Revista Universo IPA 8

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REVISTA do curso de Jornalismo do Centro Universitário Metodista do IPA Ano 4 | Edição 8 | Dezembro de 2009 | www.metodistadosul.edu.br/universoipa

Relíquias da vida

Cam

dos

Anti

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pági

Mistura

Tesouros da

Riachuelo

que deu certo página 44

página 20 Escuro, tela grande e

cinema alternativo página 6


IPA - INSTITUTO PORTO ALEGRE DA IGREJA METODISTA CONSELHO SUPERIOR DE ADMINISTRAÇÃO - CONSAD PRESIDENTE

Wilson Roberto Zuccherato VICE-PRESIDENTE Rosilene Gomes da Silva Rodrigues SECRETÁRIO

Rui Sergio Santos Simões CONSELHEIROS

Augusto Campos de Rezende Clóvis de Oliveira Paradela Eric de Oliveira Santos Henrique de Mesquita Barbosa Corrêa Maria Flávia Kovalski Nelly Azevedo Matolla Nelson Fer Paulo Roberto Lima Bruhn Saulo de Tarso Cerqueira Baptista

REVISTA ELABORADA PELOS ESTUDANTES DO 2º SEMESTRE DO CURSO DE JORNALISMO IPA COORDENADORA DE CURSO

Mariceia Benetti PROFESSSORES(AS) Everton Terres Cardoso e Michele Limeira EDITORA-CHEFE

Michele Limeira DIAGRAMAÇÃO

Turmas do 2º semestre noturno do curso de Jornalismo IPA REVISÃO

Lisete Ghiggi e Michele Limeira CRIAÇÃO DE CAPA

Carlos Tiburski AJOR - AGÊNCIA EXPERIMENTAL DE JORNALISMO IPA SUPERVISORA DA AJOR REITOR

Norberto da Cunha Garin COORD. DE COMUNICAÇÃO E MARKETING

Denise Avancini Alves

Profa. Lisete Ghiggi ARTE-FINAL

Carlos Tiburski CONTATO

Rua Dr. Lauro de Oliveira, 71 - Rio Branco - POA/RS 51 3316.1269 | ajor@metodistadosul.edu.br Esta revista foi impressa em papel Reciclato como parte do programa de consumo consciente dos recursos naturais e colabora, assim, com a redução dos danos ambientais.

IMPRESSÃO

Gráfica Odisséia (300 exemplares)


A maneira de viver de um determinado grupo social, seus hábitos, sua história, suas obras de arte, seus costumes, tradições, constituem a cultura de um povo. A cultura é um aspecto da vida social rico em informações com potencial jornalístico e de interesse público. Nesta edição, a Revista Universo IPA inova e, ao transitar no âmbito cultural, revela os diferentes olhares dos alunos do segundo semestre de Jornalismo sobre a cultura em Porto Alegre. A proposta de uma edição temática foi construída em conjunto com os alunos da disciplina de Projeto Experimental II, que também propuseram e definiram as pautas de cada reportagem. Temos como resultado reportagens que apresentam a vida cultural da capital gaúcha, projetos para a área, peculiaridades, curiosidades e novidades. Histórias reais foram apuradas, reconstituídas e ocupam as páginas desta edição, produzida no espaço acadêmico, com o objetivo de concretizar-se como um lugar de experimentação do fazer jornalístico. Um passeio pelos antiquários instalados no centro de Porto Alegre é capaz de encantar. Cada objeto guarda em si histórias peculiares e desconhecidas apreciadas por colecionadores dos mais diversos lugares que buscam nas antiguidades um jeito de manter viva a história. São estas experiências que são contadas na matéria de capa desta edição. Somam-se a esta reportagens as opções que Porto Alegre oferece para quem busca salas de cinema que fogem do convencional e oferecem diferenciais tanto em termos de títulos quanto em espaço físico. O leitor ainda poderá circular pela “rua dos livros”, um dos logradouros do centro da capital onde se concentram livrarias, sebos e bibliotecas, tornando-se um verdadeiro convite à leitura. Além destas três grandes reportagens, outras tantas complementam a edição, cada uma delas abordando aspectos específicos da cultura. Expomos nas páginas a seguir o trabalho de um grupo de alunos que, seduzido pelas pautas, percorreu lugares, dialogou com as fontes, investigou e transformou as informações em textos jornalísticos para serem apreciados por todos! Boa leitura.

CINEMA | Escuro, tela grande e cinema alternativo .................................. 6 TEATRO | A arte viva ................................................................................................................................................ 10 TEATRO | Cooperação para fazer teatro ........................................................................ 12 LUGARES | História e cultura gaúcha

no Centro de Porto Alegre ............................................................................ 13

LUGARES | Patrimônio preservado

no Solar dos Câmara .................................................................................................. 14

LUGARES | Usina do bem ............................................................................................................................ 16 LUGARES | Viva Porto Alegre, viva o Centro

......................................................

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LUGARES | Tesouros da Riachuelo ........................................................................................... 20 COMPORTAMENTO | Porto Alegre e as relíquias da vida .......... 24 COMPORTAMENTO | Reabilitação através da cultura ...................... 26 COMPORTAMENTO | França mon amour

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COMPORTAMENTO | Brasil, um povo cordial ..................................................... 30 INVESTIMENTO | A nova Igreja da Conceição ............................................... 32 INVESTIMENTO | A reforma do Auditório Araújo Viana ............ 34 INVESTIMENTO | Multipalco da capital ....................................................................... 35 MÚSICA | O caminho mais rápido para o sucesso ................................. 36 MÚSICA | Reiventando a música .................................................................................................. 38 MÚSICA | Cultura e lazer no mesmo lugar ............................................................. 40 MÚSICA | Em busca do ritmo perfeito ............................................................................ 42 VOLUNTARIADO | Contação de histórias como inclusão social

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LITERATURA | Mistura que deu certo .............................................................................. 44 Michele Limeira Professora Responsável Projeto Experimental II

ED I TOR I AL

Caros leitores,

ENTREVISTA | Um humorista pra lá de gaudério .......................................... 4

ED ITOR IA L

leitor

Sumário

RESENHA | Dúvida que o filme não deixa ............................................................... 46

Universo IPA | Julho 2009

Carta ao

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ENTREV ENTR EVISTAI STA Universo IPA | Deezembro 2009 4

Um humorista pra lá de gaudério André Guimarães Antunes/Divulgação

MAURICIO FREITAS

Nascido em Porto Alegre, Jair Kobe teve muitas experiências antes de ser humorista. Cursou três faculdades, sem concluir nenhuma delas. Já fez de tudo na vida. Chegou a ser ‘sacoleiro’ e, há alguns anos, foi até fotógrafo profissional. Após passar por tantas profissões, Kobe se orgulha de completar oito anos da carreira humorística. Conhecido por muitos como “Guri de Uruguaiana”, o humorista conversou com a reportagem da Universo IPA contando detalhes sobre o início da carreira – que completou oito anos em 2009 – e fez uma análise do humor gaúcho e nacional. Universo IPA - Como começou a tua carreira humorística? Jair Kobe - Oficialmente, eu me tornei humorista em outubro de 2001. Mas, claro, fiz 50 anos agora e nestes 42 anos sempre tive o lado do humor muito presente em função da minha família, do meu pai e dos meus irmãos. É todo mundo muito engraçadinho lá em casa. Quando eu fiz outras coisas na vida, comecei a criar esquetes de vários personagens. Quando me dei conta, tinha vários personagens. Havia um gaúcho, um baiano, um mágico que falava castelhano e uma dupla sertaneja que era uma paródia. Todas tinham uma caracterização. Nesse momento, procurei o Flávio Bicca, uma pessoa muito ligada ao teatro gaúcho, e ele me ajudou a organizar esse monte de personagens num evento só. Foi aí que, em outubro de 2001, surgiu o espetáculo “Seriamente Cômico”, no Teatro do Ipê, porque o Flávio cuidava da pauta de lá, e isso facilitou a minha ida ao local. Mas antes da estreia, fiquei três meses sozinho no Ipê, ensaiando com ele, na tentativa de organizar esse ‘fio condutor’ para que, no mesmo espetáculo, o artista fosse para a Bahia, São Paulo, Uruguaiana e Iugoslávia, onde ele se transformava no mágico. Universo IPA - Qual é a diferença de fazer humor no rádio, na TV e no teatro? Jair Kobe - É bem diferente, mas tudo tem o mesmo objetivo, a gente vai se adequando e com o tempo vai aprendendo a fazer, vai tendo

“Seriamente Cômico” será o novo DVD ao vivo de Jair Kobe

preferências. Na TV, eu comecei fazendo ‘tiro curto’, de dois minutos e meio, três minutos ao vivo, no Bom Dia Rio Grande. Isso me deu um pique muito bom e foi um baita exercício. No rádio, tu começas a adquirir a ‘manha’ com o passar do tempo. A cada entrevista, percebes o que funciona melhor. No início tu vais com ‘cola’ para a rádio. Podes levar um livro de frases geniais, de piadas prontas pra ter a sacada na hora e poder ‘colar’. Depois, com o tempo, o repertório fica firme e as coisas acontecem naturalmente. É como no teatro. Quanto mais espetáculos tu fazes, mais vais pegar a tranquilidade quanto ao texto, o que dá condições de improvisar.

Universo IPA - O improviso na peça é importante? Jair Kobe - O improviso é importante desde que tu tenhas o conteúdo, o texto. Não podes subir no palco só na base do improviso. Ficaria um humor irresponsável. Porque a platéia está na expectativa e é preciso fazer graça. E se não deu certo o teu improviso, como é que fica? Não podes frustrar essa expectativa. Se tu tiveres o conteúdo, sabes para onde ir caso o improviso não dê certo também sabes que vais fazer rir e que vai funcionar. Eu adoro isso, desde que tu tenhas o conhecimento do que estás fazendo.


Luis Antonio Guerreiro/Divulgação

ENTREV I STA

Universo IPA - Qual dessas linguagens te agrada mais? Jair Kobe - O teatro em primeiro lugar, a TV em segundo e o rádio em terceiro.

Universo IPA - Qual é o caminho para alguém que queira ‘viver de humor’? Jair Kobe - Acredito que, como na música, tu podes ser o intérprete ou o autor. São coisas separadas que podem andar juntas. Lógico que se tiveres como ser o autor e ainda ‘cantar bem’, vais ser tudo de bom. A música é inédita e tu tens a execução que é o cara cantando bem. Tu és ‘completo’. Se és humorista e tens o texto

Guri de Uruguaina é o primeiro personagem de Jair a ter um espetáculo exclusivo no teatro

próprio, facilita porque vais ter o ineditismo do texto. Isso já é o grande barato. Mas tu podes ser só o intérprete e trabalhar com piadas prontas. O cantor Emílio Santiago, por exemplo, canta super bem. Ele só precisa escolher o repertório ideal para voz dele e ele vai ser um sucesso, mesmo sem compor nada. No humor, acho que funciona assim também. Hoje em dia tem o stand up (um espetáculo de humor executado por apenas um comediante) onde tu podes contar uma história sem nenhuma caricaturialização. Tu podes criar uma esquete com um personagem. Aí quando tiveres algumas esquetes podes montar um show de teatro com 15 minutos de texto. Podes começar também com pocket shows em bares. Hoje em dia são inúmeras as possibilidades, e isso é muito bacana.

Universo IPA - Como tu vês a manifestação humorística no RS? Jair Kobe - Eu acho que ainda está tímida. Não está como poderia, pelo potencial do Rio Grande do Sul. Porque existe uma característica muito forte daquela coisa do gaúcho ser mais engraçado, mais brincalhão. De qualquer forma, acho que ainda não está no momento, como de Curitiba para cima, onde aparecem muitos humoristas nesse formato de stand up. O Rio Grande do Sul ainda está carente neste formato. Está surgindo pouca gente, mas acho que é uma questão de tempo. Em seguida, vamos nos surpreender com vários humoristas, até porque hoje o humor leva mais pessoas ao teatro do que o drama e outros gêneros e, por isso, existe um olhar diferente para esse segmento.

Universo IPA | Dezembro 2009

Universo IPA - Na tua visão, o que é feito de certo e errado no humor Brasil? Jair Kobe - Não tenho essa soberania para determinar o que é certo ou errado. É questão de gosto. Existem programas que estão há 15, 20 anos no ar fazendo sucesso nas grandes redes de televisão que não são, por exemplo, o gosto do povo gaúcho. São programas nacionais sustentados pelo povo do centro-oeste e norte do país. Eles são programas com um tipo de humor mais popularesco que, me parece, não agrada tanto ao público gaúcho. Não é ser elitista, mas o povo gaúcho tem outra referência de humor em relação ao povo cearense, por exemplo. Lá, o humor tem um apelo popular infinitamente maior do que o nosso. Lá é aquela coisa mais caricata, o homem vestido de mulher, enfim. Não que não exista aqui ou que não funcione. Lá é uma cultura de referência nacional. Existe uma rua cheia de bares só com humoristas, o que faz com que surjam mais humoristas. No momento que tu temos um número muito maior de pessoas se apresentando, vamos ter coisas melhores aparecendo e, logicamente, vão ter outras ruins também. Por isso eu não sei dizer no humor o que é certo ou errado. A pessoa que faz humor sem preocupação, mais apelativo em palavras e mais pesado tem um público que vai ao espetáculo para assistir isso. Acho que cada um tem o seu espaço. Alguns têm um humor mais pastelão, mais escrachado e, também, tem o seu público. Enfim, cada um tem o seu público.

ENTR EVISTA

Universo IPA - Por que esta ordem? Jair Kobe - Bem, analisando, eu tenho bastante intimidade com o teatro porque faço mais de 20 espetáculos por mês, desde 2005, e isso traz cada vez mais tranquilidade no palco. Também faço bastante TV e, por isso, fica em 2º lugar e, em 3º, o rádio porque é o que eu menos faço. Já tive um programa mais fixo na Rádio Rural, o Buenas Tardes Tchê, mas de qualquer forma é essa a proporção.

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Escuro, tela grande e cinema alternativo

Universo IPA | Deezembro 2009

Na DIREÇÃO oposta das salas de CINEMA comerciais, espaços FOCAM a programação em outro tipo de PRODUÇÃO cinematográfica. São as chamadas salas de cinema ALTERNATIVO

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LUAN PIRES

Orçamentos milionários, atores conhecidos globalmente e produções exibidas em superestreias mundiais. Se você acha que cinema se resume a isso, está na hora de rever seus conceitos. Na direção oposta, existem salas que priorizam outro tipo de programação. São espaços que apostam na exibição de filmes menos conhecidos pelo grande público, e que têm como objetivo tornarem-se uma alternativa ao dominante cinema hollywoodiano.

Existe muito debate sobre o que é o cinema alternativo. Segundo o diretor e roteirista de sucessos como ‘3 Efes’ e ‘Sal de Prata’, Carlos Gerbase, o cinema alternativo seria tanto uma diferenciação econômica e de processo de realização, quanto uma diferenciação estética e artística. Para o professor do Curso de Cinema da PUC-RS, “alternativo é aquilo que se opõe ao modelo hegemônico”. Já o programador da sala de cinema do Santander Cultural, Glênio Póvoas, prefere dirigir o foco não propriamente aos filmes, mas

às salas que os exibem. “As salas não mostram filmes alternativos, mas elas são salas alternativas”, diz ele. Porto Alegre possui em torno de 20 salas de cinema de caráter alternativo. Algumas com perfil mais clássico, como a PF Gastal, e outras mais direcionadas ao cinema alternativo contemporâneo, como o Cine Santander. Há também salas com uma longa tradição, a exemplo da Cinemateca Paulo Amorim, localizada na Casa de Cultura Mário Quintana. Outras se destacam na cena cultural de Porto Alegre como o


C INEM A Carlos Gerbase, diretor e roteirista de filmes de destaque, como ‘3 Efes’ e ‘Sal de Prata’

blico que as frequenta, estão surgindo filmes vindos de países que muitos julgariam nem produzir cinema. Na opinião de Póvoas, da sala do Cine Santander, o cinema iraniano atualmente pode ser destacado. Para o programador do Guion Cinemas, não há uma tendência majoritária, mas os filmes alemães, japoneses, romenos e outros menos conhecidos, como os produzidos no Uruguai e Portugal, ganham destaque na cinematografia internacional. Muitos podem perguntar o que aconteceria

“O Guion é único”

Carlos Schmidt

se tais filmes alternativos recebessem na mídia a mesma atenção dos filmes comerciais, com o investimento adequado em publicidade e outros recursos de divulgação. Na opinião de Marcus, da PF Gastal, “se as armas fossem as mesmas, o público também poderia ser mais atraído pra esse tipo de cinema”. Ele cita como exemplo o apelo comercial de alguns filmes brasileiros, como ‘Os Normais’, que se refletiu no excelente desempenho nas bilheterias. De fato, a importância de um cinema diferenciado, que crie opções para o público, é

Definido pelo programador Carlos Schmidt como ÚNICO, o Guion Cinemas é um local tradicional da cena Cultural de Porto Alegre. Localizado no Shopping Nova Olaria, é composto por duas salas que têm como objetivo tornarem-se um ambiente aconchegante e pessoal para o público. Recentemente, o espaço entre as poltronas das salas foi aumentado em dois metros, evitando os desagradáveis chutes no espaldar das cadeiras pelo espectador de trás. Também são disponibilizados pufes para os descansos dos pés. Outro diferencial do Guion é que é proibido entrar com alimentos e após 15 minutos passados do início do filme. “Desde o começo sempre nos preocupou a transformação das salas de cinema em um ambiente gastronômico, que interfere e perturba a tranquilidade de quem quer assistir”, disse Schmidt. A programação do Guion prioriza filmes que são uma alternativa ao cinema dominante, o norte-americano. “Existem muitos olhares no mundo que merecem e devem ser apresentados”, afirmou Schmidt, ressaltando que prioriza o bom cinema. “O que oferecemos é cinema de qualidade, independente de suas colorações políticas, sexuais, ou de nacionalidade”.

Universo IPA | Dezembro 2009

Guion Cinemas, que já trouxe personalidades importantes às suas dependências. É notável a importância desses espaços para a capital Gaúcha como um todo. O programador da sala PF Gastal, Marcus Melo, ressalta essa importância. “Determinados filmes devem ser exibidos de tanto em tanto tempo, para que outras gerações tenham acesso a eles. Compete às salas alternativas organizar mostras para esse fim, propiciando que novas gerações vejam tais filmes, formando assim, novos públicos”. Entretanto, como lembra o programador da sala de cinema do Santander Cultural, hoje esse papel está se modificando e, cada vez mais, é o clima de ‘sala de cinema’ que deve atrair o espectador. “O papel das salas alternativas está mudando em função dos vídeos e DVDs. O sujeito pode organizar um ciclo dos cineastas em sua casa, é só ir à locadora, alugar os vídeos ou DVDs e ver em casa. Agora, o que caracteriza o nosso diferencial é que na sala de cinema tem o ritual, a sala escura, um ambiente sem interrupção.” O circuito de cinema alternativo tem fôlego próprio e, como no cinema comercial, essas salas costumam ir atrás de cinematografias interessantes e de novidades para o seu tipo de público. Além do cinema francês, preferência entre os programadores dessas salas e do pú-

C I NEMA

Luan Pires

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C I NEMA C INEM A

essencial para qualquer cena cultural. O conceituado cineasta Carlos Gerbase, destaca a necessidade de opções e novas linguagens no cinema: “Sem diversidade, não há evolução. Isso é uma lei biológica. Se tudo é igual, a seleção não vai adiante”. Gerbase cita exemplos de filmes que, em determinadas épocas, revolucionaram a linguagem cinematográfica. Um deles é ‘O cão andaluz’, filme lançado em 1928, dirigido e escrito por Luis Buñuel e Salvador Dalí. Segundo Gerbase, a obra é um marco do cinema surrealista, na qual os seus diretores exploram o inconsciente humano, numa sequência de cenas oníricas, incluindo o célebre momento em que um homem corta, com uma navalha, o olho de uma mulher. “Esse filme, rompeu completamente os padrões e modelos do cinema convencional. Ali era o novo surgindo com uma força incrível”, explica o cineasta. O cinema de arte pode causar estranheza a quem só está acostumado com filmes tradicionais, que apresentam um personagem heróico, uma história linear, com final feliz ou triste. Gerbase lembra outro bom exemplo, mais contemporâneo, o filme ‘Anticristo’, do polêmico diretor Lars Von Trier.“Nesse filme, a pessoa verá um plano de relação sexual bastante explícito, um clitóris sendo cortado... Trier faz questão de

incomodar as pessoas, ou seja, coloca no filme coisas que vão mesmo chocar.” O interessante dos filmes de caráter alternativo é que seu próprio público nunca sabe o que vem pela frente, podendo se chocar, ficar intrigado, gostar ou odiar. Gerbase menciona outro exemplo de cinematografia com uma proposta que pode não ser bem aceita ou entendida por alguns. “Tem o filme ‘Irreversível’, que é todo contado de trás pra frente. A primeira cena, na verdade é a última, e a última é a primeira. Muita gente na terceira cena vai sair fora, mas quem entende a proposta e o que está acontecendo, senta e curte”.

Sobrevivência das salas Conseguir manter-se num cenário marcado pela crise, e com um público segmentando, é um exercício de planejamento para essas salas. No caso da sala PF Gastal, ela é subsidiada pela prefeitura e ligada à Secretaria Municipal da Cultura. O valor das entradas pode variar de dois a quatro reais. É por esse fato que seu programador, Marcus Melo, afirma: “Se dependesse da bilheteira, não sobreviveríamos”. Já o Cine Santander, conforme conta Gle-

“Nós apostamos na integração” René Cabrales

nio Povoas, “É uma sala cultural patrocinada pelo Santander. A gente cobra ingresso porque a entrada gratuita acaba desqualificando o espaço. A ideia é conseguir manter a sala, mas o foco não é o lucro”. Apesar de ter um público fiel, Schmidt, programador das salas de cinema do Guion, alerta sobre as dificuldades para sobrevivência desses espaços, devido a benefícios como a meia-entrada, que, segundo o programador, não atinge seu objetivo. “Tivemos muitas interferências na nossa atividade, como a obrigatoriedade da meia [entrada], que, atualmente, fez nosso faturamento cair para a metade. Independente do benefício que esta lei oportunista possa ter concedido, o certo é que quem já ia ao cinema, agora vai pagando a metade. A ideia de que o público aumentaria é falsa. O certo é que já não estamos mais conseguindo pagar as contas e, quem poderia pagar, está pagando menos”. Schmidt também faz uma crítica à exibição obrigatória de filmes nacionais em cada sala de cinema por um determinado tempo. “Como não há ninguém interessado neles, em 95% das vezes, subsidiamos estas exibições que acabam por provocar um prejuízo sem nenhuma contrapartida do governo. Pelo contrário, ainda pagamos imposto sobre 100% da

A sala de cinema no Santander Cultural está localizada dentro de um cofre e dispõe do mesmo projetor da Cinemateca Brasileira de SP. Caracteriza-se por apresentar atividades interativas com o público, como sessões de debate sobre os filmes exibidos. Não é a toa que Póvoas, programador da sala, ao escolher uma palavra para defini-la, optou por INTEGRAÇÃO. Também considerada “alternativa”, apresenta filmes que são opção a quem quer algo diferente do dominante cinema blockbuster (arrasa-quarteirão), que são produções hollywoodianas. Além de filmes alternativos, o cine Santander foca-se no cinema contemporâneo e em atividades com interação do público, como o Cine Divã, o Cine Club e o Le Rendez-vous Cinéma que promovem, cada um ao seu estilo, debates sobre os filmes exibidos. Como acontece em outras salas alternativas, o Cine Santander tem um público fixo e assíduo que, mesmo pequeno, “a gente reconhece na plateia, formada por estudantes e por pessoas da terceira idade.” Na opinião de Póvoas, o cinema deve ser considerado como excelente material para discussão e reflexão. É nessa ideia que a sala de cinema do Santander aposta para atrair cada vez mais público. “O objetivo é criar sempre uma reflexão sobre o tema. Não deixar que o filme acabe quando a pessoa vai embora. Essa tem sido a nossa política”, afirma o programador.


“A palavra que nos identifica é diversidade” Lourdes Kras

A sala de cinema PF Gastal, que presta homenagem ao jornalista Paulo Fontoura Gastal, importante crítico de cinema gaúcho, localiza-se no terceiro andar da Usina do Gasômetro. Com programação voltada para cinematografias clássicas, algumas da época do cinema mudo dos anos 30 e 40, cativa um público específico, apreciador de filmes que são verdadeiras obras de arte. Na PF Gastal, segundo afirma seu programador, o que chama atenção são as mostras e os ciclos temáticos: “Nós trabalhamos com filmes clássicos, já há tempo fora de circulação. Temos perfil mais radical nessa história de filme alternativo. Não nos pautamos só pelo mercado das distribuidoras”. A PF, como é carinhosamente chamada a sala, é definida pelo seu programador como um espaço que prioriza a diversidade. “É obrigação do circuito alternativo dar espaço para todas as cinematografias”, destaca.

renda, quando que, para os cinemas não ficam mais do que 50%”, observa o programador.

Trabalho de programador Cada programador precisa ‘correr atrás’ dos filmes que deseja exibir em suas salas de cinema. Às vezes, esse processo pode ser mais complicado do que parece ao público.

vestem na área de cinema alternativo, todas localizadas no eixo Rio - São Paulo. “Algumas dessas distribuidoras não trabalham com filmes americanos”, conta Melo. Para o programador da Cinemateca, Marco Antonio Seadi, o processo todo é um comércio. “Eu vou onde tem os filmes que eu acho que o público vai gostar, que vai dar bilheteria e que eu ache adequado. Vou atrás desses filmes sempre procurando uma negociação”.

“É muito difícil conseguir os filmes. As pessoas pedem ‘quero tal mostra’, mas não imaginam a dificuldade. Tem todo um sistema por trás, de direto de uso”, explica o programador do Cine Santander. O processo começa quando as distribuidoras de filmes compram o direito de exibição e começam a agenciá-los. No Brasil, conforme nos conta o programador da PF, existem em torno de cinco distribuidoras atuantes que in-

“Nossa sala tem charme” na, a cinemateca Paulo Amorim reúne três salas de cinema: Paulo Amorim, Eduardo Hirtz e Norberto Lubisco. É um tradicional ponto de encontro para os apreciadores de filmes alternativos em Porto Alegre. Segundo o programador da Cinemateca, Marco Antonio Seadi, o espaço tem como diferencial o “charme” entranhado no prédio da Casa de Cultura. “As outras salas não têm o charme daqui. Aqui tem aquela coisa de ser do Mario Quintana, da poesia dele, tudo isso está entranhado na sala”. Segundo Seadi, a escolha por uma programação diferenciada da se deve ao perfil cultural da CCMQ. “Aqui é um centro Cultural, da tutela do governo do estado. Por isso, optou-se por filmes mais cultos, em que as pessoas pensam mais, em que as histórias tenham mais conteúdo”. As salas da Cinemateca contam também com mostras, que podem ser de filmes italianos, franceses entre outros. O espaço é frequentado por um público diferenciado, que pode variar de uma “garotada” de 16 anos até senhores de 80.

Universo IPA | Dezembro 2009

Acervo Paulo Amorim

Localizada no térreo da Casa de Cultura Mario Quinta-

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Fotos: Patrícia da Silva

TEATRO TEATRO

A arte

viva PATRÍCIA DA SILVA

Envolvendo arte e magia, as estátuas vivas dão um toque de beleza às ruas de Porto Alegre. Elas deixam um clima inusitado no ar. É a arte viva que encanta, mostrando o lado humano do artista. Dos mistérios sobre sua origem até sua presença nas grandes cidades, conheça um pouco da história de dois artistas de rua, Marcos Bahrone, que representa Wiliam Shakespeare, e Abraham Ponce, o anjo das ruas. Com trajetórias diferentes, têm em comum a experiência de representar personagens em vias públicas ou parques da capital gaúcha.

Universo IPA | Deezembro 2009

Vida de estátua não é fácil. O artista Abraham Ponce enfeita as ruas e usa o espaço para divulgar seu trabalho. Apesar de render, o ganha pão está mesmo nos eventos para os quais é contratado. Ele comenta que se considera capacitado como qualquer outro ser humano e que chegou a estudar,

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Incentivado a atuar para driblar dificuldades

O artista de rua Marcos Barone interage com a plateia ao declamar poesias de Shakespeare

mas não quis continuar. O interesse pela arte surgiu há cerca de doze anos, quando perdeu uma sobrinha que teria quatro anos na época. Ele comenta que a última foto que ela tirou foi vestida de palhaço. Então decidiu que ia fazer feliz as crianças do mundo, mas ainda não sabia como. Primeiro, ele queria fazer um palhaço, mas percebeu que não tinha o dom. Depois, Abraham Ponce começou a atuar como artista de rua. O objetivo era tirar um sorriso de uma criança. “Eu gosto e curto cada momento, o sorriso de criança é impagável, não há nenhum dinheiro que pague um sorriso”, diz Ponce. Já para o artista Marcos Bahrone, a necessidade foi a origem de tudo. Ele conta que foi convidado por um secretário de Turismo para trabalhar numa praia. Chegando lá, com a esposa e dois filhos, não encontrou nada do que lhe foi prometido. Foi quando sua esposa, que é atriz, lhe deu a ideia de fazer estátua viva, pois ela há algum tempo já havia trabalhado como artista de rua. A companheira incentivou Bahrone a recitar poesias. Nesse momento que deu início à profissão, na qual continua até hoje com orgulho e determinação. Marcos conta que dependendo do lugar, se o público já conhece o seu trabalho, o rendimento pode aumentar, como no caso do Brick da Redenção, onde recebe em média R$ 150,00 a 200,00 em uma jornada de seis a oito horas de trabalho. Em outros locais não chega a R$ 100,00 por dia. O artista trabalha também na praça da Alfândega e no Gasômetro.

‘Meu trabalho não é só ficar parado’ O artista Abraham Ponce, 37 anos, que nasceu na Argentina, em Cordova, explica que considera seu trabalho uma arte inspirada na vida real. Um exemplo é a origem do anjo, personagem interpretado por ele, atualmente.“Em 2001, quando aconteceu o atentado de 11 de Setembro, nos Estados Unidos, compus o personagem, porque nessa época todo o mundo desejava a paz”, explica. Segundo ele, cabe ao público enxergar a estátua viva com imaginação, como se, em volta do personagem, existisse um quadro imaginário e que se movesse a todo instante. Ponce fala que o seu primeiro trabalho foi como palhaço, mas que já trabalhava no teatro de palco. O artista lembra que representou um negro e que as pessoas pensavam que era um “preto velho”. “Algumas tinham medo, mas outras não”, recorda. Ele percebeu que nesse momento as pessoas não sabiam o que era estátua viva. Durante os onze anos que o artista trabalha na rua Andradas, criou outros personagens, mas até agora o de maior aceitação e sucesso é o anjo. “Todos gostam de anjo, por não ferir a religião de ninguém e por ser um personagem neutro”, justifica. “Meu trabalho não é só ficar parado”, ressalta Abraham Ponce, para explicar que o seu ofício exige não só concentração, mas também


Tróia, levando o que chama de “teatro de comunicação” para escolas. Marcos explica que a proposta é didática e pedagógica. Mas o que gera mais lucros para Marcos Bahrone é o trabalho nas ruas como estátua viva.

TEATRO

“Algumas pessoas têm preconceito, algumas não entendem meu trabalho. Tem gente que acha que eu estou ganhando muito dinheiro, não dão o valor ao meu trabalho. Outras acham pouco o que eu cobro por poesia, Marcos Bahrone, nome artístico do portaexistem as duas faces da moeda”, diz Marcos legrense Marcos da Silva, 37 anos, trabalha há Bahrone, revelando as reações que percebe quatro anos como estátua viva e há dez anos ao atuar. faz teatro. Formado em cinema e televisão, Abraham Ponce trabalha com o público Bahrone revela que é a primeira estátua a falar de diferentes níveis sociais e acredita que para no mundo. Já produzido, fica esperando o púa maioria o preconceito não existe. O artista blico e as pessoas que são atraídas pela estátua trabalha entregando frases de vários autores viva, que se aproximam aos poucos para presdo mundo de algum livro para as pessoas com tigiar Wiliam Shakespeare, seu personagem da o intuito de incentivar a leitura. “Tu passas uma tarde ensolarada de domingo no Parque da arte para a pessoa Redenção, em Porto Alegre. Quando “As pessoas gostam dos artistas que lê um trecho de algum livro”, diz o público coloca R$ de rua, porque muita gente Ponce. 0,25 (o valor cobrado A professora de por recitar poesias e que passa por aqui não tem Estética e História sonetos de Shakesdinheiro para ir ao teatro, da Arte da Faculdapeare) na urna, pois são muito caros” de de Filosofia, da Bahrone começa a interagir com a plaPUCRS, Beatriz DorAbraham Ponce teia ali formada. fman, 52, acredita Ele conta que tudo começou com a paixão que não existem preconceitos com os artistas por Wiliam Shakespeare, cujas poesias e citade ruas. Ela justifica o entendimento ao exaltar ções levaram o artista a fazer performances de que a sociedade valoriza o que é bonito, e que, estátua viva, recitando a obra dessa lenda da se está bonito e bem feito, as pessoas vão parar literatura. “Escolhi esse personagem devido à para olhar e valorizar. “O problema é quando peça, pela forma como ele se portava diante uma coisa é mal feita, então perde o valor, é só de toda a sociedade da época e pelo que ele uma imitação”, pondera a professora. falava na época, que, até hoje, nos traz muitas Dorfman explica que, na Europa, grandes reflexões sobre o dia-a- dia”, diz Marcos Bahroartistas fazem performances no meio da rua e ne. O artista também ressalta que já agregou que, depois, isso começa a ser copiado e perde poesias de Castro Alves, Olavo Bilac e Álvares a qualidade artística. Portanto, acaba desgasde Azevedo, considerados por ele, mestres da tando uma imagem de algo que poderia ser literatura. bom e rico. Dorfman afirma que, na atual socieBahrone ainda trabalha com eventos, dade, as estátuas vivas não são tão valorizadas quando chamado por sua agência. Apresencomo mereceriam. Ela ressalta que, na Europa, ta-se com sua companhia de teatro Cavalo de existem vários artistas de rua, feiras e festivais

TEATRO

Preconceito

Wiliam Shakespeare

O artista de rua Abraham Ponce se apresenta na rua dos Andradas, centro de Porto Alegre

que têm melhor organização por serem impulsionados por algum tipo de valorização por parte da sociedade. Mas, no Brasil, a professora não vê percebe a mesma valorização. A professora acredita que as estátuas vivas “têm um potencial muito grande para ser explorado”. Comenta que já viu performances muito boas desses artistas, mas que já viu também, por exemplo, o arremedo de um menino que estava todo pintado de prateado no meio da rua. Ela faz a comparação, indicando que existem extremos de qualidade, que não há como generalizar.

O início Existem algumas hipóteses sobre o início da arte das estátuas vivas. Uma delas é de que estaria ligada à origem do teatro grego. No teatro, enquanto os atores trocavam de figurino, havia um quadro, uma moldura, um ator que ficava em cena parado, parecendo uma estátua, esperando os atores retornarem. Outra hipótese é que na Grécia, para os atores se tornarem mais visíveis, eram usados sapatos de plataforma, túnicas compridas e máscaras para chamar a atenção do público. Por ficarem às vezes parados por vários minutos também representavam estátuas. Iniciou-se, então, na Europa, a era das estátuas vivas como se conhece hoje, pessoas que se produziam como réplicas nas ruas chamando a atenção de todos. Fonte: consulta aos sites www.10aniversario.jfnregedoura.com e www.paumalouca.com.br

Abraham Ponce inspirou-se na vida real para criar o anjo

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o que transmitir para o público, que tem que usar a imaginação. O artista Abraham Ponce trabalha de duas a três horas por dia e esclarece que sobrevive com que faz, como todo cidadão comum. “Tiro meu sustento da minha arte, porque tem dias que tiro menos e dias que rende mais, eu não vivo do que tiro nas ruas, eu vivo dos eventos que eu faço”, observa.

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ARTISTAS se unem em grupos para dar continuidade ao SONHO de fazer teatro. Essa é a ALTERNATIVA encontrada por profissionais para superar DIFICULDADES como a falta de INCENTIVO governamental DANIELA LUZARDO

Em Porto Alegre, um exemplo que se destaca e sobrevive no meio artístico é o Grupo Oigalê. “A nossa ideia é fazer um trabalho cooperativado, ou seja, cada um fazer o que sabe, cada um fazer um pouco de cada coisa”, explica o ator e fundador do grupo, Hamilton Leite. O resultado está na satisfação dos artistas que integram o Oigalê. “Para mim ela significa tudo. Pode não ser o tudo, mas para mim, ela é minha vida”, diz o ator Di Machado, 26 anos, o mais recente membro do grupo. Os artistas reconhecem as vantagens do grupo e acreditam que o trabalho em equipe ameniza as dificuldades. Formada há 10 anos, a Oigalê é avaliada pelos artistas como um projeto satisfatório, pois cada um traz um pouco do que sabe. Todos entram com a arte, o conhecimento e experiência adquirida em seu processo de crescimento. Para os atores do grupo Oigalê, o trabalho que realizam estimula o público a apreciar a cultura. Os artistas afirmam que quando um grupo sai às ruas ou sobe em um palco, de certa forma, transforma a vida das pessoas que assistem ao espetáculo. “O bom é que nós vamos onde as pessoas estão. Por exemplo, estamos nos apresentando na esquina democrática e as pessoas passam por lá para pagar uma conta e param. De alguma forma nós chamamos a atenção delas. É um universo totalmente para-

lelo. É uma outra ótica no contexto cotidiano”, exemplifica a atriz Janaína Melo. A atenção do público é o principal estímulo aos artistas.“Adoro estar em cena, dando este presente para o público e sendo presenteado pelos olhares. Não tem preço”, define Di Machado.“É isso o que mais me motiva. Gosto de contar histórias, isso me encanta muito”, argumenta o ator , prometendo investir cada vez mais na carreira. Uma tendência hoje é a exigência de o ator atuar em diferentes frentes na arte. É que Di Machado chama de “multiartista”. “Tu tens que saber atuar, tens que ter uma noção musical para poder cantar e tocar, saber produzir”, comenta.

Dificuldades A falta de investimentos e atenção dos governos ainda é motivo de preocupação para os atores. Di machado avalia que a má distribuição dos recursos destinados para a cultura desvaloriza o trabalho do artista. “ O que me incomoda é essa pouca valorização que se dá à cultura por parte do estado”, complementa Janaína Melo. Janaína diz que apelar para patrocínios de empresas privadas é a alternativa encontrada pelos grupos.

Soluções Algumas das soluções apontadas pelos ato-

res é que se deve fazer um planejamento cultural e aprimorar o mapeamento dos grupos que existem no Rio Grande do Sul. Esse mapeamento já foi realizado pelo Sindicato dos Artista, porém os grupos mais recentes ficaram de fora dessa contagem.“O único auxílio que temos para recorrer é a Funarte (Fundo Nacional da Arte)”, diz ele. Investir naqueles artistas que estão começando é a sugestão dada pela atriz Janaína. “Para quem já é reconhecido é muito fácil. O difícil é para quem está começando e não tem oportunidade”, observa. Ela aproveita para fazer um pedido: uma melhor administração do dinheiro para que sejam encaminhados mais fundos para a cultura. O coordenador de artes cênicas da Secretaria Municipal da Cultura, Breno Kettzer Saul, explica que “o auxílio que a Secretaria pode dispor a esses artistas é a locação de salas para apresentação de espetáculos por um valor simbólico, custo que não cobre a manutenção do espaço, porém, facilita a divulgação do trabalho dos grupos”. “O lucro dos ingressos é totalmente dos atores”, complementa. Kettzer diz conhecer as críticas feitas pelos profissionais da área em relação à má ou nenhuma distribuição de renda para arte, tendo os atores que recorrer a patrocínio de empresas particulares. Mas o que esclarece o responsável é que o poder público tem recursos escassos e o papel da Secretaria da Cultura é promover à cultura na comunidade e não subsidiar artistas.

Leandro Monks

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TEATRO TEATRO

Cooperação para fazer teatro


LUG A R E S

Bruna Mello

LUG A R E S

História e cultura gaúcha no Centro de Porto Alegre

BRUNA MELLO

Os museus são lugares que guardam pensamentos, sentimentos e histórias. Esses lugares fazem as pessoas sonhar, imaginar cores, formas e sons. Os museus são pontes, portas e janelas que ligam e desligam mundos, tempos, culturas e diferentes pessoas. Eles estão abertos para quem deseja conhecer histórias, exposições, músicas e grandes nomes. Em um dos mais belos e históricos prédios localizados no centro de Porto Alegre está o Memorial do Rio Grande do Sul. O antigo prédio dos Correios, que fica na Praça da Alfândega, foi restaurado em 1998 para receber todo o arquivo histórico do Estado. O Memorial surgiu com a ideia de resgatar a história e a cultura gaúchas, mas a instituição também está aberta para outras

manifestações culturais, garante o escritor e diretor do Memorial, Voltaire Schilling (em 2009). O Memorial tem uma estrutura moderna, com grandes painéis de gravuras, lado a lado, para que os visitantes possam ter uma visão panorâmica dos principais momentos da história do RS. Nesses painéis estão a história de Getúlio Vargas, Elis Regina, a Guerra dos Farrapos e outras. Além da mostra, o Museu expõe livros, mapas, fotografias e depoimentos que, de alguma forma, marcaram época e entraram para a história. “A ideia é tornar a visita interessante e diferente, como se os visitantes estivessem em galerias de arte”, afirma Schilling. O Memorial recebe estudantes e turistas diariamente. O objetivo da instituição é mostrar toda a história do Estado de forma cronológica através de painéis, vídeos, fotos, livros e documentos antigos. Uma das instituições culturais mais novas, o Memorial atrai as pessoas pelo fato de ter arquivado documentos históricos importantes. Segundo o professor de história, Lucas Oliveira, esse é o diferencial do Memorial, o que faz

com que ele seja diferente dos outros espaços culturais da cidade. Para o Estado, esse espaço tem uma grande importância: a cultura dos gaúchos está exposta de uma forma atrativa para ser apreciada dentro de um prédio, construído em 1910, que já faz parte da história do RS. “A cidade de Porto Alegre ganhou muito com a preservação de um edifício que tem arquitetura eclética, mas ao mesmo tempo também uma arquitetura Barroca Alemão”, afirma o professor Oliveira. O Diretor do Memorial fala que o espaço foi criado para promover a história dos gaúchos e exposições culturais. Ele ressalta que é relevante à cidade ter um belo acervo. “É importante preservar esse acervo, pois aqui dentro têm histórias de muitas pessoas e de um povo guerreiro”, diz Schilling. Quem passar pelo arquivo histórico vai se sentir como se estivesse voltando ao passado. “O objetivo do Memorial é fazer com que as pessoas apreciem a nossa história e que saiam pelo menos sabendo um pouco dela”, diz Schilling.

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O Memorial do Rio Grande do Sul ocupa um dos mais belos prédios que circundam a Praça da Alfândega e guarda a história do Estado

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Patrimônio preservado no

Solar dos Câmara

Fotos: Guilherme Kepler

GUILHERME KEPLER

Construída há quase dois séculos, a residência da família dos Câmara resiste às ações do tempo. A arquitetura, a fachada, os móveis e alguns utensílios permanecem inalterados, graças ao cuidado e às técnicas de conservação usadas hoje para manter o patrimônio histórico do local. A centenária casa dos Câmara, localizada no centro de Porto Alegre, é hoje um dos locais da capital onde ocorrem diferentes atividades culturais. Seu espaço, resgatado há quase 20 anos, mostra o contraste entre contemporâneo e o antigo. Situado na antiga Rua Formosa, atualmente Duque de Caxias, a casa discreta e antiga esconde atrás de seus muros os seus 190 anos de existência. É considerado o prédio mais antigo de Porto Alegre. Junto à casa estão os jardins, espaços que também têm recebido um cuidado especial de preservação, pois foram tombados pelo patrimônio histórico cultural. Atualmente, o espaço está sob os cuidados do Legislativo gaúcho. O diretor de Relações Públicas e Atividades Culturais da Assembleia Legislativa, Luiz Carlos Barbosa, destaca a importância de se aproveitar e valorizar este belo espaço. “A Assembleia Legislativa busca proporcionar o acesso à cultura para a população porto-alegrense e promove diversos tipos de atividades”, afirma. A principal delas é o sarau que acontece semanalmente há 16 anos. Casa localizada na Rua Duque de Caxias preserva 190 anos de história

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O sarau

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A marca registrada do Solar dos Câmara é o sarau que acontece desde a reabertura da casa, há 16 anos. É uma atividade permanente que inclui shows artísticos e musicais, todas as quartas- feiras, às 18h30, com entrada franca, na sala José Lewgoy, espaço que homenageia o ator gaúcho homônimo. O evento cultural é a referência do Solar dos Câmara. Em 2007 recebeu o Prêmio Açorianos de música por Honra ao Mérito que é concedido pela Secretaria de Cultura de Porto Alegre. Segundo o Barbosa, o sarau tem uma pla-

teia cativa, os moradores das proximidades do centro de Porto Alegre, onde se localiza o Solar. Barbosa revela que foi um espectador e fez parte do público alvo dos anos 70 do teatro Dante Barone, um ponto cultural da cidade. Passados quase 40 anos ele ainda se considera um espectador. Hoje, como diretor, é responsável por organizar e promover atividades culturais que resgatam momentos culturais perdidos ao longo dos anos. No intuito de resgatar a cultura e propiciar entretenimento de qualidade para o público, no mês de outubro de 2009, o Sarau contou com a presença de vários músicos, entre eles o cantor

Júlio Reny e os Irish Boys, que interpretaram músicas de Roberto Carlos, ao estilo MPB. Moradora do centro da capital e proximidade do Solar dos Câmaras, a médica Adais Cunha, revela que faz parte desta história. Ela participou da reinauguração do Solar, que teve como festividade um coquetel e apresentações musicais. A frequentadora ressalta também a adequação do espaço para eventos, e lembra que participou de apresentações de cantos e lançamento do livro da vereadora Clênia Maranhão. O sarau intercala os gêneros musicais regional, MPB, samba, músicas sul americanas,


ritmos que o Rio Grande do Sul incorporou dos países do Prata, como o chamamé e o tango. Para o baixista e integrante do grupo Irish Boys, Guilherme Wurch, tocar em um sarau tem um significado especial, por se tratar de um público diferente dos demais, que percebe o espetáculo de uma forma diferente ao aliar a música à cultura. Um dos critérios da administração, ao programar os espetáculos, é incluir atividades de todos os gêneros, visando agradar ao diversificado público que compõe a plateia.

Além da música O Solar dos Câmara, além de ser utilizado como uma casa cultural, é a sede do Departamento de Relações Públicas e Atividades Culturais da Assembleia Legislativa. Está dividido em seções, entre elas, a biblioteca e o memorial do parlamento. Nos próximos meses abrigará outros setores como o de recepção e informação e um que trata das premiações concedidas pelo Parlamento

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gaúcho, prêmios como o de responsabilidade social, Lila Ripoll, de poesias, e de cinema, uma parceria com o Festival de Cinema de Gramado. Os espaços da casa são aproveitados para atividades próprias da Assembleia, também são cedidos eventualmente para lançamentos de livros, para reuniões políticas ou culturais. Mensalmente no Solar há exposições fotográficas na sala J.B. Scalco. Espaço que homenageia o renomado fotógrafo gaúcho que participou da reportagem que denunciou o sequestro de dois militantes políticos uruguaios, Lilian Felibert e Gobercindo Dias, em 1978. Há também exposições de fotografias que são permanentes; outras são apresentadas ao público mensalmente, sendo elas de profissionais reconhecidos e iniciantes que expõem seu trabalho. Outra atividade cultural do Solar são as visitas guiadas, para o público da cidade, principalmente de escolas, além de turistas do interior, de outros estados e, com alguma frenquencia, de outros países. Também existe um setor que faz reservas de espaço, com profissionais que auxiliam e atendem estes turistas. Para essas visitas a Assembleia estipulou um número de três grupos de 60 pessoas por apresentação para não ferir a estrutura física da casa, com a intenção de preservar o patrimônio conservado pela Assembleia Legislativa, ambiente significativo no cenário da cultura porto-alegrense.

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Após restauração, sala de jantar recebeu traços neoclássicos e alguns adereços renovados

A casa que hoje é palco de muitas atividades teve o seu último morador em 1975, que foi Armando Câmara, herdeiro da família Câmara. Após sua morte, de 1975 a 1982, o prédio ficou fechado e com o tempo foi se deteriorando. Em 1981, a Assembleia Legislativa resolveu adquiri-lo e começou o processo de recuperação do ambiente. Em 1988, finalmente começou a obra de restauração, que revitalizou as estruturas arquitetônicas. Aliado a isto, o espaço passou por um processo de reciclagem, ou seja, procurou manter sua arquitetura antiga tanto interna como externa. Desde então, preparou o ambiente para promover e abordar atividades culturais contemporâneas. Em 1993, a casa reabre como um departamento de cultura que funciona até hoje.

Visitas guiadas são frequentes no Solar: na foto alunos da Escola Estadual Guararapes, da cidade de Arroio do Meio, interior do RS

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A história

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Sala de cinema, espaço para eventos, feiras e exposições, terraço com vista para o Guaíba. Você deve estar se perguntando: “Que lugar é esse”? Este é o Centro Cultural Usina do Gasômetro, um dos pontos culturais de Porto Alegre. Inaugurada no final da década de 1920, a Usina do Gasômetro, como é conhecida, está situada no coração de Porto Alegre, mais precisamente, na avenida João Goulart, 551. O local é administrado pela prefeitura de Porto Alegre e tem seis andares disponíveis para a cultura.

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LUCAS AZEVEDO

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Partindo para a apresentação do lugar, no térreo, é possível encontrar uma das funcionárias mais antigas da “casa”. Trata-se de Celina Cabrales, coordenadora do espaço Usina do Papel. O espaço, inaugurado em 1992, tem como missão ser referência para a cidade no âmbito da reciclagem de papel. Ali são elaborados projetos sociais, de patrimônio histórico e visitas guiadas. A Usina do Papel atua junto à Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase) e ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Cabrales explica que são oferecidos cursos de formação de multiplicadores. “O que significa isso: são pessoas ou instituições que querem montar algum projeto nesta linha e, consequentemente, aprender a utilizar o papel de uma maneira menos erronea”, esclarece. A Usina do Papel tem equipamentos como prensas hidráulicas, varais, liquidificador industrial, baldes e bacias, que estão sob os cuidados da Secretaria Municipal da Cultura (SMC), uma das mantenedoras da Usina do Gasômetro. O resultado da reciclagem são trabalhos que muitas vezes têm como tema

ilustrar fatos contemporâneos. Além da Usina do Papel, no térreo estão a Galeria Iberê Camargo e o Memorial da Usina. Isso sem contar a recepção e a Galeria dos Arcos, que é dedicada exclusivamente para mostras fotográficas. Visitada por muitos e adorada por todos, o centro é local de encontro entre as pessoas, de diversas idades, raças, escolaridades e cidades. A operadora de caixa, Ariane Aretusa Medina Maciel, gosta tanto do local que diz se sentir em casa: “Adoro o Gasômetro, pois é um centro cultural diversificado. Frequento semanalmente a Usina, e é um maior barato. Aqui, me sinto em casa”, conta. Para a funcionária Celina, a diversidade da Usina é o fator que mais atrai o público: “Aqui na Usina tem bastante espaço para as pessoas participarem. Têm atividades, é muito aberta, voltada à inclusão social. Aqui é um centro cultural que tem muita coisa para mostrar para quem está passando”.

lizado o Bar Usina Café. É um espaço bem decorado, com boa climatização, dedicados para aqueles que adoram fazer um bom happy-hour e, é claro, namorar. No local, são servidos lanches e bebidas, com valor bem convidativo. Pode-se dizer, também, que a Usina gosta de fazer homenagens. É o caso da sala Elis Regina. Com 745 metros quadrados, a sala

Segundo andar Logo acima, no segundo andar, está loca-

Bar Usina Café: local é ideal para quem quer fazer um bom happy hour

Fotos: Lucas Azevedo

Usina do bem


Outros andares O quarto andar está reservado a uma das melhores vistas da cidade. Com uma área de 403 metros quadrados, possui um terraço extenso, de onde é possível enxergar boa parte do Guaíba e também o centro da cidade. O auxiliar de fiscal, Maurício Müller Rodrigues, relata que é fã da arte e considera que o terraço é um lugar relaxante: “Acho bem legal aqui. Talvez um dos fatores que me faz vir aqui constantemente seja esse. Olha só, tem vista melhor que essa? É um local onde também podemos relaxar, sem esquecer, é claro, do que tem lá dentro”, descreve. O quinto andar conta com a Galeria Lunara. Inaugurada em 26 de junho de 2001, a sala homenageia um dos primeiros homens a implantar a fotografia no local. Trata-se de Luís Nascimento Ramos. Há disponível também uma sala para ensaios e dois espaços multiuso, com capacidade para 40 lugares. A parte administrativa, incluindo salas de direção, o Núcleo de Serviços Gerais e as coordenações, compõem o sexto andar.

Sendo uma das primeiras edificações em concreto armado do Rio Grande do Sul, no ano de 1928, surgia a Usina do Gasômetro. Com o projeto originário vindo da Inglaterra, assim como todas as máquinas e materiais, o dia 11 de novembro daquele ano entrou para a história da cidade de Porto Alegre. Com 81 anos de existência completados em 2009, sua importância histórica é inegável. Projetada para fornecer energia elétrica à base de carvão mineral para a capital dos gaúchos, ela guarneceu e vigorizou Porto Alegre de 1928 a 1974, quando então foi desativada. Com a desativação do prédio, a ideia inicial era de demolição do edifício, pois havia um projeto que visava a construção de uma avenida no local, mas uma mobilização da sociedade impediu tal ato. Por fim, em 1989, a prefeitura indicou o prédio como espaço cultural do trabalho e, a partir de 1991, seus 18 mil metros quadrados de área total foram abertos à população.

Chaminé Construída em 1937, a famosa chaminé teve como principal tarefa absorver e “direcionar” as nuvens de fuligem provocadas em razão da queima do carvão. Ela foi criada em decorrência das reclamações dos moradores.

Usina do Gasômetro: o porquê deste nome Volta do gasômetro: ai está a síntese do nome Usina do Gasômetro. Partindo para uma explicação mais abrangente, a Usina recebeu esta nomeação pois o prédio onde hoje está ubiquado o complexo, foi erguido na chamada Praia do Arsenal, nas proximidades da rua Pantaleão Telles – atual Washington Luiz -, e como havia uma outra edificação existente desde 1874, a então Usina de Gás, o Gasômetro, a história explica que, o perímetro entre as ruas Pantaleão e General Salustiano era chamado de “volta do gasômetro”. Por isso que aquela que todos conhecem hoje como Usina do Gasômetro acabou recebendo esta denominação. Fonte: Site da Secretaria Municipal da Cultura

Sala PF Gastal Funciona de terças-feiras a domingos. Tem três sessões diárias: 15h, 17h e 19h. Valores dos ingressos: R$ 6, R$ 3 meia entrada. Capacidade: 118 lugares. Boa parte do Guaíba pode ser observado no terraço existente na Usina do Gasômetro

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No terceiro andar, seguindo a linha das homenagens, está a sala de cinema P.F Gastal, que leva o nome de um importante crítico de cinema, editor do caderno de cultura do Correio do Povo nos tempos de supremacia do jornal e jornalista. Segundo o programador da sala, Marcus Mello, Paulo Fontoura Gastal foi muito importante para o cinema Sul-Riograndense: “Foi ele (P.F Gastal) quem criou o festival de cinema de Gramado, por exemplo. Ele criou também o clube de cinema de Porto Alegre, então, por isso que a sala tem o nome dele, em uma homenagem ao trabalho que ele fez pelo cinema aqui no Rio Grande do Sul”, comenta. A respeito da programação, ele define como perfil cultural, pois é uma sala diferente das existentes em shopping center. Ou seja, o lucro não está em primeiro lugar. Em razão desse perfil, são exibidos no local filmes alternativos, brasileiros e estrangeiros. Ele afirma, no entanto, que o público para esse tipo de programação tem sido cada vez menor. A sala completou 10 anos de atividade em 25 de maio deste ano. Mello considera que o decréscimo no nú-

História

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Terceiro andar

mero de visitantes à sala se deve à migração do cinema para os shoppings: “As salas de perfis semelhantes do centro da cidade, como o cine bancários, a da Casa de Cultura Mário Quintana e o Cine Santander, têm sentido uma diminuição de público nos últimos anos em razão disso”. Com valores bem atrativos, há semanas em que são liberadas sessões para o público. De acordo com o programador, o público fiel da sala P.F Gastal é de estudantes e de pessoas interessadas nesse tipo de cinema.

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faz menção a uma das maiores cantoras do estado e, por que não, do país. Políticos também entraram no rol dos celebrados. Julieta Battistioli, primeira vereadora de Porto Alegre, também “ganhou” uma sala, em referência ao seu nome. Com capacidade para 250 pessoas, o espaço é o palco de eventos, seminários e conferências.

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Fotos: Nicole Dorneles Oliveira

Caminhada até a Ponte de Pedra

Ponte de Pedra foi a primeira parada

Viva Porto Alegre, viva o Centro Porto Alegre é uma das maiores cidades do Brasil, conta com uma população de 1,42 milhões de habitantes (IBGE-2007) e assim como outras grandes cidades da América Latina, a área central tem sofrido um processo de decadência por ser antigo e concorrer com outros pólos de atração. Mesmo que hajam ataques constantes e mazelas, o centro precisa de uma boa estruturação e qualificação para que possa representar a cidade. Projetos como o Viva o Centro nascem com a intenção de dar uma cara nova ao bairro. Criado em 2005, no atual governo municipal, a proposta é uma ação gerenciada pela Secretaria do Planejamento Municipal (SPM) e objetiva a reabilitação do centro histórico do município. NICOLE DORNELES OLIVEIRA

Entrada para o Pão dos Pobres

O gerente do programa Cidade Integrada e coordenador do Projeto, Glênio Bohrer explica que “esse é um processo que acontece em menor ou maior grau em quase todas as cidades, principalmente as latino-americanas”. Segundo ele, o objetivo do Programa é ter obras de melhoria, atrair a população, ter maior qualidade e fazer com que esse espaço histórico tenha uma condição adequada, porque é um cartão de visita da cidade em geral. Travessa dos Venezianos

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Investimentos

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Rua Lopo Gonçalves

O Projeto preocupa-se com espaços abertos e de patrimônio, dedica-se à recuperação de espaços públicos e praças, reurbanização de ruas e programas culturais. Segundo o coordenador, a Praça Conde de Porto Alegre e a Praça Revolução Farroupilha já foram recuperadas. O Largo Edgar Koetz, próximo da Rodoviária, foi todo cercado e a vegetação foi tratada. Obras já foram iniciadas na Praça da Alfândega, da Matriz e Praça XV. Bohrer avalia que a obra do Centro Popular de Compras (camelódromo) é um dos principais resultados do projeto até o momento.“Resolveu uma questão histórica no local, além de desobstruir as vias, deu um clima muito favorável para

os próprios comerciantes na parte econômica de reinvestirem na área central”, comenta. Outra reforma prevista é a do Cine Imperial, que será transformado num centro cultural, com investimentos de R$ 20 milhões da Caixa Federal.

Parcerias O Viva o Centro conta com a parceria de empresas privadas (RBS, Trensurb e Aracruz, são exemplos), de quase todas as secretarias, de departamentos do município e do governo federal. O Viva o Centro possui um site próprio (www.portoalegre.rs.gov.br/vivaocentro) para divulgação de seus eventos. Lá, pode-se encontrar toda a programação cultural, acesso a links de casas culturais e museus, toda a história de praças e ruas do Centro, fotografias, andamento de obras, entre outros. “Para a divulgação do projeto, a SPM tem a participação dos meios de comunicação como os jornais e a televisão, que tem anunciado os eventos mais importantes da ação”, afirma o coordenador. Há ainda a divulgação feita pelos canais da Prefeitura.

Conhecer o centro As ações do Projeto estendem-se também ao setor cultural. “Têm as caminhadas do Viva o Centro a Pé, o Caminho dos Antiquários e o


Referência O Projeto é bem visto pela imprensa. Liane Klain comenta que seguidamente há publicações em jornais e televisões sobre as cami-

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nhadas. “O Jornal do Almoço da RBS já acompanhou uma caminhada inteira; o Rota 36 da TVCom já participou de mais de uma; a Zero Hora publicou páginas e páginas de matéria. Eu tenho um book com todas as publicações que saíram na mídia”. Foi através da Zero Hora que Liane ficou sabendo que o Projeto Viva o Centro a Pé está sendo copiado em Salvador e no Rio de Janeiro. Na cidade catarinense de Blumenau, o projeto é visto como atividade extracurricular na Universidade Regional. O professor universitário, João Francisco Noll, organizou um grupo de 33 estudantes de arquitetura para vir a Porto Alegre e conhecer especialmente a ação das caminhadas. “Em Blumenau, ações como essa não existem, apenas são feitas por ônibus, o que interessa e atrai muito pouco. Caminhadas são muito mais atraentes”. A professora aposentada, Cristina Cristofoline, 61 anos, moradora de Florianópolis, de tempo em tempo vem à capital porto-alegrense para visitar a filha e, juntas, acompanham as caminhadas. Cristina já participou três vezes, incluindo a caminhada noturna: “É uma maravilha! Floripa deveria ter essas ações também, existe estrutura pra isso lá”.

Resultados dos projetos “Projetos como o Viva o Centro levam anos para apresentar efeitos contundentes. É um processo quase que permanente”, avalia Glênio Bohrer. O coordenador complementa ainda que “hoje já se tem uma visão diferente da que se tinha seis ou sete anos atrás, quando as pessoas só tinham opiniões negativas do centro da cidade”. Ele exemplifica que o patrimônio do Centro já está praticamente todo tombado e que o Porto tem estrutura nunca tida antes. “Com o final das obras na Praça XV, Praça da Matriz e Praça da Alfândega, os principais espaços públicos do bairro estarão recuperados”, finaliza Bohrer. O Viva o Centro

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A Caminhada ‘Viva o Centro a Pé’ inicia no Totem do Caminho dos Antiquários

a Pé, supera as expectativas da coordenadora, que não pretende acabar com o projeto tão cedo: “Enquanto eu estiver aqui na Prefeitura, o projeto vai continuar e, quando eu sair, espero que a própria população queira dar continuidade as caminhadas”.

Conheça um dos roteiros do Viva o Centro a Pé Orientador: Paulo Cesa Roteiro: Cidade Baixa Saída - Totem do Caminho dos Antiquários: situado na Praça Daltro Filho, entre as ruas Demétrio Ribeiro, Coronel Genuíno e Marechal Floriano, o coração do Centro Histórico de Porto Alegre. Ponte de Pedra: situada no local denominado Largo dos Açorianos, foi criada em 1825. Antigamente cruzava o Arroio Dilúvio e era a única ligação entre as chácaras do sul e o centro da cidade. Instituto Pão dos Pobres: fundado em 1895 pelo Cônego José Marcelino de Souza Bitencourt, após a guerra do Paraguai e a Revolução Federalista. Em 1916, o Pão dos Pobres foi assumido pelo Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs (Lassalistas). Rua Vereador Dilamar Machado: antigo leito do Arroio Dilúvio. Museu de Porto Alegre Joaquim José Felizardo: antigo Solar Lopo Gonçalves. Prédio histórico, construído entre 1845 e 1855, numa chácara com fundos à Rua da Margem (atual João Alfredo), para servir como residência da família de Lopo Gonçalves Bastos. Rua Lopo Gonçalves: apresenta um conjunto de casas iguais, pequenas e bastante coloridas. Travessa dos Venezianos: chama atenção por conter uma série de 17 casas populares tombadas pelo município. Rua General Lima e Silva e visitação a Olaria: a caminhada termina com a visitação a Olaria, considerada pelo orientador “uma estrutura atualizada e que não deve ser deixada de visitar”.

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Caminho do Livro”, comenta Liane Klain, coordenadora do Projeto Viva o Centro a Pé. Esse projeto surge justamente para atrair público e está sendo gerenciado pelas Secretarias de Planejamento (SPM) e de Cultura (SCM). Até o final deste ano, a Secretaria de Turismo (STM) fará parte deste projeto. O Gabinete da Primeira Dama do Município e a Companhia Carris Porto-Alegrense de transporte público também apoiam a ideia. O Viva o Centro a Pé foi criado no final de 2006. As primeiras caminhadas foram feitas por um guia de turismo e aconteciam uma vez por mês. “Como a demanda era muito grande nós começamos a fazer duas vezes por mês”, explica a coordenadora. Hoje em dia, as caminhadas são orientadas por professores universitários, estudiosos em história, arquitetura e artes. Entre eles, estão Luís Augusto Fischer, Cláudio Calovi Pereira e Charles Monteiro. Os itinerários variam de acordo com o professor que irá guiá-lo. A caminhada feita por Luiz Merino de Xavier, em agosto de 2009, por exemplo, iniciou pelo Caminho dos Antiquários, passou pelas ruas Fernando Machado e Duque de Caxias, depois visitou a Pinacoteca Ruben Berta e finalizou no Arquivo Público do Estado do RS. Conforme explica Liane, existem roteiros mais procurados. Dentre eles, está a antiga fábrica da Brahma. “Nós fomos uma única vez. O shopping Total nos ofereceu para entrar nos túneis da antiga Cervejaria, eram cerca de 300 pessoas participando”, lembra. Caminhadas que incluem algo diferente, como cemitérios ou roteiros feitos à noite, também chamam bastante a atenção de público. “As que saem um pouco do padrão são as que as pessoas procuram”, completa. Para participar, o público deve se inscrever através do e-mail vivaocentroape@gmail.com. Cada participante deve fazer a doação de um quilo de alimento não perecível. Essas doações são destinadas a creches, asilos ou à Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC). “A gente tem um cronograma e vai seguindo-o de acordo com a necessidade das instituições”, esclarece Liane. As caminhadas acontecem de março a novembro, com uma média de 100 pessoas, duração de aproximadamente duas horas e são indicadas para todas as pessoas. “Crianças que acompanham os pais, adoram. Há pessoas idosas, adolescentes, alunos de faculdades de arquitetura, é bem variado o público”, conta a coordenadora.

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Tesouros da 20

Riachuelo Saiba por que uma das MAIS ANTIGAS RUAS de Porto Alegre ficou CONHECIDA como a ‘RUA DO LIVRO’


Ao longo de décadas, uma das mais tradicionais ruas da capital vem se consolidando como uma verdadeira referência para quem quer encontrar livros, principalmente por causa do trecho entre a avenida Borges de Medeiros e a rua General Câmara. Para começar, é lá que está a Biblioteca Pública do Estado que, atualmente em reformas, teve seu atendimento transferido para a Casa de Cultura Mário Quintana. Mas, uma coisa é certa: são as livrarias que estabeleceram a identidade de um dos mais antigos logradouros da cidade. “A Riachuelo era chamada, principalmente nas décadas de 80 e 90, como a rua do livro, pois nessa época todas as livrarias se localizavam basicamente nesta rua”, comenta o vendedor José Mayer, que trabalha na Livraria e Editora Vozes, há 43 anos instalada na Riachuelo. A fama de “rua do livro” ultrapassa as fronteiras de Porto Alegre. “A Riachuelo na verdade é uma referência não só em Porto Alegre, mas na região metropolitana. Eu mesmo lembro que, quando tinha loja em Gravataí e não tinha o livro procurado pelas pessoas, elas diziam: então eu vou à Riachuelo e busco”, conta Regis Dias, proprietário, junto com mais dois sócios, da Livraria Solaris, que vende não só livros novos, mas também livros usados. Aliás, esse é o tipo de livraria mais característico da Riachuelo, os popularmente chamados ‘sebos’.

Um lugar para se fazer descobertas Sebo, de acordo com o livro “Guia dos sebos do Brasil”, de Jorge Brito, tornou-se a forma vulgarizada de designar a livraria onde se vendem livros usados e raros. A explicação mais aceita para a origem da palavra diz que durante o tempo em que ainda não havia luz elétrica, costumava-se ler à luz de velas, feitas de sebo e, no decorrer da leitura, a vela derretia e engordurava os livros. Consequentemente,

as livrarias ganharam esse nome por vender livros ensebados, usados. Na variedade dos sebos é possível encontrar de tudo. Desde aquele livro tão difícil de adquirir na prateleira da loja de shopping, devido ao preço, até aquele livro que já não se encontram reedições. Nos sebos, o livro usado com o mesmo título de um novo custa metade do valor, às vezes pode custar até menos. Entre os livros esgotados, as relíquias ou chamados livros raros podem ultrapassar a casa dos três dígitos. Além de contribuir para a democratização do acesso ao livro, os sebos acabam desenvolvendo uma importante função de preservação. Ninguém imagina como aquele livro na estante do sebo lá chegou. O novo dono não sabe o caminho percorrido pelo livro comprado. Muitos chegam em péssimo estado, o que leva as livrarias a realizar um trabalho de restauração nas obras. “Muito material que poderia estar descartado ou queimado - por incrível que pareça ainda têm pessoas que queimam livros - ou até em recicladoras de papel, estão aqui. Poderiam estar lá, mas eles estão aqui e continuam sendo preservados”, salienta o livreiro Regis Dias. Seja concentrando economia, variedade e preservação, os sebos ainda têm em comum a paixão de seus donos pelos livros. Dias, por exemplo, conta que sempre foi um consumidor apaixonado por livros, desde a época em que morava em Curitiba e era bancário. Historiador de formação, ele buscava muitas vezes obras da década de 30 ou 40. Pois é, já se sabe onde ele foi encontrá-las. De tanto frequentar os sebos, resolveu mudar de profissão após ouvir uma sugestão do próprio dono da livraria que frequentava: “Com o que tu já comprastes de mim tu abres um sebo tranquilamente”. Após voltar para o Rio Grande do Sul, abriu um sebo em Gravataí. Atualmente, ele é um dos três proprietários da Livraria Solaris.

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Com certeza você já deve ter passado por ela. Se não, já deve ter ouvido falar. Essa é uma via com muita história para contar. Mas, acima de tudo, é uma rua que tem expressão própria e características específicas, atribuídas tanto pelas variadas marcas que a sociedade lhe impõe, quanto por seus espaços e atividades típicas. Uma rua de livros, um tesouro localizado no centro de Porto Alegre. Assim é a Riachuelo. Ela pode até abrigar restaurantes, lanchonetes, supermercados, enfim, diversos segmentos comerciais, mas toda vez que precisa de livro, o porto-alegrense já sabe a resposta: vai na Riachuelo! É lá que ele poderá ter acesso a mais de 600 mil obras, à disposição em bibliotecas, editoras e livrarias.

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Fotos: Adriano dos Santos

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Relíquias

“De 1929 a 1934” “É um Getúlio Vargas autografado, é um livro sobre discursos do Getúlio Vargas autografado pelo próprio. Esse que está aqui conosco veio inclusive de outro país, ele veio do Uruguai”, conta Regis Dias, proprietário da Livraria Solaris.

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“Nobiliário Sul Riograndense”. O livro de Mário Teixeira de Carvalho é de 1937 e, segundo Guilherme Matzenbacher, proprietário da Livraria Mosaico, “só existem atualmente três exemplares à venda no Brasil”.

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“Recebo inclusive pessoas com 50 ou 60 anos que estão aprendendo a ler e que se apaixonam pela leitura. Às vezes, sequer têm condições econômicas favoráveis, mas compram no saldo um livro baratinho porque gostam” Regis Dias, livreiro

Garimpando tesouros Entre as peculiaridades da Riachuelo, Dias aponta a diversidade do público consumidor. “Quando comecei a trabalhar com livrarias, há seis anos, eu pensava que atenderia dois públicos: o jovem procurando livro pra escola e o idoso que tem tempo. Hoje posso dizer que eu me enganei, pois atendo leitores de todas as idades, todos os perfis econômicos e sociais e de todos os níveis de instrução”, declara o livreiro, que ainda diz: “Recebo pessoas com 50 ou 60 anos que estão aprendendo a ler e que se apaixonam pela leitura. Às vezes, sequer têm condições econômicas favoráveis, mas compram no saldo um livro baratinho porque gostam”. A diversidade de público também é apontada por Ivo Alberto Almansa, proprietário do sebo mais antigo da rua, a Martins Livreiro. “Temos uma clientela que vai desde um engraxate ou um colecionador de gibi até desembargadores, juízes, pesquisadores, artistas do centro do país que vêm procurar livros, enfim, de todas as áreas”, comenta. A livraria, que tem 55 anos e um acervo estimado em 70 mil livros, está na Riachuelo desde 1965. Proprietário desde 1982, Almansa conta como começou sua história como livreiro: “Trabalhava com engenharia e

devido a um recesso na época eu comprei do meu sogro a livraria e estou até hoje”. Do antigo dono, o fundador, a livraria permanece com o nome, ‘Martins’, o sobrenome da família. É nesta livraria que o aposentado Flávio Figueiró, de 62 anos, vasculha em busca de história do Rio Grande do Sul e do Brasil, obras que coleciona. O ex-bancário mora em Santo Ângelo e, sempre que vem a Porto Alegre, dá uma passadinha nos sebos da Riachuelo para garimpar. “Não bebo. Não fumo. Então eu vivo muito na leitura”, afirma o aposentado que tem cerca de 4,8 mil livros. “O que me interessa é a história dos livros”, acrescenta. Mas nem só de livros vive uma rua de livro. É o que exemplifica a metroviária Ana Teixeira, 51 anos, que gosta muito de artesanato, razão pela qual começou a frequentar os sebos da Riachuelo, há dois anos. É lá que Ana, cuja especialidade é o tricô, senta e passa horas procurando seu tesouro, revistas de artesanato antigas.“Eu venho sempre para procurar revistas de artesanato antigas pois são bem melhores que as atuais, elas têm trabalhos mais elaborados. Hoje o artesanato está ficando muito simples, por isso eu venho garimpar aqui”, conta. Na coleção de Ana existem cerca de 80 revistas, quase todas de artesanato. Sentada em um banquinho em frente às estantes do sebo, ela


conta que uma das razões de frequentar as livrarias da Riachuelo é a própria concentração delas: “Quanto mais próximas são as livrarias umas das outras, é melhor para o consumidor pois ele não precisa se deslocar tanto”.

LUG A R E S A metroviária Ana Teixeira garimpa revistas antigas de artesanato, nos sebos da Riachuelo

nado momento esteve aqui na Riachuelo, a Biblioteca do Instituto Cultural Norte Americano, a Biblioteca do Tribunal do Estado (desde 1998 passou a se localizar na Borges de Medeiros) e a Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul”. O professor menciona ainda as bibliotecas

particulares que, embora não estejam à disposição do público, revelam como a cultura do livro já está enraizada na Riachuelo: “Eu olho de vez em quando pela minha janela e vejo uma porção de vizinhos que têm bonitas bibliotecas particulares. Eu diria que essa rua deve ter uma densidade impressionante de bibliotecas”. Para ele, “isso é algo que no mundo moderno não existe mais, pois os apartamentos são tão apertados que não existe mais espaço para as bibliotecas”. O que destaca, segundo ele, as características de pólo cultural da Riachuelo. “É raríssimo encontrar uma área da cidade tão especializada em livros como esse trecho da Riachuelo. Eu não conheço exemplo em que seja possível encontrar tal densidade de atividades ligadas ao livro como nesse trecho, que na verdade vai da Borges à General Câmara”, completa Neves.

“Eu olho de vez em quando pela minha janela e vejo uma porção de vizinhos que têm bonitas bibliotecas particulares. Eu diria que essa rua deve ter uma densidade impressionante de bibliotecas” Gervásio Rodrigo Neves, morador da Riachuelo e presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRS)

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Mas o que poderia explicar a concentração de livrarias na Riachuelo? Morador há mais de 40 anos da rua do livro, o professor aposentado, Gervásio Rodrigo Neves, presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRS), localizado na Riachuelo, afirma que a relação da rua com os livros vai muito além das livrarias. “Eu diria que a responsável pelo fato de nesse trecho da Riachuelo se concentrarem tantas livrarias foi a presença da Biblioteca Pública, que no passado tinha uma função social muito superior à atual. No passado, a Biblioteca Pública funcionava à noite, aos sábados, manhã e tarde e também aos domingos pela manhã. Dava uma oportunidade maior à população para utilizar a biblioteca”, recorda. Neves salienta que não é só uma rua que tem muitas livrarias, mas tem muitos livros e diferentes formas de organizá-los. Para ele, em primeiro lugar, a Riachuelo é uma rua riquíssima em bibliotecas: “Existe hoje ou em determi-

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Pólo cultural

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Fotos: Matheus Pannebecker

Porto Alegre e as relíquias da vida O COMÉRCIO de antiguidades ganha maior RECONHECIMENTO em Porto Alegre com feiras CULTURAIS e com o “Caminho dos Antiquários”, grande referência nacional que atrai COLECIONADORES apaixonados por relíquias

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MATHEUS PANNEBECKER

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“Não existe futuro sem a preservação da memória”. Dessa forma, a colecionadora Regina Becker expressa a filosofia de que, ao estar no meio de antiguidades, pode-se resgatar o passado. Assim como Regina, várias pessoas colecionam objetos antigos e fazem disso um hobby. É uma parcela da sociedade que acredita que esses objetos são mais do que “coisas”, são peças singulares e que possuem diferencial, encontradas em lojas especializadas em objetos antigos, os chamados antiquários. Em Porto Alegre, a grande referência no assunto é o “Caminho dos Antiquários”, um trecho da capital gaúcha onde se concentra o maior número de lojas desse ramo. De segunda a sábado, o “Caminho dos

Antiquários” atende ao público que procura por antiguidades. É um trecho do centro histórico de Porto Alegre, localizado num triângulo formado pela praça do Capitólio, a praça Marquesa de Sevigné e o viaduto da Borges de Medeiros. A arquitetura é típica do início do século passado e lá se concentram vinte lojas de antiguidades, além de butiques, estacionamentos, cafés e restaurantes que aumentam a áurea cultural do lugar. Inspirado em outras feiras espalhadas ao redor do mundo, como a de San Telmo, em Buenos Aires, El Rastro, em Madrid, e Pulgas, em Paris, o “Caminho dos Antiquários” segue o exemplo cultural e realiza uma mistura de antiguidades e artes em geral. O processo de

formação do “Caminho” começou em 1985, com o primeiro antiquário que se estabeleceu na zona, cujo nome era “O Antiquário ao Belchior” (encerrou suas atividades em 1997). Logo surgiram outras lojas do ramo e assim começou a nascer a zona comercial do “Caminho”. Com o reconhecimento cultural que crescia cada vez mais, o local chamou a atenção da prefeitura e, finalmente, foi reconhecida legalmente, no dia 26 de agosto de 2006, quando o prefeito José Fogaça sancionou a lei número 9.943, que oficializou o “Caminho dos Antiquários”. O“Caminho dos Antiquários”, além de estar sempre em atividade durante a semana, realiza uma feira de antiguidades nos fins-de-sema-


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na. Todos os sábados, das 10h até às 16h, os lojistas colocam nas ruas e nas calçadas seus objetos antigos para venda. Mais do que isso, ainda encontram-se nesse pequeno evento cultural alguns artesãos e artistas plásticos expondo suas habilidades. Outro destaque é o passeio gratuito pelo Centro Histórico de Porto Alegre, orientado por um professor de História ou Arquitetura. Ocorre sempre no segundo e no último sábado de cada mês, de março a novembro, com ponto de encontro no totem do “Caminho dos Antiquários”.

Colecionar é praticar a paixão

O brique da Redenção é ponto de encontro de colecionadores nos fins-de-semana

inclusive, foi o catalisador da paixão de Andrade por antiguidades. Ele conta que, quando residia em Florianópolis, costumava vir a Porto Alegre e comprar objetos na Redenção, até que percebeu que poderia ganhar dinheiro com essa prática.

O comércio de antiguidades Vários vendedores indicam que a maioria das peças presentes em suas respectivas lojas é comprada de particulares, ou seja, pessoas que procuram as lojas para venderem seus objetos. Para Daniel Andrade, o público ainda é a maior fonte para se conseguir antiguidades. Ele comenta que é procurado por diversos públicos, desde pessoas que estão vendendo objetos para arrecadar dinheiro até aos que querem se livrar de objetos de algum falecido. Nippel diz que, no início, os antiquários dependiam muito do marketing, do “boca-a-boca” e, também, de anúncios. Hoje, ele indica que essas ferramentas não são mais tão necessárias, uma vez que as pessoas sabem onde procurar e conhecem as fontes de confiança. Paulo Nippel afirma que, com o advento da internet, o ramo de antiguidades se aperfeiçoou: “Agora estamos fazendo anúncios para internet. Nós temos um site bem visitado, fazemos bastante vendas pelo site. As pessoas compram muito pela internet”. O “Caminho dos Antiquários” também já se estendeu para o mundo virtual, possuindo, até mesmo, uma comunidade no Orkut.

Compradores estão sempre percorrendo feiras e lojas em busca de novidades. O colecionador Fábio Silveira Lucas diz que é uma busca interminável e que, até mesmo quando viaja, sempre vai a lugares que tenham lojas do ramo. Lucas é dono de várias coleções, entre elas, sete vitrines com vidros e porcelanas. Para ele, todo bom colecionador está sempre procurando e comprando. “Colecionar é e sempre será um bom investimento. Todo bom colecionador está sempre procurando e sempre comprando”, comenta Lucas. A mesma opinião é compartilhada por Arthur Firpo Bevilaqua, colecionador de peças antigas e tradicionalistas, entre elas arreios, pilchas e pratarias. “Não existe época para esse comércio. O necessário é ter uma reserva financeira destinada para isso e esperar aparecer. Em muitas vezes, nós procuramos por algo e não conseguimos achar. Daí, quando menos se espera, aparece”, aconselha Bevilaqua, que é admirador da beleza dos detalhes das antiguidades. As antiguidades, portanto, ganham novo significado quando analisadas dentro desse mundo que é pouco conhecido pela sociedade. Compradores e vendedores passam para os leigos uma nova visão: a de que comprar antiguidades é comprar arte. Elas não são objetos mofados ou meramente parte do passado, são dignas de apreciação e de reconhecimento. O “Caminho dos Antiquários” cumpre o seu papel nessa jornada, ao reconhecer a importâncias de objetos de valor pessoal, social e artístico.

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Regina Becker, porto-alegrense, 51 anos, diz que a paixão por antiguidades começou a surgir logo na infância, quando arrumava e restaurava o que havia no lar de seus avós. “Desde muito nova sempre me senti atraída por coisas que tinham uma história de vida, que passaram por gerações, como se elas tivessem também uma alma e algo para contar”, lembra a colecionadora. Dona de um acervo de copos coloridos, móveis, quadros, utensílios de cozinha e objetos em forma de gatos, ela transmite empolgação toda vez que fala no assunto. Comenta, também, que basta uma peça tocar forte em sua emoção, que uma relação entre ela e o objeto já se estabelece. Para ela, a interação entre comprador e objeto é muito mais do que uma mera prática comercial. O vendedor Paulo Nippel, do “Mercado Negro Antiquários”, concorda com Regina, ao caracterizar o público de antiguidades como interessado por cultura e que procura qualidade. Nippel, que está no ramo há vinte anos, classifica Porto Alegre como uma cidade muito rica na diversidade de antiquários: “Porto Alegre é um núcleo significativo no Brasil. Temos um número considerável de antiquários. Inclusive, o Caminho dos Antiquários, que é um grupo muito unido e já reconhecido nacionalmente”. Daniel Andrade, outro vendedor e entusiasta da profissão, comenta que, além de a capital gaúcha ser uma referência nacional, ainda possui um público interessado, que está sempre investigando peças novas. Para Andrade, nos dias de hoje, não existe época para se vender antiguidades e os compradores estão sempre à procura. “Antes, no inverno, era quando aconteciam as melhores vendas. Mas, hoje em dia, está diferente, não tem época definida. Nós conseguimos ver isso pela Redenção, por exemplo. Mesmo sendo feriado ou chovendo, sempre tem gente comprando”, comenta o vendedor. O Brique da Redenção,

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Reabilitação através da cultura PAULA BARCELLOS

Algumas pessoas encontram na cultura uma opção de lazer, outras a encaram como um auxílio no tratamento de alguma doença. Experiências em centros de reabilitação para dependentes químicos de Porto Alegre revelam o quanto é benéfica a cultura no auxílio ao tratamento e recuperação dos pacientes. A terapia ocupacional, que faz uso da cultura, tem se mostrado bastante eficaz para a resso-

cialização e cura dos internos. Segundo o interno do Centro de Reabilitação Vita, há 8 meses, Devis Ferreira, “o segredo é manter-se ocupado”. O Vita adota o método da cura através da terapia ocupacional, sem remédios. De acordo com o diretor de disciplina, Jorge Antônio Castro, eles “não substituem uma droga pela outra”. Toda essa terapia conta com o auxílio e supervisão da assistente social Rosane Schneider. Ela explica que os internos têm acesso à biblioteca, sala de audiovisual,

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Fotos: Paula Barcellos

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Seu Hélio, ex-interno do Centro Vita, hoje é responsável pela biblioteca

marcenaria, cabanha, palestras, entre outros. Além disso, o Vita organiza, juntamente com os internos, eventos culturais em datas comemorativas como a Semana Farroupilha, Páscoa, Natal e Carnaval. Adotando igualmente a terapia ocupacional, a Clínica de Reabilitação Santa Catarina, inaugurada em 1994, atende também ao público geriátrico e divide os internos por grupos de condições físicas e emocionais, afinidade e grau de dependência. A partir de então, realizam as atividades, como explica a gerente administrativa e professora de educação física, Caroline Leandro de Lima. Os internos têm acesso à palestras culturais, atividades com música, teatro, pintura, artesanato, leitura de textos, jogos, gincanas, questionários e grupos de culinária. Lima diz que estas atividades são capazes de diminuir a agressividade, a ansiedade, a revolta e a indignação dos internos. Cristian Douglas Sicorra Moreira esteve em reabilitação por três meses, e hoje trabalha na unidade psiquiátrica como ‘cuidador’. Moreira destaca o grupo de auto-ajuda e conta que as atividades realizadas no centro foram fundamentais para sua ressocialização e reinserção na sociedade, dando a ele “uma vida como qualquer ser humano merece ter”. A gerente conta que pode perceber que, após o início da realização das


C OMP OR TAME NTO

C OM POR TA M E NTO O papel da terapia ocupacional Os centros de reabilitação têm obtido resultados satisfatórios através da terapia ocupacional e atividades culturais que desenvolvem. De acordo com Jorge Antônio Castro, o índice de recuperação tem crescido e hoje atinge 70% dos internos. Ele observa que o Vita tem a meta de aumentar esse número e observa que o uso da terapia ocupacional é uma medida inovadora, uma vez que, antes da existência desse recurso, as clínicas

dispunham de tratamento através de medicação. Segundo as terapeutas ocupacionais Dani Peruzzolo, coordenadora do curso de Terapia Ocupacional do Centro Universitário Metodista (IPA), e Claudia Scolari, terapeuta da sala de recursos e clínicas do IPA, no Hospital Parque Belém, a terapia ocupacional trabalha com as áreas de desempenho e com habilidades. De acordo com a coordenadora do curso de Terapia Ocupacional, “no caso de dependência química, a Terapia Ocupacional auxilia na criação de uma nova organização de rotina e desenvolvimento de atividades que ajudam na inserção social, no trabalho, na família e na sociedade”. Peruzzolo avalia que as atividades culturais desempenham papel importante no tratamento de dependentes químicos. E justifica que, após o entendimento do ciclo da

doença, as atividades culturais são utilizadas para que os internos possam novamente ser inseridos à sociedade de maneira que tenham a capacidade de criar novos grupos e desenvolver atividades de rotina como qualquer um. “Um grande número de dependentes químicos têm diminuído ou irão diminuir suas perspectivas sociais e de trabalho. Muitas pessoas usam as substâncias químicas como ‘muletas’ para suportarem os problemas que a vida lhes traz. Seja por posição social, por perspectivas de trabalho ou de estudos”, analisa Scolari. A professora explica que a Terapia Ocupacional possui técnicas que avaliam as áreas de desempenho ocupacional e ajudam os sujeitos a encontrarem ou produzirem recursos pessoais para construírem seus próprios caminhos, sem os subterfúgios de produtos químicos.

O que é a terapia ocupacional O conceito inscrito na Federação Mundial de Terapia Ocupacional diz que se trata de um campo de conhecimento e de intervenção em saúde, educação e na esfera social, reunindo tecnologias orientadas para a emancipação e autonomia das pessoas que, por razões ligadas a problemática específica, físicas, sensoriais, mentais, psicológicas e/ou sociais, apresentam dificuldade na inserção e participação na vida social. No processo de reabilitação de dependentes químicos, utiliza-se a abordagem ‘Cognitiva Comportamental’ para ajudar na mudança das rotinas e enfrentamento de situações. Os atendimentos aos pacientes podem ser em grupo ou individual.

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atividades culturais, houve uma mudança significativa no comportamento e no humor do internos, além da melhora na relação familiar em dias de visita, criação de novos grupos de amigos e expectativas positivas. O diretor administrativo e vice-presidente do Centro Vita, Giovani Brasil Silva de Souza, explica que a comunidade, situada ao redor do centro, é carente e, por isso, além de auxiliar na reabilitação dos dependentes químicos com a terapia ocupacional, o Vita disponibiliza cursos de informática e de corte e costura para as pessoas da comunidade que tenham interesse.“Eu costumo dizer, que além de ajudar a turma da droga, nós ainda tiramos aqueles futuros ladrões da rua”, diz Souza.

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O Ano da França em Porto Alegre ABRIL A AGOSTO Reflexio - A Imagem Contemporânea A Exposição reuniu nomes da fotografia francesa – como Valérie Jouve, Patrick Tosani, Suzanne Lafont, Eric Rondepierre e Catherine Rebois, no Santander Cultural. Seminário Malraux - profissionais de artes, economia, cultura, política e arquitetura realizaram um bate papo sobre a relação do Brasil com a França, no Santander Cultural. ABRIL A NOVEMBRO Ciclo de palestras sobre Pensamento Francês e Cultura Brasileira, na PUCRS. MAIO A NOVEMBRO O que é a França: Mostra de Cinema Francês, no Santander Cultural. JUNHO Dédale, de Pierre Coulibeuf, filme inspirado na obra do artista Iberê Camargo, foi exibido Fundação Iberê Camargo. JULHO A SETEMBRO Um Século de Arte na França (1860-1960), no Museu de Arte do RS. NOVEMBRO Bienal do Mercosul - Pavilhão especial com obras de artistas franceses contemporâneos, no Cais do Porto. 55° Feira do Livro - seis intelectuais franceses, como Michael Maffesoli, marcaram presença.

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No ano de 2005 foi consagrada a presença do Brasil na França, ocasião em que centenas de eventos musicais, literários e culturais foram acionados pelo ministério da cultura para apresentar ao público francês a diversidade artística do país tropical. Em 2009 foi a vez da França se fazer presente no Brasil. O Ministério da Cultura Francês promoveu para as principais capitais dos Estados brasileiros diversas manifestações culturais e artísticas. Nas linhas a seguir começa um passeio entre Brasil e França, países que têm muito em comum. Segundo o escritor e diretor do Memorial do Rio Grande do Sul, Voltaire Shilling, desde o começo Brasil e França se cruzam através da herança herdada pelos portugueses aos bra-

França sileiros, tornando a admiração e o amor pelas coisas francesas um verdadeiro fascínio. Para Shilling, a França, cujo único interesse era a extração de pau-brasil em meados de 1500, antes mesmo de o Brasil existir, trouxe em sua bagagem encantamentos que o Brasil descobrirá mais há frente. A relação desses dois países se deu desde as primeiras colonizações, aprofundando-se de um modo mais intenso com a chegada da Missão Artística Francesa, em 1816, particularmente da elite intelectual, estendendo-se até o século XX, conforme explica Voltaire Shilling. O escritor e conhecedor da história francesa no Brasil comenta que “a cultura Francesa foi cada vez mais se difundindo no Brasil por todas as áreas, seguindo uma cronologia mesclando história a cultura e de forma indireta, já que os

francese se renderam ao “bom selvagem” enquanto que os brasileiros quiseram reproduzir os gostos e costumes parisienses”. Para o Francês e Diretor da Aliança Francesa de Porto Alegre, Cristophe Benest, o Brasil é um país de sonho e o “jeitinho brasileiro” encanta e contribui para essa relação positiva entre os dois países. A influência francesa é vista em boa parte do Brasil, mas a cidade do Rio de Janeiro é sem dúvida um dos principais berços dessa herança, afirma Voltaire. Um exemplo é tão conhecido carnaval carioca. O escritor conta que essa relação deu-se através do talento de um pintor chamado Baptiste Debret, que munido de pincéis, registrou em imagens vivas as mais diversas cenas da vida cotidiana do Brasil colonial, e encantou Dom João VI que gostava de coordenar marchas e os desfiles


reais cívicos da época. Segundo Shilling, Dom JoãoVI contratou o pintor para produzir os figurinos desses eventos. “Debret, com sua arte apresentada nos desfiles, e Dom João VI, com o estilo apresentado nos eventos reais, se tornam, mais tarde, modelos para as escolas de samba”, registra.

Comemorações para revitalizar a imagem francesa no Brasil O francês e diretor da Aliança Francesa de Porto Alegre, Cristophe Benest, diz que a celebração do ano da França no Brasil contribui para modernizar a imagem da França no país. Conforme ele, a imagem que se tem da França no Brasil parou nos anos 70, época de grandes

pensadores como Lacan e Foucault, e de artistas como Edith Piaff. O francês ainda ressalta que a “a França é mais que a Champs Elysées”. Cristophe Benest mora no Brasil há 3 anos e representa a Aliança, autorizada oficialmente pela Alliance Française de Paris a utilizar sua marca, e que pertence a uma vasta rede que compreende hoje 1135 comitês distribuídos em 138 países nos cinco continentes. A mostra “Arte na França 1860-1960: O Realismo” que reúne grandes mestres do realismo francês, no Museu de Arte Rio Grande do Sul, marcou as comemorações oficiais do Ano na França no Brasil, em Porto Alegre. Além disso, a 55ª Feira do Livro de Porto Alegre teve como país homenageado a França. O evento contou com nomes de autores franceses, pretendendo ser uma verdadeira Revolução Francesa para

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Os dois andares do Museu de Arte do Rio Grande do Sul ficaram recheados de arte, com 140 pinturas do realismo francês. Trabalhos de ícones da arte mundial como Courbet, Monet, Van Gogh, Degas, Renoir, Cézanne, Balthus, Millet, Dérain, Miró, Dalí e Manet integraram a exposição Arte na França 1860 -1960: O Realismo. O francês Eric Corne foi o curador da mostra que também apresentou trabalhos de artistas brasileiros como Cândido Portinari, Almeida Junior, Iberê Camargo, Lasar Segall e Guignard, reforçando a ideia de diálogos entre diferentes autores e valorizando em especial as aproximações entre franceses e brasileiros que estudaram em Paris. O evento reuniu 135 mil visitantes da região sul e de países vizinhos, de todas as classes e faixas etárias, a exemplo do que acontece em museus de outros países, superando todas as expectativas. Quem compareceu ao evento, além de encher os olhos com as obras expostas, colaborou doando alimentos não perecíveis que somaram no final 70 toneladas para distribuição.

abrir o pensamento dos visitantes que comparecerem ao vento Um dos mais esperados eventos foi a vinda do presidente do Comissariado Francês do Ano da França no Brasil, YvesSaint-Geours, a São Paulo. Ele participou, no dia 2 de outubro, da abertura da Semana Franco-Brasileira das Formações Superiores, sobre as Formações e Profissões do Futuro. O evento contou com a participação de mais de 70 universidades francesas e teve como objetivo fortalecer a cooperação acadêmica entre França e Brasil. Além de São Paulo, o evento passou pelo Rio de Janeiro e por Belo Horizonte. O Ano da França no Brasil encerrou em 15 de novembro e a reta final foi recheada de shows de música, espetáculos de dança e exposições.

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Fotos: Divulgação

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Um século de Arte na França no MARGS

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Brasil, um povo cordial Fotos: Leandro Monks

O BRASILEIRO é conhecido pela sua CORDIALIDADE, diferentemente de OUTROS POVOS que são considerados frios e CALCULISTAS Universo IPA | Deezembro 2009

RAFAEL SOUZA

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A cordialidade é uma característica do brasileiro que tem prós e contras, conforme analisam conhecedores do assunto. Na visão do professor do Centro Universitário Metodista IPA e mestre em Sociologia, João Paulo Aço, 46 anos, “isso vem da própria formação sócio-cultural brasileira”. Aço diz que se criou no Brasil uma sociedade patriarcal estável, sob o ponto de vista da unidade familiar e patrimonial. “Essa sociedade foi capaz de se mostrar transigente sob o ponto de vista das relações entre raças”, avalia.

O estudante de Ciências Sociais do 6° semestre da UFRGS, Eduardo Vieira Mattos, comenta que a cordialidade brasileira ficou famosa devido aos estudos feitos pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda, no livro ‘Raízes do Brasil’. Aço fala que o autor trouxe à baila o termo ‘homem cordial’ que “em linhas gerais, buscava designar a tendência do brasileiro de se guiar por princípios familiares e afetivos, mesmo no trato de que deveriam exigir posturas mais impessoais”. Mattos explica que “a cordialidade referida nos estudos feitos sobre a criação do Brasil

não é a gentileza nem a simpatia do brasileiro. Cordialidade vem do latim e quer dizer, etimologicamente, ‘do coração’. Então o autor quer dizer que a cordialidade caracteriza o agir impulsivamente, mais com o coração do que com a razão”. O sociólogo Aço observa que “a cordialidade traz à luz dilemas sociais que até agora não foram superados pela sociedade brasileira”. E explica: “Se tomarmos o aspecto da afetividade, do sentimentalismo, da hospitalidade e do caráter relacional do povo brasileiro, podemos dizer que esse é um valor muito caro a todos nós”.


Comparação com outros povos O povo brasileiro é considerado um povo muito acolhedor, já o de outros países é visto como frio e de alguma forma não deixa

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É próprio do brasileiro manter relações cordiais e de proximidade com o outro

qualquer pessoa se aproximar. Mattos comenta que esses outros países, além da cultura diferente, têm uma “combinação de fenômenos que gera um produto que não é intencional e, por isso, podem acabar não sendo cordiais, dependendo de alguns fatores”. Para o professor de Sociologia, João Aço, “cada sociedade tem suas próprias peculiaridades culturais”. As circunstâncias de formação econômico-social capitalista implicaram mudanças e adaptações muito próprias e peculiares em cada povo. “Sob o aspecto da miscigenação de povos e trocas culturais, o Brasil é a expressão criativa da miscigenação populacional e tem ‘a cara do futuro’, talvez outras nações possam olhar nossa experiência histórica como um modelo de convivência relacional e tolerância entre diversidades de culturas. Entretanto, os aspectos de nossa histórica desigualdade social e dissimulação dos conflitos sociais precisam ser superados”, afirma Aço.

Nem sempre é assim... A cordialidade do brasileiro pode não ser intencional e sim advir da cultura passada de geração em geração, que influenciou os brasileiros. Sem essa intenção, nem todos se consideram cordiais e nem consideram o povo brasileiro um povo acolhedor. Walter Teixeira Depauli, estudante de Direito do 6° semestre da PUCRS, analisa que para ser uma pessoa cordial é necessário autosatisfação, mas com todas as dificuldades que os brasileiros enfrentam é impossível ser cordial num ambiente em que prevalece a lei do mais forte e do mais esperto, em que os limites entre os agentes da lei e a bandidagem são tênues. Depauli não se considera uma pessoa cordial. “No transcorrer dos dias tento ser o mais cordial possível, entretanto com a falta de educação das pessoas fica difícil manter essa postura”.

Jeitinho brasileiro Outra característica do povo brasileiro é o conhecido ‘jeitinho’, um modo de agir usado para driblar normas e convenções sociais, diferente da cordialidade. Para o professor de sociologia do IPA, ‘jeitinho brasileiro’, a ‘malandragem’, aprofunda aspectos da dualidade entre o mundo da Rua e o mundo da Casa”. O estudante Mattos complementa falando que o “jeitinho” brasileiro vem justamente das leis que não são cumpridas. O sociólogo Aço diz que “formalmente aceitamos e criamos leis que dizem que todos são

iguais perante a elas mas, na prática, quando assumimos certas posições de mando, fazemos juízos de valor baseados em critérios afetivos e às vezes familiares”. “As leis são fracas porque não são cumpridas”, comenta o estudante. Aço também concorda com a ideia de que o jeitinho brasileiro é fruto de impunição: “É uma forma criativa de justificarmos nossas pequenas transgressões ou uma forma de nos esquivarmos da responsabilidade por determinado ato que por princípio está errado”.

Universo IPA | Dezembro 2009

O estudante do 6° semestre de Psicologia da PUCRS, Gustavo Garcia Moll, acredita que o brasileiro é assim devido à cultura de maior proximidade com as pessoas, expressa através de “um certo companheirismo”. “O Brasil é um país de grande miscigenação, devido aos diversos grupos de imigrantes, vindos dos mais variados pontos do mundo, cada um com sua própria bagagem cultural e costumes próprios. Com o correr do tempo, estes povos tiveram que se adaptar uns aos outros, coexistir e, inevitavelmente, se misturar”, analisa. Para Moll, o Brasil ganha com essa característica. As vantagens, segundo ele, estão na“conquista da simpatia do povo de fora, principalmente, aqueles que são originários de países com culturas mais individualistas e menos coletivistas que a nossa. Ganha esse ‘calor’, essa animação que pode ser encontrada em tantos costumes e brilha principalmente durante o mundialmente conhecido Carnaval”. André Luiz Moreno da Silva, que está cursando o 8° semestre de Psicologia na USP, em Ribeirão Preto, concorda que é uma característica que contribui para a nação brasileira, pela junção de várias raízes e culturas diferentes. “Isso facilita a relação com a diversidade”, explica. Porém, do ponto de vista do futuro psicólogo, ser nação com povos tão diferentes pode atrapalhar devido aos vários pontos de vista, o que gera dificuldades na tomada de decisões, já que o Brasil tem muitos interesses que devem ser conciliados. Silva considera a relação cultura-população como dialética e dialógica. “É explícito que existe uma influência no modo de ser do indivíduo brasileiro causada pela cultura. Porém, esse indivíduo também modifica a cultura em que vive, não sendo apenas refém de atos e costumes meramente estabelecidos”, explica.

C OM POR TA M E NTO

Do ponto de vista da psicologia

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dison Fotos: E Feijó

A nova Igreja da Conceição Universo IPA | Deezembro 2009

EDISON FEIJÓ

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O templo histórico da Igreja Nossa Senhora da Conceição, localizado na avenida Independência, é um dos mais antigos da capital e passa por um processo de restauração. Edificado em 1880, é uma das poucas igrejas que mantém suas características originais. Segundo o pároco da Igreja, Luiz Inácio, a capela metropolitana, por ser um patrimônio histórico e artístico da capital, “passa por um restauro de grande necessidade, pois é um dos principais pontos turísticos de Porto Alegre e representa toda uma vida e característica de um período da história da comunidade e da expressão de fé”. O pároco explica que a restauração está ocorrendo porque a Igreja foi tombada como patrimônio histórico pela administração

pública. O páraco ressalta que a restauração vai “manter e preservar o patrimônio artístico, arquitetônico, histórico, edificado por gerações passadas, e que representa toda uma vida e característica de um período da história da comunidade e da expressão da fé. Por isso a necessidade de manter suas características originais”. A restauração conta com o apoio do páraco e de fies. Indira Bauer, 44 anos, que costuma frequentar a Igreja, destaca a importância de obra e reforça que a restauração deve preservar o patrimônio que é ponto turístico de Porto Alegre, por ser uma das capelas mais antigas. O padre Luiz Inácio estimulou a restauração porque acredita que “este é o grande resgate de valores da igreja perante à comunidade,

aos costumes e à história”. Ele ressalta que a restauração é urgente e visa a impedir a ação nefasta das infiltrações, cupins, riscos de incêndio devido à precariedade da rede elétrica. “São ações que podem levar a perda, em breve, de um tão valioso patrimônio histórico”, observa. Segundo o fiel Bruno Cabral, a perda do templo histórico seria lastimável, pois para ele o templo é um refúgio, um local onde a paz impera. Para fieis que frequentam a igreja, como Bruna Jochims, 52, Bruno Cabral, 57, Gabriela Siqueira, 39, e Indira Bauer, 44, a restauração é de extrema importância, por ser um patrimônio histórico de Porto Alegre e deve de ser conservado. Também observam que haverá melhorias, dentre estas, que o templo sagrado


INVESTIM E NTO

I NV ESTI ME NTO

Restauração para recuperar valores

Segundo o páraco Luiz Inácio, a restauração recupera os seguintes valores: Valor arquitetônico: expressos na modulação das aberturas, janelas e portas; nas paredes ciclópicas do seu sub-solo e das paredes portantes; na decoração neo-barroca de suas talhas, oratórios e nichos. Valor evocativo: faz parte da memória visual da cidade de Porto Alegre. Sua construção foi iniciada com a abertura da Rua da Brigadeira (Conceição) até o Caminho do Meio (Osvaldo Aranha), com a instalação da Praça Dom Sebastião, com a instalação do Hospital Beneficência Portuguesa e no seu entorno estavam a Santa Casa e o Hospital São Francisco da Santa Casa. Valor ambiental: a Igreja Conceição é parte integrante da paisagem urbana e visual do Centro Histórico de Porto Alegre, faz conjunto arquitetônico e urbanístico com a Beneficência Portuguesa, Colégio Rosário (berço da PUC-RS), Complexo Hospitalar da Santa Casa e Conjunto Histórico da UFRGS. Valor de acessibilidade e uso: está implantada junto a uma das mais importantes e movimentadas avenidas de Porto Alegre. É acessada diariamente por muitas pessoas, fiéis e turistas. Os cultos diários têm expressiva a participação; Valor de conservação e sustentabilidade: a Igreja restaurada e conservada tornar-se-á um patrimônio para Porto Alegre e para o Brasil. Valor de antiguidade: considera-se a real identificação com o passado, haja vista sua edificação para a história e cultura da cidade e do EStado, porque remete às edificações do período do Império. É considerada umas das mais remotas edificações religiosas de Porto Alegre e do RS.

As obras de restauração incluem as fachadas e os bens da Igreja Nossa Senhora da Conceição

Universo IPA | Dezembro 2009

se tornará mais cômodo para a comunidade da Igreja, fazendo com que a capela cresça. Frequentadores da Igreja, eles afirmam que os transtornos causados pelas obras não atrapalham. O arquiteto Analino Zorzi ,47, responsável pela obra, explica que as principais restaurações estão na edificação, iniciando pela cobertura e revestimentos externos. Diz também que serão restauradas as esquadrias internas e externas e todos os bens integrados, o altar mor, as talhas, os douramentos, as pavimentações. Estão previstas, ainda, as reformulações e instalações das instalações elétricas, terminando a restauração com a pintura interna e externa da Igreja. “Os cuidados estão sendo redobrados, tendo em vista o valor dos bens culturais patrimoniais que estão recebendo intervenção. Também com o objetivo de não descaracterizá-los, mas acrescer-lhes valor através de técnicas de preservação”, comenta. O arquiteto ressalta que a maior preocupação que se tem é com as obras em madeira, mas que em todas as intervenções os cuidados sempre são dobrados. A previsão de término da obra, segundo o pároco e o arquiteto, é dezembro de 2010. As empresas Gerdau, Oi e Bradesco Seguros, através da Lei de Incentivo à Cultura, estão custeando a obra. Visando o bem da comunidade, o pároco ressalta aos fieis a importância e os benefícios da restauração da Igreja Nossa Senhora da Conceição.

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I NV ESTI ME NTO INVESTIM E NTO

A reforma do Auditório Araújo Viana RENATA MARIMON

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Palco de shows de João Gilberto, Caetano Veloso, Cássia Eller, espaço de manifestações políticas, assembleias e palestras de personalidades renomadas como o Nobel de Literatura José Saramago, o Auditório Araújo Vianna faz parte da história de Porto Alegre. Símbolo da efervescência cultural da capital gaúcha, o local encontra-se fechado desde 2005, em clima de total abandono, já virou abrigo para andarilhos e animais que ocupam o espaço cultural.

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Para o secretário de Cultura do município Sergius Gonzaga, o investimento é muito alto para a reforma, algo em torno de R$ 7 a 10 milhões, porém a prefeitura não dispõe desse dinheiro e, se tivesse, dificilmente daria prioridade para a obra. “É um valor muito alto para uma única obra, onde o principal foco é a apresentação de shows. Se dispusesse desse dinheiro, investiria na periferia, em bibliotecas ou em alternativas mais aproveitáveis culturalmente”, analisa. Entretanto, uma parceria público-privada vai garantir a reforma, que ainda não tem data para iniciar. A interdição ocorreu em 2005. Em 2002, a lona que fazia a cobertura do auditório era incapaz de vedar a acústica interna, o som ecoava por todo o bairro Bom Fim e sua es-

trutura já estava abalada. Então, em 2005, a Secretaria de Cultura pediu um laudo técnico para a Secretaria de Obras e Viação (Smov). Segundo laudo técnico da Smov, a cobertura perdeu sua validade ainda em julho de 2002, apresentava altos riscos de segurança. Por intempéries do tempo, chuva, vento e o desgaste natural, os cabos de aço podiam se romper e causar grave acidente. A prefeitura optou por interditar o Auditório.

A reforma Em fevereiro de 2007, através de uma parceria público-privado, foi aberta uma licitação oferecendo a qualquer empresa três quartos, ou seja, a utilização de 75% das datas anuais do auditório por um período limite de dez anos. A empresa Opus Promoções venceu a licitação em maio de 2007. O custo da revitalização do Auditório foi orçado inicialmente em R$ 7 milhões. Porém, a Opus percebeu algumas necessidades não previstas no projeto original, como ampliação do palco e instalação de câmeras de vídeo para segurança externa, que elevaram o custo do projeto para mais de R$ 10 milhões. A construção do Auditório em 1964 foi assinada pelos dos arquitetos Moacyr Moojen Marques e Carlos Maximiliano Fayet. “É somente eles que estão autorizados a realizar essa obra, como Fayet faleceu no ano passado, o responsável pelas modificações está a cargo do arquiteto Moacyr Moojen Marques”, explicou o próprio arquiteto. De acordo com Moojen,

dentre as mudanças está a nova cobertura. Ao invés de uma lona provisória, haverá uma definitiva, construída com material rijo e permanente. O auditório terá portões que permitem o fechamento em toda a periferia, o que conterá as emissões sonoras de seu interior. Terá climatização artificial, novas poltronas, piso acarpetado, dentre outras melhorias. O secretário Sérgius Gonzaga esclarece que uma das maiores preocupações está em conseguir fazer a vedação total do som. Por isso Moonjen e sua equipe contrataram um professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul especialmente para desenvolver testes em laboratórios para que efetivamente haja vedação total, para que quem passe pelo o entorno não ouça o ruído. Para o arquiteto Moonjen, “a duração do novo telhado será indeterminada, dependendo exclusivamente da manutenção e de novas técnicas construtivas. Será algo como um novo teatro para três mil espectadores sentados, proporcionando infinitas possibilidades de espetáculos, inclusive cinema”. O secretário de Cultura acredita que o novo auditório será uma referência cultural, um ícone arquitetônico. “Aquilo que aparentemente era um elefante branco para a prefeitura se converte em algo especial. No acordo a prefeitura vai poder usar 70 dias durante 10 anos. Foi feita uma enquete com 70% de aprovação para a reforma”, justifica. De acordo com o secretário, “o projeto contempla o entorno imediato, já que é acompanhado dos projetos de paisagismo e comunicação visual. A segurança do local será feita por uma empresa terceirizada”. Gonzaga acredita que a reforma irá desencadear futuras parcerias-público privado, como criar um estacionamento subterrâneo, embaixo do ginásio de futebol Ramiro Solto.“Resolveria o problema de estacionamento principalmente aos finais de semana, quando o parque costuma receber


A história O porto-alegrense José de Araújo Viana (1872-1916) foi um dos fundadores do Instituto de Belas Artes, em 1908. O instituto deu origem à Escola de Belas Artes, hoje integrada à UFRGS. Ao conjunto foi dado o nome de Auditório Araújo Viana, que permaneceu na praça da Matriz, junto ao Theatro São Pedro, até meados do século 20, quando o local foi cedido para a construção do prédio da Assembleia Legislativa. O auditório, com o mesmo nome, foi transferido para o Parque Farroupilha, junto à Avenida Osvaldo Aranha, onde se encontra até hoje. Inaugurado em 12 de março de 1964, com capacidade para 4,5 mil pessoas, o projeto é dos arquitetos Moacyr Moojen Marques e Carlos Maximiliano Fayet. A partir de década de 70, o Araújo Vianna consagrou-se como espaço para apresentação de espetáculos de MPB. Em 1997, o Parque Farroupilha foi tombado como Patrimônio Histórico e Cultural do Município. Como parte integrante do Parque, o auditório passou a ter sua preservação garantida. Fonte: Secretaria da Cultura de Porto Alegre

Quem pensa que o Complexo Cultural Multipalco está pronto, se engana, pois ainda virão mais e mais novidades, o projeto está apenas começando. As reformas vão continuar por algum tempo. Diversas obras estão previstas. O projeto Multipalco, junto com o Theatro São Pedro, pretende formar o maior complexo cultural da América Latina. O espaço para construção é de 20 mil metros quadrados. A criadora do projeto, Eva Sopher, atual Presidente da Fundação Theatro São Pedro desde 1975, conta que em 1985 começou o sonho de construir o Multipalco. De acordo com a idealizadora, foram anos de luta e esforço para conseguir lotes e começar a construção, após muita insistência foram liberados 10 lotes ao lado do Theatro, para que ali fosse implantado o complexo. E isso era só o começo de uma batalha que durou 18 anos. A ideia do projeto foi de Dona Eva, como é conhecida. “A luta foi difícil e em diversos momentos pensei em desistir e jogar tudo para o alto”, recorda. A construção do Multipalcocomeçou em março de 2003, mas foi no final do ano seguinte que foram construídas paredes de concreto. E em 2007 surgiu o primeiro prédio de seis andares. A previsão de conclusão do projeto era para 2008, mas por alguns problemas

a inauguração foi adiada, e agora não tem data prevista. Parte do projeto já foi inaugurada, o espaço Vonpar. Localizado na parte superior do Multipalco, o espaço surge como uma alternativa de cultural e lazer da cidade. É constituído de concha acústica, ocupará a área mais visível do complexo e resgata a história ao retomar a concha acústica próxima ao teatro, como no primeiro Auditório Araújo Vianna, existente até o final dos anos 50 ao lado da Praça da Matriz. “Desde o início tive esta ideia de construir uma nova concha acústica em respeito à memória da cultura da cidade”, declara Eva Sopher. O espaço tem também um palco aberto de 20 metros quadrados para performances alternativas e apresentações musicais. Os novos projetos serão realizados pela Associação Amigos do Theatro São Pedro. Há equipamentos previstos que serão lançados à medida em que ficarem prontos. Os prazos dependem da entrada de recursos, que têm origem em amigos e patrocinadores, todos com suas logomarcas expostas na praça e no site do Multipalco. Para 2010, as novidades estão na melhoria das condições de trabalho dos operadores da casa e dos espetáculos, além da plena utilização dos equipamentos inaugurados em 2009.

I NV ESTI ME NTO

FERNANDA GUARDIOLA

INVESTIM E NTO

Multipalco da capital

Fernanda Guardiola

Universo IPA | Dezembro 2009

diversos visitantes. Além de ligar diretamente o estacionamento ao Araújo Viana com total segurança e conforto”, projeta Uma outra novidade anunciada por um dos sócios da empresa Opus Promoções, Carlos Konrath, é que “o Auditório Araújo Vianna também passará a ser local de inclusão social, com a transformação da Sala Radamés Gnattali em um espaço multiuso, onde será oferecida capacitação cultural através de oficinas, workshops, cursos muitas vezes gratuitos”. Também está prevista a construção do Acervo do Auditório Araújo Vianna, a fim de resgatar e preservar a história musical e a importância cultural da casa. A Opus tem 18 meses para concluir a obra, mas acredita que terminará em até 12 meses. A expectativa do secretário é estar com as portas do Araújo Viana abertas ainda em 2010. Os espetáculos já confirmados no local são a apresentação da Banda Municipal de Porto Alegre, com concertos aos domingos, para o público jovem, de música popular, bossa nova, samba, tropicalismo. A entrada será franca ou a doação de um quilo de alimento. O Porto Alegre em Cena, o Festival de Inverno e o Porto Alegre 24 horas de cultura também devem ocupar o espaço. A vontade do secretário seria trazer para a abertura do local um show da banda Fito Páez, com a Banda Greatest. Para Gonzaga, “seria o tipo de espetáculo para mais de uma noite, devido à demanda do público”.

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Fotos: Andrey Cidade

MÚSICA MÚSICA

O caminho

mais rápido para o sucesso

Banda Fused é a atual campeã de downloads do site TramaVirtual, e um dos grandes destaques do cenário musical brasileiro

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ANDREY CIDADE

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Que a internet veio para ajudar, já se sabe, mas, e à música, o que ela pode proporcionar? Com a rede mundial é fato que uma música atravessa fronteiras e vai aonde os próprios compositores, cantores e intérpretes não imaginariam que ela pudesse chegar. Há mais de 10 anos, a internet dava seus primeiros passos no Brasil. As salas de bate-papo eram os principais recursos de entretenimento. Mesmo naquela época, não era exagero imaginar que ela poderia ajudar no processo de divulgação de qualquer pessoa que quisesse simplesmente mostrar o seu trabalho. O baixista da banda Tópaz, Alexandre Nickel, também conhecido como Fly, acompanhou o desenvolvimento da internet ao longo dos anos e acredita na eficácia que ela pode trazer. Fly reconhece os benefícios da internet, observados desde quando começou a atuar na banda, há 11 anos, como compositor e principal membro a utilizá-la como meio de divulgação. “A internet é usada para divulgar um eventual show, uma música nova para download, algo que a banda usa muito seguidamente pelo site de relacionamento Twitter”, exemplifica. Mesmo com todo o benefício que ela pode trazer, na opinião dele, “nada supera o auxílio de uma exploração do ‘produto’ em mídias tradicionais como rádio e TV”.Fly acredita também que a interatividade é a melhor das faces da internet, e sempre achou que as bandas deveriam aprender a explorar mais isso.

“A Tópaz lançou uma promoção chamada ‘Fiz pra Tópaz’. O indivíduo mandava uma música sua, gravada toscamente em casa, e a gente escolhia a mais legal e gravava uma versão”. Na época, a canção escolhida foi “Eu Planejei”, que logo foi lançada como single da banda. Foi uma promoção que a banda gastou exatos R$ 200, tendo recebido mais de 30 músicas. Logo após o lançamento, foi produzido um clipe com imagens enviadas de fãs cantando ela. “Com esse vídeo, conseguimos inserção em diversos meios de comunicação que normalmente são complicados de conseguir e o laço com os fãs ficou bem mais forte. Agregamos um público enorme com uma ação super simples e de baixo custo”, avalia Fly. E pra quem opta por cantar em inglês? Vemos nas grandes mídias que bandas nacionais que escolhem seguir esse caminho não têm tanta repercussão, mas uma banda gaúcha que tem tido nos últimos anos destaque na internet, mesmo cantando apenas em inglês, é a No News Found. O vocalista da banda, Guto Gaelzer, acredita que o mercado é sim pequeno, e que na sua opinião depende de cada banda analisar o que vale a pena. “Angra e Sepultura são exemplos que estão vivos. Cansei de Ser Sexy só faz sucesso lá fora. Mas depende de nós músicos fazer com que esses exemplos aumentem e não se restrinjam a apenas esses três”, analisa. Uma prova desse eventual reconhecimento é que atualmente a banda foi chamada para abrir o show do Forfun, que ocorreu em setembro na capital gaúcha.

Divisor de águas Assim como costumam dizer que o DVD substituiu a fita cassete, o download gratuito de músicas é seguidamente citado como sucessor do CD. A nova realidade, que surge com a internet, torna ainda mais difícil ganhar a vida através da música. “Não dá para cobrar pela música, ninguém mais quer pagar por ela. Mas o que fazer? Desistir de ter uma banda? Fechar Divulgação

Alexandre Nickel, baixista e um dos principais compositores da Tópaz, é um dos músicos que recentemente mais utiliza a internet como ferramenta de divulgação


Links da internet para curtir o som das bandas TÓPAZ Myspace: http://www.myspace.com/bandatopaz Fotolog: http://www.fotolog.com.br/bandatopaz NO NEWS FOUND Myspace: http://myspace.com/nnfrock TramaVirtual: http://www.nonewsfound.com FUSED Myspace:http://www.myspace.com/bandafused VERT 360° +Myspace: http://www.myspace.com/vert360 Trama: http://www.tramavirtual.com.br/vert360

MÚSICA

M ÚSIVA A banda no News Found, mesmo com canções apenas em inglês, tem seu espaço e divide o palco com grandes artistas

diário pessoal do seu artista favorito. “Quase que todo dia a banda posta no orkut, fotolog, twitter. Até mesmo o MSN serve para diminuir a distância e aproximar os fãs da banda, eles gostam disso, e retribuem essa atenção lotando nossas apresentações, por exemplo”, explica Rino.

Da garagem para os palcos Em um mercado tão competitivo como o musical, toda banda nova procura alcançar seu espaço entre artistas já consagrados. Com a Vert 360° não é diferente. Recentemente, participou do “Etapa Chance”, festival organizado pelo jornal Diário Gaúcho, em outubro, no Bar Opinião. Por meio de uma votação realizada na página da web do próprio jornal, o público escolheria quais seriam as bandas selecionadas a participar do festival. O evento ainda contou com o show de encerramento da banda Fresno. Um dia antes, a Vert 360° ainda havia tocado no palco principal do Pepsi On Stage, dividindo espaço com artistas já consagrados como Charlie Brown Jr. e Cine. Questionado sobre a obrigatoriedade de uma gravadora, o guitarrista da banda, Lucas Benz acredita que uma

Fused exibe ao público vários de seus sucessos que levaram a banda a estar entre uma das mais pedidas na Rádio Atlântida-RS

banda, acima de tudo, é formada por amigos que se reúnem pelo simples prazer de fazer um som, diminuindo assim, a importância de uma gravadora por trás. “Com o tempo tudo vai ficando um pouco mais sério, e a internet é um facilitador para isso. Antes, uma banda para ser conhecida tinha que correr muito mais, mandar material para gravadoras, rádios, pessoas influentes e torcer para que alguém de lá gostasse; hoje até em casa podemos gravar músicas, botar na internet e divulgar“, comenta Lucas.

Universo IPA | Dezembro 2009

as gravadoras? Não! O que as gravadoras começam a perceber é que a forma de ganhar dinheiro com música não é vendendo ela em si. Ela cada vez mais começa a ser liberada de graça e os artistas e produtores ganharão com shows, itens personalizados como camisetas, bottons, entre outros”, explica Guto. Um bom exemplo de site que tem tido grande destaque nos últimos anos e aberto diversas portas para novos artistas é o “Trama Virtual”. A página dá uma pequena remuneração às bandas conforme os downloads que são feitos de forma gratuita, mediante um cadastro. A banda campeã de downloads em 2008 é de Porto Alegre, a Fused, apontada como uma das grandes apostas da nova cena musical brasileira. A banda teve seu início em meados de 2007, e nesse curto espaço de tempo conseguiu alcançar uma projeção nacional, muito pelo repentino sucesso que a internet proporcionou. A Fused já colhe os frutos do trabalho, tendo a música ‘Canal de Cabo Frio’ entre uma das mais pedidas da Rádio Atlântida-RS. O baixista da banda, Daniel Medina, conhecido como Rino, afirma que ter alcançado o primeiro lugar do site TramaVirtual foi importante para as pretensões do grupo. “A banda deve muito aos fãs, foram eles quem nos deram a oportunidade de sermos campeões de downloads ano passado, e hoje ouvir nossa música na rádio é muito gratificante. Havia gente de todo o país que vinha falar conosco, elogiando o trabalho, e claro que com isso novas portas se abriram.” A internet é fundamental para qualquer artista. Atualmente há mil maneiras de disponibilizar não apenas a música, mas também novidades, informações e eventuais promoções, funcionando também como uma espécie de

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Reiventando a música Universo IPA | Deezembro 2009

ALESSANDRA RODRIGUES

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A ebulição de bandas cover é grande. Elas chamam atenção pelo figurino ousado, seguindo fielmente os seus ídolos, ou pela melodia que lembra o grupo original. É dessa forma que os fãs podem estar um pouco mais perto dos artistas que admiram. Dentre as bandas que são mais copiadas no mundo estão Rolling Stones, Kiss, The Beatles, entre outras. Em Porto Alegre, são famosas bandas covers como Rola Stones (cover de Rolling Stones), The Beatles Fan Club Band (cover de Beatles) e Parasite Kiss (cover do Kiss). Entretanto, os grupos ganham espaço no mercado, como é o caso da Bigger Band. Formada em 2003, a Bigger Band, que

antes se chamava Tosco Stones, se destaca e marca presença todos os meses no Revolution Bar (bar noturno de Porto Alegre), com direito a bandas convidadas que contribuem com o espetáculo. Eles resolveram formar uma banda cover porque todos gostavam muito de Stones. Para o vocalista Pablo Pinto, a paixão pelo Rolling Stones o levou a entrar numa banda cover: “Eu sou louco por Stones e surgiu a oportunidade de eu expressar isso”. O guitarrista Eduardo Scaravaglione completa: “O que falou mais forte na hora de formar uma banda foi a vontade de tocar as músicas que a gente sempre ouviu, que sempre gostamos, da maior banda de rock de todos os tempos”. Conhecido como Edu, ele conta que “ser cover é uma oportunidade de mostrar para o

público o trabalho do artista que tu admiras”. Segundo o guitarrista, atuar como cover é recriar a música. “Sempre que tiro uma música tento entender o processo criativo dela através da análise da harmonia e da sequência de notas, é como se a música fosse recriada”, explica. Além de tudo, diz que o trabalho é uma coisa prazerosa. “A descoberta do processo criativo da música faz com que o fato de tocar a música dos outros não seja mecânico, de pura cópia. Nessa ótica o trabalho que poderia ser árduo, mecânico, acaba se tornando um grande prazer”, afirma. Muitos dos fãs das bandas, às vezes, esperam que o cover seja parecido o máximo possível com a banda original. O caso da Bigger Band é outro. O vocalista Pablo Pinto conta: “Não somos parecidos com o Stones”. E ainda


O grupo, formado por Moa (bateria), Marciano (guitarras), Eduardo (guitarras), Rafael (baixo) e Pablo (vocal) vem crescendo ao longo dos anos e amadurecendo musicalmente. De todas as formações que a Bigger Band já teve somente o guitarrista Eduardo Scaravaglione permanece . Em 2006, o grupo trocou de nome e passou a se chamar Bigger Band, em homenagem ao mais recente álbum do Rolling Stones, “Bigger Bang”, que foi lançado em 2005. Mas até chegar nesta composição a banda já passou por mais de três formações. Os integrantes que restaram começaram a selecionar um vocalista através do site de relacionamento Orkut, o que rendeu histórias hilárias. Eduardo conta que “uma vez o segundo vocalista, depois de entrar na banda e fazer vários ensaios durante algumas semanas, no dia do show, o cara não apareceu”.

A Rolling Stones iniciou as suas atividades em 1962, tocando o seu rock legitimamente britânico. A banda formada por Brian Jones, Mick Jagger, Keith Richards, Bill Wyman e Charlie Watts, fez muito sucesso nos anos 60 e continua até hoje sendo uma banda muldialmente conhecida e importante, aliás não existe nenhuma pessoa que nunca, pelo menos uma vez, tenha ouvido falar dos Rolling Stones. Dentro os hits mais conhecidos do grupo musical estão Satisfaction (I Can’t Get No), Honky Tonk Women, Jumpin’ Jack Flash, It’s Only Rock ‘n’ Roll entre outras. Os álbuns que mais fizeram sucesso foram “Let It Bleed”, “It’s Only Rock ‘n’ Roll”, “Flashpoint”, “Beggars Banquet”, entre outros.

Fotos: Alessandra Rodrigues

MÚSICA

A formação

A banda homenageada

MÚSICA

ressalta: “musicalmente tentamos ser fieis ao máximo”. O grupo é formado por integrantes viciados em Stones, e que têm a consciência de que não parecem em nada com a banda original, fisicamente, pelo menos, e que a pegada deles é o musical. Tentam transmitir para os espectadores a emoção de escutar as músicas da banda.

Eduardo Scaravaglione é um dos guitarristas da Bigger Band. Ele e Marciano formam uma dupla que é o diferencial da banda

Para alguns dos fãs que são assíduos aos shows da Bigger Band é um ponto muito positivo o grupo não parecer com a banda original. “Querer parecer com os outros é intrinsecamente burro”, comenta o estudante Leandro de Los Santos, 28 anos. Já para os estudantes Pedro Carvalho, 23, e Felipe Branco, 22, a banda tem muitas coisas em comum com a original. “A energia e a atitude deles correspondem com a que os Stones sempre tiveram”, enfatiza Pedro. O filósofo Daniel Perderzolli, 28, também concorda com os amigos no que diz respeito à energia da banda, que é parecida com a do grupo original, e comenta: “eles não se “fantasiam” de Mick Jagger e companhia, o que é muito bom”. A performance do grupo é uma das coisas que chama atenção. Dentre elas, a presença de palco dos músicos é um detalhe especial que fica por conta dos guitarristas Marciano e Eduardo, que no decorrer do show descem do palco e tocam junto aos fãs. O estudante Felipe diz que a Bigger Band é bem animada e constata que “o detalhe especial fica por conta dos guitarristas tocando no meio da galera”.

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O público

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MÚSICA MÚSICA

Cultura e lazer no mesmo lugar A EFERVESCÊNCIA cultural porto-alegrense apresenta várias OPÇÕES para reunir os AMIGOS em ambiente que oferecem ENTRETENIMENTO Sarau Elétrico/Divulgação

Com 10 anos de tradição, o Sarau Elétrico é uma opção às terças-feiras na noite da capital gaúcha

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ANDREI BELMONTE HAIGERT

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Nada melhor do que aproveitar o horário de verão com um encontro entre amigos desfrutar de uma de uma atividade de recreação e se possível ainda ter acesso a algo diferente, inovador. Na cidade de Porto Alegre, estabelecimentos estão se remodelando e aperfeiçoando para levar aos cidadãos cultura, lazer e diversão. Das mais diferentes maneiras e com as mais diversas opções os locais dividem-se entre proporcionar: cursos, lançamentos de livros, revistas, exposição de fotos, discussão de textos e palestras. Na capital do Rio Grande do Sul, é possível encontrar lugares como o Complexo Master, Studio Clio com seu Banquete Cultural e o Oci-

dente, que promove debates sobre textos. O Complexo Master, situado na rua Venâncio Aires e aberto há menos de três meses, é um misto de pub, local de shows, estúdio musical e pista de dança. No local acontece uma mescla de atividades, lançamento de revistas, livros e eventos em geral envolvendo a cultura. O“pico” tem uma essência underground, defende as raízes do skateboard, e nas exposições de fotos e vídeos pode-se observar skatistas fazendo suas manobras. O Complexo, na verdade, começou como um estúdio musical, com uma qualidade de gravação e padrão de expressão internacional. O local projeta criar um selo musical, a

fim de fazer a produção e lançamento de cd’s das bandas que tenham uma certa afinidade com o local. Segundo o gerente do Complexo Master, Augusto Avello, “o público-alvo do local é aquele formador de opinião, jornalistas, músicos, publicitários, pessoal que aprecia a arte, compra quadros, que estão abertos para novos conceitos.” O gerente também destaca as parcerias com bandas, que têm sido um grande sucesso, porque viabilizam a gravação ao vivo de CD, o que acaba trazendo um determinado público que gosta das bandas. Perto do Complexo Master, na rua José


Fotos: Andrei Belmonte Haigert

STUDIO CLIO

MÚSICA

MÚSICA

Endereço: José do Patrocínio O quê: Banquete Cultural Quando: durante a semana, e aos sábados Valor: Almoço Cultural: R$ 45,00 Banquete Cultural: R$ 120,00 Site: www.studioclio.com.br

COMPLEXO MASTER Endereço: Praça Garibaldi nº 46 O quê: shows, exposições, eventos culturais, lançamentos de revistas e livros Quando: de segunda à sábado Valor: variam entre R$ 5,00 e R$ 15,00 Site: www.complexomaster.com

OCIDENTE

O Complexo Master alia o pub da casa com música e arte

do Patrocínio, existe o Studio Clio, fundado em 2005. A casa traz para os porto-alegrenses uma programação multidisciplinar, cursos nas mais diversas áreas: filosofia, história das artes, ciências humanas, roteiro de cinema, produção cultural, além de receber concertos no palco equipado com uma tela de cinema e um piano. O curador da casa, Thiago Ferraz, conta que o carro-chefe do estabelecimento é o “Almoço Cultural”, onde são apresentados dois temas por mês e o Banquete é um pouco mais elaborado. “Os convidados chegam aqui, são recepcionados com um coquetel, assistem uma conferência sobre o tema, de aproximadamente uma hora. Depois vem o banquete, entrada, prato principal e sobremesa. Sempre realizado por um chefe de renome que desenvolve um cardápio em cima de uma pesquisa”, explica. Destacamse ainda as Oficinas de Literatura, sendo que uma das últimas resultou em algo curioso e interessante. “Um romance coletivo é um Eclético, o Studio Clio oferece programação multidisciplinar romance escrito há várias mãos, cada aluno sem patrocínio, pagamos o som, os músicos, o A atividade mescla a discussão de assunescreveu um capítulo. Vai ser lançado na jorbilheteiro e se sobrar algum saímos com um tos e textos, com uma canja musical e um nada de Literatura, em Passo Fundo, e se cha‘troquinho’”, disse Kátia. A jornalista explica a apoio denominado mará o Apolinário e o Esmé, e tem como “Fizemos por pura diversão e pelo evento como estratégia de divulgação faz perdurar o sucesso de dez anos: “Não temos um esquema A demonscenário a cidade de prazer em compartilhar textos “etílico”. profissional de divulgação, digo, com mídia tração de incentivo Porto Alegre”, conta e autores que gostamos” e tal. É só um mailling que eu mando e uma e dedicação à cauo curador. notinha no roteiro da Zero Hora”. O Sarau Elésa cultural vem da Na já tradicional trico acontece às terças-feiras e o custo é de idealizadora do projeto. “Fizemos por pura e consagrada casa noturna de Porto Alegre, R$10,00. O Ocidente está localizado na rua diversão e prazer em compartilhar textos e o Ocidente, acontece há dez anos o Sarau Oswaldo Aranha. autores que gostamos. Desde o início fazemos Elétrico, criado pela jornalista Kátia Suman.

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Endereço: João Teles esquina Oswaldo Aranha O quê: Sarau Elétrico Quando: terças-feiras Valor: R$ 10,00 Site: www.saraueletrico.com.br

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MÚSICA MÚSICA

Diego Perelló

Em busca do ritmo perfeito DIEGO PERELLÓ

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Nascida nos anos 70, com o advento da “Dance Music” e dos conjuntos musicais que usavam elementos sintéticos em suas músicas, a música eletrônica vem sofrendo alterações desde então e hoje se apresenta em várias vertentes, em diversos estilos e direcionadas a um determinado tipo de público e ocasião.

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Quando se fala em música eletrônica, lembra-se das famosas raves, em que se toca psy trance e músicas mais rápidas, ou das famosas pool partys americanas, que são festas com a duração das raves, onde tocam músicas de variadas vertentes. Mas a ideia de música eletrônica é também relacionada a vertentes voltadas a um certo tipo de público. Um exemplo é o estilo de música eletrônica denominado “Tribal House”, muito apreciado pelo público GLS, ou então, o Psy Trance (“Full On”), voltado a pessoas que optam por festas mais “bombadas”. No Psy as músicas são produzidas para serem tocadas ao vivo, não têm a intenção de tornarem-se hits de rádios ou de festas que não sejam específicas desse gênero. Uma prova disso é a reação do público quando a música é tocada.

Em Porto Alegre, isso é bem marcado pelo público que frequenta determinadas casas noturnas. Exemplos são as casas noturnas que tocam Tribal e Pop (Cine Theatro, Refúgiu’s - vide foto acima-, Vitraux e outras), que se caracterizam por ser voltadas para o público GLS, ou mais alternativo. Já o Kimik, República de Madras e festas ao ar livre (Raves) primam por ritmos vertentes do Trance, do House (excetuando o Tribal) e ritmos como o Funk e o Rap. Segundo a promotora de eventos Marilise Oriondes, 25, “há certas músicas que, mesmo sendo eletrônicas, não fecham com o estilo do público. É a mesma coisa que tocar um Full On em uma festa GLS”. A aceitação do público é fundamental para traçar um perfil de estilo de músicas para um determinado público. Já a Dj Leticia Sartoretto (Dj Letty), residente da Refúgiu’s Mega Danceteria, acha que “o perfil do público não é traçado pelo estilo de música. O estabelecimento é quem determina o estilo de música que vai tocar, atraindo ou não o público alvo dessas produções”. Mas não é só o clássico House ou o conhecido Psy que caracteriza uma música como sendo eletrônica. A Dj Denise Barcellos, 27, defende que tudo que não se enquadra em música acústica é música eletrônica, e exemplifica: “Funk. Pop. Hip Hop. Inclusive alguns ti-

pos de rock que são normalmente tocados nas baladas, como por exemplo no Beco, no Cord e no extinto Club NEO”. E quem pensa que música eletrônica se resume a contratar um DJ para tocar e um aparelho profissional de som está muito enganado. O “tunt tunt” está presente em todos os cantos: em carros, festas particulares, em que se coloca um set mixado de um DJ preferido e se dança até os pés fazerem calos. E mais: absolutamente tudo pode ser transformado em música eletrônica, em forma de Remix, que são tocados na maioria das baladas. Para o promoter Alexandre Lima, 20, ainda hoje há preconceito com relação à música eletrônica remixada, que acontece, na maioria dos casos, por parte dos fãs de um certo artista que defendem as origens da música, e explica: “É muito difícil que um verdadeiro fã de Madonna goste de um remix, seja qual for o estilo de música para qual for transformada”. Por isso, são feitas festas, como a DDP (Deeper Dirty Pop), que priorizam as músicas originais, ao passo que em festas mais seletivas e em boates destinadas à cena eletrônica, como o Cine Theatro, as festas de um determinado artista são feitas tocando apenas versões editadas. Importa é que em todos os lugares a música eletrônica está presente.


Fotos: Maurício Hubner

MAURÍCIO HUBNER

Um dos projetos da ONG Cataventus ensina jovens a contar histórias

jeto ”Te liga na história” esclarece, informa e auxilia o público em áreas de prevenção por meio de histórias. É voltado a crianças, adolescentes e adultos. Com o objetivo de popularizar a dramatização de contos atuais, lendas e fábulas, o projeto “Uma viagem pelas histórias” é apresentado em escolas de ensino fundamental, públicas, privadas e em comunidades. Uma das ações que mais realiza Jussara é a “AgitAção”. O projeto é trabalhado em escolas e em comunidades carentes. “Contribui para a formação de uma nova e real consciência,

que abranja a integridade ecológica, a justiça social, a valorização da educação e da saúde, e a defesa dos direitos de todos os seres vivos, facilitando ao homem interagir adequadamente com seu meio ambiente para a conservação da vida no planeta, incluindo a sua própria e a de seus semelhantes”, explica Jussara. São destes projetos que Jussara tira motivação para cada vez contar mais histórias. “Quando eu termino um dia em que contei muitas histórias, vejo a alegria e a empolgação das crianças o que me dá mais vontade de contar da próxima vez”, afirma.

Voluntários da Cataventus dramatizam contos, lendas e fábulas

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Você já contou uma história para o seu filho? Para algumas pessoas essa pratica foi levada adiante e transformou-se numa ação social voluntária voltada para crianças e jovens, particularmente, aqueles em situação de vulnerabilidade social ou portadores de necessidades especiais. Assim surgiu a ONG Cataventus. Formada por voluntários contadores de histórias, que atendem escolas, praças, asilos e feiras, visa transformar-se numa entidade de referência nacional no incentivo à leitura e na inclusão social e cultural. O início se deu como o projeto “Conte outra vez”, quando alguns participantes da ação tiveram o desejo de continuar contando histórias, por vontade própria, e com a finalidade de inserir crianças e jovens na leitura, conforme explica a contadora de histórias Jussara Oviedo Hübner. Ela entrou na ONG após fazer um curso sobre voluntariado no SESC, o que despertou a vontade de prosseguir contando histórias. Jussara diz que o diferencial da ONG é a metodologia inovadora na contação de histórias e compreensão profunda da exclusão social, pois a Cataventus conhece suas causas, efeitos e sabe as formas de reversão. Dentre os diversos projetos que a ONG apresenta está o que ensina as crianças e os jovens a contarem histórias. Um dos mais novos contadores de histórias é Matheus Ávila, 7 anos, neto da contadora Jussara. Ele começou a participar da ONG acompanhado da sua avó. Hoje, Matheus também conta histórias e é um grande exemplo de como a contação de histórias pela Cataventus incentiva à leitura. Segundo Jussara, a proposta a deixa encantada e realizada por ver a evolução de um menino ou uma menina que chega das ruas, acanhado e cheio de problemas familiares a fazer parte do grupo ativamente contando histórias para outras pessoas. Atualmente a ação desenvolve projetos como “Roda de histórias”, que promove o acesso e o interesse pela leitura, trabalhado em escolas públicas, privadas, hospitais e instituições de apoio a crianças e jovens, Portadores de Necessidades Especiais e a idosos. Já o pro-

VOLUNTAR I AD O

inclusão social

VOLUNTA R IA D O

Contação de histórias como

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L I TERATUR A LITER ATUR A

Elisângela Veiga

Mistura que deu

certo ELISÂNGELA VEIGA

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Crônicas, contos, histórias próprias e inventadas. Consequências de abordagens sobre assuntos do cotidiano que, a princípio são jornalísticos, mas, no decorrer do texto, invadem o campo literário e, mais adiante, as páginas dos livros. As obras têm como autores, jornalistas, que, além de exercerem o papel de mediadores de informações, usam a criatividade para transformar notícias em histórias contadas em livros, crônicas e contos. Praticam o chamado jornalismo literário, um campo de atuação rico a ser explorado.

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Um simples fato corriqueiro dá origem a histórias criativas abordadas de uma forma mais literária do que jornalística. Alguns profissionais da área, como os jornalistas gaúchos David Coimbra e Juremir Machado da Silva, fazem do jornalismo e da literatura uma combinação perfeita, harmonizando realidade com ficção de forma surpreendente. Uma notícia, uma reportagem ou um fato real, que são destacados de uma maneira diferenciada quando retratados num texto com perfil literário ou, simplesmente, uma história inventada, dão ênfase ao trabalho de David Coimbra, 47 anos, jornalista, colunista e diretor executivo de Esportes da Zero Hora. David se apropria de histórias reais na hora de escrever os seus contos e livros. “Escrevemos melhor sobre aquilo que conhecemos. Quando se tem uma experiência qualquer em alguma área, tu vais escrever melhor sobre aquilo, pois tu sabes descrever melhor aquela determinada situação”, explica. Juremir Machado da Silva, 47 anos, professor do curso de Jornalismo, coordenador do programa de Pós- Graduação em Comunicação da PUCRS e colunista do Correio do Povo também é adepto ao uso de histórias da vida

Juremir Machado, escritor que harmoniza jornalismo com literatura em sua obras

real. Ele afirma que “elas são o ponto de partida na hora de elaborar um texto”. Em comum os dois têm prazer de escrever textos, crônicas, livros e de emocionar os leitores. Eles escrevem e o retorno é a recompensa para o autor: ‘’ Eu me interesso em saber se o meu leitor gostou daquilo que leu, se o texto de fato o emocionou de alguma forma, achou engraçado, deu um sorriso, sentiu prazer quando leu”, diz David Coimbra. Agindo mais com a emoção do que com a razão na hora de escrever, um texto literário jornalístico causa efeito de entretenimento

para aquele que o lê. É assim que pensam os jornalistas que optaram por este estilo. “Não acredito que quero transmitir uma mensagem , o que quero é distrair as pessoas, provocar, encantar, emocionar, digo que é menos racional e mais emocional tocar as pessoas com o que escrevo”, comenta Juremir.

O espaço dado à crônica Jornalismo e literatura andam lado a lado no cotidiano, um está ligado ao outro. Um fato real pode ser abordado de uma forma mais

O new jornalism O jornalista e escritor norte-americano Thomas Kennerly Wolfe é considerado um dos precursores do “new jornalismo” ( movimento jornalístico criado nos anos 60 e 70). Nele, jornalistas experimentaram diversas técnicas literárias com as tradicionais ideias da imparcialidade do jornalismo. A atitude ousada e inovadora causou forte impacto. Tom Wolfe misturou a realidade e a precisão do jornalismo com a ficção e a leveza da literatura. No Brasil, o jornalista, escritor e professor Edvaldo Pereira Lima segue os passos de Wolfe. Ele aderiu também ao uso do “Novo jornalismo”, quebrando os tabus da formalidade jornalística e adicionando a leveza da literatura no contexto da realidade do jornalismo. Fonte: entrevista concedida pelo pesquisador Edvaldo Pereira Lima ao webjornal Balaio de Notícias, em 2003.


Algumas obras L I TERATUR A

Segundo David Coimbra, o jornalismo e o jornalista são naturalmente preconceituosos, “pois ambos estão lidando com fatos do dia-a-dia, então, cada um tende a achar que a sua área é a mais importante de todas”. Ele exemplifica:“o pessoal do Esporte da Zero Hora, por exemplo, acha que são eles os mais lidos; o do Segundo Caderno acha que lá é que tem cultura. Ou seja, cada área tem o seu mundo e defende o seu ponto de vista, o seu nicho. Não se pode, necessariamente, denominar isto como preconceito”. O atual jornalismo literário no Rio Grande do Sul tem passado por um ‘momento morno’, como avalia Juremir: “o jornalismo literário aqui enfrenta algumas dificuldades, pois não há muito espaço, pelo menos agora existem os blogs, as novas tecnologias, os novos espaços. É bem provável que nos próximos tempos seja praticado na internet. Teria que acompanhar mais de perto esse tipo de trabalho, não dá para dizer que tem alguma novidade, uma criatividade à flor da pele”. Para David, “tem gente que se aventura um pouco, e existem pessoas que de repente fazem algumas incursões, um jornalismo literário, está tudo muito disseminado, então não existe uma “escola” para isso aqui no sul”.

David Coimbra Meu guri Editora: L&pm, 2008.

A mulher do centroavante Editora: Artes e Ofícios, 1999.

LITER ATUR A

literária quando escrito em um livro, não perdendo a sua essência de realidade, mas sendo retratado de um modo expandido, com mais detalhes, minuciosamente abordado. O inverso, ou seja, a literatura no jornalismo, também é possível, conforme entende Juremir Machado. Ele cita como exemplo a crônica, que no jornalismo “é literatura, porém presa à atualidade”. A diferença para o texto publicado em livro é a validade da informação. “A crônica no jornalismo envelhece, é uma espécie de reação a um comentário sobre o que está acontecendo. Às vezes o leitor compreende, amanhã continua entendendo, porque está atual, mas daqui a um mês não estará mais. É uma literatura de circunstância”, diz Juremir. Como relata David Coimbra, ele acredita que uma matéria jornalística requer mais seriedade e precisão dos fatos, tem que ser impessoal e tentar tirar o personagem, o protagonismo da matéria, pois está se contando alguma coisa que se presenciou: “Isso que é o mais importante numa matéria jornalística, pois ela precisa ser independente da minha opinião, do meu sentimento, tenho que tentar fazer com que isso seja o mais distante possível, buscando isenção, não existe a imparcialidade, mas a isenção tu tens que buscar”, explica. Em comparação com o texto em que predomina a literatura, o jornalista diz que é possível usar mais ironia, frases provocativas, sendo assim, o escritor tem a liberdade de criação, de livre expressão, podendo expor seus sentimentos e ideias acima de tudo. No seu entendimento, a crônica é uma mistura de jornalismo e literatura. “Fica exatamente nesta fronteira, escrevo uma crônica que é ficção mesmo, então uso uma cunha da realidade, e faço um texto literário, dando as características a ela. É uma coisa bem pessoal. Têm pessoas que enxergam a crônica como um comentário escrito. Eu já tento fazer diferente, tento puxar mais pela forma do que pelo conteúdo, quero que o leitor se embale pelo texto”, comenta.

Juremir Machado Ela nem me disse adeus Editora: Sulina, 2003.

Visões de uma certa Europa Editora: EDIPUCRS, 1998.

Luan Pires

Atualmente, os veículos jornalísticos abrem pouco espaço para a literatura, como ressalta Juremir. “Os veículos, principalmente os impressos, estão cada vez menores, estão mais enxutos. Os leitores do dia-a-dia não têm tempo. O espaço para a literatura foi diminuindo, mas ainda quase todos os jornais têm cronistas, vários desses fazem literatura, porém mais impactante, provocativa e opinativa, tentando pegar sempre um gancho com a realidade”, explica.

Realidade e ficção são as principais características das obras de David Coimbra

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A reação nas redações

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Dúvida que o filme não deixa RESENH A R ESENHA

O filme MOSTRA ao espectador a DIFÍCIL relação da MORAL e religião Fotos: Divulgação

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ROMEU LAUXEN

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A chamada publicitária para o filme Dúvida já indica que “verdades absolutas não existem”. Debater a temática de Dúvida torna-se interessante , pois rende uma boa roda de discussão. É ainda mais interessante quando assistido na companhia de alguém. É provável que se passará um bom tempo debatendo o tema do filme. A conversa demora a chegar ao fim. Dúvida, dirigido por John Patrick Schanley, é cinema de arte, filme para discussão e hoje algo muito raro de se encontrar. Um longa, daqueles que há muito tempo não se via. É um filme que propõe pensamentos e opiniões divergentes. A trama é construída em poucos cenários, o necessário para mostrar um clima gélido e sombrio é o ambiente que a situação requer, assim, faz acreditar nos conflitos expostos na tela. O elenco de Dúvida é o que tem de melhor. Os atores selecionados dão tom teatral para o filme. Trata-se de um rol de artistas muito bem apurado. Merecem todos menção honrosa, Aloysius Beauvier desperta atenção, é memorável e tem mais certeza da história. Meryl Streep apresenta uma personagem interessante. Philip S. Hoffman tem um desempenho perfeito. Amy Adams e Viola Davis, deixam várias

marcas. Eles são simplesmente espetaculares. Contribuem para o roteiro da trama que segue um caminho exemplar. Além disso, o texto permite o desenvolvimento da história de forma tranquila com diálogos impecáveis. Dúvida sugere que o espectador faça uma escolha sobre quem merece a sua confiança. Traz poucos conflitos e faltam situações tensas entre os personagens. Da forma como se apresenta, em diálogos, muito se parece com uma peça teatral. Quem vê o filme, imagina mais situações e, estas, poderiam alterar o rumo dos personagens na trama. A hipótese fica por conta do espectador, que pensa, usa a mente em busca de outras possibilidades para esta história. O filme mostra uma freira chamada Aloysius que acusa o padre Flynn de molestar um jovem aluno numa escola católica. A situação complica, pois ele é o única aluno negro. Ainda, em uma cena da atriz Viola Davis , sabe-se que o menino apanha do pai por razões não esclarecidas. Isto indica uma provável homossexualidade do garoto, que ainda sofria nas mãos de meninos em outra escola. As freiras descobrem que o garoto bebeu vinho no altar e ficou a sós com o vigário e isso complica

de vez a vida do padre. Este, ao aceitar sair da cidade, de certa forma, admitiu a culpa, por não lutar para provar a sua inocência.

Merlyl Streep (irmã Aloysius Beavier); Philip S. Hofmann (padre Bredan Flyn) e Amy Adams (irmã James)




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