Vernácula e de Contexto: Contribuições de Dora Alcântara para um estudo tipológico em Petrópolis

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Vernácula e de Contexto: Contribuições de Dora Alcântara para um estudo tipológico em Petrópolis

Vernáculo y Contexto: Contribuciones de Dora Alcântara a un estudio tipológico en Petrópolis

Vernacular and Contextual: Dora Alcântara’s contributions to a typological study in Petrópolis

EIXOTEMÁTICO2:ENSINO,PESQUISAEEXTENSÃO

COSTA, DANIELLA

DoutoraemArquiteturaeUrbanismo;DPUR/FAU/UFRJ daniella.martins@fau.ufrj.br

MORGADO, DANIELA

AlunadegraduaçãoemArquiteturaeUrbanismo;EAU/UFF danielaquireza98@gmail.com

RESUMO

O trabalho aqui apresentado, tem como objetivo trazer à luz textos pouco conhecidos, produzidos por Dora Alcântara, arquiteta, mulher e mãe, com uma vida dedicada a proteção do patrimônio cultural brasileiro. Ela é parte desta primeira geração de mulheres que ajudaram a construir o patrimônio cultural no Brasil e tem trajetória no patrimônio ligada à sua grande especialidade, azulejaria luso-brasileira. Porém, apoiados principalmente em fontes primárias, gostaríamos de conhecer melhor textos produzidos por ela durante seu percurso no IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, onde podemos ver uma grande contribuição na construção do campo teórico da preservação do patrimônio cultural no Brasil.

Prova disto é o documento que apresentamos neste relato. Um pequeno folheto encontrado na biblioteca Paulo Santos do IPHAN que conta parte da história da evolução da arquitetura residencial na cidade de Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Dora coordena equipe que faz um breve estudo ilustrado desta arquitetura, que mostra a mudança do olhar de uma geração para o patrimônio vernacular e conta a história da evolução tipológica da arquitetura local e do encontro da tradição do saber-fazer imigrante com a nossa raiz latina nacional.

PALAVRAS-CHAVE: arquitetura vernácula; arquitetura de contexto; Patrimônio Cultural; Sitio urbano histórico; Petrópolis.

RESUMEN

El trabajo aquí presentado tiene como objetivo sacar a la luz textos poco conocidos, producidos por Dora Alcântara, arquitecta, mujer y madre, con una vida dedicada a proteger el patrimonio cultural brasileño. Ella es parte de esta primera generación de mujeres que ayudaron a construir el patrimonio cultural en Brasil y tiene una trayectoria en el patrimonio vinculada a su gran especialidad, los azulejos luso-brasileños. Sin embargo, basándonos principalmente en fuentes primarias, nos gustaría conocer más sobre los textos producidos por ella durante su paso por el IPHAN - Instituto Nacional del Patrimonio Histórico y Artístico, donde podemos ver un gran aporte en la construcción del campo teórico de la preservación del patrimonio cultural. en Brasil.

Prueba de ello es el documento que presentamos en este informe. Pequeño folleto encontrado en la biblioteca Paulo Santos del IPHAN que cuenta parte de la historia de la evolución de la arquitectura residencial en la ciudad de Petrópolis, acerca de Río de Janeiro. Dora coordina el equipo que realiza un breve estudio ilustrado de esta arquitectura, que muestra el cambio en la mirada de una generación hacia el patrimonio vernáculo y cuenta la historia de la evolución tipológica de la arquitectura local y el encuentro de la tradición del saber hacer inmigrante con nuestras raíces latinas nacionales.

PALABRAS CLAVE: arquitectura vernácula; arquitectura de contexto; Patrimonio cultural; Sitio urbano histórico; Petrópolis.

ABSTRACT

The work presented here aims to bring to light texts, produced by Dora Alcântara, architect, woman, and mother, with a lifelong career dedicated to protecting the Brazilian cultural heritage. She is part of a first generation of women who built cultural heritage in Brazil and has a trajectory in heritage connected to her great specialty, traditional tiles. However, based mainly on primary sources, we would like to learn more about her work thru texts written by her during her journey at IPHAN – National Historical and Artistic Heritage Institute, where we can see a great contribution to the field theory field in Brazil.

Proof of this is the document we present in this report. A small brochure found at the IPHAN´s Paulo Santos library in Rio de Janeiro, that tells part of the residential architecture evolution at Petrópolis, a small town outside of Rio de Janeiro. In 1980´s, Dora coordinates a small team that makes a brief illustrated study of

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this architecture, which shows the change on how a generation understood the role of vernacular heritage, tells the story of local architecture evolution and how the immigrant´s know-how met our national Latin roots.

KEYWORDS:vernacular architecture; contextarchitecture; Cultural heritage; Historic urban site; Petropolis.

INTRODUÇÃO

A cidade de Petrópolis, localizada no estado do Rio de Janeiro, constitui patrimônio histórico e artístico nacional, por estar vinculada, como nenhuma outra, ao período imperial brasileiro e a tantos fatos memoráveis da história política do país – na qualidade de capital da República e, posteriormente, sede das decisões governamentais durante os meses de verão (IPHAN, processo número 0662-T-62, p.272 vol.I). É, assim, que a arquiteta carioca Dora Alcântara contextualiza a importância da pequena cidade da região serrana do Rio de Janeiro. Como muitos dos seus escritos nos contam, Dora contribui para a construção de um olhar atualizado para a proteção do patrimônio cultural.

Dora Alcântara nasceu no Rio de Janeiro, em 1931. Arquiteta formada pela FAU-UFRJ em 1957, então Escola Nacional de Arquitetura, é parte desta primeira geração de mulheres que ajudaram a construir o patrimônio cultural no Brasil. Colaborou com a Diretoria de Patrimônio Histórico –

DPHAN (1958-1968), onde participou de projetos ligados a preservação em diversos estados. Posteriormente, em 1975, no mesmo órgão, então denominado IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, assume a Coordenadoria de Proteção em 1987, e mais tarde a Coordenadoria Geral de Preservação de Bens Culturais e Naturais, entre 1987 e 1991.1

O objetivo principal do nosso trabalho, parte do projeto de pesquisa

‘#Elasfazempatrimôniocultural: os escritos de Dora Alcântara sobre preservação do patrimônio cultural’, é trazer à luz textos pouco conhecidos, produzidos por esta arquiteta, com uma vida dedicada a proteção do patrimônio cultural brasileiro. A pesquisa se baseia principalmente em fontes primárias, e nos interessa especialmente os textos produzidos em pareceres de processos de tombamento durante o percurso da arquiteta, no IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, onde podemos ver uma grande contribuição na construção do campo teórico da preservação do patrimônio cultural no Brasil

1 Informações adquiridas através do perfil da arquiteta no site do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB. https://ihgb.org.br/perfil/userprofile/DMSAlcantara.html - acessado em 07/04/2020

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Para este artigo gostaríamos de compartilhar um documento especificamente, um folheto encontrando na biblioteca Paulo Santos do IPHAN, localizada no Rio de Janeiro. A biblioteca, onde encontramos o acervo pessoal do arquiteto e professor Paulo Santos2 , guarda o pequeno folheto, um primeiro estudo tipológico da cidade de Petrópolis coordenado por Dora Alcântara, com a colaboração da Arquiteta do IPHAN Helena mendes dos Santos, a então estagiária de história Marcia Regina R. Chuva3 e desenhos executados pelas estagiarias de arquitetura

Fernanda Marasciúlo e Ana Lúcia Belfort R. Magalhães.

O materialfoiproduzido durante osestudos para a extensão do tombamento de Petrópolis, cidade cujo processo de preservação pode ser considerado o início de uma mudança na forma oficial entender e preservar sítios históricos no Brasil.

UM OLHAR CONTEXTUAL, DORA ALCÂNTARA E O SÍTIO URBANO DE PETRÓPOLIS

A proteção da cidade de Petrópolis esta intrinsicamente ligada a reação da população local à possiblidade da perda de parte do acervo composto por esta arquitetura de “tipo não excepcional” (ALCÂNTARA, 1980. Parte I. p.2) característica da cidade. Isto fica claro consultando o processo de tombamento do sítio urbano de Petrópolis, que se inicia com um pedido de Lourenço Luís Lacombe, diretor do Instituto Histórico de Petrópolis, a Rodrigo de Melo Franco, diretor do então DPHAN, para o tombamento de um ‘palacete de linhas sóbrias’ na avenida Koeler. (LACOMBE, L. In. IPHAN, Processo nº0662-T-62, p.1 vol. I).

O pedido, e a atuação da população, reconhecida como um dos valores para a proteção do sítio urbano-paisagístico, (Ibid, p.287 vol. I) corrobora a ligação afetiva da cidade com seu patrimônio construído. Exatamente como descrito pela Carta sobre patrimônio vernacular edificado publicada pelo ICOMOS, em 1999, “O patrimônio vernáculo construído ocupa um lugar central no afeto e no orgulho de todos os povos.” (ICOMOS, 1999, p.1) É entendido “como um produto

2 Paulo Ferreira Santos (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1904 –1988). Arquiteto, professor e historiador de arquitetura e urbanismo. Professor da Cadeira de arquitetura no Brasil na antiga Escola Nacional de Belas Artes, atual FAU/UFRJ. Membro do conselho consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) atual IPHAN. In. https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa641353/paulo-santos - acesso em 04/10/2021.

3 Márcia Chuva, como é conhecida, Historiadora, é Professora Associada da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. Professora Programa de Pós-Graduação em História da UNIRIO e do Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Autora do livro Arquitetos da Memória (2009), uma importante contribuição para a historiografia da preservação no Brasil. Fonte: http://www.unirio.br/cch/escoladehistoria/docentes/marcia-regina-romeiro-chuva. acesso em 04/10/2021.

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característico” local com o qual se relaciona a sociedade. Além disto, a carta afirma ainda a importância deste acervo como relato da evolução da história local.

Éumfocodavidacontemporâneaeaomesmotempoumregistrodahistóriadasociedade. Embora seja obra do homem, é também criação do tempo. Seria indigno da herança do homemsenãosecuidassedeconservaressaharmoniatradicionalqueconstituemocerne daprópriaexistênciadohomem.(ICOMOS,1999,p.1)

O pedido de tombamento isolado é inicialmente negado pelo arquiteto Paulo Thedim Barreto, justificando que o edifício não possuía “aquelas características previstas no art. 1 do decreto-lei 25.” (BARRETO, P. In. IPHAN, Processo nº0662-T-62 p.3 vol. I) Mas, este reconhece a importância do acervo em conjunto, e no lugar do tombamento individual, propõe o tombamento urbano-paisagístico de algumas das vias centrais da cidade. O processo traz uma lista doze logradouros entre vias e praças onde se podiam encontrar os exemplares que guardavam ainda a os vestígios da história da ocupação da cidade e sua evolução.

Em um primeiro momento, se reconhece o valor do conjunto urbano-paisagístico da Avenida Koeler “logradouro mais nobre da urbanização petropolitana” (IDEM) O que traduz o pensamento da instituição a época, e sua busca por registros de excepcional valor. O tombamento da avenida Koeler, acontece em 1964

Em 1980, novamente diante de pedidos dos moradores de Petrópolis, o então diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, Aloísio Magalhães, designa comissão formada pelos arquitetos Alcides da Rocha Miranda, Alfredo Luiz Porto, Dora Alcântara e Eurico Cavalcante e, posteriormente, pela socióloga Ana Maria Amorim. Tal Comissão tinha como objetivo proceder os estudos necessários à definição das áreas da cidade de Petrópolis, convenientes para um tombamento imediato, emâmbito nacional, assim como emitir parecer com recomendações voltadas à preservação dela (IPHAN, Processo nº0662-T-62, p.89 vol. I).

O IPHAN já havia reconhecido valor no acervo da cidade, antes do tombamento do sítio da Avenida Koeler, o que culminou em uma série de tombamentos individuais entre os anos 30 e 40, com bens inscritos nos livros do tombo de Belas Artes e Histórico. Mas, como nos conta o geógrafo Rafael Ribeiro (2007, p.91), na década de 1960, a Instituição amplia os critérios de análise de valor que passa “da ideia de monumentalidade e integridade arquitetônica” para “conjuntos modestos e triviais, associados sobretudo a história da formação do território brasileiro” (Ibid, p.91).

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A prova desta mudança está refletida na seleção de um tipo de arquitetura muito particular, que poderíamos descrever como vernácula, mas que Dora chama de contextual, porque inserida no contexto da paisagem local, “constitui parte significativa da leitura que claramente o conjunto oferece sobre a história e a sociedade locais.” (ALCÂNTARA, 1980, p.2).

“Petrópolis não é como as cidades do ciclo do ouro, paradas no tempo e limitadas no espaço físico. Ela vive e se renova com rapidez espantosa. Petrópolis nasce após a Independência, com outras raízes e sincretismos equilibrados por saudáveis tradições”. (ALCÂNTARA,1980,p.1)

A comissão, analisando o pedido de extensão de tombamento, entendeu não deveria conduzir um procedimento comum de tombamento do conjunto, tendo em vista seu caráter dinâmico. Para compatibilizar o valor documental do sitio e núcleo urbano cheio de vitalidade, o caminho escolhido, no lugar do tombamento global, foi a preservação dos elementos mais característicos da cidade, onde se pudesse ler, o bom relacionamento das edificações com a paisagem natural, herdado da implantação do plano Koeler, As características arquitetônicas de certos conjuntos ou unidades, “representativos de vários segmentos sociais formadores da história local e a atuação da comunidade petropolitana no conhecimento e defesa de seu patrimônio” (IPHAN, Processo nº0662-T-62, p.288 vol. I).

Dora Alcântara tem papel fundamental na escrita desta história. Não só por sua atuação na extensão do tombamento do sítio em Petrópolis, mas por contribuir na ampliação da proteção de importante acervo material no estado do Rio de janeiro. Tal como, na preservação da Praça XV de Novembro e de suas imediações; do centro histórico de Paraty e do Sítio Roberto Burle Marx. Dora também esteve envolvida no tombamento de bens patrimoniais em diversos outros estados, com destaque para o projeto de restauração do Solar São Luís, no estado do Maranhão, e da proteção da Fábrica de Vinho de Caju – Tito Silva, assim como da técnica utilizada para tal fabricação, localizada em João Pessoa, na Paraíba4 . Através de seu trabalho, instruindo pareceres, defendendo e algumas vezes questionando a seleção deste patrimônio, esta arquiteta contribui com construção da identidade da comunidade local, e do país. E como afirma a Carta sobre patrimônio vernáculo, esta relação entre a população e seu patrimônio, traduzem não apenas ligações de proximidade geográfica, mas são “a expressão da diversidade cultural do mundo” (ICOMOS, 1999 p.1)

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MOTTA, Lia. 2020. Depoimento Oral In. 4° Simpósio Científico do ICOMOS Brasil e 1° Simpósio Científico do ICOMOS/LAC

Em homenagem prestada à arquiteta, durante o 4° Simpósio Científico do ICOMOS Brasil5 , a arquiteta Lia Motta evidencia o protagonismo de Dora em diferentes momentos do trabalho desta como técnica, especialmente em sua importante atuação na proteção do sítio de Petrópolis:

ADora,nomeuentender,foiapessoamaisimportantenessavirada.Agentefalamuitodo Luís Fernando Franco6 e com toda a razão, porque era uma pessoa maravilhosa e um coleganossoqueestudounaItáliaetrouxeumconceitodecidadedocumentoproBrasil, mas só que a Dora já tinha exercitado esse conceito sem dar esse nome, sem a criançaserbatizada,emPetrópolis[...].

E aí,oPlanoKoellertinhaaárea nobre,daquelaarquiteturacom estilo etal,mastambém tinha os rios que formaram a cidade, que eram as áreas da produção rural, dos lotes maioresruraismaiores.Eoquefoifeito,foi otombamentodeumvalordocumental deum projeto de uma cidade. E aí, eu entendo, que o Luís Fernando, que ainda não estava no IPHAN, foi recebido de braços abertos pela Dora porque ele trouxe esse conceito arrumado,europeuarrumando.MasesseconceitonãoteriasecriadonoIPHANsenão tivesseessabase.EoqueaDorafez?[...]elafoireceptivatambémaonovo,aonovo que poderia ser estranhado por alguém que tinha autoridade [...]. Pelo contrário, ela abriu asportase outroscasosocorreram, como ofamoso caso de Laguna e tudo em um momentoem queaDoraabriuasportas.(MOTTA,2020–Depoimentooral –grifonosso)

Este depoimento, vai confirmando como algumas pessoas são fundamentais para a mudança na forma como olhamos nosso patrimônio. A atuação de Dora é de grande contribuição para a evolução do entendimento das cidades como patrimônio vivo e dinâmico, baseados não mais no conceito de “cidade-monumento” , que as define como “uma relíquia e paradigma da civilização material que a nação brasileira construiu” (PEREIRA, 2016, p.57 In. Revista CPC n°21), mas associadas à ideia de “cidade-documento”, que corresponde a “um objeto rico de informações sobre a vida e a organização social dos brasileiros nas várias fases da sua história” (IDEM)

De forma prática, a mudança que ocorreu na seleção dos critérios estéticos que foram substituídos, em parte significativa dos tombamentos, passando a ser fundamentados pelos valores históricos dos bens (Id, Ibid, p.66). Assim, a cidade começa a ser compreendida como um “documento histórico, um objeto cultural vinculado também à história, à etnografia, à

5 O 4° Simpósio Científico do ICOMOS Brasil e 1° Simpósio Científico do ICOMOS/LAC ocorreu de maneira remota em razão da pandemia de corona vírus, entre os dias 10 e 13 de novembro de 2020. Durante este ano, de 2020, a arquiteta Dora Alcântara recebeu do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) a maior condecoração do instituto pelo conjunto de sua obra e pelos serviços prestados à profissão. Ainda no mesmo ano, Dora Alcântara recebeu menção honrosa na categoria docência, no prêmio da Federação Pan-Americana de Associações de Arquitetos (FPAA). Diante de todas as homenagens prestadas à arquiteta, ao longo do ano, o ICOMOS Brasil faz o encerramento da 4° edição do evento também à homenageando, com o relato dos ex-alunos de Dora, Lia Motta - arquiteta, atuando no corpo técnico do IPHAN desde 1977 e José Pessôa - arquiteto, professor da EAU/UFF desde 2002

6 O arquiteto Luiz Fernando Franco é formado pela Universidade de Florença, em 1972. Passou as décadas de 1960 e 1970 na Europa como estudante de graduação e depois depós-graduação na França (Universidade de Aix-Marseille, Institut d’Amenagement du Territoire). Retornou ao Brasil, em 1980, ingressando na Diretoria de Estudos e Tombamentos (DET) do IPHAN

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arqueologia, ao urbanismo e a outras disciplinas, além da história da arte e da arquitetura, como era usual” (SANT’ANNA, 1995, p. 215 In. PEREIRA, 2016). Tal argumento, passa a embasar a justificativa para o tombamento de áreas consideradas sem valor artístico, mas que representavam situações sociais e econômicas que marcaram a evolução das cidades brasileiras.

Ésintomáticoofatodequeotombamentosejaantipáticoàquelessegmentosdasociedade que tiveram de adotá-lo sem o devido esclarecimento, enquanto que outros vêm reclamando sua aplicação. O número de pedidos de tombamento, que era bastante reduzido, referindo-se anualmente a pouco mais de uma dezena de unidades, está hoje emtornode60pedidos,incluídosentreestesosdepreservaçãodecentrosurbanos,com dezenasou,àsvezes,maisdeumacentenadeunidades.(ALCÂNTARA,1988,p.17)

ARQUITETURA CONTEXTUAL E VERNÁCULA: ESTUDO TIPOLÓGICO

Durante este tempo de mudanças de conceito e formas de ver o patrimônio construído, a extensão da área de tombamento da cidade de Petrópolis é aprovada em março de 1981. É nesta época que, Dora Alcântara, organiza as conclusões da comissão de estudos sobre Petrópolis para a apresentação em um seminário de História da Arte7 Este é documento, que gostaríamos de apresentar. O folheto intitulado “Petrópolis arquitetura contextual: Considerações sobre o caráter peculiar de Petrópolis”, é um pequeno relatório composto por duas partes, onde primeiramente se apresentam as considerações da comissão sobre o caráter da cidade que embasaram a nova proposta de extensão de tombamento e, em uma segunda parte coordenado por Dora Alcântara, o estudo tipológico desta arquitetura vernácula

Na primeira parte do documento, encontramos um panorama arquitetônico que a cidade serrana exibe, ao evidenciar, tempos importantes da história petropolitana em sua malha urbana. Para isso, se faz necessário assimilar a história daqueles que primeiro contribuíram com a ocupação do local, a partir das primitivas habitações dos colonos alemães, que passaram a habitar a cidade por volta de 1843 (ALCÂNTARA In SPHAN, 1980, p.1). Até que, por fim, a sucessão de eventos

7 O Folheto intitulado “Petrópolis Arquitetura Contextual: Considerações sobre o caráter peculiar de Petrópolis.” Traz apenas a seguinte referência sobre o congresso “A série de Considerações sobre o caráter peculiar de Petrópolis, apresentada por esta comissão, sintetiza o pensamento que estava na origem da proposta de preservação que se fez, como conclusão destes estudos. Parecia interessante trazê-la a esta sessão do II Congresso de História da Arte como informação sobre Petrópolis” (ALCÂNTARA, 1980- parte II- p.02 – grifo nosso). A biblioteca não tem informações sobre a data exata, ou lugar de realização do seminário.

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após se estabelecerem os primeiros colonos, vai encontrar seu ápice na imponente presença de D. Pedro II e sua corte, da qual nos fala ainda hoje, o Palácio Imperial de Petrópolis.

O panorama arquitetônico, que Petrópolis oferece, reflete de maneira expressiva todos essesfenômenos:poucoresta,éverdade,dasprimitivashabitaçõesdecolonos;Omesmo nãoocorrecom exemplaresdearquiteturaindustrial,[...]ApresençadeD.PedroIIeseus ministrosélembradapeloPalácioImperialepalasconstruçõesdemaiorvolume.[...]fatores responsáveisporalgunsconjuntosdeexcepcionalvalorarquitetônico.

A arquitetura em Petrópolisé o‘trabalho entrelaçado dosSéculosXIXe XX’ registrando a evoluçãoestilísticadesseperíodo[...](ALCANTARA,1980p.9–ParteI)

O texto relata, num primeiro momento, não apenas as transformações e evoluções estilísticas ocorridas ao longo do tempo, e que serão melhor ilustradas na segunda parte do relatório, mas ressalta os valores pelos quais se ampliam as áreas tombadas da cidade, em especial por sua relação entre o acervo construído e a paisagem.

O acervo selecionado quase vinte anos depois do primeiro tombamento de conjunto, tem agora outro caráter. O documento ressalta que a seleção desta arquitetura “não-excepcional” (ALCANTARA, 1980, p.2 – Parte I), também chamada de contextual, forma a maior parte do acervo preservado, ainda hoje, na paisagem local, e “constitui parte significativa da leitura que, claramente, o conjunto oferece sobre a história e a sociedade local” (IDEM) Aqui as camadas preservadas do sítio são sobrepostas e convivem, aceitando o desafio de contar “aos que estão neles não só onde estão, mas quem são e quem são os outros” (SANTOS, 1986, p.60), como paisagem vernácula formadora

O neoclássico, puro e elegante do Palácio Imperial, (obra em sua primeirafase, do Major Koeller),doPalácioIsabeledascasasqueforamdoBarãodeUbáedoViscondedeMauá, passando por aquelas em que o vocabulário neoclássico se alia a elementos já assimiladospela arquiteturabrasileira –como avarandadose alpendres– evai sendo traduzidonanovalinguagem dosmateriaisindustrializados...Asempenastriangulares,de gostoclássico,transformaram-se,tambémemPetrópolis,noschalésromânticos,aindaem grandenúmero(ALCÂNTARA,1980,p.9.ParteI –grifonosso)

Com a preservação dos exemplares arquitetônicos de excepcional valor já assegurada, o olhar se voltou para a arquitetura de menor escala e preservada em conjunto. Este reconhecimento veio acompanhado de uma reinterpretação do vocábulo nobre e de sua assimilação por nossa arquitetura, no século XX, que revelou arquiteturas de dimensões mais modestas, algumas com alpendres avarandados, outras com um avanço no telhado formando um triângulo no alto da empena; pequenos chalés existem por toda parte,na Mosela, Quarteirão Ingelheim, Alto da Serra etc.

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“Casas econômicas de tipo médio, repetindo, o quanto possível, as aparências das residênciasmaisricasdentro daslimitaçõesemodéstia derecursosde sua classe”. Uma classe média que também se faz representar no panorama arquitetônico petropolitano. (ALCÂNTARA,1980,p.10.ParteI)

Como acontece a todo conceito em assimilação, especialmente conceitos amplos de conjunto e cidades, objetos de caráter dinâmico, algumas vezes esta arquitetura contextual precisou ser defendida para que o conjunto continuasse a existir Um caso particular foi a defesa feita pela autora do exemplar de n° 1858, localizado na Praça Rui Barbosa, também conhecida como Praça da Liberdade. Elemento arquitetônico que configura o um fechamento natural da Avenida Koeler, dentro da Praça, que guarda, ainda, ambiência urbana significativa – mesmo comprometida parcialmente por edificações mais recentes. Apesar de sua implantação indispensável como elemento de composição do conjunto da praça e da Av. Koeler por suas características estilísticas individuais, “necessários à garantia da ambiência harmônica que se deseja preservar” (IPHAN, Processo nº 662-T-62, p.229 vol.1), a prefeitura da cidade, em maio de 1980, expediu alvará de demolição para o bem, enquanto os trabalhos de ampliação do tombamento do sitio eram finalizados.

Uma ação pública, partindo da APANDE- Associação dos amigos de Petrópolis, pede a suspensão da demolição Coube a Dora Alcântara produzir parecer que desse subsídios para sua defesa.

Sua presença é indispensável, tanto do ponto de vista volumétrico, como por suas características estilísticas individuais- embora de valor menor que outros exemplares preservadosisoladamente-necessáriosagarantiadaambiênciaharmônicaquesedeseja preservar.(ALCÂNTARA.In.IPHAN, processonº662-T-62p.228vol.1)

Interessante notar a clareza no entendimento do valor de conjunto do acervo, elementos que isoladamente poderiam entrar no mesmo argumento usado anteriormente por Paulo Thedim Barreto, para negar o tombamento isolado do exemplar da Avenida Koeler, ou seja, não eram portadores dos valores artísticos excepcionais ou valores históricos relevante, mas, seguiam indispensáveis do ponto de vista do conjunto. O exemplar ainda contribui na conformação da praça nos dias de hoje protegido como representante de período significativo na história

8 A residência de n° 185, está situada na Praça Rui Barbosa, esquina com a Rua João Pessoa, como consta no processo de tombamento do IPHAN, número 0662-T-62, p.229 vols.1. Hoje, porém, através de uma rápida pesquisa no google maps, pode-se notar que a Rua João Pessoa não existemais Atualmente, ela corresponde a Rua Dr. Nelson de Sá Earp, segundo informações obtidas através de material disponibilizado pelo Instituto Histórico de Petrópolis, por meio do endereço <http://www.ihp.org.br/26072015/lib_ihp/docs/jeds19910422.htm> acessado em 29/09/2021

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petropolitana, por valorizar a perspectiva da encosta “fartamente arborizada” – característica identitária presente no Plano Koeler (Id, ibid, p.272 vol.1).

A segunda parte do relatório, intitulado ‘Arquitetura Contextual’ apresenta o resultado de um estudo tipológico, onde Dora Alcântara e equipe organizam os aspectos desta arquitetura em breve relato ilustrado. Os exemplares que configuram no texto formam o acervo de arquitetura residencial local, que por sua preservação e uniformidade ainda caracterizam importantes conjuntos da cidade A presença destas tipologias contribui para a compreensão do valor e a leitura do conjunto arquitetônico e paisagístico, além de ilustrar as diversas formas de habitar e sua evolução dentro da cidade, como nos recorda a Carta do património construído vernacular.

A construção vernacular é a forma tradicional e natural pela qual as comunidades se abrigam. É um processo contínuo que inclui as mudanças necessárias e a adaptação contínuaemrespostaàsrestriçõessociaiseambientais.(ICOMOS,1999,p.1)

Neste breve estudo Dora vai conduzindo o leitor por uma evolução tipológica das formas de habitar em Petrópolis, e tenta traçar relações entre a influência de um ‘saber-fazer’ estrangeiro e seu encontro com as características próprias da arquitetura luso-brasileira. O que gerou o um mosaico de estilos combinados de forma harmoniosa com a paisagem e topografia natural. Assim, a definição dos conjuntos que passariam a integrar as áreas do sítio urbano histórico se deu a partir de conjuntos,

cujaarquiteturafossecompostaporelementosquenãosedestacassem,individualmente, masquechamassem a atenção porumarepetição detemascomvariaçõesque,porsua frequência, se tornassem visualmente associados à paisagem petropolitana e ao seu contexto (ALCÂNTARA,1980,p.1)

e não mais por contar com “exemplares mais elaborados e ricos” (IDEM)

Apesar disso, Dora, elucida que esta arquitetura média não é sinônimo de uma má qualidade, pelo contrário é o que vai formar a atmosfera peculiar da cidade, como descrita por Paulo Santos

“em que mais do que a antiguidade dos bens, contam a escala, o espírito, e o encanto impalpável das paisagens conservadas pelo homem.” (IPHAN, processo nº 662-T-62, p.150)

O relatório vai nos conduzindo por uma série de tipologias residenciais, onde podemos ver não apenas a evolução estilística da arquitetura do século XIX no Brasil, mas como a estes modelos iniciais, foram somados novo repertório provenientes da cultura, trazidas pelos imigrantes que se estabeleceram em nosso País, e especificamente em Petrópolis. Essa forma de expressão estrangeira se evidencia em especial, através da produção arquitetônica de influência ‘norte-

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europeia’ inspirados também no exame de “certos manuais de construção” (ALCÂNTARA, 1980, p.2), como o Francês Pour construire sa Maison do arquiteto M. Bourniquel, que traziam uma ‘coleção de construções’ com modelos variados de casas, onde podemos ver as matrizes que inspiraram diretamente esta arquitetura média no Brasil. Como nos relata a autora

OEcletismo,quesomaexpressõesdeváriasprocedênciasculturais,nocasodePetrópolis começaria pelas construções que procuram criar um clima norte-europeu, com interessantes trabalhos sugerindo estruturas aparentes, como na casa nº 716 da av. Ipiranga,pertencenteafamíliaGuerra,cujosJardinssãodeGlaziou.(ALCÂNTARA,1980, ParteII.p.2).

Logo, atravésda análise das tipologiaspresentesna cidade é possíveldetectar a influência direta, traduzida na arquitetura média, da assimilação do contingente imigrante em nossa sociedade. Diante de tal processo, a leitura da paisagem petropolitana feita por meio de um olhar desatento seria capaz de nos fazer cogitar em uma tendência à uniformização do pensamento e em uma despersonalização cultural dos povos. Porém, como afirma Carlos Lemos, Cremosquetudoissosejadetodoimpossíveldevidojustamenteàsarticulaçõesentreos elementos do meio ambiente e do conhecimento que, de um modo ou outro, acabam interferindo no processo porque são irremovíveis em sua totalidade. Sempre haverá um pouco de Brasil em cada coisa, em cada artefato, em cada gesto. O rádiojaponêssempre transmitirá sua musiquinha sertaneja.Sempre daremosum jeitinho nossoàscoisasdefora(1981,p.28–grifonosso).

Dora inicia a narrativa do percurso tipológico histórico, com uma comparação entre as casas do século XVII em Ouro Preto e a que ela passa a denominar Casa Petropolitana. A grande diferença entre as tipologias está justamente na implantação em centro de lote, como definido pelo plano de implantação da cidade pensado pelo do Major Koeler, em 1846, e conhecido hoje como Plano Koeler.

Se comparássemos a casa petropolitana com sobradões baianos ou portugueses dos sec. XVII e XVIII (1ªs décadas) encontraríamos uma afinidade muito grande nesses acabamentos. Nas duas ocasiões, houve adoção de linguagem clássica. [...] esta linguagem era utilizada apenas numa arquitetura de maior porte: a presença desse vocabulário em casas menores no séc. XIX brasileiros, seria significativa de algum ascenso cultural, por parte da população. (ALCÂNTARA, 1980, Parte II. p.3)

Nota-se também adição de beiral, que se torna típico, além das vergas decoradas. (Fig. 01 e 02 e 03)

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No documento, aqui apresentado, a autora não elenca a tipologia ‘casa do colono’ que passa a constar como tipologia típica da cidade, a partir do Inventário Nacional de Bens Móveis e Imóveis

- INBI, feito em Petrópolis a partir da parceria entre IPHAN e UFRJ9 em 2003. Para o estudo sobre as tipologias arquitetônica observadas na área inventariadas no Município de Petrópolis- Rio de Janeiro (INBI-SU/FAU/UFRJ,2003), esta é a tipologia mais modesta do sítio Apesar de não listar o exemplar em seu estudo Dora, defende a tipologia em pareceres dentro do processo de tombamento. Como em parecer dado em resposta ao pedido de impugnação ao tombamento da casa de Ana Mayworm referida por Luiz Moacyr Moreira da Silva e sua mulher Maria de Lourdes Mayworm da Silva, Dora ressalta a assimilação da cultura imigrante, de valor não monumental, e contra o argumento dos proprietários de que a casa seria “modesta construção, de má qualidade, sem qualquer valor arquitetônico ou artístico, em adiantado estado de ruína” (IPHAN, processo número 0662-T-62, p.136 vol.1-A). A autora pondera acerca dos critérios de tombamento da cidade10 e acrescenta:

Se o traçado urbano de Petrópolisfala desse fenômeno, em termos eruditos, a casa em questãoo faz, emtermospopulares Ébemuma simbiose dehábitosde viver ede construir germânicos e luso-brasileiros. “Modesta construção”, sim; e por essa razãofoiescolhida,porseramaistípicanogêneroencontrada.Engenhososdetalhes construtivos não permitem classificá-la como de “má qualidade”; quanto ao “estado de ruína” é exagerada força de expressão. Como toda casa antiga necessita de cuidados periódicos, seja elamodesta ou não.Quanto àfaltade “recursosfinanceiros”,há previsão legalparaatendê-la.(IPHAN,processonúmero0662-T-62,p.137vol.1-A–grifonosso)

9 A Proposta do Inventário INBI-SU, metodologia de inventário de sítios urbanos tombados desenvolvida pelo Iphan, era a de registrar o acervo tutelado pelo IPHAN no primeiro distrito de Petrópolis (INBI-SU/FAU/UFRJ,2003),

10 O critério de tombamento de Petrópolis, cidade de excepcional valor histórico e paisagístico, foi o de preservar-lhe os valores mais característicos calha principal dos rios, “espinha dorsal” do traçado urbano; conjugação harmoniosa da paisagem natural e construída e conjuntos arquitetônicos representativos de vários segmentos sociais formadores da história local (IPHAN, processo número 0662-T-62, p.136 vol.1-A – grifo nosso).

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Figura 01: “Casa petropolitana”Fonte: Petrópolis Arquitetura Contextual Figura 02: “Casa petropolitana comVaranda” - Fonte: Petrópolis Arquitetura Contextual Figura03: Casa petropolitana com Varanda Rua Montecaseros,459Fonte: Grupo memória, cultura e arquitetura na cidade, 2021.

Além da casa do colono, variados exemplares arquitetônicos também passam portal assimilação.

O estudo tipológico passa a listar tipologias locais que se distanciam dos conjuntos mineiros e baianos, ao longo dos séculos XVI e XVII. Como a tipologia que passa a ser reconhecida como Chalé Romântico. Um dos elementos que as caracteriza são as “fachadas templo” (fig. 04), elemento característico do gosto clássico, muito comuns a programas religiosos e, posteriormente, em meados do século XVIII, a este modelo básico passa a integrar outros programas oficiais – como teatros e, inclusive, edificações residenciais (ALCÂNTARA, 1980, p.5).

Em Petrópolis, estas as empenas triangulares, transformam-se nos chalés (fig. 05 e 06), que ostentam rendilhados e ainda constituem exemplar marcante na cidade (ALCÂNTARA, 1980, p.9).

O Documento segue a análise através das residências de tipologia eclética e suas fachadas de sobrados com implantação tradicional, que demonstram uma tendência de romper o tratamento bidimensional, com a busca pela ênfase da composição assimétrica, do uso de ornatos, balcões volumosos, adição e subtração de volumes da fachada entre outros artifícios (ALCÂNTARA, 1980, p.7).

Um modelo especificamente chama a atenção, pela comparação da autora com a matriz portuguesa. São as tipologias que Dora classifica como casa de torreão, estes teriam se desenvolvido pela valorização da composição assimétrica, já em uso nos exemplares ecléticos, acompanhados pela quebra do plano das fachadas. Em residências de maior porte e de tratamento mais elaborado, estes torreões aparecem com formas cilíndricas ou retangulares, de

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Figura 04: “Fachadas templo”Fonte: Petrópolis Arquitetura Contextual Figura 05: Chalé Romântico. Fonte: Petrópolis Arquitetura Contextual Figura 06: Chalé Romântico. Fonte: Grupo memória, cultura, arquitetura na cidade, 2021.

forma a lembrar pequenos castelos medievais. Estas intervenções, em alguns casos, remetem a soluções adotadas na “velha arquitetura rural portuguesa” com os remanescentes de torres que compõem o volume das casas de “quintas”, ao norte do país (Id, ibid, p.7). (fig. 07 e 08)

O último tipo apresentado no documento, que a autora descreve como curioso, e onde vemos claramente o gosto “norte-europeu” são os exemplares classificados como “normandos”

(ALCÂNTARA, 1980, p.10). Suas características se compõem por telhados de grande inclinação, com ou sem tacaniça – forma triangular, no alto da empena fronteira – e decorações retilíneas na fachada, Segundo Dora, “casas menos graciosas e híbridas, que são muito comuns na cidade de Petrópolis” (IDEM). Vemos os mesmoselementosutilizados nos chalés, mostradosanteriormente e que adicionam ainda elementos do vocabulário clássico como colunas pseudo-toscanas, influência do tipo de arquitetura tradicionalmente vista nos arredores do Rio de Janeiro (IDEM).

Mas este mosaico que caracteriza a riqueza de estilos e tipologias do sítio urbano de Petrópolis possui também tipologias baseadas em referências mais próximas da cultura Luso-brasileiras. Como os exemplares do movimento vinculado ao pensamento nacionalista dos anos 1920

(ROCHA-PEIXOTO In. CZAJKOWSKI, 2000, p.12). Exemplares neocoloniais se manifestam em palacetes em centro de terreno, como o da Avenida Koeler n° 324, e em casas de menor porte como este exemplar à rua Santos Dummont n° 570 (fig.09 e 10).

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Figura 7: Casa de Torreão Fonte: Petrópolis Arquitetura Contextual Figura 8: Casas de Quintas Fonte: Petrópolis Arquitetura Contextual

Porém, interessante notar que esta tipologia não é mencionada por Dora como parte da arquitetura contextual petropolitana. A tipologia Neocolonial, tal como acontece com a Casa do Colono, é reconhecida apenas no relatório do INBI-SU, que trata sua existência como “bastante rara em Petrópolis” (INBI-SU/FAU/UFRJ,2003. pg.25), e registra apenas seis exemplares de maior qualidade técnica.

Lucio Costa, em seu conhecido texto Documentação Necessária de 1937 faz pesada crítica a estes modelos que inspirados pelo advento do cinema e dos filmes norte-americanos tão populares na primeira metade do século XX, passaram a reproduzir o que se via nas telas, sem grande rigor estético, “pois haviam de fazer ‘barato’ – o bangalô, a casa espanhola americanizada e o castelinho” (COSTA, 1962, p.62). Talvez este pensamento crítico em relação a algumas tipologias seja a razão pela qual estes exemplares não tenham sido levados em consideração

CONCLUSÃO

Em 2017, o arquiteto e professor da UFRN Rubenilson Teixera, em busca de uma definição para o termo arquitetura vernácula, afirma que seu principal atributo é sua permanência no tempo, e a presença da tradição em sua forma de fazer. O documento aqui apresentado é uma contribuição clara para esta permanência e para a efetiva proteção do sítio, já que sua produção se deu enquanto os estudos para extensão do tombamento do sítio urbano- paisagístico de Petrópolis acontecia.

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Figura 09: Exemplar residencial neocolonial. R. Santos Dummont, 570. Fonte: Grupo memória, cultura e arquitetura na cidade, 2021. Figura10: palaceteneocolonial.Aven.Koeler,324.Fonte: Grupo memória, cultura e arquitetura na cidade, 2021.

Dora Alcântara vai mostrando nos pareceres que escreve, e no estudo desta arquitetura contextual uma grande capacidade técnica de análise e interpretação do sítio. Ao final do texto do documento apresentado, a autora faz uma síntese do acervo que caracteriza a cidade e de como à nossa raiz “latina” vão se enxertando outros ramos advindos das contribuições dos imigrantes manifestados nos tipos encontrados em Petrópolis

O que parece perceptível através do contexto petropolitano é, mais uma vez, o embasamento clássico de nossa formação outalvez,maisexatamente, asnossasraízes latinas, a quevão aderindo novas contribuições culturais, a participação de outras etnias” (ALCÂNTARA,1980,p.12).

Conduzidos pelo texto, podemos ver como este gosto muito influenciado pela herança europeia da cidade, marcam a paisagem arquitetônica em Petrópolis, não só pela arquitetura produzida, mas por sua malha urbana. As soluções adotadas são estes enxertos feitos a nossa raiz tradicional.

Dessa forma, o materialproduzido por Dora Alcântara e aquiapresentado, vaialémda construção teórica que reafirma o valor dos conjuntos urbanos propostos para tombamento, mas tem valor documental. É um primeiro estudo tipológico ilustrado do que seria esta arquitetura contextual, ou vernácula, petropolitana. O conjunto conta, ainda hoje, acerca da história e da sociedade local (IPHAN, 1980, p.2).

A preservação aparece,com especial ênfase neste caso, comoinstrumento integrado ao desenvolvimento urbano, cujos conjuntos arquitetônicos e ambientais devem ser por ela particularmente beneficiados, tendo em vista o valor que representam para a sociedade local.Oatodepreservardeveseraquientendido,portanto,comoatogeradordeanimação urbana, na medida em que revitaliza, incentivando novos usos, e de salvaguarda de importantedocumentárioda história brasileiraelocal, expresso atravésdoespaço urbano eseuagenciamento.(IPHAN,processonº0662-T-62,p.289vol.I)

A leitura feita no relatório nos ajuda a entender esta arquitetura contextual, fruto da contribuição e do saber fazer imigrante, como parte da tradição construtiva da cidade. Hoje ainda preservada, graças ao reconhecimento do seu valor para a formação caráter da cidade.

Esperamos que através da divulgação dos escritos de Dora Alcântara sobre patrimônio, em especial sobre este tipo de arquitetura de caráter local e profundamente vinculados ao território por sua história (ICOMOS, 1999, p.3), possamos contribuir para uma maior ligação da população com seu patrimônio, e consequente proteção e manutenção destes conjuntos.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ALCÂNTARA, Dora. Petrópolis. In. Boletim do SPHAN. Rio de Janeiro: SPHAN. n˚ 6, 1980.

ALCÂNTARA, Dora M. S. Petrópolis arquitetura contextual: Considerações sobre o caráter peculiar de Petrópolis. Rio de Janeiro: IPHAN, 1980. (folheto disponível na Biblioteca Paulo Santos nº F-202).

ALCÂNTARA, Dora. O sentido do tombamento. In. Boletim do SPHAN. Rio de Janeiro: SPHAN. n˚ 39, 1988.

COSTA, Lucio. Sôbre Arquitetura. Porto Alegre: Centro dos estudantes Universitários de arquitetura/UFRGS,1962.

INBI-SU/FAU/UFRJ: Estudo Sobre as tipologias arquitetônicas observadas nas áreas inventariadas no município de Petrópolis - Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPHAN, 2003.

INTERNATIONAL COUNCIL ON MONUMENTS AND SITES (ICOMOS). Carta do património construído vernacular. XII 12ª Assembleia Geral México, 1999

LEMOS, Carlos. O que é Patrimônio Histórico. Edição 1. Brasiliense, 1981.

MOTTA, Lia. 4° Simpósio Científico do ICOMOS Brasil e 1° Simpósio Científico do ICOMOS/LAC - Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7D zvCX9x4&t=2s> Acessado em: 13/11/2020

PEREIRA, Danilo. Cidade, Patrimônio e Território: As políticas públicas federais de seleção no Brasil do século XXI. In. Revista CPC. São Paulo: CPC-USP n° 21, 2016. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/cpc/issue/view/8794/727 – acessado em 03/10/2021

RIBEIRO, RafaelW. Paisagem Cultural e Patrimônio. Rio de janeiro: IPHAN/COPEDOC, 2007.

ROCHA-PEIXOTO, G. in. CZAJKOWSKI, Jorge (org.). Guia da arquitetura Eclética no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro de arquitetura e urbanismo,2000.

SANT’ANNA, M. 1995. In. PEREIRA, Danilo. Cidade, Patrimônio e Território: As políticas públicas federais de seleção no Brasil do século XXI. 2016.

SANTOS, Carlos Nelson F. Preservar não é tombar, renovar não é por tudo abaixo. In.

REVISTA PROJETO. São Paulo nº186, 1986. P.59-63.

TEIXEIRA, Rubenilson B.. Arquitetura vernacular: Em busca de uma definição. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 201.01, Vitruvius, fev. 2017. Disponível em: <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.201/6431>.

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Processos Consultados

IPHAN, processo número 0662-T-62. Fonte: Arquivo Central do IPHAN - RJ

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