Revista da Praticagem do Brasil edição 69 - outubro/2024 a janeiro/2025

Revista da Praticagem do Brasil edição 69 - outubro/2024 a janeiro/2025
Caros leitores, em dezembro, estivemos em Natal para acompanhar o 46o Encontro Nacional de Praticagem. As primeiras experiências dos práticos brasileiros com os navios de 366 metros foram parte dos temas tratados no evento. Além disso, tivemos a participação do presidente do Tribunal Marítimo, vice-almirante Ralph Dias, e de palestrantes convidados. O professor Eugenio Mussak, por exemplo, focalizou a importância de saber lidar com os desafios humanos para a segurança do serviço. Já o velejador Beto Pandiani apresentou um relato de suas oito expedições, destacando tópicos essenciais em nossa atividade, como planejamento, gestão de risco e trabalho em equipe.
Aproveitamos a passagem pelo Rio Grande do Norte e visitamos as duas zonas de praticagem locais, Areia Branca (ZP-6) e Natal (ZP-7), para retratar os desafios dos práticos nas manobras, sejam eles de ordem ambiental ou estrutural. Essa é a 15a reportagem da série sobre as ZPs brasileiras e, como de praxe, abre a edição.
Continuamos também acompanhando de perto o assunto da descarbonização na indústria marítima, tanto no transporte de mercadorias quanto na operação de carga e descarga nos portos. Desta vez, apontamos os esforços da praticagem mundial para colaborar no processo de redução das emissões de gases do efeito estufa liderado pela Organização Marítima Internacional (IMO).
Lamentamos nesta edição o falecimento de nossos colegas Carlos Hermann, Fabritzio Sequeira e Gilzio Greco. E apresentamos matéria especial sobre o legado do prático Hermann, responsável por mudanças importantes na organização do Conselho Nacional de Praticagem, reveladas em depoimentos de seus companheiros de profissão.
Boa leitura!
Otavio Fragoso é o editor responsável.
Conselho Nacional de Praticagem
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Tel.: 55 (21) 2516-4479
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diretor-presidente do Conselho Nacional de Praticagem
Bruno Fonseca de Oliveira
diretor vice-presidente
Marcello Rodrigues Camarinha
diretores
Felipe Perrotta Bezerra
Jelmires José Galindo Junior
Ricardo Augusto Leite Falcão (vice-presidente da IMPA)
Rumos Práticos
planejamento
Otavio Fragoso/Flávia Pires/Katia Piranda
edição
Otavio Fragoso
redação
Rodrigo March (jornalista responsável)
MTb/RJ 23.386
revisão
Maria Helena Torres
projeto gráfico e design
Katia Piranda
pré-impressão/impressão
DVZ Impressões Gráficas
capa
foto: Gustavo Stephan
As informações e opiniões veiculadas nesta publicação são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Não exprimem, necessariamente, pontos de vista do Conselho Nacional de Praticagem.
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Praticagem mundial contribui para o processo de descarbonização
Prático Carlos Hermann, uma referência para a atividade
Terminal de Areia Branca
Zonas de Praticagem de Areia Branca e Natal apresentam desafios parecidos para os práticos
RIO GRANDE DO NORTE
Duas zonas de praticagens distintas no mesmo estado, mas com desafios ambientais, estruturais e econômicos em boa parte semelhantes, entre eles a força do vento e a intensidade da corrente, a baixa potência dos rebocadores e a movimentação de carga. Na 14ª reportagem da série sobre as 20 ZPs brasileiras, Rumos Práticos visitou Areia Branca (ZP-6) e Natal (ZP-7), no Rio Grande do Norte.
Começamos nossa viagem pela primeira cidade, a aproximadamente quatro horas da capital potiguar. Lá, opera o Terminal Salineiro Intersal, também chamado de Porto-ilha, devido à estrutura offshore, e conhecido pelos comandantes por Termisa, como designado na carta náutica. Construído há 50 anos, a 14 milhas náuticas da costa, o terminal armazena e embarca sal a granel proveniente da Costa Branca, principalmente das salinas de Areia Branca, Mossoró e Macau.
A carga chega por barcaças e é desembarcada em pátio aberto. Uma esteira elétrica transporta o sal para um carregador retrátil, que despeja o produto nos porões do navio, com capacidade para até 50 mil toneladas. Os principais destinos são portos no sul do Brasil, da América do Norte, América Central, África e, eventualmente, Europa.
A área de acostagem do navio é composta por cinco dolphins, onde são passados os springs, e quatro boias para amarração
dos cabos de través e lançantes. A atracação de embarcações de até 203 metros de comprimento ocorre por bombordo, com ferro (âncora) largado por boreste, bem teso por causa de vento e corrente. O berço é único.
O vento ronda de sudeste na parte da manhã para nordeste à tarde, podendo chegar a 40 nós no segundo semestre, especialmente de julho a setembro. As fainas de praticagem são limitadas a 21 nós, já que os dois rebocadores convencionais que auxiliam as manobras têm 14 toneladas de tração estática cada.
A amplitude de maré alcança 3,80 metros nos períodos de sizígia, gerando corrente mais intensa que atinge o costado do navio de forma transversal, sendo mais um complicador somado ao vento para manutenção do rumo.
– Além da ausência de referências visuais, temos esses desafios de ordem ambiental que permanecem o ano todo. É uma região de força do vento com um terminal offshore , portanto, desabrigado. Sofremos bastante com as intempéries. A amplitude de maré provoca uma corrente intensa que também pode tirar o navio do seu rumo. Embora a potência dos rebocadores seja suficiente para os navios que escalam o porto, ficamos um pouco limitados em situações de emergência, vento mais forte ou que aumenta durante a execução da manobra –aponta o prático Igor Sanderson.
O prático Daniel Jusi diz que, como o navio sempre atraca em lastro, pois ainda receberá a carga, leme e hélice ficam, muitas vezes, apenas em parte submersos. Dessa forma, a resposta da embarcação é menor, estando ela mais sujeita às forças externas. Ele ressalta que é preciso atenção na atracação:
– As defensas necessitam manutenção. Temos que encostar com muito cuidado. Nas palavras do nosso decano José Santos (terceiro prático da ZP), é como se houvesse uma caixa de ovos ali e temos que atracar sem os quebrar.
A amarração, a maior parte dela em boias, é mais uma preocupação, segundo Jusi:
– O amarrador vai de lancha até a boia e salta sobre ela para passar ou largar as espias (cabos). Considerando se tratar de terminal em mar aberto, é um risco para ele e uma responsabilidade para nós práticos.
Rumos Práticos acompanhou uma manobra de desatracação com o prático Sanderson. De Areia Branca ao Porto-ilha, são duas horas de lancha. Após a desamarração e o suspender do ferro, o navio navega oito milhas sob a condução do prático.
O canal de acesso e a bacia de manobra são balizados por dez boias laterais, sendo a boia de aterragem a única luminosa. Por
isso, não são autorizadas fainas noturnas. Também não são permitidos cruzamentos e ultrapassagens. É muito comum a presença de pequenas embarcações pesqueiras sem equipamentos de comunicação, o que requer cautela dos práticos.
O calado máximo é de 11,20 metros, respeitando janelas de maré de quatro horas de duração. Fora delas, não haveria profundidade suficiente para navegar com segurança em um leito parcialmente rochoso.
O prático Sanderson lembra do caso mais complexo que enfrentou. Foi com um navio que apresentou falha de máquina na desatracação e saída da zona de praticagem:
– A embarcação tendia para sair do canal por boreste enquanto eu estava com o leme para bombordo. Configurava que ela ia se direcionar para uma região de baixa profundidade. Certamente iria encalhar. Eu tive que agir em emergência, invertendo o leme todo para boreste e utilizando o seguimento do navio para deixar o canal e fundear em área segura.
Em 2023, Areia Branca movimentou 3,8 milhões de toneladas (-12,37% em relação ao período anterior) e, em 2024, 3,1 milhões até novembro (-11,73%). A média mensal é de, aproximadamente, quatro navios.
O consórcio da Intersal vem administrando o terminal desde novembro de 2022, após o seu arrendamento. Existe um projeto de realização de levantamento batimétrico nos padrões exigidos pela Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha. O objetivo é atualizar a carta náutica e estabelecer um novo balizamento do canal, ampliando o calado para até 14 metros.
O Porto de Natal enfrenta a questão do assoreamento. O calado máximo é de dez metros. O canal foi dragado, há mais de dez anos, a 12 metros, mas já há pontos com oito. Isso obrigou o reposicionamento da boia quatro, antes da passagem da Ponte Newton Navarro (sentido porto). Segundo o prático Sebastião Rodrigues, decano da praticagem, o problema ali é a existência de um pequeno mole na Praia do Y, do outro lado da ponte, que acaba modificando a corrente e contribuindo para o acúmulo de sedimentos e a formação do Banco das Velhas. A solução, para não reduzir o calado em todo o canal, foi avançar a boia, estreitando a passagem naquele trecho.
O porto embarca frutas semanalmente para Europa, especialmente melão, e recebe trigo a cada 15 dias, principalmente da Argentina.
Além disso, há alguns embarques de açúcar para os Estados Unidos. São três berços para embarcações de até 190 metros de comprimento. A Petrobras operava em dolphin ao lado do cais público, mas seu terminal foi desativado.
O acesso, apesar de curto, não é simples. Até o porto, são três milhas. De acordo com o prático Lúcio Flávio, o navio faz uma ligeira guinada para boreste e depois cai para bombordo e entra no eixo do canal. Devido à influência de vento e corrente, é preciso manter uma boa velocidade para garantir a governabilidade, entre oito e dez nós. O vento vem de leste ou sudeste e se intensifica no segundo semestre. A impraticabilidade é declarada quando ele fica superior a 30 nós, de acordo com as Normas e Procedimentos da Capitania dos Portos.
– A partir de maio, já sentimos o vento aumentar. Geralmente, entramos com máquina a meia força para adotar uma velocidade de segurança e evitar problemas com vento e corrente. Quando cruzamos a barra, começamos a reduzir, pois temos que chegar com dois ou três nós próximo à bacia de evolução – explica Lúcio Flávio.
Dois moles, com os faróis Recife de Natal e da Baixinha, marcam a entrada da barra. Antes deles, a boreste, três boias encarnadas
sinalizam uma formação rochosa chamada de Cabeça de Negro na carta náutica. O prático Sebastião já foi parar ali com uma embarcação em emergência, mas evitou um mal maior.
– Eu saía com um petroleiro da antiga Fronape quando, aproximando da boca da barra, notei o navio derivando e perdendo velocidade. Foi um corre-corre. A embarcação havia apagado. Decidi sair da barra. Quando o navio perdeu seguimento e não governou mais, pedi para largar o ferro. Ao girar, a popa foi por cima do remanescente da Cabeça de Negro. Se não largo o ferro, seria pior. Hoje, nessa posição, temos a boia três.
Sebastião fala em remanescente da pedra porque havia uma parte que ficava exposta na baixa-mar, até o acidente com o navio Canopus, em 1995. Segundo ele, a embarcação veio carregar açúcar e, à noite, o comandante errou a aproximação para a área de fundeio, onde deveria aguardar o prático para entrada no dia seguinte. O óleo então vazado se espalhou por praias de municípios vizinhos.
Após adentrar os moles, segue-se a passagem estreita entre as boias sete e quatro, aquela que foi reposicionada. Logo em seguida, sobre o Rio Potengi, vem a Ponte Newton Navarro, que liga as margens onde estão o Forte dos Reis Magos e a Praia da Redinha.
O calado aéreo é de 55 metros. Não há proteção dos pilares.
Em julho, um comboio formado por um empurrador e uma balsa colidiu com um deles. O comboio deixou o Porto do Pecém (CE) com prático a bordo, mas o comandante preferiu atracar em Natal sem a condução obrigatória da praticagem. Depois da inauguração da ponte, em 2007, a navegação noturna foi proibida. Cruzamentos e ultrapassagens também não são permitidos.
Outro ponto importante de atenção é a corrente. Navio com calado superior a 8,5 metros só pode ser manobrado uma hora antes da preamar ou uma hora depois, com a corrente mais fraca.
– O problema dessa correntada ocorre principalmente no giro da embarcação. Quando o navio é pesado para os nossos padrões, fica mais complicado porque a bacia de evolução é pequena (250 metros de largura, segundo o porto). Na vazante principalmente, lidamos, às vezes, com dois nós e meio de corrente. O giro acaba no fim da bacia de manobra – diz o prático Marco Vendramini.
Ele já atravessou uma situação difícil mesmo perto da preamar, ao acompanhar uma manobra. Era a entrada de um graneleiro com calado máximo e a maré enchendo:
– A água se desloca e empurra o navio. Quando se reduz velocidade, com a maré enchendo, há dificuldade de parar e a embarcação tende a começar a atravessar, porque a corrente
a empurra por trás, como se fosse um leme agindo. Ao reduzir, portanto, essa água que vem atrás mais veloz te empurra. E, se você estiver um pouquinho atravessado em relação ao fluxo dela, o navio vai torcendo. Dar máquina atrás para segurá-lo não adianta. Afinal, a corrente é mais forte do que o efeito do hélice girando, ele não é suficiente para parar essa torção. Fomos parar a 20 metros da beira do cais (onde havia um portacontêineres) e do dolphin (desativado da Petrobras), com o rebocador imprensado tentando empurrar. Foi o ferro de boreste largado que segurou a proa para ela não encostar no portacontêineres a bombordo.
Os rebocadores disponíveis são convencionais, com 20 e 18 toneladas de tração cada, oficialmente (medições desatualizadas). Os desafios estruturais afetam a produtividade do porto, que movimentou 445 mil toneladas em 2023 (-32,64%) e 358 mil até novembro de 2024 (-14,28%). O principal baque foi a saída da linha da CMA CGM, em abril de 2023. A empresa francesa transferiu sua operação de transporte, focada em frutas, para o Porto do Mucuripe (CE). De acordo com a Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Codern) na época, o armador alegou que operaria com navios maiores.
Em outubro, em visita ao Rio Grande do Norte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou R$ 47 milhões para proteger os pilares da Ponte Newton Navarro. Na ocasião, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, prometeu investimento em dragagens no estado.
Evento em Natal contou com a presença do presidente do Tribunal
O sucesso de uma manobra de navio resulta de trabalho coletivo e não se deve esquecer das relações humanas envolvidas, seja com a equipe de passadiço, mestres de rebocadores ou amarradores. Da mesma forma, o prático não pode negligenciar o descanso fora de serviço, sob pena de comprometer suas competências técnicas. Os temas foram tratados durante o 46o Encontro Nacional de Praticagem, que ocorreu no hotel Wish, em Natal (RN), de 4 a 6 de dezembro. O evento é realizado anualmente pelo Conselho Nacional de Praticagem.
No primeiro dia, gerentes e assessores das entidades de praticagem se reuniram para debater tópicos como o impacto da reforma tributária nas empresas e gerenciamento de crise em grandes acidentes. O segundo dia foi dedicado ao ciclo de palestras, e o terceiro, à assembleia privativa dos práticos.
O programa de apresentações foi iniciado com as palavras do presidente da Praticagem do Brasil, prático Bruno Fonseca. Ele fez um breve balanço do último evento e os avanços até então, como a consolidação da nova lei de praticagem. A primeira exposição coube ao deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos). O parlamentar abordou novamente a importância da reforma tributária para destravar a economia brasileira:
– Até 1930, a nossa economia cresceu a 4,8%, mesmo com tumultos políticos. De 1931 a 1980, a cada dois anos dobramos o PIB, independentemente de governos. Até que o país parou de crescer e passou por três grandes crises econômicas. O nosso sistema tributário é o pior e o mais injusto do mundo. Precisamos destravá-lo. A principal mazela é a renúncia fiscal anual. Com ela, abrimos mão de 7% do PIB. Nossa estrutura é também a mais burocratizada
e gera custos. No fim das contas, quem paga é o cidadão. Tributamos muito o consumo, afetando especialmente os mais pobres. O ideal é adotar o modelo internacionalmente aprovado do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Voltaremos, assim, a crescer de forma sustentada.
Na sequência, o juiz-presidente do Tribunal Marítimo, vicealmirante Ralph Dias, apresentou a instituição, seu funcionamento e suas atribuições. O órgão é autônomo, auxiliar do Poder Judiciário e vinculado ao Comando da Marinha. Tem como missão julgar os acidentes e fatos da navegação em todo o território, além de manter atividades cartorárias como o Registro da Propriedade Marítima. Suas decisões técnicas têm valor comprobatório e dão embasamento à justiça comum. Sua criação ocorreu após o bombardeio do cargueiro alemão Baden pelo Forte da Vigia (atual Forte do Leme). A embarcação saiu do Rio de Janeiro sem autorização e sem prático a bordo, ignorando os avisos de parar da Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói.
– As decisões do Tribunal Marítimo têm caráter educativo, ao propor medidas preventivas e de segurança da navegação. São 90 anos promovendo segurança jurídica para investidores, para a gente do mar e a gente do porto – destacou o vice-almirante Ralph.
Encerrando a parte da manhã, o médico e professor Eugenio Mussak se concentrou nos desafios humanos da praticagem:
– Existem quatro categorias de competências: técnicas, de gestão, relações humanas e excelência. Se você estiver fadigado, fará a manobra corretamente mesmo tendo as competências técnicas? As competências, portanto, acabam se confundindo. Sem repouso, não funcionamos. É essencial o exercício físico, a alimentação e o
sono. Evitar o estresse é impossível, temos que saber administrá-lo para não perder a capacidade de percepção e tomada de decisão. Cuidem de suas competências técnicas, mas também do seu lado humano, especialmente a relação consigo mesmo, prezando pela recuperação. Caso contrário, a técnica será contaminada.
À tarde, o painel inicial focalizou o sistema de calado dinâmico implantado em portos da Zona de Praticagem 14 (Espírito Santo). A ferramenta possibilita cálculos mais precisos da folga abaixo da quilha do navio, permitindo que as embarcações carreguem mais sem risco de encalhe.
O diretor-executivo, técnico e operacional da Praticagem do ES, Daniel Menezes, disse que o sistema possui custo moderado em relação aos investimentos em infraestrutura portuária, mas é fundamental que os papéis das organizações sejam muito bem definidos. Ele citou o caso de Portocel, em Barra do Riacho, situado em área do porto organizado.
– É preciso assegurar que cada organização esteja em conformidade com suas responsabilidades legais, para que não haja problemas futuros.
O professor do Ciaga da Marinha do Brasil Edson Mesquita, por sua vez, explicou os conceitos das regras estática e dinâmica, frisando que "folga dinâmica sem avaliação da margem de manobrabilidade do navio não faz sentido".
Já a diretora técnica da UMI SAN Hidrografia e Engenharia, Priscila Farias, ressaltou a importância da qualidade dos dados ambientais que alimentam o sistema: onda, vento, corrente, profundidade e maré. A coleta dessas informações por sensores
enfrenta desafios diversos como bioincrustração dos equipamentos, furtos, vandalismo, arraste por redes de pesca, calibração e transmissão em tempo real. É um processo que requer investimento.
– A praticagem sempre esteve à frente nas questões técnicas, para que os dados ambientais do software tenham a melhor qualidade.
A experiência dos práticos brasileiros com os porta-contêineres de 366 metros foi o assunto do painel seguinte, moderado pelo diretor técnico da Praticagem do Brasil, prático Felipe Perrotta. Embarcações desse comprimento já escalam os portos de Paranaguá (PR), Santos (SP), Sepetiba (RJ), Salvador (BA), Suape (PE) e Pecém (CE). Perrotta traçou a evolução desses navios ao longo dos anos:
– Até meados dos anos 50, não havia porta-contêineres. Quando viabilizamos uma manobra desse porte não somos custo, mas investimento. Os navios cresceram, porém, nossos portos são os mesmos. O que possibilitou esse tipo de operação? Foram a expertise, o treinamento e as novas tecnologias empregadas pela praticagem, por meio de simulação eletrônica e em modelos tripulados reduzidos, além de uso do portable pilot unit (PPU) nas manobras.
O presidente da Federação Nacional dos Práticos, prático Gustavo Martins, lembrou que a chegada dos 366 em Paranaguá foi um processo longo, desde 2013, quando o terminal questionou se a operação era viável:
– Em 2014, fomos à Holanda acompanhar simulações. Após a apresentação de relatórios pela consultoria contratada, foi autorizada a entrada desses navios em 2015. Depois, começamos a discutir cruzamentos no canal de acesso, para não restringir o tempo de operação, e foram definidas áreas de cruzamento. Por
fim, elaborou-se a análise de risco, em que se estabeleceram a potência e a quantidade de rebocadores necessária. Com esses passos dados, ficamos prontos e aguardamos. Hoje, já recebemos 12 escalas. A preparação do canal, dos rebocadores e das equipes é fundamental. Me senti em casa manobrando porque acompanho essa análise há muitos anos.
O prático Jorge Luiz Sylvestre, que atua no Ceará (ZP-05), contou que passou uma semana no Panamá, onde acompanhou uma manobra:
– Não dê liberdade a esse navio, tenha rédea curta. O leme não tem todo o potencial e há baixa potência de máquina a ré.
Para o prático Alessandro Schmidt, de Pernambuco (ZP-09), a margem de erro na aproximação ao cais praticamente inexiste. Ele citou outros desafios:
– A escada de acesso ao navio, dependendo da borda livre (distância da lâmina d’água ao convés), é bem alta. É preciso pedir uma boa sombra ao comandante para embarcar mais protegido. Após o embarque, a interação entre os práticos um e dois deve ser constante, pela limitação do campo de visão. E a embarcação é muito suscetível à ação do vento e da corrente.
O prático André Kouzmine, do Rio de Janeiro (ZP-15), esteve em Baltimore (EUA) para treinamento. Em Sepetiba, são 21 milhas navegando até a atracação e as condições ambientais podem mudar inesperadamente durante a navegação, principalmente de vento, apontou.
– Em 2025, esperamos a entrada dos 366 também na Baía de Guanabara. Lá, apesar de a navegação ser mais curta, a velocidade deve ser mais elevada com a maré correndo.
O velejador Beto Pandiani fez a penúltima apresentação. Ele é reconhecido por travessias marítimas em barcos sem cabine e propulsão. Foram oito expedições ao redor do mundo, totalizando mais de 40 mil milhas navegadas, entre elas a passagem no Drake rumo à Antárctica. Feitos como esse envolvem planejamento de até dois anos, com a colaboração de dezenas de pessoas:
– Costumo dizer que o sucesso é uma experiência coletiva. Nessa viagem, em 2003, eu e meu parceiro demos 50 telefonemas de agradecimento.
Na viagem da Cidade do Cabo a Ilhabela, em 2013, ele pôde refletir sobre gestão de risco, que encontra paralelo com o foco exigido nas fainas de praticagem:
– Muitas vezes me senti mais seguro na tempestade do que na calmaria. Ficávamos 100% presentes e atentos. Nossos erros aconteciam quando estávamos desatentos e com certa prepotência.
A diretora-executiva do Instituto Praticagem do Brasil, Jacqueline Wendpap, aproveitou o gancho da palestra de Pandiani para reforçar que a entidade também é fruto de um esforço coletivo dos práticos brasileiros. Ela exibiu um balanço de três anos do Instituto, que, além de se tornar um centro de treinamento para práticos e operadores de praticagem, mostrou-se aberto à sociedade, gerando conhecimento, debates e contribuindo para a melhoria da infraestrutura aquaviária e portuária no país.
– Em 2025, temos que nos aprimorar e crescer após a consolidação desses três anos. O incremento das turmas do ATPR (Curso de Atualização para Práticos) e da nossa presença nos fóruns do setor marítimo e portuário está entre as metas. Hoje, todos podem vivenciar o Instituto Praticagem do Brasil.
Por fim, o presidente da Praticagem do Brasil voltou ao palco para o encerramento do evento, resumindo e conectando os temas das palestras.
– Foi um dia muito profícuo em discussões que agregaram para cada um de nós. Fazemos 80 mil manobras/ano e temos orgulho imenso do índice de incidentes extremamente baixo. Nosso resultado deve ser sempre entregar o navio em segurança, não importam os recursos disponíveis. Não controlamos a natureza, é verdade, mas a usamos a nosso favor. Entre as competências citadas pelo doutor Eugenio, o relacionamento humano é um ponto de atenção para o prático. Somos a primeira pessoa em contato com o comandante e sua equipe, vindos de uma longa navegação em alto-mar. E, como bem disse o Beto, o sucesso é coletivo. Nossos colaboradores e nossa família também embarcam conosco. Uma vez a bordo, vários atores precisam estar em sintonia, atentos e comunicando-se claramente. Continuaremos aprimorando o serviço. Que venha o próximo encontro. Em 2025, vamos comemorar 50 anos do Conselho Nacional de Praticagem.
Patrocinaram o 46o Encontro Nacional de Praticagem as empresas: Touch Software House (patrocinador Diamante); AQUASHIELD; DMGA Seguros; Hidromares; Navigandi; Supmar; UMI SAN; e Volvo Penta (patrocinadores Ouro).
Nas páginas seguintes, saiba mais sobre as palestras de Eugenio Mussak e Beto Pandiani
Médico e professor, ele foi um dos palestrantes no 46o Encontro Nacional de Praticagem e defendeu a importância do autocuidado
Autor de 13 livros e centenas de artigos sobre gestão de pessoas e desenvolvimento organizacional, o médico e professor Eugenio Mussak foi um dos palestrantes do 46o Encontro Nacional de Praticagem. Ele propôs reflexões sobre o trabalho no ambiente corporativo e abordou os desafios humanos dentro das estruturas organizacionais, destacando a importância de alcançar a excelência profissional e, ao mesmo tempo, cuidar de corpo e mente.
Mussak trabalhou durante 25 anos com medicina esportiva. Foi sua área de atuação, a fisiologia – aliada na busca por alta performance –, que o levou para o ambiente empresarial.
– As empresas querem que as pessoas desempenhem melhor no seu trabalho para, dessa forma, colaborar com o desempenho organizacional, aumentando produtividade, competitividade e lucratividade – pontuou Mussak, que já escreveu sobre o tema para revistas como Exame e Superinteressante , da Editora Abril.
No mundo empresarial, esse movimento se chama DHO (Desenvolvimento Humano e Organizacional). Em outras palavras: como desenvolver a empresa por meio do desenvolvimento das pessoas.
Em referência ao esporte, ele compara a atuação do ortopedista à do fisiologista. O primeiro, explicou, atende às intercorrências e lesões do esporte; o outro procura o melhor rendimento do atleta. Em suma, enquanto um quer recolocar o atleta em campo o mais depressa possível, o fisiologista deseja que ele não saia de campo.
Mussak ressalta que é imperioso colocar o aspecto humanitário no exercício das profissões. Para ele, todo profissional, independentemente da área de atuação, é um ser humano e, muitas vezes, paga um preço alto por se esquecer disso.
Para guiar a apresentação recheada de referências a escritores, filósofos e à mitologia, Mussak dividiu sua fala em três tópicos: aspectos gerenciais de competência; aspectos humanos; e a ideia do cuidado.
Ao se aprofundar nas competências necessárias para qualquer profissão, ele fez uma distinção entre quatro categorias essenciais: competências técnicas ("os práticos têm dezenas delas"), de gestão, relações humanas e excelência.
Competência técnica é vital, frisou, mas não é suficiente por si só. Saber gerir o trabalho – fazendo bom uso de tempo, recursos e métodos – é a chave para o sucesso.
– Não adianta ser bom tecnicamente e desorganizado, alguém que não respeita horário, não administra bem seus recursos, não sabe onde deixou as ferramentas (de trabalho)... Gestão não é um tema (direcionado apenas) para o especialista, para o formado em administração; é para todos.
O QUE NOS SOBROU É SERMOS HUMANOS, É A CAPACIDADE DA COMPREENSÃO.
A terceira competência citada por Mussak é a de relações humanas. Segundo ele, com o passar dos anos as máquinas foram substituindo o esforço humano e agora fazem o mesmo com a força intelectual. No ambiente corporativo, incluindo a praticagem, a comunicação eficaz e a capacidade de entender o outro são fundamentais.
– O que nos sobrou é sermos humanos, é a capacidade da compreensão. No caso de vocês (práticos), imagina o quanto a boa comunicação é importante. Deve ser exercida em minutos ou, às vezes, em segundos, para que uma ordem seja dada e executada corretamente – disse, em relação às instruções repassadas pelos práticos à equipe do passadiço do navio.
Por fim, a competência da excelência vai além do básico. É ela que realmente diferencia os grandes profissionais, aqueles que superam expectativas e deixam uma marca positiva. Em um ambiente corporativo ou em qualquer profissão, significa oferecer um serviço além do que se espera.
– Encontramos aqueles que não atendem à nossa expectativa, os que deixam a desejar, os que nos atendem precisamente e o metacompetente, ou seja, quem supera a expectativa. De qual deles vamos nos lembrar?
De acordo com o professor, por mais que uma pessoa tenha as competências técnicas necessárias para sua profissão, sua capacidade de executar um trabalho com excelência depende da manutenção de sua saúde física e emocional.
– Por mais que se conheçam os instrumentos e a faina a ser feita, se você estiver fadigado, tenso e nervoso, fará a manobra adequadamente? Então, essas competências acabam se confundindo. Nós não podemos nos limitar aos manuais técnicos. Temos que colocar (em prática) os manuais humanos.
Mussak abordou também o medo, emoção natural e presente em todas as profissões, especialmente em atividades de alto risco, como a praticagem. Quando bem administrado, o medo se torna um aliado, nos protege e faz agir com prudência:
– Sem o medo, talvez não existíssemos mais enquanto espécie, porque nos sujeitaríamos a perigos desnecessários. Ele deriva do instinto de sobrevivência. Aprendemos a lidar com ele. É o que se chama de inteligência emocional.
Mussak fez uma analogia com o capitão do baleeiro da obra Moby Dick , de Herman Melville, que afirmava não haver espaço em sua embarcação para covardes, nem para aqueles que não têm medo de baleia. O animal na história representa o mar; e o mar, a vida.
– Tem que ter medo. E diante do medo, o que nos resta é a coragem. Coragem como virtude, como força, decisão e estratégia. Mas coragem embute prudência, cuidado, preocupação, medo do fracasso. O corajoso jamais é imprudente.
Ele citou ainda o livro O mal-estar na civilização, de Freud, para refletir sobre a ilusão de que temos o controle das coisas. E fez uma metáfora com o trabalho dos práticos, que têm competência técnica para conduzir embarcações, mas não podem controlar a natureza, por exemplo, apesar das tecnologias que ajudam a prever eventos naturais.
– Temos que saber que a natureza é mais forte – enfatizou. – A verdadeira competência está em saber lidar com o imprevisível.
Em nova referência à sua área de atuação como médico, Mussak falou sobre a importância do cuidado. O descanso, sentenciou, é essencial:
– Sem repouso, músculo, cérebro, os órgãos internos não funcionam, não funcionamos.
Segundo o professor, é fundamental se exercitar, alimentar e dormir bem. O estresse, mal inevitável nos dias de hoje, precisa ser administrado com esse cuidado, para que a percepção e a tomada de decisão não sejam comprometidas. Na verdade, o estresse pode ser até um aliado, um sinal de alerta de algo errado:
– Evitar o estresse sequer é bom, porque é uma resposta do organismo diante de um perigo. Temos é que aprender a administrá-lo.
Em um ambiente empresarial, isso significa repouso e férias.
Ao encerrar sua palestra, Mussak compartilhou uma mensagem da mitologia grega, por meio da fábula do Cuidado, personagem que criou o ser humano e ganhou de um deus a responsabilidade de cuidar de sua criação, caso contrário, a vida se separaria da matéria.
– Esse mito quer nos dizer que tudo o que você não cuidar morrerá.
Por fim, concluiu:
– Cuidem-se. Cuidem de suas competências técnicas e do seu lado humano, das suas relações, especialmente a relação consigo mesmo, aumentando o autoconhecimento, dando-se o tempo necessário para recuperação depois de uma jornada de trabalho. Caso contrário, a competência técnica é contaminada pelas outras incompetências. E, hoje, o que vale é a metacompetência.
Planejamento, gestão de risco e trabalho em equipe foram ensinamentos transmitidos no 46o Encontro Nacional de Praticagem
Os 80 mil quilômetros navegados pelos oceanos a bordo de veleiros sem cabine e propulsão foram o fio condutor da palestra do velejador Beto Pandiani durante o 46o Encontro Nacional de Praticagem. Sua larga experiência no mar, com oito expedições ao redor do mundo, serviu de exemplo para pontuar ensinamentos como planejamento, gestão de risco e trabalho em equipe. A viagem mais recente – a Rota Polar, em 2022 –virou documentário sobre mudanças climáticas, seus impactos e a urgência de preservar a natureza. Como legado, Pandiani espera conscientizar a sociedade, sobretudo os mais jovens, da importância da educação ambiental.
Na primeira viagem, de Miami (EUA) para Ilhabela (SP), em 1994, Pandiani aprendeu na marra um dos principais ensinamentos para aplicar no mar e na vida. “Viaje leve e viaje longe” virou mantra para o velejador. Menos experiente na ocasião, a tripulação saiu em dois barcos dos Estados Unidos com 125 quilos de carga cada, com comida, equipamentos, itens de primeiros-socorros, ferramentas etc. Muitas quebras e alguns acidentes depois, o saldo de dez meses de viagem foi de cem quilos a menos nas embarcações.
– A viagem foi um exercício de desapego, priorização e gestão de recursos. Quanto mais leve o barco foi ficando, menos quebrava e mais rápido velejou.
A expedição “Entre Trópicos” passou pelo Caribe, cruzou o Rio Amazonas, chegou em Belém e depois enfrentou 50 dias de vento na costa brasileira até terminar em Ilhabela. Os muitos desafios foram vencidos com o auxílio de pessoas encontradas no caminho,
uma delas um homem que pediu carona até São Gabriel da Cachoeira (AM). Mesmo com um veleiro cujo calado era de 50 centímetros, havia o risco de colisão nas pedras. Conhecedor das rotas fluviais, o homem ajudou a tripulação a passar pelo Rio Negro sem percalços.
– Foi a nossa salvação, porque, na verdade, ele era um prático –brincou Pandiani. – Ele conhecia todas as pedras. Era uma parte do rio com muita corredeira. Esse rapaz nos salvou.
Ao longo dos 289 dias dessa primeira aventura, a tripulação costumava acampar em praias. A comunicação com o mundo exterior – até para saber as condições meteorológicas – era via telefone público, ligando para amigos em Miami.
Com o aprendizado, Pandiani partiu para a segunda expedição em 2000. A exemplo da experiência anterior, a tripulação embarcou em dois catamarãs em Puerto Montt, no Chile, contornou o lendário Cabo Horn – último pedaço de terra da América do Sul – e depois de quase meio ano chegou ao Rio de Janeiro. Era a primeira vez que embarcações sem cabine se atreviam a passar pelo Cabo Horn, onde há registro de dezenas de naufrágios.
– Nessa viagem tivemos um carro de apoio que levou a nossa carga. Então, a cada cinco ou sete dias, a gente abastecia o barco. Dessa forma, velejamos mais leves.
Sanada a questão da carga, outro componente, o vento, forçou novo aprendizado: o exercício da paciência. Houve períodos em que os velejadores precisaram esperar até cinco dias para seguir viagem.
– Jogávamos xadrez com o vento. Era a ânsia de partir com a sabedoria de esperar – filosofou Pandiani, que tomou gosto pelo mar ainda pequeno ao ouvir histórias do pai, um velejador italiano.
Quando o tempo estava ruim, a tripulação atracava e permanecia em barracas em alguma praia da Patagônia chilena. Depois, velejava até se deparar com novo percalço atmosférico. E assim, os barcos desceram até Ushuaia.
Sem que ninguém soubesse, a Marinha do Chile manteve uma lancha-patrulha dez milhas atrás dos veleiros durante toda a viagem em águas chilenas. Isso foi possível porque os velejadores se comunicavam diariamente para informar localização e receber prognóstico meteorológico.
Ao chegar no Rio de Janeiro depois de subir a costa em 170 dias, Pandiani ouviu do velejador Amyr Klink que teria sido mais fácil ir à Antártica. Foi a deixa para o palestrante pensar na terceira expedição: a travessia do Drake, região do Oceano Antártico que liga a América do Sul à Antártica.
Essa é uma das travessias mais perigosas do mundo por conta das condições meteorológicas adversas, com tempestades, ventos fortes e ondas gigantescas. Para Pandiani, a viagem representou um grande salto, já que não se tratava de expedição costeira, mas de longas distâncias em mar aberto.
O planejamento foi complexo. A tripulação precisava encontrar naquele fevereiro de 2003 quatro dias bons no Drake, o que só acontece uma vez por ano, no máximo, duas. Para garantir a segurança, os velejadores contaram com monitoramento meteorológico de centros na França e nos Estados Unidos, além de um barco de apoio com médico e do auxílio de um time internacional, incluindo a Marinha chilena. O parceiro de Pandiani na jornada foi Duncan Ross, sul-africano que participou da expedição Miami-Ilhabela.
Mesmo com todo aparato de previsão, uma situação de microclima obrigou a tripulação a encarar uma tempestade no caminho.
– Velejamos dez horas com cinco metros de onda, neve e bastante gelo. O barco surfava, praticamente nada de vela. Foi muito frio.
Sensação de 20 graus negativos – lembrou Pandiani. – Foi épico. Cruzamos a primeira perna até a Ilha Decepção em 84 horas. Pela primeira vez na história, um barco sem cabine chegaria na Antártica. Mas tínhamos ainda uma segunda perna até o continente.
O planejamento meticuloso foi crucial. Antes mesmo de partir, ele sentiu que a viagem estava 80% realizada.
– Costumo dizer que o sucesso é uma experiência coletiva. Nessa viagem, eu e meu parceiro demos 50 telefonemas de agradecimento – recordou.
O lema da expedição ficou registrado debaixo da vela do barco, escrito por Duncan Ross: "Paciência, persistência e prudência".
– Fomos lendo esses três "Ps" até a Antártica.
No ano seguinte, 2004, Pandiani e Duncan foram parceiros novamente na Atlantic 1000, regata de mil milhas de Miami a Nova York: "a mais longa do mundo para esse tipo de barco e a mais difícil". Mesmo sem experiência para lidar com um Nacra de 20 pés, inexistente no Brasil, a dupla conquistou o segundo lugar.
Em 2005, foi a vez da expedição Nova York-Groenlândia, comple-
tando a ideia de navegar de um polo a outro, de Norte a Sul do planeta. E assim o fez, na companhia do velejador Felipe Whitaker.
– Sem muito mais para onde ir para cima ou para baixo, comecei a pensar em viajar de leste a oeste.
De três rotas oceânicas, Pacífico, Atlântico ou Índico, Pandiani escolheu a primeira, percorrendo do Chile à Austrália. Desde então, o velejador Igor Bely passou a ser seu parceiro. Igor cresceu velejando, é filho do comandante do barco que orientou Pandiani rumo à Antártica e tinha a credencial de ser o primeiro navegador a levar turistas à região.
Novamente, a viagem começou com uma preparação minuciosa, incluindo o transporte de dois dessalinizadores manuais para garantir água potável, já que transportar 300 litros de água seria inviável. A alimentação era baseada em comida liofilizada, com consumo diário de cerca de duas mil calorias. O veleiro, construído na França, foi adaptado em Ilhabela antes de ser rebocado para o Chile, de onde partiu a expedição.
Essa foi a viagem em que aconteceram mais acidentes com o barco. Ao todo, foram sete meses parados para consertos. A viagem teve cerca de 70 dias de navegação, mas durou aproximadamente dez meses somando os períodos de reparos.
Pandiani destacou não apenas os desafios logísticos e físicos da travessia, mas também a importância da cumplicidade e confiança mútua no parceiro:
– Passamos meses juntos sem nunca discutir. O nosso sistema era muito simples: cuidamos um do outro. Foco no seu colega. À noite, eram turnos de duas horas no leme. E nem sempre, quando amanhece, estamos bem. Então, você fala para seu companheiro descansar e assume o turno. E vice-versa.
Essa camaradagem cria estrutura emocional para o sucesso das viagens:
– Qualquer projeto sem confiança não tem futuro longo.
Um dos pontos altos do percurso foi uma escala logo no início, na Ilha de Páscoa. Com 18 dias de expedição, a dupla foi recebida com festa pelos Rapanui, com direito a rituais gastronômicos.
– Sabiam que estávamos chegando em catamarã sem cabine, o que para eles era motivo de orgulho, pois o catamarã é derivado dos polinésios. A piroga é o barco que originou o catamarã.
A saga da dupla continuou em 2013, quando resolveram atravessar o Atlântico, de Cape Town (África do Sul) a Ilhabela, sem escalas. O maior aprendizado foi não criar expectativas quanto ao fim da viagem. Como Pandiani destacou, "veleiro tem data de saída, mas nunca de chegada", pois precisa de vento, essencial para navegar.
Eles passaram nove dias de calmaria no meio do oceano, debaixo de sol. Antes, porém, a embarcação foi pega por uma tempestade na primeira semana. Os percalços fizeram a jornada terminar 32 dias após o início, a despeito dos cerca de 25 dias em que todos apostavam.
Os dias de mau tempo, contudo, deixaram uma reflexão importante sobre gestão de risco no diário de bordo. Embora pareça contraditório, Pandiani anotou que muitas vezes se sentiu mais seguro nas tempestades. Apesar dos incidentes ao longo de suas expedições, nunca aconteceram episódios graves nessas situações:
– Sempre velejamos com performance boa. E me dei conta de que era porque estávamos 100% atentos. Os erros aconteciam quando relaxávamos, em ambiente aparentemente controlado. A desatenção é o maior risco que podemos ter.
A Rota Polar foi a oitava expedição e a primeira com intuito de criar um documentário sobre mudanças climáticas em uma das regiões mais inóspitas do planeta. O projeto foi desenvolvido ao longo de oito anos. A viagem, em 2022, teve como desafio principal navegar no Ártico durante o curto verão polar de três meses. Com datas específicas para saída e chegada, a expedição precisava ser
concluída antes de 10 de setembro, quando o clima se tornaria extremo, com ventos fortes e baixas temperaturas.
Em Tuktoyaktuk, no delta do Rio Mackenzie, no Canadá, encontraram uma barreira de gelo de 400 quilômetros. Inicialmente, a previsão era esperar 30 dias para o degelo, mas o tempo disponível era curto. Pandiani e Igor decidiram, então, se aventurar, utilizando um drone para encontrar rotas alternativas. Após ficarem presos na geleira por 24 horas, finalmente encontraram uma saída.
Os caçadores indígenas inuítes alertaram sobre o perigo de ursos-polares. A rota desbravada tinha pelo menos 40 mil deles. Por segurança, a tripulação comprou uma arma, mas, embora a presença dos ursos fosse iminente, não chegou a encontrá-los.
– Os inuítes avisaram para não usar pasta de dente porque o urso sente o cheiro a 20 quilômetros. A sensação era de que estávamos sendo vigiados o tempo todo.
Em um ponto crítico, a dupla enfrentou o Estreito de Bellot, um canal que durante 11 meses do ano é uma placa de gelo. Usando um sistema de pedal com hélice, os velejadores o atravessaram, sem vento, com a ajuda da correnteza.
O momento mais especial, porém, ocorreu na chegada à Baía Leopoldo, lugar protegido onde permaneceram dias por conta do mau tempo. A enseada era uma maternidade de baleias belugas, com mais de 250 animais.
– À noite, estávamos dormindo quando ouvimos barulho de respiração de baleia. Fomos na popa e havia duas belugas. Em cinco minutos, o nosso barco estava rodeado delas. Gravei o som com meu telefone. Foram os 40 minutos mais emocionantes. A sensação era de que tudo que havia acontecido na minha vida fora para chegar naquele dia.
A expedição terminou em Arctic Bay, pequena vila inuíte, em 3 de setembro. Quatro dias depois, o único navio a atracar no local para abastecer a comunidade de 900 pessoas levou o barco de volta a Montreal.
Pandiani encerrou sua apresentação com um alerta sobre a degradação ambiental percebida ao longo dos anos. Autor de sete livros, ele escreveu recentemente uma obra dedicada aos jovens. Nas terras do vento conta a história de um garoto velejador que viaja à Patagônia para averiguar a contaminação de plástico nos oceanos. A publicação tem QR Codes que levam a uma plataforma com conteúdos sobre meio ambiente.
– O livro é um projeto de educação ambiental. Enquanto eu tiver vento dentro de mim e estiver respirando, podem ter certeza: a minha próxima viagem será essa da educação ambiental.
Federação francesa de práticos é uma das mais avançadas:
entidade calcula emissões das estações e tem plano de mitigação
Embora não sendo objeto de metas internacionais de descarbonização, praticagens ao redor do mundo começam a contribuir no esforço de redução das emissões de gases do efeito estufa. Destaca-se dentre elas a federação francesa. Do total de 30 estações de praticagem, 11 estão envolvidas no cálculo da sua pegada de carbono, dever de casa de todo processo de descarbonização. Em 2023, elas foram responsáveis por emitir 9.752 toneladas de dióxido de carbono equivalente, comparável a 73 caminhões rodando anualmente. A média aproximada é de 160kgCO2 por operação.
A federação formou um comitê interno para tratar do assunto, atualmente sob o comando do prático de Toulon, Olivier Vincens, com quem Rumos Práticos conversou. A diminuição da velocidade das lanchas de praticagem (até 20 nós) é uma das medidas imediatas do plano adotado para reduzir as emissões, incluindo o treinamento para as pilotar de maneira mais sustentável.
O plano também inclui a adoção de diesel verde (HVO) e o agrupamento de práticos na mesma lancha para embarque nos navios, quando a distância entre duas ou mais embarcações for inferior a 40 minutos. O uso de carros de apoio elétricos e a renovação dos sistemas de aquecimento nos escritórios são ações complementares.
Entre os esforços de médio e longo prazo estão os projetos de propulsão alternativa. Em Sete, já opera uma lancha 100% elétrica, com autonomia para atuar em duas fainas se a velocidade for de 12 nós. A praticagem em Marseille está interessada e trabalha com construtores locais na definição do seu projeto.
Além disso, há projetos de propulsão híbrida e, em Le Havre, de uma lancha com foil, cujo custo é o dobro de uma lancha convencional. Esse barco também é elétrico, e seu sistema possibilita que se eleve acima da superfície da água, como se flutuasse, minimizando o arrasto e maximizando a eficiência energética. A tecnologia é a mesma empregada no trimarã que moveu um cavalo de prata sobre o Rio Sena nos Jogos de Paris. Construída originalmente em Belfast, a lancha da empresa Artemis Technologies tem encomendas para práticos da Bélgica (2025) e Suécia (2026).
O comportamento em mar revolto é uma questão. Para o foil funcionar, é necessária certa velocidade, o que complica a condução
do barco em mau tempo. Por outro lado, a falta de atrito do casco com o mar reduz os impactos e a interferência das ondas.
No Brasil, a Praticagem de São Paulo faz o inventário das suas emissões diretas, seguindo o GHG Protocol (Greenhouse Gas Protocol). Em 2023, foram emitidas 1.537 toneladas de dióxido de carbono equivalente. Entre as ações de mitigação, está a troca de motor de todas as suas 17 embarcações por equipamentos eletrônicos, menos poluentes e mais eficientes. Seis delas já foram modificadas. A previsão de término é em 2026.
A Praticagem do Brasil, em geral, também vem investindo para agregar eficiência ao sistema portuário, contribuido para diminuir as emissões com berços sem ociosidade e menos navios esperando fora de barra. Foi o que destacou o presidente da entidade, prático Bruno Fonseca, em missão internacional do Fórum Brasil Export. Como exemplo, ele citou a própria Praticagem de São Paulo, que realiza fainas simultâneas e tráfego em mão dupla em trechos antes restritos. Isso só foi possível após minucioso estudo do timing de cada manobra.
O presidente participou do painel "Ações para segurança e transição energética na navegação marítima", na companhia do presidente da Praticagem de São Paulo, prático Fábio Mello Fontes.
A despeito do trabalho da Organização Marítima Internacional (IMO) em prol da descarbonização, Bruno pontuou que toda a logísitica envolvida na indústria marítima precisa ser verde, não apenas o navio, do transporte da carga na sua origem até o porto. E acrescentou ser ainda imprescindível a infraestrutura de fabricação, armazenamento e distribuição de combustíveis alternativos para as embarcações.
Para o presidente, a indústria está em uma corrida contra o tempo diante da meta da IMO de zerar as emissões líquidas dos gases do efeito estufa em 2050. Mais de 3.500 navios precisariam ser construídos ou reformados anualmente para cumprir o objetivo da agência da ONU.
A missão não é nada fácil, considerando que o pico da produção marítima industrial, em 2010, foi de 2.700 navios construídos. Os dados são do relatório “Transporte Marítimo 2023”, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
– Os prazos são exíguos, e as exigências, muito fortes. Realmente, hoje, não vejo capacidade da indústria para cumprir a meta –afirmou Bruno.
Os armadores têm feito alguns investimentos, mas se encontram em um dilema segundo a Unctad: investir na frota sem clareza sobre as melhores opções de combustível e tecnologias verdes ou aguardar até que o caminho esteja mais claro, até mesmo na parte regulatória?
Nos portos, existe esta mesma questão se esperam para investir em equipamentos, terminais e facilidades de abastecimento. Há, porém, tarefas que poderiam estar adiantadas. De acordo com pesquisa recente da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), 81% dos portos públicos e 35% dos terminais de uso privado (TUPs), arrendados (TAs) e estações de transbordo de carga (ETCs) sequer realizam o inventário de emissões de gases do efeito estufa.
O "Diagnóstico de Descarbonização, Infraestrutura e Aplicações do Hidrogênio nos Portos” foi financiado pelo governo alemão e visa promover o desenvolvimento do mercado do hidrogênio verde, que está entre as possibilidades de combustível alternativo para as embarcações.
Dos portos e terminais que contabilizam suas emissões, 54% excluem as indiretas, que não estão sob controle da autoridade
portuária ou da administradora do terminal, como as emissões de embarcações de terceiros que se movimentam na área do porto.
"Eles reportam apenas os escopos 1 e 2 das diretrizes do GHG Protocol, que são as emissões diretas e as emissões indiretas de energia elétrica", informa o estudo.
O GHG Protocol recomenda que os inventários sejam auditados por uma terceira parte e se tornem públicos, mas isso é feito apenas por 58% das instalações. O percentual das que produzem os inventários é maior entre os terminais privados.
O diagnóstico listou três oportunidades para reduzir a pegada de carbono nos portos: geração de energia renovável para atividades administrativas e operacionais, além de diminuição do tempo de atracação, velocidade e tempo de espera para carga e descarga; fornecimento em terra de energia e combustíveis menos poluentes para as embarcações atracadas; e utilização do hidrogênio verde e seus derivados, como amônia e metanol. O estudo, no entanto, apontou que existe compreensão limitada por parte dos respondentes com relação ao potencial desse mercado.
Apenas 11 das 93 instalações respondentes registraram atracações de navios que utilizam combustíveis com baixo teor de carbono. O transporte marítimo é responsável por mais de 80% do volume de cargas movimentadas no comércio internacional. As emissões de gases do efeito estufa geradas pela atividade representam 3% do total global e aumentaram 20% na última década.
Ele integrou um grupo essencial para o fortalecimento do serviço. Foi ideia sua, por exemplo, reforçar o vínculo do ofício com o meio ambiente
Em outubro, a Praticagem do Brasil perdeu uma das pessoas fundamentais para seu desenvolvimento. O prático Carlos Hermann Guilherme Martins faleceu aos 86 anos. Ele atuou em São Paulo e integrou o grupo que promoveu uma virada na administração do Conselho Nacional de Praticagem. Técnico, estratégico, estudioso, contagiante e inovador são alguns dos adjetivos que o definiam, segundo colegas ouvidos por Rumos Práticos
– Hermann foi um dos grandes pilares da praticagem, especialmente na parte técnica, além de Francisco Luiz de Oliveira (SP), o saudoso Chicão, que se destacou como verdadeiro alicerce na parte comercial. Eles representaram uma força coletiva que marcou um momento decisivo na história da nossa profissão. Junto a outros colegas que compartilharam igual visão, unimos esforços em prol de uma praticagem mais igualitária e sólida. Essa união foi fundamental para construir as bases que sustentam nossa atividade até hoje, permitindo a todos que integram agora a profissão usufruir de um legado tão bem estruturado – recorda Paulo Esteves, que presidiu o Conselho Nacional de Praticagem em 1997 e 1998.
Na ocasião, a diretoria era um colegiado. Entre os membros, estavam os práticos Antonio Robles (SP), Mauro do Canto (ES),
Miguel Salgado (PA) e Otavio Fragoso (RJ). Para efeitos legais, Paulo foi indicado presidente. Ele lembra que a entidade estava em situação financeira delicada:
– Fizemos um grande movimento, que as principais praticagens assumiram. Logo depois, saiu o decreto da Lesta (Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, que trata de praticagem). Tive a sorte de contar com essas duas pessoas (Hermann e Chicão), entre outras. Elas deram condição para o que foi feito por esse grupo. Sinto-me um verdadeiro privilegiado por ter tido o aprendizado e a parceria de profissionais tão comprometidos. É uma lembrança que reforça a crença de que a união sempre será a chave para manter a praticagem forte e à altura de seus desafios.
O ex-presidente Otavio Fragoso, atual editor da Rumos Práticos, ressalta que Hermann introduziu a teoria na estratégia do Conselho Nacional de Praticagem:
– Discutíamos muito sobre a organização da praticagem, mas o Hermann trouxe conceitos importantes para reflexão e fez uma busca bibliográfica que ajudou a construir uma base mais sólida para o Conselho ter uma estratégia de longo prazo.
Nesse processo de inovação conceitual do Conselho, ele propôs, entre outras ações, a mudança do nome da revista, de Embarque do Prático para Rumos Práticos . Além disso, ficou como editor por três edições para dar mais solidez à nova linguagem e linha editorial, relata Otavio:
– Ele tinha o hábito de comprar vários exemplares dos livros que descobria como importantes para a instituição e os distribuía entre práticos que identificava como entusiastas da profissão e formadores de opinião. Foi uma referência de dinamismo intelectual para uma geração de práticos, muitos deles iniciantes na década de 1990, alguns dos quais continuam ativos. Deixou marca indelével no processo de desenvolvimento da profissão, sempre se mantendo discreto e assumindo cargos apenas eventualmente e somente pelo tempo necessário para incorporar suas ideias e impulsionar as mudanças. Sua esposa, Fátima, foi um suporte fundamental em seu trabalho. Ambos estavam sempre presentes nos Encontros de Praticagem.
também em Santos. Foi no Conselho Nacional de Praticagem que Mauro do Canto o conheceu, no final da década de 1980:
– Ele era um entusiasta da praticagem e tinha um extraordinário conhecimento de história, incluídas a história naval e a da própria praticagem. Era um estudioso da matéria. Seu entusiasmo era contagiante. Foi um enorme prazer trabalhar com ele no progresso da nossa profissão.
Mauro lembra que Hermann foi pioneiro em perceber a íntima ligação da praticagem com a preservação do meio ambiente, vínculo que não era evidenciado até então na comunicação da entidade.
– Essa ligação começou a ser incorporada ao discurso do Conselho. E o Hermann contribuiu não só com a ideia e o incentivo, mas providenciou o slogan usado junto às imagens nas correspondências oficiais e no cartão de Natal.
No início da década de 1990, por seu incentivo, a Praticagem de São Sebastião promoveu a campanha “Praticando a preservação do meio ambiente”.
“Fui um dos primeiros a levantar a bola do meio ambiente”, disse o próprio Hermann, como registrado na edição n o 19 de Rumos Práticos
Mauro do Canto cita outro caso que marca o espírito inovador do colega.
– Em fevereiro de 1998, São Sebastião recebeu uma etapa da hoje chamada Ocean Race, a maior regata de veleiros oceânicos do mundo. Era um evento de alcance mundial, com filmagens que rodaram o globo. Hermann teve a ideia de batizar uma lancha de praticagem de Follow Me e grafou o nome bem grande na popa, de forma que ela navegasse à frente dos veleiros na chegada a São Sebastião – conta. – Bem, assim eu me lembro do Hermann, alguém sempre muito entusiasmado, que entusiasmava os demais, com olhos voltados para o futuro e preocupado com o que iria acontecer com a praticagem. Ele contribuiu muito para a nossa profissão. Foi uma grande perda. Deixa saudade. REVISTA Nº
O diretor da Praticagem do Brasil e vice-presidente da Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA), prático Ricardo Falcão, participou, em outubro, do IV Encontro Nacional de Práticos da Argentina. Falcão apresentou os avanços na regulação da atividade no Brasil, com a atualização da Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário. “Não há receita de bolo para preservar ou mudar uma realidade regulatória. Temos bases comuns de funcionamento no mundo, mas os países são diferentes. Por isso, a IMPA não tem uma cartilha. Quem deve fazer esse trabalho, descobrir os caminhos e arregaçar as mangas somos nós. Temos que estar em congressos como este, trocar experiências e conhecer as praticagens em outros países. Isso, sim, nos permitiu vencer discussões e avançar”, destacou o diretor brasileiro. O evento, em Buenos Aires, foi organizado pela Câmara de Atividades de Praticagem e Pilotagem da Argentina.
O Comitê de Segurança da Navegação da Organização Marítima Internacional (IMO) aprovou novas regras para os dispositivos de transferência de prático na Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (Solas) e nos seus complementos. O documento será adotado pela IMO em junho, na próxima reunião do comitê, entrando em vigor em janeiro de 2028. Entre as medidas estão a fixação de prazo de validade de 36 meses para as escadas de quebra-peito e a obrigatoriedade de marca indicativa no costado (pilot mark) para os navios que necessitam de arranjo de embarque combinado (escada de quebra-peito e escada de portaló). Também foi aprovado um pôster atualizado sobre a instalação correta dos dispositivos, material a ser afixado no passadiço das embarcações. A Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA) contribuiu ativamente com as mudanças.
MINISTRO DE PORTOS E AEROPORTOS VISITA PRATICAGEM DE SP
O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, visitou o centro de operações da Praticagem de São Paulo, em dezembro. Ele esteve acompanhado do presidente da Autoridade Portuária de Santos, Anderson Pomini, e foi recebido pelo presidente da pratica-gem local, prático Fábio Mello Fontes. “Foi a primeira vez que tivemos a presença de um ministro de Estado em nossa sede. Mostramos toda a tecnologia empregada para coordenar as operações no porto”, afirmou Mello Fontes. Em janeiro, ele foi homenageado por seus colegas de praticagem, que batizaram com seu nome a ponte de embarque dos práticos em Santos, construída em 1991.
Imagem aérea da atracação do MSC Splendida no Porto de Itajaí, após giro na bacia de evolução e navegação à ré. A entrada da embarcação foi mais um marco histórico para a Praticagem de Itajaí e Navegantes (SC). É o início de uma nova fase operacional dessa manobra com navios de cruzeiro de comprimento superior a 306 metros. No caso, o MSC Splendida tem 333,33 metros de comprimento e 37,92 metros de boca (largura). O navio atracou em janeiro.
A Praticagem do Brasil lamenta o falecimento dos práticos Fabritzio Silva Sequeira e Gilzio Greco Moreira, que atuaram na Bacia Amazônica Oriental (ZP-01) e no Estado do Rio de Janeiro (ZP-15), respectivamente. Prestamos nossas condolências aos familiares e amigos desses colegas de profissão que tanto contribuíram para a segurança da navegação e a preservação do meio ambiente em nossas águas.
Os três vídeos que produzimos durante nossa passagem pelo Rio Grande do Norte – quando coletamos dados para a série sobre as zonas de praticagem – alcançaram o maior número de impressões no período – número de vezes em que o conteúdo é exibido na tela. Foram mais de 70 mil impressões nas redes em que estamos presentes. Agradecemos aos práticos Igor Sanderson, de Areia Branca (ZP-6), e Lúcio Flávio, Marco Vendramini e Sebastião Rodrigues, de Natal (ZP-7).
Os detalhes de uma manobra de desatracação no Porto do Pecém (CE), sob o ponto de vista do próprio prático, renderam o segundo conteúdo de mais audiência no período, com quase 20 mil impressões nas redes. As filmagens foram realizadas com óculos com câmera embutida. Obrigado ao prático Bruno Fonseca (ZP-05) por compartilhar as imagens conosco para edição.
Também gerou bastante interesse dos nossos seguidores o post didático que elaboramos explicando como um navio é amarrado no cais e quais são os cabos de amarração utilizados. Para facilitar o entendimento do público, preparamos um infográfico com nosso designer parceiro. A publicação gerou 12 mil impressões.
Lima - Peru
22 a 26 de setembro de 2025
Em breve, teremos mais informações sobre o programa, inscrições no evento e reserva de hotel.
flaprac.org
No livro The Wide Wide Sea: Imperial Ambition, First Contact and the Fateful Final Voyage of Captain James Cook, o historiador Hampton Sides aborda a transformação do lendário capitão James Cook em sua última e mais longa viagem para o Pacífico.
Em 12 de julho de 1776, já célebre como o maior explorador da história britânica, ele partia para a terceira jornada. Dois anos e meio depois, em uma praia do Havaí, Cook foi morto em conflito com nativos. Como pôde acontecer sendo ele considerado único por seu respeito por povos indígenas e culturas? Afinal, ele não era um conquistador ou colonizador.
Conhecido por sua habilidade náutica e cartográfica incomparável, dedicação à ciência e liderança humana, o capitão tratava bem suas tripulações e se esforçava para aprender sobre as sociedades que encontrava, sem preconceitos. Suas viagens contribuíram para a documentação de territórios e ciências como medicina, botânica e antropologia.
Na derradeira, porém, algo mudou em sua personalidade, afetando seu comportamento e julgamento. Ele se tornou inconstante, recorrendo ao chicote para impor disciplina, e levou suas embarcações a perigo repetidas vezes. De forma incomum, ordenou retaliação violenta a povos nativos por suposto roubo.
Nos últimos anos, monumentos a suas explorações foram vandalizados, e artefatos – antes considerados tesouros –, removidos de museus. Até os moradores das Ilhas Cook discutiram seriamente a mudança do nome do arquipélago.
Com ajuda de historiadores, médicos forenses, histórias orais indígenas e dos próprios escritos pessoais de Cook e sua equipe, o autor busca entender esse personagem controverso com explorações de impacto, para o bem e para o mal. Hampton Sides tenta descrevê-lo, sem o defender ou demonizar.