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A poesia é um atentado Celeste

A poesia é uma linguagem que inventa a si mesma pela mão do poeta, pelos olhos que entram em contato com o mundo, fundando novos modelos de sensibilidade, alargando nossa dimensão reflexiva. Uma parte, aliás, boa parte, da prática poética se trata de escrever e reescrever.

Considero fundamental a leitura de poesia, assim como para os músicos é essencial o aprendizado através do exercício de outras músicas. Entrar em contato com a obra de autores de diferentes estilos, diferentes períodos históricos, amplia nossa visão do que é a poesia e de como ela pode ser. Sem medo da influência que possam exercer em nós, no sentido de nos impregnarmos em excesso, cercamo-nos da companhia de poetas de todos os lugares do mundo, do passado distante e nossos contemporâneos.

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Escrever os primeiros impulsos e vestígios do poema é uma das partes mais prazerosas do processo, espécie de inquietação, tremor no alto da cabeça, geralmente é uma imagem ou palavra que surge, motivada pela observação de algo que se move no fundo de nós mesmos, como um peixe em um lago. Às vezes fecho os olhos para vê-lo melhor.

Há algo que ocorre muito quando iniciamos a escrever é estabelecer uma espécie de censura ou compulsão a já corrigir o que está sendo feito, cortando assim o fluxo criativo. Escreva o tanto que puder, o quanto quiser - esse ainda não é o momento de montar o quebra-cabeça poético, de aparar versos e pensar na sonoridade. É o momento do jorro das palavras e imagens.

A poesia é um atentado celeste

Eu estou ausente porém no fundo desta ausência Existe a espera de mim mesmo E esta espera é outro modo de presença À espera de meu retorno Eu estou em outros objetos Ando em viagem dando um pouco de minha vida A certas árvores e a certas pedras Que me esperaram muitos anos

Cansaram-se de esperar-me e sentaram-se

Eu não estou e estou Estou ausente e estou presente em estado de espera Eles queriam minha linguagem para expressar-se E eu queria a deles para expressá-los Eis aqui o equívoco o atroz equívoco Angustioso lamentável Vou-me adentrando nestas plantas Vou deixando minhas roupas Vou perdendo as carnes E meu esqueleto vai-se revestindo de cascas Estou-me fazendo árvore Quantas vezes me converti em outras coisas… É doloroso e cheio de ternura Podia dar um grito porém a transubstanciação se espantaria Há que guardar silêncio. Esperar em silêncio

[Vicente Huidobro. Tradução: Waly Salomão. Do livro: Pescados Vivos]