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A PREVENÇÃO DA CORRUPÇÃO EM PORTUGAL – A AÇÃO DO CONSELHO DE PREVENÇÃO DA CORRUPÇÃO

A PREVENÇÃO DA CORRUPÇÃO EM PORTUGAL – A AÇÃO DO CONSELHO DE PREVENÇÃO DA CORRUPÇÃO

António João Maia1

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Breve Nota de abertura

O texto que se segue corresponde ao conteúdo da apresentação que foi efetuada, no dia 25 de outubro de 2018, na Universidade de Santiago de Compostela, no âmbito do seminário internacional “Corrupción Pública y Reforma Penal: Una visión de los instrumentos penales de lucha contra la corrupción pública en España, Portugal e Italia”, relativamente ao modelo de organização e de funcionamento do Conselho de Prevenção da Corrupção, e, fundamentalmente, aos principais projetos que tem desenvolvido. Aproveitamos a oportunidade para agradecer uma vez mais aos organizadores do seminário o convite que foi endereçado ao Conselho de Prevenção da Corrupção para tomar parte nos trabalhos, nomeadamente ao Senhor Professor Doutor Fernando Vázquez-Portemeñe Seijas, da Universidade de Santiago de Compostela, e à Senhora Professora Doutora Flávia Noversa Loureiro, da Universidade do Minho, a quem se agradece também o convite para a publicação deste texto.

1 Professor Convidado do ISCSP de Ética da Administração Pública. Membro do Conselho de

Prevenção da Corrupção.

Corrupção. Atas das Conferências Internacionais. p.051 - p.065

1. O Conselho de Prevenção da Corrupção – organização e áreas de intervenção

O Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) é uma entidade administrativa independente, que funciona junto do Tribunal de Contas e que desenvolve uma actividade de âmbito nacional no domínio da prevenção da corrupção e infracções conexas, de acordo com a Lei n.º 54/2008, de 4 de Setembro, diploma que criou e regulamenta a atividade desta entidade. Nos termos do mesmo diploma, o CPC é presidido pelo Presidente do Tribunal e Contas e tem como membros: o Diretor-Geral do Tribunal de Contas, que exerce a função da Secretário-Geral; o Inspetor-Geral de Finanças; a Secretária-Geral do Ministério da Economia; um Magistrado do Minisério Público; um representante da Ordem dos Advogados e ainda por uma personalidade de reconhecido mérito escolhida pelos restantes membros. Para lá dos membros que integram o Conselho, o CPC dispõe de uma estrutura de Serviços de Apoio, que, no terreno e em cooperação com as demais entidades públicas, designadamente com o Ministério Público, com os Tribunais e com as entidades de Inspeção, Auditoria e Controlo sobre a ação dos organismos do Setor Público, realiza análises e estudos sobre a realidade do problema. Através dos resultados desses estudos, designadamente dos que se realizam sobre elementos demonstrativos de ocorrêncais de fraude e corrupção nas entidades do setor público, o CPC produz conhecimento sobre áreas e fatores de risco na gestão e na organização das entidades públicas e, a partir desses traços de conhecimento caraterizadores do fenómeno, propõe, através de Recomendações e Deliberações, as medidas que considera mais adequadas e oportunas para a promoção da uma adequada prevenção de riscos de fraude e corrupção na gestão das entidades do setor público. O quadro seguinte mostra os números e tipologias de comunicações que, nos termos da lei, foram transmitidas ao CPC desde a sua criação até final de 2018.

Comunicações remetidas ao CPC entre 2008 e 2018

ANO TOTAL JUDICIAIS RELATÓRIOS DE AUDITORIA

2008/2009 85 85 0

2010 123 108 15

2011 142 86 56

2012 171 136 2013 156 129 35 27

2014 201 154 47

2015 258 228 2016 432 391 2017 433 408 2018 604 604

TOTAL 2605 2329

30 41 25 0

276

A prevenção da Corrupção em Portugal – a ação do Conselho de Prevenção da Corrupção António João Maia2017 433 408 25

2018

604 604 0

TOTAL 2605 2329 276

COMUNICAÇÕES REMETIDAS AO CPC TOTAL

COMUNICAÇÕES REMETIDAS AO CPC JUDICIAIS

COMUNICAÇÕES REMETIDAS AO CPC RELATÓRIOS DE AUDITORIA

Fonte: Conselho de Prevenção da Corrupção / Relatórios anuais de análise de comunicações

Fonte: Conselho de Prevenção da Corrupção / Relatórios anuais de na+alise de comunicações recebidas recebidas Os elementos apresentados evidenciam que o número de comunicações tem vindo a aumentar ao longo dos anos. Este elemento não corresponderá a um efetivo aumento do número de ocorrências nem de denúncias relativamente a esta tipologia de delitos e crimes. Com maior probabiliade, a evolução registada traduzirá essencialmente uma crescente divulgação e correspondente conhecimento, pelas entidades e organismos dos setores da justiça, de inspeção, de auditoria e controlo, relativamente à necessidade legal de cooperar com o CPC, nomeadamente de efetuar a comunicação destes elementos. O estudo realizado pelo CPC em 2018 sobre as comunicações daquela natureza recebidas até então permitiu identificar um conjunto de fragilidades e fatores de risco na gestão pública que parecem estar tendencialmente associados à ocorrência de atos de corrupção e de outras infrações conexas na gestão pública. O quadro seguinte mostra os resultados dessa análise.

Os elementos apresentados evidenciam que o número de comunicações tem vindo a aumentar ao longo dos anos. Este elemento não corresponderá a um efetivo aumento do número de ocorrências nem de denúncias relativamente a esta tipologia de delitos e crimes. Com maior probabiliade, a evolução registada traduzirá essencialmente uma crescente divulgação e correspondente conhecimento, pelas entidades e organismos dos setores da justiça, de inspeção, de auditoria e controlo, relativamente à necessidade legal de cooperar com o CPC, nomeadamente de efetuar a comunicação destes elementos. O estudo realizado pelo CPC em 2018 sobre as comunicações daquela natureza recebidas até então permitiu identificar um conjunto de fragilidades e fatores de risco na gestão pública que parecem estar tendencialmente associados à ocorrência de atos de corrupção e de outras infrações conexas na gestão pública. O quadro seguinte mostra os resultados dessa análise.

FRAGILIDADE E FATORES DE CARATERIZAÇÃO DO RISCO IDENTIFICADOS

Fragilidade identificada Principais fatores de caraterização FRAGILIDADE E FATORES DE CARATERIZAÇÃO DO RISCO

IDENTIFICADOS Utilização indevida de passwords de outros funcionários para aceder de forma “encapotada” aos sistemas informáticos e Fragilidade identificada Principais fatores de caraterização aos elementos informativos que os integram Gestão dos acessos informáticos Utilização indevida de passwords de outros funcionários para aceder de forma “encapotada” aos sistemas Gestão dos acessos informáticos Inserção de alterações dos elementos informativos constantes dos sistemas informáticos, incluindo registos contabilísticos e de valores cobrados Acesso a informação reservada e partilha indevida e ilícita com terceiros

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Fragilidade identificada Principais fatores de caraterização

Acumulação de funções e conflitos de interesses Acumulação de funções privadas com funções públicas com prejuízo destas, por referência a situações de conflitos de interesses Conflito entre interesse público e interesses particulares dos funcionários e/ou de terceiros

Controlo deficiente do exercício de poderes públicos delegados

Exercício de poderes discricionários Exercício deficiente do controlo pelos serviços públicos competentes sobre as atividades de interesse público delegadas pelo Estado a entidades com um caráter privado

Ausência da necessária ação e decisão administrativa em troca de subornos Decisão administrativa distinta da adequada motivada por subornos Controlo deficiente sobre o exercício de funções públicas de decisão individual imediata

Gestão e manuseamento de verbas

Gestão de bens financeiros e materiais dos serviços

Indefinição de critérios, normativos e / ou técnicos, nos cadernos de encargos na contratação pública

Indefinição de critérios para atribuição de apoios e/ ou subsídios sobretudo financeiros Controlo deficiente do exercício de funções e tarefas de cobrança e registo de valores Registo dos valores cobrados inferiores aos reais

Controlo deficiente no acondicionamento de valores monetários e bens materiais dos serviços ou à sua guarda Controlo deficiente no acondicionamento e utilização de bens e equipamentos dos serviços ou à sua guarda

Indefinição ou menor rigor e clareza de critérios e / ou de objetividade e transparência nos procedimentos de contratação pública

Indefinição ou menor rigor e clareza de critérios e / ou de objetividade e transparência nos procedimentos de concessão apoios, benefícios e subsídios públicos

Fonte: CPC, estudo Prevenção da Corrupção na Gestão Pública, mapeamento de áreas e fatores de risco, 2018

Os elementos indicados no quadro permitem perceber que as fragilidades parecem estar sobretudo associadas à utilização das novas tecnologias, aos conflitos de interesses, ao controlo deficiente e ineficaz sobre o exercício de funções públicas, bem como sobre a gestão financeira e material dos serviços, e ainda nas áreas da contratação pública.

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Importa acrescentar ainda que a atividade do CPC compreende exclusivamente a prevenção da corrupção, que se faz sobretudo a partir do conhecimento e da análise dos elementos informativos referidos anteriormente, bem como através de outras informações a que acede através da realização de entrevistas a informantes qualificados, designadamente a altos dirigentes em exercício de funções de gestão pública e também a outros detentores de conhecimentos específicos sobre riscos na gestão pública e seu controlo e prevenção. A ação do CPC tem-se desenvolvido essencialmente em torno de dois grandes eixos:

– Um mais relacionado com a prevenção de riscos associados à gestão pública e cuja concretização tem sido realizada particularmente através da produção e divulgação de recomendações destinadas às entidades do setor público e aos seus órgaõs de gestão.

– E um segundo, uma aposta mais de fundo no âmbito da educação para a cidadania, que tem sido dinamizado com os alunos do ensino básico e secundário e, mais recentemente, também com o nível universitário.

Neste âmbito cabe destacar, no ensino básico e secundário, os projetos

Imagens Contra a Corrupção e Mais Vale Prevenir, e, no ensino universitário, o Prémio CPC-Ciência.

Veremos de seguida os principais elementos relativos a cada uma destas vertentes da ação do CPC.

2. As recomendações do CPC como impulsos de prevenção de riscos

Como se referiu anteriormente, a ação do CPC na procura das melhores soluções relativamente à prevenção da corrupção e das infrações conexas e também na promoção de maiores índices de integridade nas entidades do setor público traduz-se na produção e divulgação de Recomendaçõaes. Desde que foi criado, o CPC produziu já um conjunto de Recomendações relativas a diversas vertentes da gestão pública e da prevenção de riscos. O quadro seguinte identifica essas Recomendações, com uma breve indicação do propósito de cada uma delas.

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RECOMENDAÇÕES EMITIDAS PELO CPC

Recomendação

Planos de Gestão de riscos de corrupção e infracções conexas

Recomendação do CPC de 1 de julho de 2009

Publicidade dos Planos de Prevenção de riscos de corrupção e infracções conexas

Recomendação do CPC de 7 de abril de 2010

Planos de prevenção de riscos na área tributária

Recomendação do CPC de 6 de julho de 2011

Prevenção de riscos associados aos processos de privatizações

Recomendação do CPC de 14 de setembro de 2011

Gestão de conflitos de interesse no setor público

Recomendação do CPC de 7 de novembro de 2012

Breve súmula

Necessidade de aas entidades do setor público deverem produzir a sua carte de Integridade.

Ncessidade de as entidades do setor público publicitarem nos seus sites os seus planos de prevenção

Reforço da atuação e de meios de controlo e da Auditoria Interna na área tributária

Necessidade de as estrtuturas que dinamizam processos de privatização terem também de produzir instrumentos de prevenção de riscos para a sua atividade

Reconhecimento de que os conflitos de interesses são o principal problema associado à corrupção. Reforça o sentido e a aplicabilidade das normas já existentes em Portugal relativamente aos conflitos de interesses

Prevenção de riscos de corrupção na contratação pública

Recomendação do CPC de 7 de janeiro de 2015

Planos de Prevenção de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas

Recomendação do CPC de 1 de julho de 2015

Combate ao Branqueamento de Capitais

Recomendação do CPC de 1 de julho de 2015

Permeabilidade da Lei a riscos de fraude, corrupção e infrações conexas

Recomendação do CPC de 4 de maio de 2017 Reforço das medidas de prevenção e gestão de riscos no âmbito dos procedimentos de contratação pública

Reforço, aprofundamento e alargamento dos planos de praevenção de rirsocs de corrupção e infraões conexas nas organizações do setor público

Reforço das medidas fiscalizadoras sobre o cumprimento das obrigações normativas relativas às comunicações suspeitas por entidades financeiras e não financeiras

Os órgãos com poder legislativo devem assegurar que as suas iniciativas ponderem e assegurem a justificação sobre os riscos de fraude, de corrupção e de conflito de interesses

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RECOMENDAÇÕES EMITIDAS PELO CPC

Prevenção de riscos de corrupção na contratação pública

Recomendação do CPC de 2 de outubro de 2019 Reforçar o quadro de medidas de gestão e prevenção de riscos nos termos das alterações inseridas ao Código dos Contratos Públicos, designadamente através de um planeamento mais eficaz, de melhor formação técnica dos colaboradores, de mecanismos de controlo mais eficientes e de controlo sobre as situações de conflitos de interesses

Fonte: Conselho de Prevenção da Corrupção / Recomendações

De acordo com o quadro anterior, verifica-se que as Recomendações do CPC se têm destinado a diversos âmbitos da gestão pública. De entre elas, caberá destacar, com alguma naturalidade, as recomendações relativas à prevenção de riscos de corupção e infrações conexas nas entidades do setor público. Na sequência da divulgação destas recomendações, importa dar nota do número e tipologia de entidade que já procedeu à produção e adoção dos seus próprios planos de prevenção de riscos de corrupção e infraçoes conexas. O quadro seguinte permite perceber, relativamente a cada ano, o número e sobretudo o perfil de entidades que procederam já á elaboração dos seus planos desta natureza.

Número e tipologia de entidades que elaboraram planos de prevenção de riscos desde 2009

Tipologia de Administração ANO

2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 TOTAL

Administração Central (direta e indireta) 227 229 37 13 13 15 11 12 18 16 11 602

Municípios e outras entidades municipais 224 149 14 6 5 5 10 2 1 3 0 419

Juntas e Uniões de Freguesias 1 4 7 15 2 3 3 0 0 4 0 39

GR Açores 21 25 1 1 0 0 1 5 20 56 3 133

GR Madeira 27 22 2 1 4 0 4 16 2 3 3 84

TOTAL 500 429 61 36 24 23 29 35 41 82 17 1277

GR Açores 21 25 1 1 0 0 1 5 20 56 3 133 GR Madeira 27 22 2 1 4 0 4 16 2 3 3 84

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TOTAL 500 429 61 36 24 23 29 35 41 82 17 1277

Administração Central (direta e indireta) Municípios e outras entidades municipais Juntas e Uniões de Freguesias GR Açores

GR Madeira

Fonte: Conselho de Prevenção da Corrupção / Planos de Prevenção Fonte: Conselho de Prevenção da Corrupção / Planos de Prevenção

Os dados apresentados no quadro anterior e correspondente gráfico evolutivo mostram que os anos de 2009 e 2010 (em coincidência com os primeiros anos de existência e de

Os dados apresentados no quadro anterior e correspondente gráfico evolutivo mostram que os anos de 2009 e 2010 (em coincidência com os primeiros anos de existência e de ação do CPC e quando esta entidade produziu as suas Recomendações fundadoras da importância e da necessidade da existência de planos de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas) foram aqueles em que que mais entidades procederam à feitura e apresentação de planos de 58 prevenção de riscos desta natureza. Um total de 929 entidades elaborou e apresentou os seus planos nestes dois anos. Esse não pode deixar de ser lido como um sinal positivo de adesão imediata de grande parte das entidades do setor público. Por outro lado, verificamos que as tipologias de entidades que em maior número apresentaram planos de prevenção de riscos apresentam o perfil de entidades da Administração Central (direta e indireta) bem como os municípios e outras entidades muncipais, como sejam empresas muncipais e associações regionais de municípios.

3. Os instrumentos de gestão da ética e de promoção da integridade no serviço público

O modelo de gestão e prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas nas entidades do setor público e também de promoção da qualidade do serviço público que o CPC tem proposto nas ações de formação e sensibilização que tem dinamizado traduz, no essencial, um conjunto integrado e encadeado de instrumentos de gestão desenvolvidos em trono da ética, da integridade e das boas práticas. Este modelo assenta no conjunto de valores éticos que cada entidade assume como seus e que, por essa razão, pretende ver traduzidos em permanência, em toda a sua ação e por todos os níveis da estrutura hierárquica.

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A partir desse conjunto basilar de valores deve desenvolver os demais instrumentos de gestão. Deste ponto de vista, a ética, sobretudo esse conjunto fundamental de valores assumidos, configura-se ao mesmo tempo como um ponto de partida – uma espécie de aspiração organizacional que se assume – e um ponto de chegada – uma concretização que se pretende ver alcançada em cada tarefa que é realizada. E partindo deste ponto, que é ao mesmo tempo um projeto e uma concretização de intenções, a gestão de riscos e promoção da qualidade no serviço público pode fazer-se de modo encadeado com os instrumentos que se indicam: – A carta Ética, documento escrito e divulgado interna e externamente pelos serviços (explicado aos colaboradores e divulgado aos cidadãos e à sociedade), no qual a organização assume, de modo vinculado, qual é o quadro de valores que associa à sua ação, ao exercício das suas funções, de modo a que ninguém, nem os colaboradores, nem os cidadãos, tenha dúvidas quanto à sua existência e ao sentido coerente desse quadro de expectativas, bem como quanto à necessidade imperiosa de ele ser concretizado; – Existência de um quadro legal e normativo claro, que estabelece e configura a função e a ação de cada entidade do setor público e que deriva fundamentalmente da conjugação de diplomas legais com as normas internas de cada organização. Neste sentido, pode considerar-se que, ao definir as funções próprias de cada entidade, ou seja a razão de ser da sua existência para a satisfação dos direitos naturais do cidadão, este plano legal e normativo estabelece o quadro de expectativas sociais sobre a que deve ser a ação de cada entidade da administração pública. As leis e as normas estabelecem a função de cada entidade da Administração Pública no contexto da Governação Pública e da salvaguarda do interesse geral; – Existência de códigos de conduta, através dos quais as entidades devem reforçar o grau de consciencialização de todos os seus funcionários e ou colaboradores relativamente aos modos mais adequados de traduzirem nas suas condutas os valores organizacionais assumidos na carta ética, referida anteriormente. A natural articulação destes dois instrumentos, traduzida em códigos de ética e de conduta, deve promover e aprofundar a existência de uma cultura organizacional tendencialmente envolta em maiores e mais fortes índices de íntegridade e conscientemente preocupada e envolvida com a boa gestão pública e com a sinalização, prevenção e resolução destes riscos; – Criação e adoção de manuais de boas práticas administrativas relativamente a cada departamento da estrutura orgânica dos serviços e para cada tipologia de procedimento administrativo, de modo a que se

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estabeleçam e sedimentem os critérios mais adequados para a execução e aplicação das leis e das normas (gerais e abstratas por natureza) relativamente à resolução adequada das situações concretas a que se destinam e que delas careçam; – Instrumentos de identificação e gestão de áreas de risco, sobretudo de riscos de ocorrência de práticas fraudulentas e de corrupção. De possíveis práticas que se afastem dos valores, das leis, das normas, das condutas, das boas práticas, ou seja das expectactivas, tanto numa dimensão interna (o ponto de vista da gestão pública) como numa dimensão externa (o ponto de vista do cidadão), e que por essa forma possam fazer perigar todo o pressuposto do que deve ser a gestão do

Estado. Os atos de fraude e corrupção traduzem a ausência de integridade e o desvirtuar do que deve ser o natural sentido do serviço público. É um logro sobre o pressuposto da salvaguarda do interesse geral. É, em suma, um conflito de interesses na medida em que o autor deste tipo de factos toma estas opções precisamente por fazer prevalecer o seu interesse particular sobre o interesse geral que, de modo imperativo, deveria assegurar e garantir. Neste conjunto de documentos de gestão de riscos encontramos os planos de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas recomendados pelo CPC

Estes instrumentos devem permitir a identificação de riscos concretos relativamente a cada função exercida, propondo e adotando as correspondentes e necessárias medidas de controlo destinadas a afastar esses riscos. A efetividade da execução das medidas de prevenção adotadas nos planos de prevenção de riscos e a sua eficácia deve ser assegurada através da realização de relatórios anuais de execução.

4. Confltos de interesses, fraude e corrupção

Os atos de fraude e de corrupção decorrem de contextos em que os interesses particulares daqueles que os praticam se sobrepõem e contrariam, de modo deliberado e consciente, o interesse público ou interesse geral. Sempre que o interesse geral concorra, em situação de conflito direto, com o interesse particular, a corrupção será a resultante de decisões que contrariam e subjugam o interesse geral, o qual por princípio e pressuposto deveria ser sempre superiormente salvaguardado e garantido. Com a opção pela prática de atos de natureza corrupta, o interesse geral é desrespeitado e negado para dar lugar à satisfação de interesses particulares, ou seja dos interesses próprios daqueles que estão directamente envolvidos nesses atos, e que os praticam na qualidade de funcionários ou de servidores públicos, no âmbito de procedimentos de governação e gestão pública e do interesse público.

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Os atos corruptos contrariam as normas e expectativas que deveriam ser asseguradas em tais circunstâncias – a salvaguarda do superior interesse geral – provocando danos de diversa ordem na gestão dos bens, património e valores públicos e contribuindo para o enfraquecimento dos índices de confiança e de coesão social.

5. Caraterização e dimensão do fenómeno da corrupção

Pela sua natureza, tendencialmente oculta, a fraude e a corrupção na gestão pública são fenómenos que tendem a apresentar uma dimensão considerável de cifras negras. Contrariamente a outros tipos legais de crime, como por exemplo o homicídio ou mesmo o furto, que com alguma probabilidade ocorrem na presença de testemunhas, os factos que consubstanciam os crimes do tipo da corrupção ocorrem em contextos reservados, afastados de possíveis testemunhas, a coberto de olhares e ouvidos indesejados. Estamos em presença do denominado crime de gabinete. Desde logo porque as práticas de corrupção decorrem de acordos secretos estabelecidos entre os interessados em encontros realizados em espaços fechados ou mesmo durante uma refeição à mesa de um restaurante, onde só está quem tem de estar e mais ninguém. Estas características associadas ao facto de as transacções monetárias que em regra lhe estão associadas se processam em dinheiro vivo (sobretudo no caso da corrupção administrativa), ou através dos circuitos financeiros internacionais, com recurso aos paraísos fiscais, que permitem dissimular mais facilmente a identificação dessas transacções e as denominadas zonas off-shore (mais para a corrupção política), acabam por facilitar a ocultação destes delitos. Por isso é de certa forma muito natural que estejamos em presença de um tipo de delito que apresente uma considerável dimensão de cifras negras. Uma grande parte das ocorrências acaba por não suscitar qualquer suspeição e, por isso, dificilmente dará origem a qualquer procedimento, pelo que jamais será esclarecida e os seus autores não virão a ser nunca objecto de qualquer punição. Deste ponto de vista, cada prática de crime bem conseguida, no sentido de se manter oculta e não punida, traduz para os seus autores a confirmação da percepção de uma certa impunidade. Por isso, não será difícil percebermos que, para os autores destes crimes, o processo de aceitação de novas práticas da mesma natureza vai ficando potencialmente mais facilitado à medida que a certeza de impunidade vai aumentando. O sentimento de impunidade vai dando lugar a uma certa certeza de impunidade. Porém e apesar do que se referiu, existem procedimentos criminais, alguns deles com acusações e mesmo aplicação de sanções.

Corrupção. Atas das Conferências Internacionais. p.051 - p.065

Os próximos dois quadros mostram a dimensão que se conhece do problema em Portugal. Os números apresentados são os que constam dos registos das estatísticas oficiais da justiça e referem-se, no primeiro quadro, a todos os crimes que podem ser cometidos por quem exerce funções públicas e, no segundo, apenas aos crimes de corrupção.

Estatísticas oficiais para todos os tipos de crime praticados em funções públicas Ano Processos Iniciados Julgados Arguidos Julgados Condenados

2007 224 175 250 144 2008 195 191 360 214 2009 160 173 345 187 2010 172 167 331 160 2011 177 155 294 152 2012 143 151 257 163 2013 166 147 297 180 2014 194 137 214 167 2015 168 158 310 153 2016 178 130 245 150 2017 202 152 348 234 2018 189 118 261 165

MÉDIAS 181 155 (86%) 293 172 (59%)

Fonte: estatísticas oficiais da justiça.

Estatísticas oficiais só para o crime de corrupção ANO Processos Iniciados Julgados Arguidos Julgados Condenados

2007 122 53 79 48 2008 103 55 99 58 2009 62 42 132 63 2010 51 64 167 73 2011 65 43 130 49 2012 52 46 87 51 2013 58 37 115 54 2014 82 31 68 45 2015 73 31 144 35 2016 69 36 88 65 2017 84 37 171 112 2018 71 26 111 73

MÉDIAS 74 42 (57%) 116 61 (53%)

Fonte: estatísticas oficiais da justiça.

A prevenção da Corrupção em Portugal – a ação do Conselho de Prevenção da Corrupção António João Maia

Os números apresentados no quadros traduzem efetivamente um dimensão conhecida muito pequena relativamente a este tipo de crimes, Por outro lado, os elementos revelam igualmente e, contrariamente às expectativas, taxas que podem considerar-se relatidamente positivas quanto ao julgamento e à aplicaçã de penalizações.

6. Os tipos de crimes associados à gestão pública

Quanto às tipologias de crimes que consubstanciam as noções de fraude, corrupção e infrações conexas na gestão pública, será admissível fazer uma segmentação entre os que podemos denominar como crimes da família da corrupção e os crimes da família do peculato. Os primeiros traduzem práticas inadequadas, derivadas de relações incorrectas, porque interessadas (como se referiu anterioirmente a propósito da questão dos conflitos de interesses), que se estabelecem entre o funcionário da administração e o cidadão (utente do serviço público) que tem um interesse, na maioria das vezes legitimo, junto da Administração. Trata-se de uma tipologia de atuação que deriva da relação entre público e privado. Entre o servidor público, que tem o pressuposto fundamental de assegurar o interesse geral, e o cidadão ou utente dos serviços, que tem um interesse particular junto da administração pública. Consideramos que os tipos de crime que integram a família da corrupção são a corrupção passiva para ato ilícito; a corrupção passiva para ato lícito; a corrupção ativa; o tráfico de influência; a participação económica em negócio; a violação de segredo por funcionário; e a violação de domicílio por funcionário, todos previstos no Código Penal. Os segundos traduzem práticas inadequadas associadas à apropriação ou à simples utilização abusiva, em favor do interesse particular do funcionário ou de terceiros, de bens, valores e património públicos, pertencentes aos serviços e acessíveis em razão das funções desempenhadas, como é o exemplo simples do funcionário que tem a função de cobrar taxas moderadoras e ao final do dia de trabalho se apodera de uma parte ou mesmo da totalidade das verbas cobradas. Podemos considerar que os tipos de crime que integram a família do peculato são o peculato; o peculato de uso; a concussão; o abuso de poder; o abandono de funções; o emprego da força pública contra a execução da lei ou de ordem legítima; a recusa de cooperação e a violação de segredo de correspondência ou de telecomunicações, os quais se encintram igualmente previstos no Código Penal.

7. Os projetos no âmbito da educação para a cidadania

A finalizar, uma breve referência aos projetos que o CPC tem desenvolvido no âmbito da educação para a cidadania.

Corrupção. Atas das Conferências Internacionais. p.051 - p.065

Estes projetos, que são essencialmente de três âmbitos, têm sido desenvolvidos em parceria com entidades do Ministério da Educação, incluindo com a rede de escolas e agrupamentos escolares e também com as universidades. Em colaboração com as escolas e os agrupamentos escolares são desenvolvidos os projetos Imagens Contra a Corrupção e Mais Vale Prevenir, no âmbito dos quais, com apoio do CPC, incluindo através da criação e partilha de um conjunto de Cadernos de Apoio, que foram produzidos com o propósito de ajudar a perceber os conceitos associados à problemática da corrupção, os alunos e toda a comunidade escolar, desde professores, auxiliares e encarregados de educação, são estimulados a trabalharem o tema em grupo, para depois produzirem um pequeno ou curto trabalho que apresentam a concurso. Os trabalhos premiados são distinguidos com um diploma e ficam disponíveis em exposição no sítio do CPC. O projeto Mais Vale Prevenir apresenta um âmbito um pouco mais aprofundado, que implica a dinamizaçãi de sessões formativas pelo CPC junto das escolas que nele se envolvem e que, para lá da feitura de um trabalho final, implica igualmente que as escolas envolvidas no projeto dinamizem instrumentos e medidas de prevenção de riscos de fraude e corrupção no âmbito da sua ação. E o Prémio CPC-Ciência, que se iniciou em 2017, visa estimular o conhecimento do fenómeno corruptivo, nomeadamente nos dominios da ética, da integridade, da transparência e da gestão de risco. A título meramente ilustrativo deixa-se um dos cartazes distinguidos na edição anterior do concurso Imagens Contra a Corrupção.

Referências bibliográficas e sítios da internet consultados:

– Código Penal – Conselho de Prevenção da Corrupção – http://www.cpc.tcontas.pt/ – Conselho de Prevenção da Corrupção – estudo Prevenção da Corrupção na Gestão Pública, mapeamento de áreas e fatores de risco, 2018 – Estatísticas oficiais da justiça – https://estatisticas.justica.gov.pt/sites/ siej/pt-pt – Lei de criação e organização do Conselho de Prevenção da Corrupção – Lei n.º 54/2008, de 4 de Setembro

A prevenção da Corrupção em Portugal – a ação do Conselho de Prevenção da Corrupção António João Maia

Trabalho premiado na edição 2018/2019 do Concurso Imagens Contra a Corrupção

Trabalho realizado por Catarina Milheiro, do 11º Ano, Turma E, da Escola Secundária de Santa Comba Dão, na edição do concurso Imagens Contra a Corrupção do ano 2018/2019.