos dentro das perspectivas das intervenções urbanas, das derivas propostas por Guy Debord, um dos protagonistas do movimento Internacional Situacionista

Paisagem com casario. 2023.

Tinta acrílica sobre tela. Guaramiranga, CE 150 X 200 cm

Takashi Murakami, outra referência, graduou-se em nihonga, pintura tradicional japonesa. Murakami mistura arte tradicional e contemporânea japonesa − anime, mangá, etc. − com arte pop norte-americana.

O artista desenvolveu o termo ou estilo denominado superflat, com o qual descreve a natureza do pós-guerra, a cultura e a sociedade japonesa, influenciando diversos outros artistas em seu país.

Encontro com Murakami. 2009 – 2021. Aquarela, nanquim sobre papel e arte digital.

Chapada dos Guimarães, MT – Fortaleza, CE 3 de 29,7 X 42 cm

Interessei-me também pelo trabalho de Vick Muniz, não apenas pelo uso de materiais inusitados e novas técnicas, mas antes pelas suas escolhas nas apropriações de imagens históricas e nas observações fotográficas.

Como exemplos, cito as obras: Nuvem Leitãozinho (1993), Duas Vacas (1997) e Medusa de Macarrão (1999).

Vaca e touro. 2015. Fotografia Olhos d´Água. Alexânia, GO 25 X 40 cm

Minha ancestralidade na arte passa, necessariamente, pela arte feita em templos, igrejas etc e isso parece ser uma característica das histórias da arte.

Meu pai e meus tios executaram os mosaicos, vitrais e detalhes artísticos da Igreja Nossa Senhora de Fátima, na cidade onde nasci, Marialva. Isso foi feito sob a orientação de um padre/produtor cultural/artista escultor chamado Pe. Teo Hermann. Mas talvez essa influência não venha apenas de ancestrais ou parentes tão próximos.

No mestrado tive contato com textos provenientes da cultura Aymara, a Whipala é uma bandeira originária do povo Aymara, apresenta padrões de cubos coloridos em forma de bonitos arranjos com múltiplos significados.

Já escrevi anteriormente sobre as associações que fizeram com meu trabalho em Brasília, e quando os temas eram cubos coloridos a figura do artista Gerhard Richter sempre apareceu, devido à notoriedade da obra 4900 Colors de 2007, entre outros, e dos vitrais abstratos criados para Abadia de Tholey e Cologne, etc., baseados em trabalhos anteriores do próprio artista. Criar padrões únicos de cubos coloridos é uma forma de lembrar e homenagear muitas pessoas.

Pixel, 2011 Fotografia, Projeção com performance de música e dança.

Fortaleza, 2020

Considero difícil dissociar ou mesmo escrever sobre artistas contemporâneos, sem fazer ligações com enredos pós-modernos, modernos, medievais, tradicionais etc. Por exemplo, quando observo os quadrinhos e os desenhos que influenciaram Andy Warhol, Roy Lichtenstein, Keith Haring, entre outros, penso nas ligações anteriores.

Encontro com Keith Haring, 2009 – 2015. Aquarela e nanquim sobre papel Chapada dos Guimarães, MT − Fortaleza, CE 33 X 33 cm

Sombra distorcida, beijo antropofágico. 2006 – 2011. Fotografia. Poesia visual. Impressão jato de tinta sobre papel Praia de Castelhanos, Anchieta, ES − Brasília, DF Dimensões variáveis.

Vale lembrar que determinados artistas, momentos do trabalho desses artistas, ou mesmo uma ou duas de suas obras, podem se alinhar ao que alguns artistas contemporâneos pesquisam. É o caso, por exemplo, de Wassily Kandinsky (1866 − 1944) e Franz Marc (1880 − 1916)27, que eram amigos e que não só migraram de movimentos e estilos − no caso de Kandinsky, do figurativo ao abstrato −, mas foram imigrantes russos na Europa, tendo fortes experiências em seus distintos percursos de vida.

Em sua última fase – chamada por alguns críticos por abstração biomorfa (formas biomórficas e ectoplásticas) - Wassily Kandinsky surge como um mestre das formas que deixa pistas para pesquisas e conexões futuras.

Cavalo, 2021 Duas imagens manipuladas por computador e mixadas por filtro neural, sendo uma de desenho de cavalo, nanquim sobre papel (1997), e outro de imagem de satélite (2001).

Impressão em tela. 90 X 60 cm. Fortaleza, CE 27

O trabalho acima traz referências de Franz Marc, mais especificamente do Blue Horse I, de 1911, pintado em óleo sobre tela, na dimensão 112 X 84,5 cm. Trabalho do acervo da Städtische Galerie im Lenbachhaus e Kunstbau Munich, Bernhard e Elly Koehler Foundation 1965. Disponível em: <https://www.lenbachhaus.de/enthaben/sammlung-online / detail / blue-horse-i-30019621>. Acesso em 09 de dezembro de 2021.

Com base em pesquisas, vivendo o presente e olhando para trás e para a frente, um dos aspectos que mais me chamou a atenção foi a tessitura que os artistas contemporâneos fizeram com a arte tradicional. Nesse ponto, a provocação de Fabbrini, dentre muitas possibilidades, me levou a conhecer, mesmo que pela internet, os arabescos islâmicos – mouriscos – presentes em monumentos e azulejos na cidade de Granada – especialmente em Alhambra, na Espanha. Também me fez encontrar recentemente iluminuras medievais e conhecer a pintura decorativa presente nos manuscritos do Codex Calixtinus28 atribuído ao Papa Calixto II. Provavelmente, há nesse livro influências das culturas La Tène, Judaica etc.

Em ambos os casos, há um sincronismo com o tipo de traçado e enlaces que pratico em meus desenhos desde a infância. Observo a polissemia do grafismo medieval, nos quais os tipos ou letras escondem animais, pássaros, dragões etc.

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Trata-se de livro escrito à mão com desenhos e iluminuras, ou manuscritos iluminados. O livro data de meados do século XIII. Ganhou grande repercussão por conter, em seu capítulo V, com autoria atribuída a Aymeric Picaud (1135 a 1140), dicas e orientações para peregrinos que faziam anualmente o caminho até Santiago de Compostela. Considerado por muitos um dos primeiros livros-guia de viagem.

Geralmente, em meus processos de criação, depois de fotografadas ou criadas as figuras e selecionado um conjunto de imagens, essas sugerem um ou mais títulos, estimulam a escrita de textos e se associam a obras, histórias e conceitos.

Quando estou interessado em algum tema, ou pesquisa, percebo que isso aflora um olhar sensível que cria figuras e imagens com paisagens e materialidades com as quais estou lidando. Por exemplo, estive várias vezes em um mesmo lugar e só “encontrei” a figura quando provocado por ações, leituras e pensamentos que criaram conexões com essa figura “encontrada”.

Antes de encontrar a raiz da imagem, que parece estar piscando, eu estava manipulando e estudando raízes medicinais. Coincidência!? Não sei...

Raiz. 2019. Fotografia Fortaleza, CE 45 X 61 cm