Viagem no tempo

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► vezes essas barreiras no sentido de en-

contrar soluções mais concretas.» Fala da sua imensa colecção com o carinho que o esforço lhe emprestou. Foram 40 anos de procura e recolha daquilo que hoje faz da sua casa um museu. As armas são um projecto antigo que perseguiu: «Lancei uma caça, há cerca de 27 anos, a todas as armas da Casa Real portuguesa. Consegui -as todas. Só por duas dei 400 armas em troca. As últimas demoraram 25 anos a conse guir. Pediram -me um valor completamente absurdo. Vendi cerca de 10 mil objectos da minha colecção só para reunir o capital necessário para comprar duas pistolas. Mas tenho-as. São as duas melhores pistolas portuguesas existentes. Consegui trazê-las de volta para Portugal.» E é precisamente pelas armas que Rainer Daehnhardt, o coleccionador, é conhecido. Uma menção que não deixa de ser honrosa, apesar de a sua colecção conter muitos mais tesouros históricos. Além dos milhares de armas que possui, tem muitos mais milhares de moedas e de livros. Só mapas relativos à expansão portuguesa são para cima de 3600. A sua maior colecção reúne mais de 500 mil exemplares de documentos manuscritos da História de Portugal: «É o problema das minhas limitações. Para ler todos os documentos que estão em meu poder necessito, no mínimo, de 300 anos. São limitações reais. Isso obriga-me a pegar em peças e vendê-las a uma instituição do Estado ou a um coleccionador, a alguém que esteja a estudar aquele período, porque eu não vou ter tempo para o fazer.»

PORTUGUÊS DE LUXO RA inevitável regressar à Lusitânia. O RaiEtugal. ner historiador não se liberta jamais de PorPara o homem que «adora crianças

mas não gosta de mudar fraldas» e que «se empenha no trabalho», como refere a sua mulher, tudo retorna à ideia de pátria. No pensamento, nos objectos, no coração, na própria História: «Os lusitanos não nos deixaram

nada escrito. Quem nos fala sobre eles é o adversário, o romano. Júlio César diz que `nos confins da Península Ibérica existe um povo que não se governa nem se deixa governar'; Isto é 100 por cento actualidade.» É também por isso que acredita que o valor intrínseco lusitano permanece e que Portugal pode voltar a ser grande no Mundo: «De cada vez que Portugal está em perigo surge o lusitanismo. O lusitano tem a capacidade de se misturar com os outros sem se impor. Esta capacidade é extraordinária, e vejo

A sua colecção particular foi nacionalizada por Vasco Gonçalves uma grande probabilidade de que seja no meio dos lusos que vão surgir os guias espirituais da Humanidade... porque nós caminhamos para uma catástrofe gigante.» E é num momento de aflição total que reside a esperança de Rainer. Nessa altura, talvez «essa capacidade, esse gene, venha ao de cima e dê a algumas pessoas a genica para realmente cumprirem a tal razão de existência, da qual já Fernando Pessoa nos falava». A vida de Rainer tem sido rica em feitos e experiências. Em 1972, fundou a Sociedade Portuguesa de Armas Antigas, homologada pelo Governo de Marcello Caetano, da qual ainda hoje é presidente. Depois do 25 de

Abril, teve oito mandados de captura. A maior parte acabou em bem por haver oficiais seus amigos que lhe telefonavam a dizer: «Rainer, não esteja em casa.» Foi interrogado pelo COPCON e pela 5a Divisão. A sua colecção particular foi nacionalizada por Vasco Gonçalves, e no Museu Militar foram abertas quatro novas salas com a colecção de Rainer Daehnhardt. Em 1980, ajudou activamente na tragédia do terramoto dos Açores, enviando, à revelia das entidades oficiais, pedidos de auxilio aos principais Governos mundiais. A sua acção traduz-se em 27 mil contos vindos do estrangeiro, no apoio oficial da base americana das Lajes e na disponibilização de tendas e aviões para transporte do auxílio às vítimas. Em Maio de 1990, três meses antes da Guerra do Golfo, Rainer lança o primeiro alerta público divulgado em Portugal sobre a possibilidade de um conflito no Médio Oriente. Em 1992, assume-se publicamente contra a Comunidade Europeia, reunindo na sua quinta um grupo de patriotas para evocar a perda de independência de Portugal devido à integração na Europa. Rainer Daehnhardt já publicou mais de 50 livros e 300 artigos. Fez dezenas de conferências em Portugal e nos EUA, onde é professor convidado. É membro da Academia de Marinha, da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Arms and Armour Society e da Ordnance Society, entre outras. Montou mais de uma centena de exposições culturais em diversos países. A última está patente na Cordoaria Nacional até Janeiro, sob o título «Em Busca de Cristãos e Especiarias». Em exibição estão mais de 10 mil peças da sua colecção particular, algumas delas nunca antes expostas. Chamaram-lhe um dia «português de luxo», um homem que se dá ao luxo de gostar e de fazer algo a favor deste país. Quem o ouve falar dá-se conta do amor que Rainer sente por Portugal. E parece ser sincero quando diz que «do que este mundo precisa é de lusos... para que haja sobreviventes ». Homem de amigos e de inimigos, de uma coisa não há dúvida: Rainer Daehnhardt é um homem de armas. De muitas armas. •

A exposi ao STÁ em exibição na Cordoaria Nacional, até 17 de Janeiro de 1998, a exposição intitulada «Em Busca de Cristãos e Especiarias», que pretende celebrar o aniversário da viagem de Vasco da Gama à Índia. Da colecção particular de Rainer Daehnhardt estão presentes cerca de 10 mil peças. Alguns dos objectos são únicos no Mundo, e há antiguidades expostas ao público pela primeira vez. O certame ocupa uma área de 300 metros quadrados e faz uma representação da

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22• NOVEMBRO.97

História de Portugal através de documentos régios, moedas, esculturas, armas e artefactos que remontam ao início da Península Ibérica. A proposta partiu do GAMMA — Grupo de Amigos do Museu de Marinha, uma instituição com mais de 40 anos de existência e que aposta na glória da cultura naval portuguesa e na qualidade do Museu de Marinha. Durante muito tempo na penumbra, o GAMMA conhece agora um novo impulso pela mão do seu actual presidente, o almirante Fausto de Brito e Abreu.


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