13 minute read

Bate-Papo com a influencer do movimento Corpo Livre

ENTREVISTA

Naiana Ribeiro @itsnaiana

Advertisement

Por: Lilian Guedes

1. Se você tivesse que descrever “quem é Naiana?”, o que você diria?

Ariana com ascendente em Leão. Dizem que sou extrovertida, e que não tenho como passar despercebida. Sou a dedicação e entrega em pessoa. Sou Naiana Ribeiro, 26 anos, sou influenciadora digital, jornalista formada pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e ativista gorda. Também sou bissexual/ panssexual - sinto atração por pessoas independentemente de gênero.

Desde 2012, estou envolvida com a área de empoderamento feminino,autoestima e luta contra preconceitos e padrões de beleza. Além de participar de eventos como palestras e aulas compartilhando experiências enquanto ativista gorde, também criei e sou editora da PLUS, primeiro veículo para mulheres e adolescentes gordas do país – ainda disponível em eusouplus.com. Nas redes sociais, promovo diariamente reflexões, debates e questionamentos, abordando pautas antigordofobia e do universo LGBTQIA+, como sexualidade fluida e lgbtfobia. Também compartilho dicas com mais de 57 mil seguidores – incluindo experiências de vida, produtos de beleza, peças de roupas, gastronomia, etc.

Hoje sou editora de home do portal iG. Antes, trabalhei por quase sete anos no Jornal Correio (BA), líder no Norte/Nordeste. Por lá, já passei por diversas áreas, como Economia, Cidades, Cultura, Televisão, Diversidade, Bem-estar e Tecnologia. Como jornalista, já ganhei alguns prêmios renomados como a premiação anual The Most Engaging Stories of 2019, do Chartbeat, principal plataforma de inteligência de conteúdo para editores;Prêmio Gandhi de Comunicação; Newsawards.uk; e INMA Global Media Awards.

2. Você sempre teve uma relação boa com o seu corpo?

Não mesmo. Quando eu era criança, eu sofria muito bullying por questões estéticas. Muitas pessoas me davam apelidos, me insultavam, chamavam de “baleia”, etc. Mas eu sempre tive amigas que eram presentes e me davam muita força, que ajudavam meus olhos a ficarem abertos para ir contra essas noções sociais que podem mudar a qualquer momento e que impõem ideia para algo que é tão relativo, como é a beleza. Eu ficava chateada, mas tentava me blindar e seguir em frente. Tentava mostrar para essas pessoas que não tinham poder sobre mim. Acontece que, mesmo quando a pessoa está sorrindo, mostrando que aguenta a barra, as ofensas gratuitas sempre afetam negativamente, sempre causam lágrimas, traumas, mesmo que não externas. No fundo, eu sempre tentava me encaixar nos padrões sociais e pensava que tinha que emagrecer para ser feliz. Por anos, me escondi e me anulei para tentar me enquadrar num padrão que a sociedade me impunha e que era dito como ideal. Pensava que alguém só ia me querer se fosse magra. Escutava isso, inclusive, de familiares. Por isso, cheguei a fazer dietas restritivas insanas e que me fizeram muito mal. Me aprisionei muito tentando me encaixar nesses padrões. Olhava as revistas e propagandas, por exemplo, e não me via. Não me sentia representada.

Em 2012, quando comecei a cursar jornalismo na Universidade Federal da Bahia (Ufba), passei a estudar mais sobre consumismo, padrões de beleza e preconceitos. Olhando as revistas que lia na adolescência, comecei a me dar conta sobre como isso tudo me afetava. Foi ali que resolvi criar a PLUS, a primeira revista para adolescentes e mulheres gordas do país. A revista online, em formato flip, explorou diversos temas do universo adolescente e do mercado plus size, ressaltando a diversidade de culturas, raças, orientação sexual, interesses, etc.

Durante a produção da revista, passei por um processo de imersão e de autoconhecimento muito intenso. Afinal, esse produto falava muito sobre mim e sobre a minha história. A chave começou a virar na minha mente e entendi, aos poucos, que não precisava me encaixar nas regras dos outros e nem me importar com a opinião alheia. O processo de autoaceitação e de entendimento do meu lugar no mundo é diário, mas foi isso que me fez entender que sou a minha maior paixão... Hoje, luto diariamente por um mundo com mais empatia, respeito às diferenças e equidade. E tento mostrar um pouco desse meu caminho e vivências para inspirar e empoderar outras pessoas.

Nessa mesma época que comecei a me aceitar e me entender enquanto gorda, estudei muito sobre gênero e sexualidade. Também foi nesse momento transformador e decisivo que passei a entender melhor a minha sexualidade. Percebi que nunca fui uma coisa só (não é à toa que criei a PLUS – que tem na sua essência a diversidade). Sempre me atrai por homens e por algumas mulheres também. Por pessoas de todos os gêneros. Só não sabia que isso era possível. Na infância e adolescência, outras sexualidades nunca foram me apresentadas como opção. E, naquela época, o meu foco era meu corpo. Sendo assim, eu me afastava e fingia não me importar com temas ligados à sexualidade. Depois de todo esse processo de transformação - que, além de autoconhecimento, contou com muito estudo e busca por representatividade - em 2017 passei a me afirmar enquanto bissexual e pansexual: sinto atração por pessoas, independente de sexo ou identidade de gênero.

Além das militâncias de gênero e corpo, outra luta minha é para que as pessoas bissexuais tenham mais visibilidade, inclusive no meio LGBTQIA+.

3. Desde a época da sua graduação em Jornalismo pela UFBA você já pensava em ser uma influencer e lutar pelas causas que você luta?

Sobre ser influencer: na verdade, não. O meu processo de entendimento do meu corpo – não gosto muito do termo ‘aceitação’ porque passa uma ideia de comodismo, o que não é verdade – aconteceu muito por conta dos meus estudos sobre pressão estética e sobre a indústria do emagrecimento. Mas tudo aconteceu ao mesmo tempo. Naquele momento, fui cobrir um dos primeiros atos do Vai a ideia era apurar, conversar com as fontes, etc. Apesar da motivação da revista ser muito pessoal, eu ainda me via como ‘sujeito externo’. Mas, quando terminei as entrevistas, as meninas me chamaram para o ato. Naquele momento, me dei ainda mais conta de que, sim, a comunicação/o jornalismo é uma ferramenta que pode dar visibilidade às causas sociais, mas que tudo aquilo só fazia sentido pra mim porque era uma causa própria. Acho que foi naquela época que me entendi enquanto ativista Então, sim, eu sempre quis que a minha fala/escrita chegasse a mais pessoas para

Ter Gorda para a revista e, pelo menos a princípio, informar, desconstruir padrões e preconceitos, mas nada foi feito pensando em me tornar influenciadora. Isso acabou acontecendo de uma forma natural. Com o tempo, as pessoas começaram a me seguir – ao invés de seguir o Instagram da revista – por conta das palestras e eventos que participei e ainda participo, e também porque gostam de acompanhar minha rotina e discussões. Logo que lancei a revista, ficou claro pra mim que a PLUS é muito mais do que uma revista, sabe? Fez parte de um movimento maior de inclusão e de empoderamento feminino. Ou seja, independente de formato – seja através da revista, do site, do Instagram ou de palestras – a PLUS (e seus ideais, consequentemente) sempre estariam comigo. Se eu fosse uma revista, eu seria a PLUS. Embora fale sobre temas leves também, não tem um dia em que deixo de militar. Às vezes, é cansativo. Mas não lutar não é uma escolha.

4. De onde veio a ideia de criar a “Revista Plus”?

A revista e portal PLUS surgiu com a ambição de concretizar, através doTrabalho de Conclusão de Curso (TCC), um sonho antigo: o de produzir um conteúdo inovador, inclusivo e personalizado para garotas adolescentes gordas. Apesar de ter sido pensada de início apenas para estas jovens, a PLUS se posiciona como uma revista que quer representar todas as mulheres, principalmente as que se sentem excluídas pelos moldes e padrões “tradicionais” da adolescência, amplamente ressaltados pelos meios de comunicação. A PLUS tem como intuito ainda mostrar às suas leitoras a diversidade da nossa cultura e ressaltar que elas têm espaço para ser e crescer do jeito que são. Pessoalmente, apesar de ter sofrido preconceito, ser gorda nunca foi um problema para mim. Entretanto, sobretudo na fase mais turbulenta da minha vida, a adolescência, me sentia em uma situação constrangedora, justamente porque não havia publicações que representassem totalmente os meus gostos, interesses e experiências. Faltava representatividade.

Também sentia falta da diversidade de culturas, raça, cor, gênero, orientação sexual, etc. Ao mesmo tempo, desde pequena acompanho a revista Capricho, e desenvolvi imensa afinidade pelo periódico e seu site. Fui assinante da revista e, durante muito tempo, quis ter um blog ou um site que pudesse ser visitado pelo público adolescente. Durante a graduação, percebi que, na verdade, a Capricho, assim como os periódicos e sites online atuais mais acessados pelo público jovem feminino, a exemplo da Todateen e Atrevida, jamais me representaram. Nunca tive o “corpo perfeito”, nem queria saber apenas sobre sexo, moda e beleza, e não era sempre que pensava em meninos. Na verdade, o que sempre quis foi escrever e falar para meninas iguais a mim sobre algumas coisas - assuntos, pautas e discussões que não estavam inclusas na abordagem da publicação. Queria ser entendida, mas, principalmente, me sentir representada. Acreditava ainda que existiam muitas jovens que, por diversos motivos, também não se sentiam representadas pelos conteúdos produzidos pelas revistas e sites tradicionais e homogêneos. Por isso, a PLUS trouxe umalinha editorial paralela e alternativa ao que é seguido por essas publicações, que muitas vezes seguem a mesma linha de abordagem e as mesmas pautas e ainda produzem conteúdos contraditórios. Ao mesmo tempo em que recomendam que as adolescentes sejam elas mesmas, por exemplo, produzem editoriais de moda sempre com modelos magras.

A PLUS quer representar e comunicar para empoderar. Mais do que umarevista é um movimento de inclusão e empoderamento feminino. É uma publicação democrática, colorida e anticonservadora. Não só para adolescentes, como para todos que se identificam com esses valores. A revista mensal é em formato flip (dá pra passar as páginas no próprio computador) e tem treze editorias que exploram diversos temas do universo adolescente e do mundo plus size, ressaltando a diversidade de culturas, raças, orientação sexual, interesses, etc.

5. Mesmo tendo um reconhecimento grande, você ainda sofre muito preconceito por ser gorda?

Sim, definitivamente. Por mais que hoje entenda meu corpo como meu lar – ele conta minha história – e trabalhe diariamente a minha autoestima e amor próprio, a gordofobia continua existindo. E, no meu caso, isso ganha proporções grandes, porque sou uma gorda maior – e tenho menos acessos e direitos na sociedade. E também por conta das redes sociais. Se antes as pessoas já opinavam sobre a vida alheia, com a internet - e principalmente com as redes sociais - isso se amplifica e muita gente acredita que pode se expressar sem filtros. Muitos, inclusive, saem por aí destilando ódio e fazendo ‘piadas’ que desrespeitam e machucam. Reconheço a potência das redes sociais. Através delas, recebo diariamente mensagens de mulheres e homens que se inspiram nas minhas postagens, se empoderam e se sentem representados. Esse mesmo meio que une e conecta, paradoxalmente, é usado para difundir ideais pautados no ódio e na intolerância. Portanto, na mesma proporção das mensagens positivas, tenho que lidar com ainda mais comentários gordofóbicos e preconceituosos.

Percebo que o anonimato e a falsa sensação de impunidade estimulam que usuários soltem as amarras socialmente construídas e compartilhem desenfreadamente pensamentos racistas, misóginos, xenofóbicos, entre outras formas de discriminação contra as minorias políticas - o que é inadmissível em um Estado democrático de direito que respeita os Direitos Humanos.

Perguntas para o verão

O Verão é uma época muito problemática pra muitas mulheres e podemos dizer que seria uma das estações que mais mexe com a autoestima delas. Em algum momento da sua vida você passou por alguma dificuldade em realizar alguma atividade durante o verão?

Sim, com certeza. Lembro que, logo após fazer o programa Vigilantes do Peso, eu engordei ‘tudo de novo’. Com isso, abandonei os biquínis que tanto amava e passei a usar maiôs justamente com medo desses julgamentos. Mesmo assim, continuava mal. O Verão durante muito tempo passou a ser sinônimo de prazer e de agonia, tristeza. Embora sempre associasse a estação a férias e curtição, também lembro dos olhares e do preconceito que eu sofria. Hoje em dia (sem pandemia) é sinônimo de liberdade.

Existe algum caso que aconteceu com você durante o Verão que te marcou muito? Você poderia nos contar?

Lembro de duas. Primeiro, quando estava fotografando para a Exposição M., que rodou várias cidades do Brasil em 2017 e trazia como protagonistas mulheres que foram marginalizadas e lutaram para reconquistar o seu espaço, lembro que o fotógrafo Gabriel Bonfim estava me fotografando e eu estava usando um maiô bem cavado. Uns rapazes passaram e, além de me olharem com cara de nojo, ainda fizeram comentários escrotos e cuspiram perto de mim. A ‘sorte’ é que na hora eu não me dei conta do que tinha acontecido. Mas o Gabriel me contou. É claro que, a princípio, isso me deixou mal, mas também sempre soube que o preconceito diz mais sobre os algozes do que sobre mim, né? E vou ressignificando essas dores e transformando em luta. Me dei ainda mais conta do quão importante era aquilo que eu estava fazendo: ressignificar meu corpo. Hoje enxergo meu corpo como político. Também por isso, não tem um dia que eu saia e não sofra gordofobia. No Verão, é claro, isso fica mais evidente ainda. No último Verão mesmo, lembro de ter notado as pessoas comentarem quando viram eu e mais duas amigas gordas juntas na praia (Thais Carla e Carla Galrão). Mas hoje eu uso da política do constrangimento quando percebo esses preconceitos. Claro que na maioria dos casos eu busco tentar diálogo. Mas nem sempre funciona, né?

Quando você começou a entender que o seu corpo é o corpo perfeito para curtir o Verão? Você acha que isso mudou algo na sua vida?

Acho que esse processo de entendimento do nosso corpo é diário e sem fim. Mas isso ficou mais claro pra mim quando eu comecei a estudar mais obre pressão estética, gordofobia, na mesma época da revista, que relatei acima. Mudou completamente. Hoje o Verão é a minha estação favorita do ano. Eu sempre amei piscina e praia, mas sempre ficava preocupada e às vezes até usava coisas desconfortáveis. Hoje só quero curtir ao máximo e ser feliz! Claro que a gordofobia ainda existe não apenas nos olhares, mas no quesito acessos e direitos negados; mas não deixo de curtir por conta de ninguém. Eles que lutem, né? rs

O que você considera ser o primeiro passo para curtir o Verão sem sentir vergonha do seu próprio corpo?

Não acredito que exista ‘passo a passo’ para nada. Cada pessoa tem o seu processo quando o assunto é entendimento do corpo. Mas uma boa dica é que a pessoa comece aos poucos – não faça nada que não se sinta bem. Não se pressione. E, é claro, saia junto com sua rede de apoio. Eu mesma me sinto muito melhor quando estou com amigos que entendem e que estão na luta antigordofobia comigo. Também amo curtir o Verão com minhas amigas gordas. Me sinto mais fortalecida, sabe? Me sinto imbatível! Outra dica: siga pessoas reais, que tenham o corpo parecido com o seu e que produzam conteúdos que te acrescentam e não te fazem mal.

Fotos por: Carla Galr ã o