Revista PLUG 2010 - O Papel do Tablet

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PAPEL DO TABLET E O TAMANHO DA MUDANCA

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crise mundial causou desespero no mercado de revistas americano, mas não teve tanto impacto no cenårio brasileiro, que continua a todo o vapor. Para entender o porquê disso, Ê preciso resumir a diferença dos modelos de negócios dos dois países. No Brasil, a receita Ê dividida com equilíbrio entre publicidade e circulação, pendendo para um ou outro lado dependendo do caso. No evento de uma crise que afete as empresas anunciantes, a gravidade Ê amenizada pela renda proveniente das vendas em banca e assinaturas. Não que o país tenha sofrido em quaisquer das frentes: a circulação de revistas cresceu de 390 milhþes em 2007 para 422 milhþes em 2009, enquanto a receita publicitåria subiu em mÊdia 34% no período. Nos Estados Unidos, as editoras dependem majoritariamente da publicidade. As revistas são mais baratas, as assinaturas são quase um presente (a da Time sai por US$ 20/ano), as ediçþes têm mais påginas e muitos anúncios. O impacto da crise, como se pode imaginar, foi grande. E o iPad surgiu como uma luz no fim do túnel.

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Nos primeiros 80 dias, o iPad vendeu 3 milhĂľes de unidades pelo mundo. No Brasil, o tablet da Apple chega oficialmente em outubro. Antes disso, no entanto, a Editora Abril jĂĄ prepara para setembro um aplicativo do MELHORES & MAIORES, o anuĂĄrio de empresas da revista EXAME. Com a chegada do iPad no paĂ­s, mais algum aplicativo deve aparecer como edição de linha, disponĂ­vel para downloads semanais ou mensais. Segundo Fabiana Zanni, diretora de MĂ­dia Digital da Abril, a marca serĂĄ escolhida por questĂľes estratĂŠgicas, como definição da tecnologia e do sistema de cobrança (de vendas avulsas e assinaturas). LĂĄ fora, duas das maiores editoras do mundo, a CondĂŠ Nast e a Time Inc., apostam muitas fichas na onda do iPad. A CondĂŠ Nast, responsĂĄvel por 30 tĂ­tulos de bem-estar, teve de fechar seis revistas em 2009: Gourmet , Cookie , Domino , CondĂŠ Nast Portfolio, Elegant Bride e Modern Bride , alĂŠm de fundir a Men’s Vogue na Vogue. A decisĂŁo foi efeito tambĂŠm de um estudo encomendado pela empresa Ă consultoria de negĂłcios McKinsey & Company, que sentenciou corte de 25% dos custos na folha da editora centenĂĄria

(fundada em 1909), sob o risco de quebra. A empresa jĂĄ havia perdido quase 9 mil pĂĄginas de publicidade durante o ano. Tida como antĂ­doto para a crise, a escolha em digitalizar começou pela Wired, a bĂ­blia de tecnologia e cultura geek da editora. Lançado em 26 de maio, o app da Wired liderou a lista de downloads da Apple Store e vendeu 24 mil cĂłpias da revista digital (a US$ 3,99, contra US$ 4,99 da impressa) nas primeiras 24 horas. A empresa planeja testar diferentes preços, tipos de publicidade e abordagens para a digitalização das revistas, antes de fechar o modelo. “Queremos vender revistas, claro, mas isso depende da aceitação do pĂşblico e, num segundo momento, da popularização dos tabletsâ€?, diz Chris Anderson, editor-chefe da revista e tecnĂłfilo conhecido pelos livros A Cauda Longa e Free. Ă€s impressas originais, resta aguardar a nova divisĂŁo de mercado entre leitores, com a possibilidade cada vez mais aceita de se tornar um produto premium. “As revistas impressas podem ficar ainda mais artesanais, com design especial, em baixa tiragem. NĂŁo acho que estejamos vendo o fim do papel.â€? (Leia mais na entrevista com Chris Anderson, na pĂĄg. 18.)


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Todas as versões para iPad da casa optaram por não se ligar à internet. A navegação interna, porém, é livre, com páginas em modo horizontal e vertical, sempre com conteúdo multimídia. A última a ganhar sua versão em tablet foi a Glamour. A próxima da fila é The New Yorker, disse Thomas Wallace, editor-executivo das publicações da Condé Nast, em entrevista ao jornal The New York Times.

6 <DJGB:I G:C6H8: :B JB 6EE Se os tablets salvarão a imprensa americana, ainda não se sabe, mas na Condé Nast eles colocaram a Gourmet de volta aos negócios. Após seis meses de morte (o título foi descontinuado em outubro de 2009), a revista virou Gourmet Live, app concentrado em serviços, resenhas de restaurantes e receitas para gastrônomos. O lançamento foi em 22 de junho e o aplicativo é vendido em modelo freemium – de graça, com opções de conteúdo complementar pago. Por enquanto, a situação é restrita à ressuscitada Gourmet, e não significa que as revistas digitais

canibalizarão as impressas, afirma a presidente da Condé Nast Digital. Entre os destaques do lançamento está o investimento em redes sociais, com uma comunidade para gastrônomos e frequentadores de restaurantes, na qual pratos e textos podem ser indicados a amigos, e compartilhados por Twitter e Facebook. Interação e linguagens variadas já são realidade no jornalismo há algum tempo e devem continuar a enriquecer as notícias nos tablets, aposta Andrew Devigal, editor multimídia do site do NYT . “Somos ainda recém-nascidos nas possibilidades das narrativas digitais: engatinhando, não entendendo muito bem, mas sorrindo bastante”, diz ele.

E:GHE:8I>K6H : EGD7A:B6H Apenas nos Estados Unidos, a Time Inc. possui 21 títulos impressos e 26 sites. A empresa estima que 1/5 dos americanos acesse seus sites – são mais de 50 milhões de visitantes únicos e 1,5 bilhão de page views por mês. Embora venham sendo o ramo de expansão principal das editoras, os sites ainda não geram a receita ideal. “O lucro deles é apenas marginal. Acredito que os anúncios para a internet não

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funcionem muito bem”, opina Josh Quittner, editor da revista ON, antiga Time Digital, uma espécie de guia de tecnologia. “[A web] funciona mais como uma ferramenta de marketing. É como se fosse uma amostra grátis do que o público pode encontrar na revista”, explica. O lançamento da versão para iPad da Time pode mudar isso. “Só a receita gerada pela primeira edição da Time para iPad, incluindo publicidade, foi mais que suficiente para cobrir nossos custos com o desenvolvimento do aplicativo”, afirma Quittner. O jornalista garante que as vendas de anúncios para a primeira edição do aplicativo geraram receitas da ordem dos milhões de dólares. A existência de um produto com possibilidade de ser rentável a um custo de produção baixo – a Time Inc. já planeja lançar as versões digitais de mais seis títulos – levou o editor de tecnologia da Time a afirmar categoricamente: “Eu acho que os tablets vão ressuscitar nosso negócio”. Na nova plataforma, espera-se que a publicidade possa ter tanta visibilidade quanto nas revistas impressas: belos anúncios de


página dupla devem, agora, se beneficiar de vídeos e da interatividade. A procura dos anunciantes, por sua vez, poderá manter a qualidade editorial e a lucratividade nos novos tempos. Ainda assim, muitos leitores têm reclamado do preço e, principalmente, do fato de não haver assinaturas. E justamente essa questão está no centro de um embate pesado entre a Apple e as editoras que começam a utilizar o iPad. O conflito estourou com a Time Inc., que pretendia vender assinaturas da Sports Illustrated por iPad, cobrando diretamente dos assinantes, para repassar em seguida os 30% devidos à Apple. A empresa de Steve Jobs não concordou. Mais do que recusar a inversão do fluxo de dinheiro, a Apple pretende ser o canal de contato com o cliente por motivos estratégicos: a empresa de Jobs busca controlar os dados cadastrais e as informações relativas aos hábitos de consumo dos usuários. Nessa nova forma de comunicação editorial, essa parte vale ouro, pois permite adequar os conteúdos ao perfil dos leitores e também ampliar a eficiência da publicidade. O braço de ferro em torno das assinaturas, que não dava sinais de solução até o fechamento desta edição, mostra que a chegada de novos canais de comunicação não é um processo simples nem pacífico, pois reordena o mercado e envolve uma ferrenha disputa pela redivisão de lucros. Para vários editores ouvidos sobre essa questão pelo New York Post, uma solução mais definitiva virá com a entrada de outras empresas que ofereçam produtos similares ao iPad, de forma a reduzir o poder da Apple de impor suas condições. Mas isso ainda pode demorar um pouco.

QUANTOS LERÃO ESTA MATÉRIA ATÉ O FIM? POR PAULA REVERBEL

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pergunta da vez é: “Como fazer uma revista digital para tablet corretamente?”. Afinal, qual a duração ideal de um vídeo? Como os leitores interagem com a publicidade? Quantas pessoas leram uma matéria até o fim? Em que ponto de uma reportagem os leitores pararam para comentar ou postar nas redes sociais? Dependendo das funções de seus aplicativos, talvez as editoras consigam responder a essas e a outras perguntas. A maneira de fazer isso é por meio de analyctics: análise de dados utilizada para saber mais sobre o seu veículo e melhorá-lo. Em sites, os dados de analyctics informam como o visitante chegou às páginas, quantos acessos o site obteve, qual a localização do internauta, que sistema ele possui em seu computador, que navegador usa, quais são os horários de pico do tráfego e que conteúdo foi mais acessado, entre outras coisas. É assim que sabemos que 12% dos acessos do site da CAPRICHO vêm do Twitter, enquanto apenas 1% dos acessos do CASA.COM.BR vem da

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rede social. De acordo com a diretora de Mídia Digital da Abril, Fabiana Zanni, essas estatísticas de visitação têm utilidade editorial: saber de onde vem a audiência, por onde as pessoas saem do site e quais as palavras mais buscadas, por exemplo. O objetivo é compreender o comportamento do usuário e fidelizá-lo, além de saber qual o valor do espaço de publicidade no site e como ele pode ser otimizado. Aperfeiçoar a navegação da página é outra meta. Quando Michael Jackson morreu, o analista de SEO (Search Engine Optimization, o posicionamento de uma marca nas ferramentas de busca) de VEJA.COM, Adriano Ramos, direcionou esforços para esta cobertura e criou uma landing page – página de entrada para todo o conteúdo de VEJA.COM sobre o artista, incluindo vídeos e galerias. Como resultado, as matérias sobre o cantor foram responsáveis por 26,9% das visitas que a área de notícias recebeu no mês. Em breve, as editoras também poderão computar dados de leitura das suas revistas para tablet e usálos para fins de melhoria editorial, publicitária ou de navegação. O editor-chefe da Wired, Chris Anderson, diz que seu aplicativo para tablet será capaz de analisar os hábitos de seus leitores a partir de outubro. Anderson não pode dizer exatamente quais dados ele será capaz de levantar, mas garante que as informações dirão respeito à leitura de uma revista. “Os dados serão diferentes dos coletados em análise de sites, não faz sentido que sejam iguais,” afirma.


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Como a publicidade se prepara para atingir suas metas na revista do futuro TEXTO CÉLIO YANO E CHRISTIAN MIGUEL DESIGN JULIANA PIMENTA ILUSTRAÇÃO PEDRO MELO

É muito perigoso dizer que se domina uma nova mídia, porque tudo muda muito rapidamente.” O alerta de Fernando Penteado, diretorgeral de criação online da agência W/McCann, é para os profissionais de propaganda – o campo em que as modificações tecnológicas têm de ser assimiladas com mais rapidez. O consumidor de hoje pode sentir desconforto com a publicidade explícita de outros tempos. “O nosso desafio é adequar o que as mídias trazem de novo para o formato publicitário – e redescobrir maneiras de chamar a atenção das pessoas.” Antecipar a publicidade do futuro é um esforço feito pelas grandes agências desde muito antes de os tablets aparecerem. “Pensar as plataformas de comunicação de uma forma integrada é o nosso papel há muito tempo”, diz a diretora nacional de mídia da F/Nazca, Lica Bueno, que não prevê mudanças traumáticas num futuro próximo. “Mesmo com os tablets, as pessoas não vão deixar de ver

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TV e vão ter lugares no Brasil aonde só o rádio chega.” De acordo com o diretor de mídia digital da Agência Africa, Felipe Santo, o que pode mudar é a forma como se contrata a publicidade. “Se considerarmos que grandes produtoras de conteúdo chegarão aos tablets, pode-se dizer que o anunciante escolherá o target que quer atingir, e não mais uma publicação específica”, explica. “Em uma situação hipotética, há uma grande diferença entre anunciar na revista PLAYBOY e no canal de conteúdo masculino que a Editora Abril manterá no iPad.” O consenso, no entanto, é que a preocupação com a forma não pode desviar a atenção do conteúdo. “A própria realidade aumentada, a última grande novidade da propaganda, não conseguiria resistir se não viesse acompanhada de conteúdo relevante”, diz Felipe Santo, referindo-se aos anúncios com os quais o espectador pode interagir. Outra grande diferença é que, hoje, o efeito da publicidade pode ser espalhado de maneira positiva ou negativa em pouquíssimo tempo. “As redes sociais aceleram a repercussão de uma maneira incrível”, avalia o especialista em gerenciamento de marcas e dono da consultoria Sonne Branding, Maximiliano Bavaresco. “O grande desafio, agora, é fazer uma peça publicitária tão relevante que ela seja capaz de se propagar pelo YouTube ou pelo Twitter.”

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PUBLICITÁRIOS SE PREPARAM PARA O TABLET A AlmapBBDO, em São Paulo, conta desde o início do ano com desenvolvedores próprios e programadores terceirizados para criar aplicativos para iPad que promovam as marcas de seus clientes. A aposta é em anúncios que misturem a beleza da publicidade impressa com a emoção da TV e a interatividade da internet. “Kindle e Nook basicamente reproduzem materiais de papel em uma tela”, diz o diretor de operações e negócios em web da agência, Marcelo Prais, e vice-presidente do Interactive Advertising Bureau (IAB) Brasil. “No iPad, temos a possibilidade de desenvolver anúncios que tragam experiências muito mais ricas para o consumidor.” Há pouco tempo a publicidade enfrentou um desafio parecido com a internet, que permitiu desenvolver novos conceitos, mas também rendeu experiências fracassadas. Os anúncios pop-up, por exemplo, irritavam os internautas e muitas vezes tornaram-se antipropagandas das marcas que anunciavam. Prais vê isso como uma vantagem. “Agora já temos a experiência da internet. Não vamos começar a trabalhar no iPad do zero.” Nos Estados Unidos, o debate vigente se desenvolve em torno de qual publicidade deve ter maior valor: para iPad (com anúncios personalizados) ou para mídia impressa (com possibilidades de realce como capa em papel diferente

ou página dupla central). Para intermediar a disputa, a Apple criou uma plataforma específica para rodar publicidade em seus aparelhos: o iAds. O novo sistema exibe propagandas automaticamente de acordo com o conteúdo que está rodando. Para o desenvolvedor de qualquer aplicativo – uma revista digital, por exemplo –, basta indicar os espaços nos quais os anúncios devem aparecer. Dois meses após o anúncio do iAds, a plataforma já havia atraído investimentos de grandes empresas como Unilever, AT&T e Disney, na ordem de US$ 60 milhões. Segundo Steve Jobs, presidente-executivo da Apple, 60% da receita do iAds são destinados aos criadores dos aplicativos. Uma alternativa ao iAds é o criador de um aplicativo que inclua anúncios integrados ao seu software, gerando por si só a receita com propaganda. Na Editora Abril, por exemplo, é dessa forma que os espaços em revistas deverão ser vendidos. A diretora-geral de publicidade, Thaís Chede Soares, explica que, desde o lançamento do iPad nos Estados Unidos, no início de abril, a empresa já estuda formas para os anúncios nas revistas digitais. Ela acredita que inicialmente as revistas digitais ficarão muito próximas do que são hoje, replicando toda a publicidade da mídia impressa automaticamente para o iPad – com a possibilidade de inserção de elementos de interatividade. I 6 7 A : I E A J < ' % & % q .


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uando o chefão da Apple Steve Jobs lançou o iPad, as críticas se voltaram para os recursos tecnológicos do aparelho: a tela incomodava os olhos, não tinha webcam nem conseguia realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo. Mas um olhar mais nostálgico mostra um aspecto que escapou à discussão e diz respeito não só ao futuro, mas também ao passado das publicações. Como ficarão guardadas as memórias das revistas digitais? Para entender a pergunta, é preciso diferenciar o acesso às informações nos mundos real e digital. Se no primeiro caso basta que compreendamos a linguagem escrita, nas revistas digitais precisamos de algo a mais: uma plataforma capaz de decodificar os inúmeros bytes que formam o conteúdo.


E se o e-reader ou tablet utilizado no futuro não for capaz de ler a primeira revista comprada para a versão inicial do iPad? Poderá se perder o que seria uma parte do conhecimento de uma época e chegar a uma futura “amnésia” do iPad? Fazendo um paralelo recente, muitos arquivos pessoais esquecidos em disquetes ficaram sem utilidade – desde 1998, as fabricantes de computadores começaram a retirar os leitores de disquetes das máquinas lançadas. Um caso emblemático da perda de informações por causa do avanço da tecnologia é o que ocorreu com a Nasa, a agência espacial americana. Com a aposentadoria de parte de sua força de trabalho nas últimas décadas, o backup para novas mídias de antigos arquivos sobre voos espaciais – catalogados ao longo de mais de 50 anos – ficou escanteado. Resultado: dados guardados em formatos eletrônicos que não estão mais em uso não podem ser lidos. O conhecimento ficou inacessível.

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Mas o que há por trás do nascimento e morte constantes dos arquivos e plataformas? A resposta está na competição entre as empresas de tecnologia. Atualmente, existem pelo menos 17 modelos de tablets e e-readers no mercado, além da previsão de mais 50 lançamentos até o final do ano. Pesquisas apontam que o ano deve fechar com mais de 12 milhões de unidades vendidas no mundo. No entanto, dos dispositivos eletrônicos lançados até agora, nenhum consegue ler todos os 13 formatos mais populares de livros e revistas digitais, que vão desde o tradicional PDF até o Broadband eBook – este último, aliás, só pode ser lido pelo tablet da Sony. A incompatibilidade esconde uma batalha: nos bastidores, as empresas de tecnologia fazem questão de lançar suas próprias ferramentas e entrar em consenso com as editoras, para que desenvolvam suas publicações digitais voltadas aos seus próprios hardwares. Ou seja, agora as empresas estão atrás de arquivos exclusivos para seus dispositivos, fechados para outros conteúdos, em busca da liderança do mercado. É uma situação semelhante à disputa entre as fitas de vídeo para uso doméstico na década de 1980. A Betamax, da Sony, liderava o mercado até a JVC e a Panasonic formarem um consórcio para

lançar o VHS. Este último tipo de fita de vídeo se tornou rapidamente dominante no mercado, por causa do custo menor e também pelas alianças feitas com a indústria de entretenimento masculina.

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Para Cristiano Coelho, professor do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é difícil que se repita a perda de informação devido ao avanço da tecnologia. Ele aponta uma saída para o problema. “Podemos dizer que a tecnologia na área de armazenamento de dados evoluiu bastante e segue a tendência de guardar os arquivos na ‘nuvem’, estocados na internet, como no Google, onde qualquer dispositivo poderá acessálo”, explica o professor. Seguindo essa tendência, para preservar a memória, as empresas de comunicação devem começar a digitalizar seus arquivos para as novas mídias. É o que aponta Grace de Souza, responsável pelo Departamento de Documentação e Pesquisa (Dedoc), setor que tem o trabalho de arquivar e disponibilizar matérias e fotografias das revistas da Editora Abril – por mês entram no sistema cerca de 15 mil imagens e quase 5 mil textos. “Nosso trabalho reflete nossa preocupação com o hoje. Mas estamos pensando sempre no futuro e na conservação da memória da empresa”, afirma Grace. No Dedoc, enquanto 7 milhões de imagens em formatos físicos e 20 mil pastas com recortes de jornais e revistas são conservadas em um arquivo com temperatura e umidade do ar adequadas, as publicações produzidas hoje são gravadas em DVD. “Esse tipo de formato está começando a ser superado e já começamos a pensar em outras soluções para manter guardados os arquivos, mas este é um trabalho que exige muito tempo e recursos financeiros”, conta Grace.

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uem acompanha de perto o futebol percebeu uma grande mudança na cobertura jornalística da Copa do Mundo na África do Sul: os principais focos não foram os gols, os grandes jogadores e os esquemas táticos das seleções, mas os fenômenos extracampo. Nesta Copa, só deu Jabulani, Polvo Paul e Larissa Riquelme. Qual seria a causa?

O primeiro motivo da mudança de foco foi o uso do Twitter: hoje qualquer fato ou pessoa com potencial de alastramento e apelo popular atingem milhões de internautas em questão de horas. Considerada um grande monitor dos anseios do consumidor de informação, a ferramenta criada em 2006 por Evan Williams e Jack Dorsey hoje é usada para definir pautas e sair na frente na disputa por minutos do jornalismo de internet. Em sua quarta Copa in loco, Sérgio Xavier, diretor

de redação da PLACAR, notou uma influência do aumento da organização. “Cada vez mais o contato da imprensa com os jogadores e o técnico se dá em janelas predeterminadas”, conta ele, que lamenta a limitação que isso gera. “Para nós foi uma maldição, a espontaneidade do passado sumiu. Com isso, a parte mais criativa da cobertura foi com fontes secundárias, mulheres dos jogadores, o empresário, o amigão.” O pouco acesso aos treinos e jogadores brasileiros, explica Pedro Só, editor-executivo do Globoesporte.com, também influenciou a criação de pautas diversas. “A gente adquiriu uma pegada mais pop. Aquela cobertura campo-bola ficou mais para a TV.” A segunda causa está relacionada à TV fechada e à oferta de vídeos online. Em Copas anteriores, o torcedor que perdesse um jogo teria dificuldade em assisti-lo – o acesso aos canais a cabo era mais restrito e os raros direitos de transmissão na web, assim como a precariedade da banda, dificultavam as coisas para os internautas. Em 2010,


canais fechados de esporte reprisaram inúmeras vezes as partidas, que também podiam ser assistidas ao vivo ou por demanda no site Globoesporte.com. “Hoje a TV Globo entende a importância de produzir em várias plataformas”, afirma Só. O jornalista explica que a internet reeducou os espectadores. “Os repórteres do site emplacaram matérias no Jornal Nacional, mesmo com vídeos de baixa qualidade.” A aposta para a Copa de 2014 serão mais ângulos exclusivos durante a transmissão (a Globo já adquiriu os direitos para isso). Deverá ser possível escolher entre várias câmeras e, talvez mais para o futuro, acompanhar um jogador específico, que terá uma câmera só para ele. Sérgio Xavier, que aposta que a próxima Copa será “do celular”, ressalta a dificuldade em se sobressair, com o aumento geral da tecnologia.

“Antes da foto digital, do foco automático, se o fotógrafo perdesse uma foto, estava ferrado. Hoje ele aperta o obturador e tem 30 fotos, uma vai sair razoável”, diz ele. “Os grandes fotógrafos continuam se destacando, mas o nível médio au-

mesma coisa, e ele via melhor o jogo que todos”, analisa. PLACAR inovou em 2010 com a publicação de um jornal diário grátis, distribuído nas ruas e disponibilizado na web assim que fechava. “Foi uma mudança de patamar, uma revolução enorme”, afirma. A experiência foi fundamental na gestação da edição semanal do jornal, lançada em agosto. Para 2014, o diretor da revista não acha que o Brasil ficará atrás em termos de organização. “Eu tinha ido a Copas nos EUA, na Alemanha e na França. A África do Sul foi a minha quarta experiência. E as quatro Copas foram muito parecidas, porque a família Fifa desembarca e toma conta”, tranquiliza ele.

C6 Ú;G>86! KÚG>6H E6JI6H HJG<>G6B CD IL>II:G mentou. Com o texto aconteceu a mesma coisa. Você pode ser péssimo, mas entra no site da Fifa, tem o mapa térmico, é um show.” Apesar de o “hardware” ter melhorado, Sérgio Xavier diz que o “software” segue sendo fundamental. “O Tostão estava na bancada ao lado de 400 caras, todos vendo a


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D BJC9D 9><>I6A : D EG6O:G 9: 8DA:8>DC6G O que a realidade da indústria musical pode ensinar sobre o futuro da informação impressa TEXTO MARCELA AYRES DESIGN JULIANA PIMENTA ILUSTRAÇÃO PEDRO MELO

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cada seis meses, as páginas das revistas PLACAR da década de 1970 voltam a contar velhos dribles ao colecionador Eder Corvalão. As caixas que abrigam as publicações são cuidadosamente abertas e as 400 edições obstinadamente preservadas ganham o afago de um pano seco e a atenção do analista de sistemas. Diante da economia de espaço da internet, haverá espaço para o impresso no admirável mundo novo? Eder não titubeia. “Eu pagaria R$ 5 para ter uma cópia eletrônica e

formar o acervo em um tablet. Mas desembolsaria R$ 500 pela publicação original.” “Revistas são marcas que compramos”, declara Nick Crocker, fundador da Native Digital, agência de inovação digital que tem o MySpace e a gravadora EMI como clientes. “Nós as queremos sobre nossas mesas porque elas nos ajudam a definir quem somos, além de nos proverem conhecimento sobre conteúdos específicos.” Crocker acredita que o caminho para a sobrevivência das


revistas pode ser comparado àquele trilhado pelos LPs no caso da indústria fonográfica: mantémse a oferta física de um produto que nunca deixou de ser importante para seus consumidores. “Marcas fortes que explorarem esse viés vão continuar com seu lugar garantido.” Para Luís Carlos Calanca, apreciador inveterado dos bolachões e dono da Baratos Afins, loja com mais de 100 mil títulos, a persistência do vinil também mostra a vontade de compartilhar experiências, já que o som das vitrolas invade o ambiente. “Hoje em dia, as pessoas têm uma relação muito descartável com a música, ninguém mais ouve um álbum cheio. O mundo está globalizado, mas o indivíduo fica cada vez mais isolado com aquele foninho na orelha. Além de ter mais qualidade musical, o vinil é realmente um fetiche, um objeto de desejo. O cara pode manusear aquilo”, afirma. O que a mídia tradicional do papel se vê chamada a enfrentar, a indústria da música começou a viver há dez anos. Dados da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) indicam que o mercado movimentou R$ 890 milhões em

2000, abarcados CDs, DVDs e VHS. Em 2009, essa marca caiu para menos da metade: foram R$ 358 milhões, já contabilizados os arquivos digitais e Blu-rays.

VIRADA DA INTERNET A tecnologia também vem tomando a dianteira no embate entre o arquivo digital e o produto físico nestes dois setores. De acordo com a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), o segmento de arquivos digitais cresceu 12% no ano passado, apesar da queda de 8% na venda geral de músicas. A mesma web que ensejou o aumento dos arquivos comercializados protagonizou um fato histórico em 2009, ultrapassando o mercado de revistas em receita publicitária e transformando-se na terceira maior mídia mundial, atrás de televisão e jornais. A consultoria Zenith Optimedia aponta que, no Brasil, as revistas devem seguir na frente da internet até 2012. Daí para a frente, o cenário fica imprevisível. Premente derrocada do papel? Há quem defenda que as semelhanças entre as indústrias parem por aí. “Música é uma coisa que se compra uma vez e se usa sempre.

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Informação tem uso único e está em constante modificação”, raciocina Jim Spanfeller, ex-presidente da Forbes.com. Para ele, as revistas impressas que seguirem o caminho dos LPs terão sucesso, mas não para sempre. “Elas continuarão em papel por um bom tempo, mas tudo vai para o digital no futuro. Até lá, as publicações paulatinamente terão que migrar para a web ou para o celular.” Para Sérgio Xavier, diretor de redação da revista PLACAR, “a indústria da música se perdeu na soberba e não deu bola para a revolução digital. Um CD é barato, mas o custo final é caro. A indústria gráfica nunca negou o digital: a PLACAR é uma marca, não interessa para o leitor de que forma ela vai chegar, seja no papel, seja na internet”. Da mesma forma, a necessidade de uma leitura relevante e genuinamente útil se acentua em um mundo bombardeado por tantas informações. Aos produtores de conteúdo, venha ele no formato que for, resta a tarefa de fomentar um interesse que nunca vai deixar de existir. “Afinal, futebol é futebol”, finaliza Corvalão, o saudosista colecionador da PLACAR. I 6 7 A : I E A J < ' % & % q &*


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TEXTO GABRIELA PORTILHO DESIGN MAYTÊ LEPESQUEUR ILUSTRAÇÃO PEDRO MELO

uando, num futuro não muito distante, você buscar um hotel em seu e-reader, ele poderá listar as notícias mais relevantes sobre a região, já filtradas para o seu perfil. Haverá vídeos em tempo real e os anúncios poderão ser escolhidos a dedo para lhe oferecer apenas o que realmente deva lhe interessar. Embora várias dessas ferramentas já possam ser antevistas hoje, tudo isso ainda passa longe da realidade do jornalismo na internet. Poucos são os conteúdos de notícias realmente interativos, e você é tratado como um estranho a cada vez que entra no site que já frequenta há dez anos. Às vezes, tem o direito a uma mensagem personalizada de boa tarde, após digitar login e senha.

CDK6H ;:GG6B:CI6H De olho no mercado de notícias, o Google criou três ferramentas para organizar o conteúdo produzido por revistas, jornais e mídias online. Na News Timeline, a ideia é listar todas as matérias vinculadas a um determinado tema e organizá-las cronologicamente, possibilitando, além de acompanhar o que foi publicado, montar uma espécie de termômetro para medir temperatura dos assuntos ao longo do tempo. No Living Stories, é possível acompanhar o desenrolar de uma notícia com cobertura dos mais diversos meios em uma só página. O projeto piloto funcionou em uma parceria entre o Google e os jornais The New York Times e Washington Post, e agora está disponível em código aberto, para qualquer usuário adicionar ao seu próprio site. O Fast Flip é uma espécie de banca de jornais virtual, quase um Google News com cara de banquinha, onde você pode folhear

as principais capas de jornais e revistas de todo o mundo. Caso a notícia interesse, o Google redireciona o leitor ao site do veículo. Aqui também a ideia é licenciar a tecnologia para outros publicadores e websites.

L:7 H:BØCI>86 Manoel Lemos, diretor de tecnologia da Abril Digital, explica que a “visão Google de jornalismo” passa pelo conceito de web semântica. Um dos critérios principais para o ranqueamento de páginas da ferramenta de busca é a quantidade de links que levam a uma determinada página – mas o problema é saber se aquele link tem viés positivo ou negativo. Com a web semântica, dá para qualificar um tweet ou post – a máquina saberá a diferença entre “Eu me mato por este trabalho” e “Este trabalho me faz querer morrer”. O Google aposta que seus algoritmos já podem ter ultrapassado essa barreira e vislumbra um futuro no qual sua página de notícias será personalizada e não dependerá de edição humana. De acordo com o histórico das notícias em que clicamos, ela filtrará o que nos interessa. “Só não se pode cair na armadilha de achar que a criação de conteúdo ficou menos importante”, alerta Manoel Lemos. Afinal, as máquinas (ainda) não apuram sozinhas.


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a cozinha de casa ao Musée d’Art Moderne de La Ville, em Paris, o curador suíço Hans Ulrich Obrist reuniu trabalhos de artistas de calibre em mais de 200 exposições ao redor do mundo. Mas não parou por aí. O atual codiretor da Serpentine Gallery, em Londres, registrou quase 2 mil horas de entrevistas com grandes nomes do século 20, como Yoko Ono e o criador do LSD Albert Hofmann. Eventualmente, ele se reúne com amigos às 6h30 da manhã para discutir arte e cultura no grupo que segue à risca seu nome de batismo: The Brutally Early Club – ou Clube Brutalmente Cedo. Entre os convivas, gente como a modelo Kate Moss e o arquiteto Markus Miessen. Não por acaso, foi dele o título de pessoa mais poderosa do mundo artístico em 2009, concedido pela renomada revista inglesa ArtReview. A seguir, o homem que transformou a curadoria em arte fala à PLUG sobre o futuro da mídia impressa.

Qual é a sua relação com as revistas impressas? Sou leitor assíduo e vivo sob uma polifonia de revistas. Papel é papel. E todo o resto é todo o resto. Como essas publicações mantêm um diferencial diante da popularização da informação na internet? As revistas de papel permanecem importantes à medida que os recursos se tornam mais escassos. É uma questão de sustentabilidade e legado. No fundo, as revistas são cápsulas do tempo, um protesto contra o esquecimento. Elas têm licença para manter um ritmo mais lento enquanto o conteúdo online está em permanente transformação. O avanço das novas tecnologias ameaça as mídias tradicionais? As revistas vão lutar por sua permanência mais do que nunca. Antes de uma dicotomia, pode haver aí uma grande complementaridade. É uma situação similar àquela vivida quando a televisão

foi inventada: o rádio teve que se reinventar. As novas mídias não farão as mídias tradicionais desaparecer. Ao contrário, elas levarão a um processo de fascinante transformação. As pessoas continuarão comprando revistas? Sim, definitivamente. Como Lawrence Weiner (artista conceitual americano) diz, livros decoram um quarto. As revistas de papel, na minha opinião, podem se tornar mais como livros.

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O curador suíço que é famoso por assinar exposições em lugares diferentes, como biblioteca, quarto de hotel e até a cozinha da sua própria casa, é um fã incondicional de revistas

Com mais arte? Revistas como exibições e exibições como revistas são uma plataforma extremamente interessante. Nós temos tentado isso desde os anos 1990 com o Museu em Progresso, em Viena (www.mip.at). E o conteúdo não é restrito aos colecionadores. Exibições impressas são o que Gilbert & George [artistas performáticos britânicos que trabalham com o conceito de escultura viva] chamam de “arte para todos”. I 6 7 A : I E A J < ' % & % q &,


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Para Chris Anderson, editor-chefe da Wired, estamos caminhando definitivamente para a era do mobile TEXTO MIRELA PORTUGAL DESIGN MAYTÊ LEPESQUEUR ILUSTRAÇÃO PEDRO MELO

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hris Anderson está bastante acostumado a soar profético. A naturalidade com que enfileira palavras como “futuro”, “revolução”, “era” ou “verdade” tira um pouco do peso da conversa e nos deixa mais suscetíveis para que ele conte, novamente, o fim do mundo como o conhecemos. Da última vez, Anderson matou a web. O epitáfio recebeu letras negras e fundo laranja-flúor na capa da revista Wired de setembro, além de repercussão imediata nos quatro cantos da internet. Desde 2001, Anderson é editor-chefe da Wired, que ajudou a transformar em livro sagrado da cultura digital. Em paralelo, escolheu como missão anunciar o efeito econômico da tecnologia, defendendo o “faça você mesmo” no livro Cauda Longa e a cultura do grátis na obra Free, ambos hits editoriais. Para ele, a revolução dos bits ainda vai pulverizar todo o modelo de negócios e a indústria do mundo – enquanto é transmitida ao vivo no YouTube. Sua anarquia tecno-punk é dividida com a missão de salvar os títulos da editora Condé Nast, tornando a Wired farol digital para publicações de peso como a New Yorker. O executivo subversivo e jornalista graduado em física não se acha contraditório. “Não sou um cara da web ou de revistas, sou um cara das ideias.” Anderson conversou com a PLUG em uma de suas viagens rápidas para conferências – às vezes, uma cidade a cada dia da semana. Em São Paulo, falou da versão para iPad da Wired, que estava para ser lançada e chegou ao topo da AppleStore em sua primeira edição, com mais de 100 mil downloads. Chris Anderson é também @chr1sa, tem 49 anos e várias ideias sobre redações, design, internet e jornalismo.

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Os leitores da Wired, uma revista preocupada com o espírito do tempo, esperam que a publicação seja vanguardista. Como a versão digital da revista foi pensada para corresponder a isso? Sabíamos que havia expectativas, porque é nossa meta tentar reinventar constantemente o que uma revista pode ser. Quando soubemos que a Apple lançaria seu tablet, sentamos para pensar o projeto, mais ou menos um ano antes do lançamento do aplicativo da revista. Desde o começo, nossa intenção era manter a essência do que já fazíamos mês a mês, que é o pacote de informações escolhidas com curadoria, periódico, hierárquico. Ao mesmo tempo, pensamos uma mudança total na experiência de leitura. Agora ela ganha camadas, profundidade. Você tem duas revistas diferentes, uma vertical e uma horizontal, e mesmo terceira dimenI 6 7 A : I E A J < ' % & % q &.


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são, com os arquivos de vídeos. Podemos dizer que é o fim da grande ironia que é uma revista de tecnologia só agora se tornar realmente digital. Agora o meio é a mensagem. Como o site Wired.com vai se integrar ao projeto? Há planos de mudança no site? O site não deve mudar muito. O Wired.com tem sua própria equipe, seu próprio editor – não eu. O conteúdo da revista que vai para o ar também não é colocado por nós. Eles operam minuto a minuto, e nós operamos nove ou dez meses no futuro, pensando nas próximas edições. Não acho que usemos a web tão bem quanto deveríamos e de fato não vejo por aí muitas revistas que saibam usar bem a web. Não condiz com a noção de revista, do conteúdo em pacote. A web é boa para streaming, comunidade, conteúdo gerado pelo usuário, muitas coisas que não são da essência de uma revista, e escolhemos mantê-los separados.

ÅC d VX]d fjZ jhZbdh V lZW i d WZb fjVcid E por que a opção por um aplicativo offline? YZkZg Vbdh Z Queríamos que o app fosse imersivo, uma experiência individual, como a leitura da revista impressa já é. c d kZ_d edg Escolhemos não lincar à web porque web é, antes de tudo, comunicação. Não é HTML; é TCP/IP. Pulveriza, insere na comunidade. E queríamos que o app V bj^iVh envolvesse, como um videogame. Faz parte do conceito dos produtos: revistas e internet são uma mu- gZk^hiVh fjZ d a n ç a c u l t u r a l d o m o d o d e p ro d u ç ã o d e conteúdo– revistas e apps, não. Por isso, o site às hV^WVb jhVg vezes nos frustrava, tínhamos a sensação de não fazer muito bem. WZb V lZWÆ

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Os geeks e a geração digital se afastam cada vez mais da “velha mídia” como hábito ou referência. Como a Wired conseguiu manter esse público e ser um símbolo impresso da cultura digital dos 1990 para os 2000 e agora os 2010? Acho que é principalmente porque nascemos como um experimento, nascemos para cobrir a revolução digital. Naquela época, experimentos envolviam diagramação, fontes, tintas, testes no papel, e novas abordagens para o jornalismo, e o que poderia ser feito numa revista. Temos a vantagem de falar de tecnologia, então é esperado que usemos tecnologia. Por isso, nosso foco no mobile agora, com a versão para tablets. Estamos caminhando para a era do mobile e o fim do desktop, na minha opinião. Como você enxerga o futuro das revistas na era dos tablets? O futuro das revistas é digital. Dizendo melhor: permanecerão as histórias. Mas serão contadas na forma impressa e na forma digital, e pensadas desde o começo para as duas plataformas, com uma equipe de produção bilíngue com raciocínio online e offline. É óbvio que a web vai continuar por perto. Mas, repito: escolho por definir a web como muitas coisas que não uma revista. Mas isso não muda o papel dos públicos e mesmo das revistas impressas? Acho que, para as revistas e mesmo os livros impressos, a fatia de mercado deve diminuir. Há aqueles que preferem o papel, o tato, e


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não vão mudar; há os que vão buscar as duas experiências, e há os que não eram leitores de revistas nem mesmo antes, por serem caras da web. O que podemos fazer é pensar: quantos desses últimos nos leriam se pudessem nos ter digitalizados? Agora é a hora de ficar acessível a eles. Com uma fatia de mercado menor, a indústria deve fazer títulos mais e mais bonitos. As capas serão pensadas para ser mais bonitas, com melhor qualidade de impressão, para ficar bem na sua estante, ou serem dadas como presentes. Ficam menores no mercado, mas melhores. Antes do lançamento do iPad, a Adobe vinha preparando um software que poderia, essencialmente, converter o conteúdo da Condé Nast em aplicativos de iPhone e iPad. Como surgiu essa parceria? Foi natural, a partir do momento em que temos uma equipe talentosa de centenas de designers alfabetizada nas ferramentas Adobe – InDesign, Photoshop. Queríamos usar as mesmas pessoas para fazer belas revistas digitais, enquanto o software faz a mágica. A Adobe já pesquisava software de conteúdo para tablets e precisava de um parceiro. Então, nos escolheram. Como o senhor disse, as revistas ganham camadas, são controladas na ponta dos dedos, ganham um ar de Minority Report. O senhor acha que a nova experiência de leitura pode ter o mesmo efeito para a indústria de publicações que o 3D teve para o cinema? Acho que a resposta é sim, mas você tem que ter cuidado para que essas imagens não sejam apenas um truque, que elas realmente sirvam à história. O 3D é uma boa escolha para exemplo. Nem todo mundo lembra, mas 3D antes de Avatar era considerado algo brega e que não acrescentava muito ao filme. Avatar foi desenhado e pensado para 3D desde

o começo, e há um ponto em que você esquece da tecnologia e entra na história. E nosso trabalho é contar histórias. Histórias reais, com um objetivo. Mudou muito a rotina de um redator ou freela da Wired, agora que seu texto será também digital? Não, não para os jornalistas. Mudou mais na rotina dos designers e fotógrafos, que inclusive aumentaram na equipe. As fotografias são feitas para girar 360 graus, transformamse em informação, elas meio que se mexem, como os jornais de Harry Potter, os infográficos viraram animação, com os quais podemos interagir. Tudo isso demandou maior trabalho e mais dinheiro, mas achamos que o resultado merecia ser o melhor. Como a editora planeja a integração com tablets nas outras publicações da casa? Somos uma empresa tradicional de revistas. Nossos negócios giram 98% em função dos impressos. Eu não diria que nosso dever necessariamente é seguir novas tecnologias. Nosso forte são as boas revistas, nós as fazemos melhor que todo mundo. Digo, temos a nossa própria Anna Wintour. As versões digitais vão refletir a força dessas redações, e o modelo de equipe bilíngue deve se estender pelos outros andares. A Wired foi a primeira a ter a mesma equipe fazendo as duas versões, e deve acontecer também com

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as revistas irmãs. Somos conhecidos como extraordinários revisteiros, não necessariamente como inovadores. Achamos que essa geração tablet é a oportunidade de fazer ambos. O modelo de negócio para esses produtos novos também pode ser encaixado em suas ideias de Cauda Longa? Certamente. Há diversas revistas-cauda-longa para uma audiência incrivelmente especializada. Meu cunhado na Inglaterra assina duas revistas, uma chamada Salmão e Truta, e a outra Truta e Salmão. E elas são diferentes, mesmo que só sejam úteis aos pescadores mais dedicados. O problema das revistas de nicho é que é muito difícil distribuir, imprimir, endereçar e transportar, então há uma grande oportunidade numa revista que se pode fazer download. Unindo isso ao fato de que as pessoas ainda amam revistas, a distribuição virtual é uma saída. Para você, o que é estar no meio de uma transição de linguagens? Sinto que estamos num território diferente. Amamos a web, mas estivemos todos lutando para fazer dinheiro na internet, para manter a atenção de clientes e público, e aprendemos muito sobre o espaço digital. E agora é nossa obrigação usar esse conhecimento. Estaremos num território muito parecido com o de nossa origem. Pessoas amam revistas, mas elas são baseadas em publicidade, que é sujeita aos altos e baixos da economia. Temos aqui um problema de negócios. Temos de encontrar uma maneira mais eficiente de entregar e cobrar. E, se tudo o mais der errado, temos a oportunidade de consertar os vícios da indústria.

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D Y^V Zb fjZ V lZW bdggZj No dia 17 de agosto de 2010, a Wired matou a web. A sentença de morte veio em dois longos artigos de capa, um deles assinado pelo próprio Chris Anderson, outro de Michael Wolff, um dos colunistas da revista. “A web morreu. Longa vida à internet!”, dizia o título. Nada de futuro ou ápice da revolução online: o centro de gravidade do consumo digital estaria se movendo para uma era pós-HTML. Antes que fossem confundidos com Prince (o cantor), que andou anunciando o fim da internet no começo do ano, os dois explicaram: a internet, que usa protocolos TCP e IP para mover pacotes de conteúdos, é um sucesso. O que está obsoleto é a web e seu mundo visto pelas janelas dos browsers. Estaríamos diante da era dos apps, aplicativos de acesso direto ao conteúdo, apoiados na explosão dos dispositivos móveis. É culpa da raça humana, diz Anderson. Trocamos cada vez mais a liberdade da web pela facilidade e conforto dos aplicativos, mesmo que sejam pagos. É o renascimento da velha mídia, diz Wolff. O conteúdo se fecha, se concentra em oligopólios e volta a dar dinheiro para empresários da imprensa e tecnologia. A reação à capa polêmica foi imediata. Para Alex Madrigal, editor de tecnologia do The Atlantic, o problema com a teoria é presumir que tecnologias em níveis diferentes não possam coexistir. “Tecnologia não é apenas uma sequência evolutiva de maravilhas”, escreveu em artigo. A própria Wired instaurou um debate em seu website sobre o assunto.



PROJETO EXPERIMENTAL DOS ALUNOS DO CURSO ABRIL DE JORNALISMO 2010. PARTE INTEGRANTE DA REVISTA PLUG IMPRESSO EM PAPEL RECICLATO 120 g TIPOGRAFIA: uma combinação da MUSEO (MyFonts) e ANTENNA (Font Bureau)


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