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Todas as coisas perdem as vírgulas que as separam

A poesia é identificada e reconhecida pela característica da musicalidade ou, definindo melhor, pelo ritmo que apresenta. Essa noção, ou vocação, talvez, é em parte dada pelas rimas. Em linhas gerais, podemos definí-las como a semelhança sonora entre palavras, não sendo necessária a mesma ortografia, antes, porém, a fonética. As rimas podem se organizar de acordo com um número variado de arranjos e combinações. Quando externas, podem vir organizadas em pares ou alternadamente, podem se combinar entre versos que estão nos polos da estrofe. Podem ainda se organizar de modo a rimarem palavras que sejam da mesma classe gramatical (rimas ricas) ou de classes gramaticais diferentes (rimas pobres). Existe a possibilidade de fazer com que as palavras que estão sendo rimadas sejam organizadas de modo a terem a mesma sílaba tônica. Quase infinito o número de arranjos possíveis, mas seria tal afirmação. Essas combinações apresentam alternativas a serem exploradas no poema, na sonoridade e na forma também.

Gostaríamos de destacar que a musicalidade pode abranger um espectro muito maior que podemos prever, que o ritmo pode se expandir no tempo e no espaço, que é também fruto do jogo entre fundo e figura, ou seja, entre silêncio e som, entre a distribuição que fazemos das palavras e sílabas no tempo, da combinação entre velocidade, aceleração e entonações. Tudo isso faz parte do jogo da sonoridade, da musicalidade do poema. O grande poeta Décio Pignatari, no livro O que é comunicação Poética (2006, p.30), incentiva aqueles de nós que desejam ou já se arriscam no exercício da poesia, a utilizar a sensibilidade do ouvir, sentir a pulsação, ler os poemas em voz alta. Essa leitura proporciona exercitar e brincar com a noção de ritmo, acelerar e desacelerar, fazer novos pontos de inflexão no texto, ou seja, onde queremos dar maior ênfase, quais palavras desejamos destacar. Aprendemos a modular a própria voz, ouví-la, descobrir como soam nossos versos, como é nossa voz. Um processo de afirmação de nossa prática poética. Neste intercâmbio entre a escrita e leitura, quando retornamos ao papel dando continuidade ao trabalho de construção do poema – reescrever, revisar, cortar; o efeito da audição ajudará a encontrar e fazer ajustes para que encontremos o ritmo do poema.

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A Língua Portuguesa apresenta uma sílaba tônica em todas as palavras e outras sílabas mais fracas que chamamos de átonas, podemos assim então pensá-las em termos de graves e agudas. Prestar atenção a essa alternância entre sílabas e entre as palavras como um todo, nos ajudará a dar ritmo ao poema, encontrar certa melodia. Gosto de aproximar o exercício da escrita com o da música. Tenho por hábito escrever ouvindo música instrumental, de modo, que, além de não ser influenciado pela em si letra, tento de alguma forma colocar em palavras as imagens e o clima que a música sugere. Não é exatamente uma tradução, mas como se fosse uma trilha a acompanhar a escrita e igualmente uma inspiração. Em outros momentos procuro observar o ritmo da música, sem com isso tentar encaixá-la como se fosse a letra da música.

Por fim, outra atividade que me agrada muito, pois prazerosa, faz parte do meu dia a dia, é, sim, prestar atenção às letras das músicas. Existe um extenso debate sobre poesia e letra de canções, suas relações, semelhanças e diferenças. Penso que, apesar do quase parentesco (há músicas que eu mesmo cantarolo e digo: isso é uma poesia!), cada uma delas possui suas especificidades. Vale o registro que muitos poetas brasileiros escreveram letras maravilhosas da nossa MPB como Waly Salomão, Antônio Cícero, Paulo Lemnski, entre outros. De igual maneira, possuímos cantores/letristas de excelência como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Jorge Mautner, Chico Buarque. Ouvir música, prestar atenção às letras, criativamente pode ser muito rico, em mim teve grande influência. Aqui transcrevo umas das letras que mais amo:

Na frente do cortejo O meu beijo Forte como o aço Meu abraço

Lágrimas Negras - Jorge Mautner e Nelson Jacobina