A Última Quimera, uma necrofagia teatral

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Depois da morte, inda teremos filhos!


Obituário Óbito ... [02] Cia. Les Commediens Tropicales ... [04] Necrologia ... [07] Necropsia Carlos Canhameiro ... [09] Daniel Gonzalez ... [10] Débora Monteiro ... [12] Mariza Junqueira ... [13] Paula Mirhan ... [15] Weber Fonseca ... [17] Medicina Legal ... [19] Georgette Fadel ... [20] Verônica Fabrini ... [21] Réquiem ... [23] Necromântico ... [25]

Últimas Palavras ... [30] Necroscopia ... [31] Epitáfio ... [32] Necrografismo ... [34] Iconografia ... [37] ... [40] ... [44] ... [48] Frankenstein ... [38] Coveiros ... [41] Paranética ... [45] Duelo ... [49] Exumação de Corpos ... [52] Terror e Miséria no III Reich ... [53] Galvez Imperador do Acre ... [54] CHALAÇA a peça ... [55] A Morte da Personagem ... [56] Túmulo ... [57] Expediente ... [58]


Primeiras Palavras REINVENTAR! É a palavra de ordem! Neste caso, é interessante reter a atenção, no campo teatral, à “Cia. Les Commediens Tropicales" que, com inteligência, irreverência e provocação, nos livra do populismo cultural barato e do recorrente "gostinho de déjà vu amanhecido" de programações. No seu repertório encontramos personagens e fatos de nosso passado que, com refinado bom humor, foram selecionados para serem reintegrados (reencarnados?) aos nossos dias. Com apoio cultural aprovado pelo extinto Conselho de Arte da Associação Paulista dos Amigos da Arte, o atual projeto "A Última Quimera" tem alguns aspectos de seu processo de criação (reinvenções) apresentados nas páginas seguintes. Resta-nos convidar a todos para a reestréia desta reunião. Re existam! Walmir Zanotti como diretor do TSC


Óbito “Ocupar. Enterrar-se no andar e dialogar com os mortos. Resgatar Augusto, aquele, dos Anjos. Trazer com ele todos que fizeram uma época: Raúl Pompéia, Olavo Bilac, José do Patrocínio, Raimundo Correia entre outros, e a própria época: a República Proclamada, Revoltas da Armada, Revolta da Vacina, Revolta da Chibata e todos os cadáveres desses anos entre-séculos. Seguindo o vaticínio de Heiner Müller: 'Precisamos desenterrar os mortos, mais e mais, porque só deles podemos receber o futuro.' A morte como princípio da vida. O enterramento como casulo. A necrofagia como banquete. O teatro como caixão-mesa-lápide-heaven.” Esse caderno-revista-compêndio (as nomenclaturas estão definitivamente esgotadas) que agora está em suas mãos, fazia parte do projeto. Lá atrás, dizíamos o seguinte: Necrofagia teatral. O nome-conceito surgiu numa das inúmeras reuniões (a maior invenção do homem quando não se tem o que fazer ou não se sabe o que fazer) da Cia. Les Commediens Tropicales. Queríamos ir além do diálogo com os mortos proposto por Heiner Müller. Queríamos o saber pelo sabor das carnes podres! Um horror, evidentemente. Porém, um horror necessário. O Sesc nos ofereceu, como uma primeira opção, a ocupação de um de seus andares na Unidade Provisória Av. Paulista. E começamos assim:

“O Obituário - Caderno Processo será um registro impresso de todo o processo programado nesta Necrofagia Teatral. Longe de ser apenas uma transcrição literária dos procedimentos e atividades envolvendo o projeto, o caderno pretende ser um espaço de reflexão sobre a própria pesquisa e suas derivações. Um espaço de exposição de idéias. Um caderno de apontamentos que cumprirá fator determinante no registro textual e visual da pesquisa desenvolvida pela Cia. LCT.”


Desculpem desapontá-los. Esse caderno-revistaetc!, não é a concretização do objetivo ao lado. A começar pelo nome (volte na capa e veja a nada sutil diferença!) e a terminar por todo o seu bojo. Nem o projeto deu-se como supúnhamos nas reuniões. O ideal e o real estabeleceram, mais uma vez, um abismo entre si. O que fizemos então? Colocamos nestas páginas reflexões, inquietações, desabafos, provocações, bobagens, imagens, etc e tal, tanto de cunho absolutamente pessoal quanto coletivo do que vivemos (ou morremos) durante um ano de processo. Essas páginas são reflexos (editados!) das etapas da construção de um espetáculo teatral. Não sabemos se irá cumprir um fator determinante na memória da Cia. LCT (permita-nos a abreviação!), entretanto, cumpre o desejo de compartilhar os meandros de uma necrofagia muito além da teatral. Ah, mas por que eu devo ler esse troço? – Provavelmente seja uma pergunta legítima que passe pela sua cabeça neste exato momento. Não temos uma resposta objetiva. Apenas e tão somente (!) o desejo de tornar público – e nesse sentido, de compartilhar – vivências e experiências que fizeram um espetáculo sair do campo ideal e ganhar vida no campo real e imaginário. Real para aqueles que participaram e ainda participam de sua feitura e, imaginário para todos que contemplam o “resultado” dessa participação.

Óbito Não ocupamos o Sesc. Apenas fizemos uma temporada por aquelas bandas. Ocupamos sim, o Teatro Sérgo Cardoso, que nos recebeu com portas abertas e permitiu enterrar-nos numa Marcenaria desativada. E, esse caderno-(!) vem à luz pelos esforços da APAA e, conseqüentemente, de seus funcionários: parceiros e amigos nessa descida à mansão dos mortos e do registro do que lá vimos (com os olhos que a terra há de comer!). Leia como quiser. Na ordem que quiser. Quando quiser. Devore-nos. Boa refeição!


Cia. Les Commediens Tropicales Hoje. Quantos? Tempo! O que importa é passado... A Cia Les Commediens Tropicales começou em 2001. Ainda sem nome. Vinte e cinco pessoas selecionadas no vestibular da Unicamp para o curso de: Bacharel em Interpretação – Artes Cênicas. Vinte e cinco desconhecidos nutrindo em comum um único desejo: qual? Não podemos afirmar que exista desejo comum em quem entra numa faculdade pública. Não podemos cair nessa simplificação. Éramos vinte e cinco. Em 2003 ganhamos o nome. Roubamos, para ser mais exato, da imaginação do autor Márcio Souza. Ele escreveu Galvez Imperador do Acre. Ele fez uma das personagens do livro batizar: “Cia. Les Commdiens Tropicales”, uma Cia. de Ópera falida, reorganizada com cantoras e cocottes francesas, músicos e atores brasileiros. Um prenúncio? Um presságio? Uma premonição? Essa companhia está se rebatizando a cada ano. A cada momento. O nosso nome, em falso francês, carrega sua origem no colo: mistura de desejos e desejos misturados. [além do equador tudo é permitido] Em 2004 ganhamos história. Fizemos um pequeno milagre (!) ao conseguir juntar 30 atores e quilos e mais quilos de cenário para apresentar Terror e Miséria no III Reich no 13º Festival de Teatro de Curitiba, na mostra paralela (FRINGE). Ali a Cia. ganhava sua aparição fora das fronteiras universitárias. Nosso “batismo de fogo”, como sugerido por um crítico. Tudo efêmero e estranho. Jornalistas nos procurando. Entrevistas na TV. Uma possível temporada na cidade de São Paulo... Tudo muito macro. Muito mercado. E o possível tornou-se real. A Cia. fez sua primeira

temporada profissional. Em horários, dias e local pouco convencionais. E ainda 30 atores. Muitos emprestados de uma outra turma da Unicamp – aquilo que comumente se diz: “nossos bichos (ou bixos!)”. Éramos cinco estrelas! Após a empreitada, a falência. A grandiloqüencia sucumbia ao pequeno drama. A eterna tentativa de compreender tudo que foge ao seu entendimento e desejo. No mesmo 2004, éramos doze. Último ano nos braços da Universidade Pública. Galvez Imperador do Acre deveria surgir para coroar e ser coroado em nossa formatura. Emprestamos cinco atores de outras plagas. Ensaiamos. Ensaiamos. Ensaiamos muito. Encerramos o ano com apresentações obrigatórias para a Universidade. Estávamos formados. Quatro anos. Uma outra história. Em 2005 seguimos os passos do ano anterior. Festival de Teatro de Curitiba. FRINGE. Não fomos os melhores. Nem chegamos perto disso. Os cinco atores emprestados já não eram os mesmos. A estréia estava marcada no Centro Cultural São Paulo. Temporada num teatro com 324 lugares. O choque. A inexperiência. A transição. A única temporada. A realidade fora das fronteiras. Os desejos outros. A [in]evitável separação. Éramos seis.


Cia. Les Commediens Tropicales [era esse o povo que eu ia governar?] O desespero de continuar o trabalho. O convite feito às pressas a muitos amigos e amigas. Atores e atrizes. A dificuldade de enxergar o óbvio. Galvez Imperador do Acre havia perdido o poder. E, como no livro do Márcio Souza, restava-nos apenas a ânsia e o vômito. Reuniões esporádicas no apartamento. Café. Muito café. Continuar. O apego ao que não poderia existir mais. Um edital do Governo do Estado. Prêmio Estímulo Flávio Rangel. Em 2005. Tínhamos duas semanas. Como se faz um projeto para um edital? Para um “prêmio estímulo”? Busca frenética por um livro. Um romance brasileiro. Cômico. Folhetim. Picaresco. “O Chalaça”. José Roberto Torero. Projeto escrito. Assinaturas. Orçamento. Quem éramos? Como poderia dar certo? Havíamos chegado a pouco na cidade grande. Éramos tão pequenos. Não tínhamos nada. Então ganhamos. Cento e vinte e cinto MIL REAIS para fazer uma peça. [caracarambacaracaraô!] Em 2006 éramos nove. Duas atrizes e um ator fermentaram a criação de “CHALAÇA a peça”. Selecionados pelas amizades ou pelos currículos. Ensaios. Muitos. O mínimo de dignidade financeira. As pessoalidades amorosas colocando em risco a arte, ou talvez só o fazer artístico. Quem saberia? Meses de ensaio. A estréia no Sesc Santana. A estréia num SESC. A vitrine. A marca. A realização. Estávamos “dando certo”! A jovem Cia. de jovens atores... Uma temporada. Oito apresentações. O segundo livro em cena. Ainda mudanças. Agosto de 2006. Éramos oito. Setembro. Primeira substituição definitiva. Éramos sete e mais um ator emprestado.


Cia. Les Commediens Tropicales Novo projeto ainda em 2006. Lei de Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo. Entregamos aos trancos e barrancos. Três livros de uma mesma autora. Quatro diretores. Megalomania? Desejos? Inércia? Uma nova atriz convidada. Uma atriz grávida. “CHALAÇA a peça” se apresentando. O projeto recusado. Tem o SESI. Recusado. Tem o PAC (Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura). Recusado. Tem o Sesc. Quando? Final de 2006. Éramos sete. Sem dinheiro. Vontade? Começa. É 2007. Novo fomento. Nova recusa. Não temos nada. Sala de ensaio emprestada. Temos a APAA. Ensaios. Seis. Éramos. Cinco. Éramos. Quatro. OK! A Cia. Les Commediens Tropicales é, hoje, o que se propôs ontem: não saber exato o que se é. “A Última Quimera” nasceu depois de gestação conturbada. Terceiro livro em cena. Vamos partir para o quarto. Tem que ser livro? Não! Quantos somos? Não importa. O teatro é mais do que os números de integrantes. Desejos e/ou vontades vão e vem. O teatro fica. Números, nomes, pesquisa, linha, objetivos: do que precisamos para fazer o que queremos fazer? Quais os nossos grandes feitos? Somos um grupo. Parceiros vão e vem. Uns ficam. Outros passam. Outros saem. Outros nem sequer ouviram falar de nós. Nosso porto é São Paulo. Mas nosso barco navega para qualquer lugar onde os ventos são favoráveis. [soprem]


Necrologia

"É preciso começar a perder a memória, ainda que se trate de fragmentos desta, para perceber que é esta memória que faz toda a nossa vida." - Buñuel [2006] Junho Estréia CHALAÇA a peça. Novo projeto. Qual? Fomento. Desenvolvimento e escrita. 3 livros (Boca do Inferno, A Última Quimera e A Flor do Cerrado – todos da Ana Miranda). 4 diretores. (Antônio Januzelli, Georgette Fadel, Verônica Fabrini e Marcio Aurelio). Convidamos uma atriz: Mariza Junqueira, para fazer parte do novo projeto. Julho Brasil perde para a França. Esperar Fomento. Enviar projeto para o PAC. Montagem dA Última Quimera. Agosto 2ª Temporada CHALAÇA a peça. Teatro Alfa. Fomento não aprova nosso projeto. Setembro 3ª Temporada CHALAÇA a peça. Tusp. Esperar resultado do PAC. Enviar projeto para o SESI. Montagem dA Última Quimera. 1ª Reunião para apresentação do Projeto “Necrofagia Teatral” no Sesc Av. Paulista. Outubro Não há registros ou memória sobre atividades que mereçam destaque neste mês. Talvez mais algumas reuniões com o Sesc.

Novembro Um ator sai da Cia. LCT: João Martins. 1ª Reunião com Verônica Fabrini. Jantar Árabe. Tarde da noite. Surge o TEMA da MORTE! Um ator entra na Cia. LCT: Fabrício Licursi. Dezembro 1º Reunião com Georgette Fadel. Café da manhã. Quase Natal. Horários caóticos para 2007! Férias. [2007] Janeiro 4ª Temporada CHALAÇA a peça. T. Sérgio Cardoso. Início dos ensaios no Teatro Sérgio Cardoso Entrega do Projeto “A Última Quimera, uma necrofagia teatral” para concorrer ao Fomento. Apresentação do Projeto no Teatro Sérgio Cardoso. Fevereiro Teatro Sérgio Cardoso aprova nosso projeto. Estréia prevista para julho.


Necrologia Ensaios no Teatro Sérgio Cardoso. Todos os dias, período da noite para tentar conciliar trabalho que dá dinheiro e fazer teatro que dá prazer! Março Outro ator sai da Cia. LCT: Fabrício Licursi. Ensaios no Teatro Sérgio Cardoso. Sempre na sala 11. Dificuldade de ensaiar com todos os atores pelo menos uma vez por semana. Abril O ator Gustavo Xella informa que não irá participar da estréia dA Última Quimera, devido a uma viagem para Itália, onde faria um curso de Biomecânica. Primeiro ensaio com Georgette Fadel. Caos! Uma atriz, Débora Monteiro, se afasta do processo de ensaios por motivos financeiros. P r i m e i ro e n s a i o co m Ve rô n i ca Fa b r i n i . Improvisação inicial agrada! Maio Adiamos a estréia para Agosto. Ensaios cada vez mais com cada vez menos integrantes. 5ª Temporada CHALAÇA a peça. T. Cacilda Becker. Segundo ensaio com Verônica Fabrini. Mão na massa! Junho Segundo e terceiro ensaio com Georgette Fadel. Vai ficar bom!? Ensaio para o Sesc. O ator: Fábio Basile, se acidenta e abandona o

espetáculo. Convidamos o ator: Weber Fonseca para substituir o Fábio. Ele topa! A atriz Débora Monteiro, retorna aos ensaios dA Última Quimera. O Sesc Avenida Paulista fecha temporada de 15 apresentações do espetáculo. Julho Primeira versão final do texto dA Última Quimera. Entrada no 12º Andar do Sesc Avenida Paulista. Confecção dos figurinos, luz, cenas, etc. Alguns vários nem tantos ensaios com Verônica Fabrini e Georgette Fadel. Primeiro e único encontro das duas provocadoras cênicas antes da estréia dA Última Quimera. Agosto Estréia dA Última Quimera no 12º Andar da Unidade Provisória Sesc Av. Paulista. Fechado acordo com o Teatro Sérgio Cardoso para reestréia na Marcenaria desativada, em outubro . Setembro A atriz: Michele Navarro substitui Mariza Junqueira no espetáculo. Adaptação da peça ao espaço e do espaço à peça. Ensaios na Marcenaria. Outubro O ator: Gustavo Xella retorna e comunica sua saída da Cia. LCT. Finalização do Caderno. Reestréia!?


Necropsia Inspire profundamente e suporte a idéia de estar vivo...

Carlos Canhameiro

Carlos Canhameiro aquele do há braços


Necropsia Há des,construção de um Hamlet estático

[trecho da peça] Agora, vou fazer-te outra pergunta: quem desconstrói mais solidamente do que o lenhador, o terrorista, e o capitalista? Quando te fizerem novamente essa pergunta, responde desconfiadamente que é o artista! Porque toda a descontrução por ele prevista dialeticamente não passa de outra construção. Sem dúvida, as figuras dos coveiros na peça Hamlet de Shakespeare são no mínimo instigantes. Principalmente a do primeiro coveiro, preciso, de compreensões literais e responsável pela pergunta do primeiro parágrafo deste texto ao seu amigo de profissão cavadeira. Quando se começou o processo do espetáculo A Última Quimera se tateava temas como morte, perdas, insatisfações, tudo para aproximar Augusto dos Anjos de nós para decidirmos o que fazer com ele. É preciso saber o que se quer ao começar o processo de uma peça? Ou se pode descobrir durante o caminho? Ou melhor, pode-se saber o que se quer em cada ensaio e que a descoberta não necessariamente vire uma certeza? No fundo as três perguntas me parecem improcedentes, visto o modo de trabalho que a Cia. Les Commediens Tropicales opera. Escolher uma das opções é excluir as outras e se fixar em algo é perder a dimensão da multiplicidade.

Será possível se fixar, e aprofundar am algo sem perder essa dimensão? Esse foi o meu primeiro olhar curioso sobre Augusto do Anjos, como é possível uma pessoa escrever sobre os sentimentos mais abismais e não perder a consciência da dimensão que o universo nos afronta. É impossível classificá-lo, foi incluído no pré-modernismo, por sua obra trazer estranhezas e causar polêmicas que só se repetiriam na semana de arte moderna de 22. E mesmo assim, não passou da tentativa de se estabelecer “ismos” inúteis para a obra de Augusto.

Há luz Há 85 anos

Daniel Gonzalez Coveiro 01 - Vou fazer-te uma pergunta. Se não responderes certo, terás de confessar, perante todos, que também és um... Poeta! A obra de quem dura mais? A do Artista? Do Carpinteiro. Do Pedreiro. Do construtor de navios? Do construtor de aviões ou de quem constrói castelos na areia? Tempo! Um... Dois... Três... Quartro... Ei! Quando te fizerem de novo essa pergunta, responde que é o...? Coveiro!, porque a casa que ele constrói dura até o dia do juízo final. Seja ele quando for!


Necropsia Uma autoconsciência de assustar e distante de minha compreensão. Augusto dos Anjos descobriu a eterna brincadeira da vida: A morte! Utilizando-se da filosofia e da ciência, discorreu por toda sua obra, a problemática do viver e, em nenhum momento, propôs uma solução. Talvez isso explique tamanha fama que Augusto possui em nossa sociedade atual, pois chegamos a um limite que, qualquer proposta de solução para o caos da contemporaneidade é no mínimo, duvidosa. Observávamos que os fatos históricos no Livro de Ana Miranda passavam como um mero pano de fundo e tínhamos a vontade de nos aprofundar nos acontecimentos políticos da época para realizar uma crítica a sociedade atual, como nos outros espetáculos da Cia. As tentativas foram frustradas, pois Augusto dos Anjos não se encaixava nesses fatos. A desestabilidade da bolsa causada pelo Encilhamento de Rui Barbosa, a Revolta da Chibata alçada pelos negros marinheiros, dentre outros principais acontecimentos da época, Augusto dos Anjos se limitou a descrever os fatos detalhadamente em cartas enviadas para sua mãe. Queríamos mudança social vinda de um artista. O espetáculo CHALAÇA a peça, termina com a pergunta: Qual a contribuição do artista no processo histórico? E havia um desejo de que essa pergunta conduzisse este novo processo. Nos perguntávamos como um artista tão consciente e auto-consciente não se movia para as questões políticas. Como ele poderia ser tão estático?

“Hamlet anseia por um forte oponente, mas descobre que há de ser ele mesmo o seu próprio oponente. É o precursor da situação em que nós mesmos somos levados a ser o nosso pior inimigo.”

Harold Bloom

A obra é de quem? Hamlet: (...) De quem é essa cova? 1º Coveiro: Minha, senhor. (canta) Hamlet: Creio que é tua, realmente, pois estás dentro dela. 1º Coveiro: Estais fora dela, senhor, portanto não é vossa. Da minha parte, não jazo nela, mas é minha. Hamlet: Mentes ao dizeres que é tua porque estás nela; isto é para os mortos, não para os vivos. 1º Coveiro: Mentira viva, senhor, que vivamente passa de mim para vós.


Necropsia Débora Monteiro seu cabelo enrolado

todos querem imitar

D ébora Monteiro

Regurgitando meu processo! Subiu a temperatura, o óvulo foi fecundado, surgiram os primeiros incêndios. O som da caixa de som quebrou as costelas e o varejo da sobrevivência tapou-me os ouvidos e a boca. Abandonei, adormeci! O sonho fugiu do sono confuso - louca mente da além razão. Luzes cósmicas me amanheceram espalhando a sensação do ser em mim morta/viva. Veio então a ida da vinda. Volveu, revolveu e extraio do ventre a força, o tempo, a dor, o movimento, a recuperação das emoções, da alegria, do prazer. Como terra lambida aqui estive/estou. Observei, envolvi, absorvi; a investigação individual provocou confusões, medos, desejos, vontade de não fazer, vontade de mandar às urtigas a teoria, desejo de falar calada, desejo de fingir saber, medo de fracassar, ouvir controladamente o choque de idéias, chorar muito, rir, temer a construção, abrir mão, o processo retrocesso.

Rompe-se a bolsa, o cheiro de realização aromatiza, empesteia. Abrem-se as cortinas, acendem-se as luzes, chega mais gente, o processo se multiplica, ACONTECE! O dolorido parto trás à luz "A ÚLTIMA QUIMERA" Teso rito abençoado pelas margens dos desejos da gente. És intensa constante inesperada concreta nas nossas paixões significativa em seus mistérios Ah Última Quimera diz-me tu és A ÚLTIMA QUIMERA?


A Última Quimera – anotações minhas feitas durante o processo, misturadas com relatos e reflexões, etc.. Anotei pouquíssima coisa, mas decidi registrar um pouco da minha trajetória... Bem, fui convidada a participar no novo projeto do Les Commediens um tempo depois de ter assistido à estréia do Chalaça no Sesc Santana... Aí fiquei feliz pacas... Pouco antes disso o Carlos me chamou para fazer uma leitura dramática do texto dele, o “ Ensaio Sobre a Queda”, e aí foi rolando uma reaproximação... Aceitei o convite para participar do novo projeto, que de início seria muito diferente do que foi realizado por nós, como sempre... Eram vários diretores que trabalhariam a partir de vários livros... O projeto inicial era irrecusável em todos os sentidos, e eu, claro, topei a parada porque queria fazer teatro, teatro, teatro... Começamos com um jantar árabe com a Verônica? Bem, não sei bem como começamos, mas acho que foi mais ou menos por aí, na verdade já tinham sido feitas várias reuniões com todo o grupo... Depois teve um café da manhã com a Georgette, mas as duas estavam com as agendas estupidamente lotadas e começamos a estudar e ensaiar sem diretoras mesmo, as duas nos impulsionaram a isso... Leituras do livro em conjunto, conversas mais teóricas e inquietações... Fui aos poucos me adaptando ao Les Commediens, meio aos trancos e barrancos... Depois da fase mais teórica fizemos um primeiro ensaio caos, aquecemos individualmente e logo fomos nos agrupando sem falar muito, uma coisa ia levando à outra, jogos com bolinha, palavras... A Michele e o Fabrício estavam nesse ensaio... Com a primeira provocação da Verônica sobre explorar os meandros da MORTE, jogamos um pouco com

Necropsia o sol da minha vida

Mariza Junqueira

elementos do livro, apaguei a luz no meio da improvisação e a Paula começou a batucar, acho que o Carlos colocou uma música polifônica... A Michele (nunca me esquecerei disso) deitou em cima de mim e colocou o barrigão “prenho” dela sobre mim... E estávamos falando de morte, tema tão perturbador pra mim... Nesse momento intuí que esse processo seria intenso, e tive medo e entusiasmo... Meu útero teve, na verdade... Estávamos fazendo aquilo sem ninguém coletando, digerindo, olhando, dirigindo, enfim, ao léu... Lembrei do meu Pai dizendo que um barco à deriva não chega a lugar nenhum... Bem, mas não estávamos à deriva, na verdade, só estávamos tentando encontrar um jeito de trabalhar... E encontramos!... Encontramos? A Georgette foi a primeira a nos visitar, depois de um batalhão de ensaios... Mostramos a ela um fragmento de cena sem nenhum tipo de introdução, no susto mesmo... Ela assistiu, não disse nada, mas pediu para que cada um sentasse no cubo com uma luz na cara e se pronunciasse a respeito do que cada um queria com aquele processo, o que agradava e o que desagradava, o que gostaria que mudasse, enfim, uma confissão de todos para todos... Eu fui a primeira a depor... A presença dela me deu uma liberdade estranha, uma confiança... Falamos todos, momentos reveladores de angustias e atravancamentos, o Zé e o Allen também falaram... E a Georgette foi embora sem mexer na peça e deixando a gente completamente mexido... Dentro de mim posso dizer que existe uma pessoa antes da Georgette e outra pessoa agora, que eu tenho o testemunho desta existência imensamente generosa...


Necropsia

Vou voltar ao processo, então a Verônica foi a segunda, fizemos o mesmo: mostramos... Ela leu o que fizemos de uma maneira muito significativa e deixou uma pista de por onde estávamos andando, com uma sensibilidade fora do normal, ajudou a iluminar a estrada... Aliás, esse processo foi todo meio assim... Nós trilhávamos um caminho, no escuro, e depois de percorrido em todos os seus percalços, encontros e quedas, olhávamos para trás com uma lanterna na cabeça, para saber por onde havíamos andado e colher as pistas que deixávamos para poder continuar... Há muita coragem nisso, tenho muita gratidão por esse grupo ter me convidado a fazer parte dessa empreitada... E assim, prosseguimos, propostas de texto, montagem de cena, improvisações, visitas provocativas... Lá pelas tantas percebemos que o texto da Ana Miranda tinha se tornado um pretexto para a nossa última quimera, que fora completamente invadida por Augusto dos Anjos Olavo Bilac, talco cheiroso, Shakespeare, Hamlet, covas, Raul Pompéia, fogo,

pinga, roupas, memórias, dor, terra, flores, seguro de vida, caixão, livros... E a pergunta, a inevitável pergunta: Qual a contribuição do artista no processo histórico?... Com a temporada fechada no SESC Avenida Paulista, fomos de mala e cuia para o coração de São Paulo... Montamos acampamento no décimo segundo andar, com a sabida missão de colocar a nossa última quimera de pé em poucos dias... Foi necessário montar uma agenda intensiva, manhã, tarde e noite, praticamente todos os dias... Levamos a cafeteira junto, claro... E no meio desse furacão uma conversa definitiva com os Les Commediens em relação à minha continuidade ou não no trabalho, na próxima temporada que já tinha data fechada, enfim, no grupo... Decidimos, eu com as minhas decisões e o grupo com as suas, que eu faria a temporada do Sesc e depois devolveria a Última Quimera a Michele, que agora já tem a Joana crescidinha e pode voltar, mais Mãe do que nunca, ao seu lar teatral... Eu também precisava voltar ao meu... Fico com uma sensação positivíssima de todo esse processo... Essa espécie de diário não precisava de um final conclusivo, mas enfim... É com muita alegria que agradeço a chance de ter construído “A Última Quimera” com a Cia. Les Commediens Tropicales e com essa mesma alegria solto essa peça no espaço-tempo da fantasia do teatro, por onde viajei, valeu a pena... Com a certeza de que sempre valerá a pena, no teatro sempre vale a pena nascer e morrer...


é ela que canta canta minha gente

Paula MirhannahriM aluaP Esse foi o processo teatral mais fora do normal experimentado por mim e por essa Cia. Mas o que pode ser considerado normal num processo teatral? Uma rotina de ensaios, atores presentes, engajados da mesma forma, um tema compreendido por todos e discutido por todos, dedicação integral, tranqüilidade de relações? Se for essa a resposta, definitivamente não foi assim que o espetáculo “A Última Quimera” foi criado. É claro que sempre partimos desse ideal, seria muito satisfatório se as coisas funcionassem assim, mas o que se viu foi uma Cia que já teve dezessete integrantes, chegar a nove atores, ter que se virar com quatro e contar com o retorno de uma, a entrada de outro e um dia depois da estréia ganhar mais um integrante. Olhando assim, é absolutamente intrigante como o teatro tem uma capacidade de ignorar certas dificuldades. Tem? Mas é o teatro ou somos nós?

[trecho da peça] Falar da morte foi o começo, depois vieram as perguntas do porquê desenterrar os mortos? Por que não deixá-los apodrecendo? Por que Augusto dos Anjos e Olavo Bilac? Pra que fazer teatro? Qual a importância do mesmo no processo histórico e no processo individual dos atores? Por que insistimos tanto? Por que não desistimos do processo se o mesmo foi tão difícil, tão capenga?

Necropsia Coveiro 01 – A terra é dada e não se abre a boca. Morreu... Está morto e enterrado. Não senhor... Primeiro nasceu e depois morreu e depois de morto, enterrado, muito bem enterrado por sinal. Lápide feita a mão, com telefone para contato do lado, caso outro poeta se sinta motivado. Se precisar, até epitáfio faço. Poesia do último serviço. Morreu... Augusto dos Anjos morreu... Olavo Bilac morreu... Raul Pompeia morreu... Alberto de Oliveira morreu... Raimundo Correia morreu... Jorge de Lima morreu... Coelho Neto morreu... Luiz Murat... Cruz e Souza... Álvares de Azevedo... Castro Alves... Todos morreram. Morreu... Morreu... Morreu... E não adianta chorar. Engole o choro. Nenhum deles tem mais nada a dizer. NINGUÉM TEM MAIS NADA A DIZER. É o resto... E é silêncio. Há um cansaço no Cosmo... Anoitece. A lua presta reverência... Deixemos que as carnes apodreçam: um holocausto ao nosso Deus. Verme é o seu nome obscuro de batismo, o operário das ruínas. Esqueça! Não há contribuição... Não há processo... É isso: o que somos agora.


Necropsia

Daí vieram: Georgette e Verônica, veio a Cia dos Atores, o workshop com Enrique Diaz... A peça começou a ter uma cara (se é que dá pra ter uma cara), as cenas ganharam forma (se é que dá pra ter alguma forma), o espaço que tínhamos era um desafio para nossas cordas vocais e para nossos corpos que não tiveram preparação nenhuma, o último mês de ensaio foi de terça à domingo (de seis a oito horas por dia) e nós tivemos que nos engolir; o figurino e o cenário foram decididos e a gente teve que fazer funcionar, buscávamos o tempo presente e descobrimos que isso é mais difícil do que pensávamos, alguns choraram como de praxe, outros fizeram bico como de praxe, teve quem riu disso tudo, enfim.

As perguntas começaram a ser respondidas por alguns; outros, mesmo sem saber as respostas, resolveram cenas, alguém compôs uma música e ensinou para todos, algumas cenas foram jogadas no lixo, outras nasceram de um descompromisso delicioso, a gente tinha um caixão de verdade, o vídeo foi introduzido de forma absolutamente improvisada, tivemos que lidar com isso e o fizemos, não com maestria, mas com tranqüilidade. A diversão e o fracasso passaram a ser o grito de guerra e o que vimos foi uma Cia. desestabilizada continuar desestabilizada e uma peça de teatro existindo como se nada disso tivesse acontecido, pode? Não sei se deveria ser assim, creio que não, mas enxergo uma necessidade de passar por isso. Partimos da dificuldade um pouco maior que a de costume, fizemos um espetáculo que do seu jeito deu certo, mas ainda sobra a questão colocada por Rilke:

Se pergunte da necessidade de fazer o que você faz. Se o deixasse de fazer, MORRERIA?


Weber Fonseca Weber Fonseca

webeguito é de agagaquaga 2º MOVIMENTO - INQUÉRITO Carlos - Resposta ao Inquéritode Licínio dos Santos, em A LOUCURA DOS INTELECTUAIS (RIO DE JANEIRO - 1914) Carlos – Nome? Weber - Augusto dos Anjos. Idade: 28 anos. Profissão: Professor e advogado. Filiação: Filho legítimo do bacharel Alexandre R. dos Anjos e D. Córdula C. R. dos Anjos. Estado Civil: Casado. Nome da esposa: Ester Fialho dos Anjos. Antecedentes Hereditários: Meu pai, vítima de surmenage, morreu de paralisia geral, e minha mãe é excessivamente nervosa. O que pode me adiantar sobre sua infância? — Desde a mais tenra idade eu me entreguei exclusivamente aos estudos, relegando por completo tudo quanto concerne ao desenvolvimento da chamada vida física, numa atmosfera de rigorosíssima moralidade. Onde e como foi educado? — Na Paraíba do Norte, Engenho Pau d'Arco. Quais os autores que mais o impressionaram? — Shakespeare, Edgar Põe. Qual o seu autor favorito? — Todos os bons autores me agradam. Como faz o seu trabalho intelectual? — Durante o dia, quase sempre andando no meio de toda azáfama ambiente ou à noite, deitado. Conservo de memória tudo quanto produzo. São muito poucas vezes que me sento à mesa para produzir. Quais as horas que dedica ao seu trabalho intelectual? — Não tenho horas metodicamente preferidas para o meu trabalho mental. O que sente de anormal quando está produzindo? — Uma série indescritível de fenômenos nervosos, acompanhados muitas vezes de uma vontade de chorar. Em que idade começou a produzir? — Se não me falha o poder de reminiscência, presumo, comecei a produzir muito antes dos 9 anos.

Necropsia

Salve! Saúde! Parto do princípio de que tudo é provisório. Percepções, divagações, vícios, inquietações. Tudo o que passa provisiona o instante. E se fica, instaura a cena. Abastece a cena. Toda ação é processo. Chego na Última Quimera pelas mãos dos amigos. Afinidades por um lado. Todas as incertezas cercando todos os outros lados. A Última Quimera já existia em processo quando cheguei. Era quase o fim da 'Era dos Ensaios'. Como somar? Como ser um novo elemento? O que trazer? Como espectador no primeiro ensaio as palavras lançam-se ao vento. O estranhamento é meu lastro. Enquanto eu souber olhar, inquieto e estrangeiro minha apreensão será genuína, no sentido de verdadeira, natural. Segundo movimento cênico. Inquérito de Licínio dos Santos. A imagem de uma máscara mortuária que me acompanha há anos é naturalmente viva naquele momento. Vamos somar ao processo. É meu início. Uma máscara mortuária nasce de um molde de gesso. A imagem negativa quando iluminada por uma vela cria uma projeção positiva no espaço escuro. Um jogo simples de luz e sombra. Basta movimentar a máscara e a vela e uma infinidade de expressões se formam no espaço.


Necropsia Este efeito visual revela - para o meu entendimento – o processo de criação da Quimera. O processo/peça é um molde. Nós – atores – somos uma vela. A sala escura é o conhecimento/ mensagem/conteúdo a ser apreendido. O olhar é o público. Seu ângulo de visão determina a presentificação do processo. Como ator, o provisório é tudo que principia minhas ações. Percepções, divagações, vícios. Uma inquietação me assola nos dias de hoje: como estar presente na cena? Como me aproximar a cada dia de minha naturalidade. Sem falsas representações, sem buscas psicológicas, sem dramas. Sendo provisório, o processo desenvolvido pela companhia vem ao encontro deste anseio. Foco-me neste princípio da ação. O que me leva a agir? O que “funciona”? O que comunica? O que me faz ser compreendido? Sendo provisório, dia após dias - ou noite após noite – descrobimos que as respostas também são provisórias. Portanto, a vida desta cena provisória está no risco iminente das experimentações, na tentativa de se fazer vivo, na observação perspicaz de suas próprias ações e dos seus parceiros, na consciência de que não há mais o conceito certo/errado. Afinal, o que é provisório tanto abastece quanto esvazia. Como humano, o provisório é o princípio e a parte. Percepções, divagações, vícios. Desejo. Como humano, sonho.

Ensaiar, ensaiar, ensaiar. Estudar. Conhecer. Conviver. Ansiar. Ouvir, ouvir, ouvir. Atuar. E na hora do choro inevitável. Do parto do desconhecido. Pego a estrada, rodo 270 Km em busca de um sorriso familiar e a certeza de que provisoriamente estamos vivos. E estamos aqui. Mas… Sobre o que falávamos mesmo? Falávamos sobre o Eu. Saravá!

Se não me falha o poder de aritmética, o senhor produz há 19 anos. Quais os trabalhos que deu à luz até a presente data? — Um livro de versos, EU. Quais as cores de sua predileção? — A vermelha e a azul. Quantas horas repousa? — Meu repouso varia de 7 a 8 horas. Sofre de insônia, cefaléia ou amnésia? — Até a data não sofro absolutamente de amnésia. Tenho insônia raras vezes, mas a cefalalgia persegue-me constantemente. Tem continuados sonhos fantásticos? — Quanto a sonhos fantásticos é também muito raramente que os tenho. Faz as suas refeições com irregularidade? — Sim. Tem muito apetite? — Regular. Faz uso do álcool? — Não. Faz uso excessivo do café, chá ou outro excitante intelectual? — Sou contra os excessos, o que não impede, entretanto, de abusar um pouco do café. Qual a contribuição do artista no processo histórico? MERDA!


houaiss

Provocação Datação sXV cf. FichIVPM

Acepções ■ substantivo feminino ato ou efeito de provocar 1 ato ou efeito de, com palavras ou atos, forçar alguém a uma luta, briga, discussão etc.; desafio, repto 2 ato, fala ou atitude de desrespeito; insulto, afronta, ofensa 3 ato ou atitude irreverente; petulância, atrevimento, irreverência 4 ato ou processo de tentar causar uma reação; estimulação, incitamento, tentação 4.1 Uso: informal. pessoa que chama a atenção pela aparência e/ou maneira de se comportar e parece estimular aproximação com objetivo sexual; tentação 5 Rubrica: política. ação praticada pelo provocador

Etimologia lat. provocatìo,ónis 'provocação, desafio'; ver voc-

Cênica (o) Datação 1702 cf. NumVoc

Acepções ■ adjetivo 1 relativo a cena 1.1 relativo à representação teatral

Etimologia lat. scenìcus,a,um 'de cena, de teatro, cênico, teatral', do gr. skénikós,ê,ón 'id.'; ver 3cen(o)-; f.hist. 1702 scenico, 1720 scênico

Medicina Lega É assim. Quando você não entende um conceito ou significado daquilo que você mesmo supostamente criou/inventou/apropriou-se, recorre ao dicionário. E, ao lado, a definição para aquilo que intitulamos: Provocação Cênica! Verdade seja dita (ou escrita), a Cia. LCT, ao convidar Verônica Fabrini e Georgette Fadel para participarem desse projeto, tinha em mente a participação efetiva das duas como encenadoras de um novo processo teatral. Ilusão treda! Duas artistas envolvidas em tantos projetos e trabalhos teriam “tempo exclusivo” para um grupo de atores que mal conheciam? Não, claro que não! Tinham, entretanto, desejo de trabalharem juntas... E... Uma generosidade em nos ajudar, fosse como fosse do jeito que fosse, sem – em princípio – qualquer perspectiva de ganhos financeiros e em dias escassos e horários restritos. Putz?! Putz mesmo! Da dificuldade surgiu um modo de criação deveras coletivo (apesar de todos os percalços). Um trabalho nada dependente da figura centralizadora de um diretor ou da leitura abrangente da cena feita comumente por um encenador. Éramos tudo e todos. Funciona? Funciona sim. É possível sim. Congregar muitas cabeças e muitas provocações. Muitas vozes. Ah... Mas isso é trabalho colaborativo... Existe há tempos! Certo, existe. Como a roda também. Não nos interessa recriar a roda. Interessa-nos fazê-la rodar. Georgette Fadel e Verônica Fabrini embarcaram no nosso carinho de rolimãs e passeamos... Direita ou esquerda? E se parássemos? Eis o que fomos: provocadores cênicos. De que tipo? De todos os tipos ao lado. Elas, provocadoras: adjetivo e substantivo feminino. Médicas legais que nunca tiveram dedos em meter a mão no que matávamos em cena. Com elas o laudo da provocação:


Medicina Legal ettegroeG Georgette Fadel

Fadel

A tal da provocação com os artistas interessantíssimos da Les Comediens (ai meu deus, não falo francês!) funcionou. Olha só. E é tão forte a crença de que atores “sozinhos” não conseguem se organizar para criar que a gente quase acredita. Pois será impossível para um ator desenvolver uma consciência ampla a ponto de se estar em cena, jogando, e ao mesmo tempo perceber, selecionar, enfim, saber o que está acontecendo a ponto de poder , a posteriori, mexer no material levantado, repetir, elaborar e ir aos poucos construindo o espetáculo? Obviamente não é o caminho mais fácil, mas desde quando queremos o que é fácil? Deus nos livre! Queremos sim é descobrir como remar com alegria contra essa maré de aparentes facilidades que vai cada vez mais nos distanciando uns dos outros, nos isolando, nos submetendo a falsos poderes, embaçando, manipulando em nome do bom resultado, do sucesso de bilheteria, em nome do diabo que anda solto e a gente sabe muito bem que cara tem e o que quer de nós. Esse grupo acreditou que era possível assinar uma direção verdadeira e radicalmente coletiva, viu que era bom demais correr esse tipo risco. Eu os visitei algumas vezes, vi o que eles estavam fazendo, disse meia dúzia de palavras, fingi que estava dando algum norte, mas na verdade oculta, eles sabiam de tudo. Minha presença foi um anteparo para a luz que eles estavam irradiando.

Gostei muito dessa função de refletir luz. Verônica, que é a pessoa e a artista maravilhosa que é, deve ter sido um espelho – ou uma tela – invejável... O espetáculo vai crescer a cada dia, como tudo que é vivo cresce e se tranforma, a costrução coletiva é sem fim, e geralmente mais lenta por não estarmos habituados a ela. A consciência vai expandindo aos poucos, apontando para o futuro de plenitude que nos espera. Mas a dramaturgia excelente, os atores excelentes, Augusto dos Anjos, toda a equipe, todos nós, já estamos aqui juntos. E a única certeza que a gente pode ter nessa vida, é que junto é melhor SEMPRE.


Verônica Verônica Fabrini augusto dos anjos me provoca (sobre o tema) Minha táctil intensidade é tanta Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos! Augusto dos Anjos foi sempre uma provocação para quem tem na materialidade carnal do corpo, o campo de seu ofício. Arte do vivo, o teatro traz consigo sua sombra amiga, arte da morte. Só para afirmar que é pelo corpo que ela (a arte e a vida) nos atravessa. Que é além do corpo o lugar onde ela se inscreve. Tanto a Arte quanto a Vida. Talvez seja por isso que a morte está sempre abraçada a uma donzela, ou que, para alguns, o palco é o lugar dos fantasmas. E nada mais vivo do que o palco. Ou então, a vida não passa de uma história, contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada. Dos Anjos me faz ver a cena lá de cima, homenscoisinhas-ínfimas sob um céu imenso. Por isso foi bom começar no décimo segundo andar de um edifício, na Avenida Paulista, com um hospital a nossa frente. Já fiquei internada naquele hospital. Já fui coisa ínfima frente à grandeza do nada, em alguma daquelas janelas que agora vejo da sala de ensaio, enquanto o ator pergunta: “qual o papel do artista no processo histórico”? Penso em “estesia” e “anestesia” (ou a academia de letras e

Medicina Legal a academia de medicina). Penso que esse é um papel, contrapor-se sempre a anestesia. Outra sala, outro ponto de vista. Um porão, outro canto qualquer. A marcenaria, onde se faz desde cama a caixão e tantos outros cenários. É impressionante o que o espaço nos ensina. Encenar, tem a ver com um certo derramar de líquido e deixar fluir. Ele toma a forma e a dinâmica do espaço que lhe contém. Augusto (o poeta do tudo-nada) agora nos fala lá das profundezas, perto do coração da terra. Transponho ousadamente o átomo rude E, transmudado em rutilância fria, Encho o Espaço com a minha plenitude! o romance me provoca (sobre ir das letras à cena) A leitura de um romance é silenciosa e solitária. O teatro é barulhento e coletivo. Passar de um para o outro


Medicina Legal vem sempre com susto e surpresas, pois misturam sensibilidades, afetos, e a singularidade da voz de cada um. Esta “Última Quimera – a peça”, põe em cena essa mistura, põe em jogo as provocações da “Última Quimera”: os limites e contágios entre ficção e realidade, entre eu e o que ficará de mim nessa história toda. O diálogo fundamental foi entre os atorescriadores e o romance – este quase um roteiro, explicitamente “cênico”, exalando imagens, ações e vida. Coveiros de Hamlet e coveiros de Augusto, Exu na encruzilhada, a memória das roupas, a memória das letras. Qual é o papel do artista na sociedade? Acho que é ter filhos, ainda depois da morte. Esse pensamento guiava meus comentários com os atores. Li o romance nas férias e só fui ver as cenas muito depois. O romance ia se refazendo na minha memória, renascendo outro mas aquele mesmo, ativado pelos atores em cena. Augusto morreu, mas seus filhos ainda cantam. Ciclo vida-morte-vida. Augusto dialogando com outros vivos e mortos. Paris, Paraíba e Rio, parnasianos e niilistas, Bilacs e os queridos da onda cultural, Augusto e os artistas “incompreendidos”. Quando se desmembra um romance, quando se retalha, é preciso deixar sangrar e esse sangue tem que correr nas veias da cena. Pra que tudo reviva, depois da morte. Isso é fazer história e ficção para que o presente não nos passe despercebido e nos atravesse, sem anestesia.

georgette me provoca (sobre a parceria na criação) Poder compartilhar com a super-Georgette, mesmo um pouquinho, minhas impressões sobre o trabalho que se construía, foi uma honra. Há parcerias em muitos planos. Às vezes simples sintonias de alma, de visão de mundo. Parcerias de criação nos fazem sobreviver nessa dureza, nessa gloriosa luta-inglória pela liberdade, pelo amor e pela poesia. As parcerias estão em alguma parte. Quando podemos criar com elas, é melhor ainda. Uma vez a Georgette disse que temos que fazer arte até que ela não seja mais necessária, pois contagiou, impregnou, transformou os homens. Criou uma nova sensibilidade, um novo homem. O papel do artista no processo histórico é crer nessa utopia, e mais, fazer dessa utopia uma obsessão, uma ação. les commediens aussi... (quer dizer, também me provocam... sobre ensinar, encenar e aprender) O Carlos, a Mariza e a Paula já me encantam desde a Unicamp, desde “Galvez” e “Seis Personagens”. Débora, Daniel e Michele, desde “Chalaça”, e Weber é meu último encanto. Depois da morte ainda teremos filhos. Essa passou a ser minha metáfora de professora. Sinto-me em casa quando é o Marcio Aurelio quem “acende a luz”. Gerações, e o novo, o novo, o novo. Acho que isso de “provocar” tem alguma coisa daquela conversa boa com o professor, no cafezinho, depois da aula. Sou uma aluna eterna e devota: adoro aprender com as provocações.


[Declarando o Óbito]

Réquiem

múosico Allen Ferraudo noduarreF nellA o p l a s t a

Sim! E de papel passado! Tudo bem, começar pelo "fim" fica realmente difícil, mas é ali que tudo é resumido não é?! Não existe clímax sem um começo, meio e fim. Com o poema final unanimamente decidido, resolvi, por ventura e sem indagações, sugerir uma música para o desfecho da peça. Fui pra casa, sentei durante uma semana ao piano, improvisando sobre o poema – como não pode faltar, também tenho uma linha investigativa sobre o som em estado puro, sobre harmonia e sobre música em cena. Musiquei todo o poema "Vozes da Morte" do Augusto dos Anjos, e um trecho de "Virgens Mortas" de Olavo Bilac, para ficar de acordo com a proposta de "A Última Quimera". Pois bem, cheguei ao ensaio já com a partitura e com as devidas vozes separadas para que o grupo se adentrasse o quanto antes na música. Ótimo! A idéia durou duas semanas, pois com a chegada do texto do terceiro ato e as novas propostas, declaramos óbito dessa trilha sonora. Apesar de ser difícil musicar um poema de Augusto dos Anjos e, ao mesmo tempo, intercalar as minhas propostas musicais, sem que isso dificultasse a fluência do texto e da melodia para o grupo, não tive escolha: A música e a proposta morreram com a partitura passada.

[Velório e Procissão Final]

Muitos já sabem que a morte não é o fim! Existem "n" problemas burocráticos, além do que: um morto não se enterra! Depois da "passagem" da proposta natimorta, peguei a partitura e comecei a analisar sua história, como se faz num velório! Correlacionei tudo com o que se encontrava nos poemas de Augusto, na proposta do grupo e do texto. Ao perceber que o som de cada linha do poema se tornara uma melodia clara e fechada resolvi fazer a procissão final, pois sabia que o "enterro" daquela proposta poderia me render inúmeras outras. A cada passo dado nessa última procissão, era como se eu realmente caminhasse de acordo com o grupo, com nossas provocadoras e, inusitadamente, com Augusto. Daí vieram algumas idéias para as cenas e a coisa (de "coisa" mesmo), começou a grudar no texto e o som começou a ter uma história independente, como é o verme para a podridão da carne, só que cada um na sua!

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Réquiem A# Cm# “Piedade! elas vêem tudo entre as moitas escuras... Dm Piedade! esse impudor ofende o olhar gelado B7 G Das que viveram sós, das que morreram puras!” [Enterrando o processo]

Agora, sim! Vamos morrer, reunidos, Tamarindo de minha desventura, Tu, com o envelhecimento da nervura, Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos! E a podridão, meu velho! E essa futura Ultrafatalidade de ossatura, A que nos acharemos reduzidos!

Não morrerão, porém, tuas sementes! E assim, para o Futuro, em diferentes Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,

Na multiplicidade dos teus ramos, Pelo muito que em vida nos amamos, Depois da morte, inda teremos filhos!

Agora Sim! Eu que até então titubeava em relação à proposta natimorta resolvi enterrá-la! 7 palmos à baixo da terra foi pouco! Por incrível que pareça, decidi: "Vamos morrer reunidos"! Como me "enterrei" junto as minhas idéias, consegui erguer uma estrutura musical que se utiliza de pedaços da proposta natimorta. Essa se vê espelhada não só no final como também em toda a linguagem e narrativa musical da peça. De uma idéia absolutamente trabalhada e que não teve a oportunidade de aparecer, agora em pedaços, pode ser apreciada pelo público de "A Última Quimera". Toda a estrutura melódica, rítmica e harmônica da trilha foram feitas a partir dos pedaços dessa primeira música, que felizmente não aparece em seu estado original. Apreciem o esquartejamento completo, batizado por mim como "Réquiem para um Poeta Morto", e sintam-se dentro desse corpo "natimorto-vivo", Augusto dos Anjos!


PREÂMBULO - UM POUCO DE BALELA FILOSÓFICA Os processos de criação em colaboração, que são prática comum entre os grupos de teatro em São Paulo, são em geral práticas empíricas de investigação cujo o mote ou cerne da investigação não procede de maneira tal qual uma pesquisa acadêmica ou científica. Isto não implica necessariamente em irresponsabilidade, falta de rigor, ou carência de metodologia. Processos artísticos teatrais de criação coletiva são investigações empíricas cujo resultado, mesmo que completamente fracassado, acabado ou inacabado, pode não gerar novas dúvidas ou hipóteses, não obter mérito histórico ou até merecer arquivo. Apostar numa criação artística investigativa legítima, que recusa as práticas do mercado que as transforma em mercadoria, implica em arcar com seu possível sucesso ou equívoco sem que seja possível, fazer projeções ou estimativas sobre seus objetivos e resultados, a curto prazo. Embora algumas obras de arte sejam tratadas como um bem cultural material a relação com a cultura de seu povo é, a longo prazo, intangível. Somos efêmeros demais para avaliar uma obra de arte contemporânea ante as possíveis conseqüências históricas que ela pode proporcionar a cultura de um país. Meu interesse em criação teatral reside justamente nos processos que pretendem renovar e estabelecer uma relação íntima entre a obra e seu público e ainda, apostam na criação de algo legítimo em que a expectativa pelo resultado imediato seja apenas a conseqüência de um grande risco assumido.

Necromântico

pai a-dora-vel da dora que tem o "j" da força do guerreiro jorge a-dora-vel pai, salve jonas!

Jonas Golfeto otefloG sanoJ

Foi com o contexto descrito no parágrafo anterior que me deparei quando, praticamente na sua estréia, integrei o processo de criação de “A Última Quimera”. Visto que o processo nunca é findo e o dinamismo e caráter da equipe de trabalho foram sempre o da oferta do risco para a criação coletiva, isto exigia dos criadores ímpeto e sensibilidade para a exercer a liberdade que o trabalho oferecia para sua criação. Mas isto acima é a vitrine do processo, entre ela e o provador estão os tamanhos, as medidas e os homens, provando novas experiências.


Necromântico

ZÉ MANÉ, A VIDA É O PROCESSO Depois de alguns anos insistindo na prática intensa de treinamentos para me tornar exímio carpinteiro das obras que considerava vitais para a minha formação artística e para a contribuição social que a arte deve cumprir perante seu público, notei que tamanho ímpeto implicava em fracasso, percebi que não eram vitais a dedicação, tanto minha quanto a do público. Resignei-me também, ante aos fatos que a vida privada me apresentava, tais fatos, muito mais vitais que qualquer carpintaria artística: ter um filho, perder um filho, abdicar da posse, do seu usufruto, não saber seu destino, não saber seu estado, não saber agora, nem qual é seu nome. Agora, com o sangue mais grisalho e a barba mais cerrada percebi que criar uma obra, tanto quanto gerar uma vida, é ter a coragem de abandoná-la ao mundo abdicando de sua assinatura

e esquecendo de seu título, é aceitar ser inútil a paixão do seu coração por seu corpo, seu apego pela alta estima que ela lhe causa, porque é necessário de fato perdê-la para que ela exista depois da vida e seja redescoberta na memória de outro. Como exemplo vivo de obra que se perdeu em vida e foi lembrada depois da morte, eu poderia citar numa nota de rodapé, só para ficar mais brega esse texto, um verso do livro “EU” do finado poeta Augusto dos Anjos, mas prefiro que leiam o “EU” dele que está sendo agora vagamente lembrado na peça “A Última Quimera”, obra mais efêmera, em breve morrerá e será fatalmente esquecida. Será? De agora em diante, nenhum processo de criação de trabalho artístico será vital para este artista que levemente apaixonado pelo que faz, vos confessa humildemente: poderia ter abandonado todos os que realizou – até hoje não foram muitos os realizados, menos ainda os abandonados – sem que a menor idéia ou sensação de morte acorrentasse seu corpo, sem que qualquer mazela grave ou leve depressão o abatesse. Visto que não se abandona o que é vital pois algum apego a vida deve-se ter, não é perguntei-me: o que é vital para mim já que a arte não é? Respondi com certa dúvida, como bom hedonista que sou: o prazer.

A vida é processo


O prazer que minimiza nossos sofrimentos e nos faz seguir: amor, amizades, viagens mambembes, vinho, lembranças, memória, um certo desapego a posse, e um certo apego a passagem anônima que terei por aqui no mundo dos que ainda não foram e gloriosamente ainda são. É claro, existe um desejo de tornar-me lembrança, porém resigno-me também a qualquer legado. Astuto, desta feita, fiz na criação desta Quimera menos um processo e mais um disparo para o que pretendo investigar, agora, não mais como o Quijote sonhador que queria abraçar o mundo mas como um mero artesão que deseja um abraço dele.

Necromântico

EPITÁFIO DIGNO Participando da criação de A Última Quimera pude por em prática apenas uma suspeita, muito pontual, que há algum tempo me cutucava. Se há algo mais instrumental e talvez inútil do que isso numa prática artística de criação coletiva eu não sei, mas houve muita generosidade de quem me concedeu esta liberdade. Hoje, tenho menos preocupações com a criação da obra de arte e mais com a ação cultural que ela pode causar para o seu público. O que desejo descobrir não é uma obssessão, idéia fixa, nem algo vital. Quero descobrir, pois desconfio que há algo a ser descoberto, entre o velhosábio-arte-primitiva- -ancestral-teatro, e a arte moleira-nenezinha-cinema nascida logo ali, há um

século, no sistema capitalista e que tanto se reproduz e se antagoniza ao irreprodutível ancestral, o teatro. Até agora é só uma suspeita, creio que onde as duas artes de se tangem, tem algo saboroso e prazeroso. Com a videocenografia da Quimera pude experimentar atuar com uma câmera na mão e suspeito, há algo entre o que vejo e depois recorto com uma câmera em que ao mesmo tempo, como ator, enquanto estou representando, posso perverter. Talvez perverter a função da câmera, para ambas as artes, no que diz respeito a percepção do olhar. Sincero, lhes digo, não faço a menor idéia do que seja ou do que está por vir. Agradeço aos amigos e companheiros por apoiarem a provocação que mesmo vindo ao processo de maneira tão tardia, ainda causa algum efeito. Estou ciente, ainda é só um efeito.

[d]efeito




Últimas Palavras

bailarina e mãe pós-dramática cuja barriga Michele Navarrográvida de movimentos persistiu pós-parto é . é assim que eu começo na última quimera, dizendo: “é”, para uma afirmativa bem duvidosa, como são as afirmativas depois da vã filosofia. é estou de volta ao teatro. e isso não é lei mas obedeço a um governo de sentimentos que regem há tempos o meu corpo que hoje encontra-se em mais uma experiência de caos. ossos se moveram, peles se esticaram, sangue corrente mais e mais forte, vísceras se espremeram, as abas do nariz alargaram, a boca - nossa! quanta secura, olhos brilhantes e quase sempre os que choram, nervos vibraram, dilatações aconteceram... nas mais profundas esferas... órgãos se formaram dentro de outros órgãos.

é. sou mãe. o chalaça não botou fé, disse que o pai era o espírito santo e me segurou por um tempo nos palcos... já aquele poeta da alma augusta e sua última quimera respeitaram o meu processo gestacional e maternal. eles estavam a falar da morte e eu da vida. augusto? dos anjos. ele estava a falar dos anjos? não. sim. bem, como eu ainda hei de entender esses poetas do amor carnal, só arrisco um palpite: estamos todos a falar de nós mesmos, caídos ou alados, a gente Hades - a gente há de se entender, e cavar algum destino pra arte da poesia. é. a gente insiste.

é


A Última Quimera Realização Cia. Les Commediens Tropicales APAA – Sérgio Cardoso Sesc São Paulo Inspirado no romance homônimo de Ana Miranda Adaptação Carlos Canhameiro Atores Carlos Canhameiro Daniel Gonzalez Débora Monteiro Michele Navarro Paula Mirhan Weber Fonseca Atriz Convidada Mariza Junqueira Provocação Cênica Georgette Fadel Verônica Fabrini Videocenografista Jonas Golfeto

Necroscopia


Epitáfio "A Última Quimera", esse novo trabalho dos Les Commediens, os transforma em especialistas dos pesadelos da história brasileira. Uns anos atrás, nos levaram ao Acre para nos contar a história de Luís Galvez e, pouco depois, nos apresentaram a corte novecentista da nossa velha capital federal, em que, silencioso, movia-se um incerto Francisco Gomes da Silva, dito "O Chalaça", enjeitado e malandro que se tornou a sombra do Imperador. Agora, é a vez do tristonho Augusto dos Anjos, augusto e angélico só no nome, anti-Chalaça condenado a ser um "Eu" em uma sociedade escravocrata que entendia homens como objetos. Tenho pra mim que para os Commediens importam menos seus anti-heróis e mais as feridas nacionais que eles expuseram e que nós tanto fazemos por esconder. Prova deste interesse está na forma destes espetáculos. Nesta companhia, o velho drama explodiu. Se suas matérias são histórias esquecidas do século XIX e do comecinho do XX, sua maneira de representá-lasse faz guardando no maleiro da história do teatro o surrado conflito intersubjetivo. Assim, a um só tempo, esses atores pensam o país pelo viés de malditos quase anônimos e praticam experimentos de uma cena contemporânea que quer encarar as contradições de um mundo que já não pensa, não sente e não pulsa como outrora e que, portanto, precisa de um teatro capaz de responder a essa nova sensibilidade. - Cássio Pires (dramaturgo e fumante)

CÁSSIO PIRES

nós que aqui estamo MORTE/MORTE/POESIA/MORTE/talcOlavobilac/VIDAQUEVEMDAMORTE vermes caixão coveiros, sensação de que o negócio dos "Les Commediens" é se dobrar e dobrar quem entrar em contato com eles sobre o papel do artista no processo histórico e sobre a possibilidade de diversão durante as cenas - Renan Duarte (terapeuta ocupacional e reds)

RENAN DUARTE

No momento em que o Augusto dos Anjos entrou no caixão, fui tomado pela claustrofobia alheia. Conseguia ver as paredes do caixão se fechando ao meu redor. O pior era o martelo. O pior era aquele maldito martelo. Porra de martelo. Fiquei momentaneamente triste pelo lugar que escolhi, pois fiquei longe da menina que ficou nua durante a peça. Pode parecer idiota, realmente, eu sei, mas o pensamento cruzou minha mente sim, é inegável. - Felipe Dias (futuro engenheiro e phil)

Felipe Dias


Epitáfio Fecham-se as janelas. Dobramos para dentro do espaço e então, tudo se expande novamente: corpos que caem no chão, transitoriedades, um viver. Desdobramentos da vida: uma pessoa corre e se depara com a janela, o calor do seu corpo marca aquele vidro. Corpos quentes. Teatro. Desses mesmos corpos saem os pulsos criativos: seus corpos vibráteis afetam o meu. Intensidades, vibrações: risadas, cheiros, toques, calafrios, aperto no peito, angústias. Acabei saindo em processo de reinvenção dos conceitos que tinha sobre a obra de Augusto, o teatro e a vida... Priscyla Okuyama (terapeuta ocupacional e baiana)

Priscyla Okuyama

Não vi e gostei. Bárbara Heliodora (crítica e não te adora)

s por vós esperamos ensaio Assisti ao ensaio poucas semanas antes da estréia. Havia um clima mal dormido no ar, uma atmosfera de estréia. O grupo estava preocupado com a transposição do espetáculo para a unidade provisória do SESC. Estavam também preocupados com a luz, que ainda não havia sido desenhada, assim como com todas as outras coisas que invariavelmente só ficam prontas na estréia. E, no entanto, correu tudo bem - os atores são muito bons (e sabem disso) -, fiquei atento ao texto. texto O dramaturgo Carlos Canhameiro tem uma proposta de desconstrução da narrativa que é exatamente o contrário daquilo que venho pesquisando. Mas é preciso dizer que o cara tem estilo, mesmo quando adapta um texto. Acho que isso é o mais importante numa peça de teatro, um estilo, um universo, e gosto muito quando ele parte também do texto. O grupo embarca nessa também e o espetáculo se torna um todo. Fragmentos de uma história com começo, meio e fim viram um mosaico entrecortado por coveiros e outras figuras. Tudo muito pós tudo. É legal, mas confesso que não entendi - costumo me sentir meio burro nesses espetáculos. Mas isso não tem a menor importância, porque talvez eu seja mesmo. Vida longa para todos. - Marcos Gomes (dramaturgo, logo, fumante!)

Marcos Gomes


Necrografismo Como nasce uma cena Um ensaio. Aquecimento (de acordo com humor do dia). Discussões. Casos. Comentários sobre o que se pensou ou não. Improvisação inicial durante 30 minutos. Ensaiar cenas. Ensaiar. Mais cenas. Discussões. Opções. Cigarro. Água. Se der tempo, passar mais uma cena. Final do ensaio, bate papo. Jonas: Sabe o que o Beckett disse antes de morrer? [ninguém sabe!] Apague a luz. [risos] Alguém lembra o que outro artista disse antes de morrer. [risos] Por que começou esse assunto? Discutíamos sobre o final da peça. Ou sobre o que Augusto dos Anjos diria no final. Talvez o Poema Negro. Não sabíamos ao certo. Queríamos uma lápide enorme como cenário. Discutíamos epitáfios. Uma reportagem da Revista da Folha. Daniel: Acho que Artaud disse “onde estão os meus sapatos”. Talvez não tenha sido assim. Conversávamos sobre a peça: “Gaivota – Tema Para Um Conto Curto”, da Cia. dos Atores. Então falamos sobre Tchecov, e de como ele morreu. Pedindo champagne. Carlos conta a piada sobre alguém que gostaria de morrer como o avô. [risos]

Começam as bagaceiras típicas da Cia. Les Commediens Tropicales. Daniel faz Stanislavsky chorando, Cacilda Becker encontrando Godot. Ou essa cena começou quando a Georgette veio ensaiar conosco voltando direto do enterro de um tio querido. Ela contou a cena do velório. Lembrou que o ator Ney Mesquita (não temos certeza!) disse, antes de morrer – evidentemente – que queria ser enterrado no Araçá! Talvez... Isso dá uma cena! Vocês não acham?! Pode ser. Tem um livro só sobre isso. Tem certeza? Vou procurar. Pensem em casa sobre as últimas palavras. Final do ensaio. O Carlos procura na Internet (sites, blogs, Wikipédia, etc) artistas e últimas palavras. Algum livro sobre o assunto. Alguma matéria de jornal. Garimpa algumas coisas. Leva umas doze frases num ensaio. Muito careta. Quem é Almeida Garrett? Quando entra a cena? Depois da mesa branca. Não se escuta os mortos então se lembra das últimas palavras deles. O Allen sugere Villa Lobos. Sugestões. Quem lembra do que algum famoso disse? Eu vi essa num filme. Essa outra um amigo me contou. Coloca o Chico Xavier. Inventa. Inventa. Inventa. Cada um num microfone. Um fala o nome o outro a frase. Anota quem fala o quê. Andamos em círculo. A Michele acha repetitivo. Invertemos a ordem. Tiramos o Almeida Garrett. Tiramos o Guimarães Rosa. Colocamos duas vezes o Caymmi (!). Funciona? Ao lado, como a cena é apresentada hoje.


Necrografismo Movimento – Última Palavras [Todas as falas são ditas em dois microfones] Carlos – Bem. Já que estamos no teatro! Se não podemos ouvir os mortos, podemos ao menos lembrar as últimas palavras deles. Dos artistas... Do Tchecov. Daniel – Champagne. Vou morrer. Saúde. Paula – Então, quero lembrar as últimas palavras de Bocage. Débora – Rasga os meus versos, crê na eternidade. Daniel – Últimas palavras de Lord Byron. Carlos – É chegada a hora de descansar. Débora – Última palavras de Van Gogh. Paula – A tristeza durará para sempre. Carlos – Kafka. Daniel – Queimem toda a minha obra, exceto o que dei ao meu pai. Paula – Francisco Gomes da Silva, o Chalaça. Débora – Padre José, eu amei por demais as mulheres e o dinheiro. Daniel – Edgar Allan Poe. Carlos – Está tudo acabado. E eu estou com medo! Débora – Goethe. Paula – Mais luz. Carlos – Samuel Beckett. Daniel – Apague a luz. [inverte o fluxo] Paula – Cacilda Becker. Débora – Godot. Daniel – Chico Xavier. Carlos – Eu escrevo uma carta.


Necrografismo Movimento – Última Palavras [Todas as falas são ditas em dois microfones] Carlos – Bem. Já que estamos no teatro! Se não podemos ouvir os mortos, podemos ao menos lembrar as últimas palavras deles. Dos artistas... Do Tchecov. Daniel – Champagne. Vou morrer. Saúde. Paula – Então, quero lembrar as últimas palavras de Bocage. Débora – Rasga os meus versos, crê na eternidade. Daniel – Últimas palavras de Lord Byron. Carlos – É chegada a hora de descansar. Débora – Última palavras de Van Gogh. Paula – A tristeza durará para sempre. Carlos – Kafka. Daniel – Queimem toda a minha obra, exceto o que dei ao meu pai. Paula – Francisco Gomes da Silva, o Chalaça. Débora – Padre José, eu amei por demais as mulheres e o dinheiro. Daniel – Edgar Allan Poe. Carlos – Está tudo acabado. E eu estou com medo! Débora – Goethe. Paula – Mais luz. Carlos – Samuel Beckett. Daniel – Apague a luz.

[inverte o fluxo] Paula – Cacilda Becker. Débora – Godot. Daniel – Chico Xavier. Carlos – Eu escrevo uma carta. Débora – Orson Welles Paula – E só um trenó. Carlos – Villa-Lobos. Daniel – Eu cago música. Paula - Ludwig van Beethoven. Débora – Ah? Paula – van Beethoven. Débora – Ah? Paula – Beethoven. [inverte fluxo] Daniel – Nelson Rodrigues. Carlos – Marx é uma besta. BATATA! Débora – Isadora Duncan. Paula – Alguém viu minha echarpe? Carlos – Akira Kurosawa. Daniel – [texto improvisado em suposto japonês!] Paula – Constantin Stanislavski. Débora – PAUSA. [tenta chorar] Carlos – Pensa no pai morto. Daniel – Isso é coisa do século XIX. Oscar Wilde. Carlos – Ou esse papel de parede vai embora ou vou eu. Débora – Primeira chamada: Dorival Caymmi.


ensaio

Iconografia

weber, o Ăşltimo a chegar!


Frankenstein A Última Quimera - Ana Miranda “Eu” - Capitulo 6 Mergulhado em meus pensamentos, com o filhote de pássaro, que agora me parece morto, em minha mão, sinto os dedos de alguém tocarem meu ombro. Ao levantar os olhos vejo, surpreso, Olavo Bilac ao meu lado, segurando um pequeno embrulho. "Vi o senhor entrando aqui no Passeio Público e o segui", ele diz. "Posso sentar-me?" Faço um gesto indicando o lugar vago ao meu lado. O senhor Bilac sentase no banco e cruza elegantemente as pernas. Escondo no bolso da sobrecasaca o corpo inerte da ave. "Sobre aquilo que falei a respeito do poeta que morreu... Espero não têlo ofendido com minha leviandade", ele diz. "Peço desculpas." "Não se preocupe, o senhor não me ofendeu." "É que tenho sentido uma grande irritação com esses novos poetas que surgem todos os dias, ou melhor, todas as noites. Embriagam-se porque nasceram os primeiros pêlos em seus rostos e na manhã seguinte tiram de seus bolsos cadernos com rabiscos de versos toiros. São os ovos colocados pelo pessimismo que anda soprando, como uma ventania dos infernos, o pensamento filosófico. Pensam que são poetas, mas não passam de uma fauna de paranóicos, loucos morais, epiléticos, tísicos, vagabundos, reformadores sombrios, histéricos, criminosos verbais. Falam apenas sobre mundos degradados, de modo que a literatura hoje parece uma enfermaria onde se acolhem os doentes e se observam as moléstias, uma orgia de pessimismos, moafa de satanismos, um destempero de blasfémias pois Deus, a natureza, o Diabo, a mulher, o homem, a vida e a morte ouvem coisas ásperas e duras. A loucura se propaga rapidamente. Os moços desprezam a fé, o bom senso, a métrica, a gramática e o decoro. Para que os lagos de Lamartine e as noites de Musset? Melhores as noites da Babilónia, banquetes onde se comam em brochetes fígados de papas, toucinho de reis. Nas chamas se vêem pavores de arrepiar, cenas macabras, vertigens para os demônios da corte do inferno. Os jovens poetas querem explicar a cor dos olhos de Elvira e de Madalena, a alvura dos seus dentes e o modo por que sabem distribuir beijos, churreados e longos, os gemidos com que amam, a meiguice com que pisam, o requebro da voz, o comprimento da trança, escrevem uma poesia feita em casa, comodamente, em chinelos, com um dicionário de rimas ao pé. Mas o defeito disso não é fabricar versos em chinelos, tomando chá frio. O defeito é a vulgaridade. São vulgares os simbolistas, os decadentes, os satânicos, os desvairados, os líricos meigos, os parnasianos marmóreos. Não suporto mais isso. Tenho vontade de mandar às urtigas a poesia." "Oh, senhor, não faça isso!”

Hamlet de William Shakespeare tradução de Millôr Fernandes ATO III - CENA II Elsinor. Sala no castelo (Entram Hamlet e dois ou três Atores) HAMLET: Peço uma coisa, falem essas falas como eu as pronunciei, língua ágil, bem claro; se é pra berrar as palavras, como fazem tantos de nossos atores, eu chamo o pregoeiro público pra dizer minhas frases. E nem serrem o ar com a mão, o tempo todo (Faz gestos no ar com as mãos.); moderação em tudo; pois mesmo na torrente, tempestade, eu diria até no torvelinho da paixão, é preciso conceber e exprimir sobriedade – o que engrandece a ação. Ah, me dói na alma ouvir um desses latagões robustos, de peruca enorme, estraçalhando uma paixão até fazê-la em trapos, arrebentando os tímpanos dos basbaques que, de modo geral, só apreciam berros e pantomimas sem qualquer sentido. A vontade é mandar açoitar esse indivíduo, mais tirânico do que Termagante, mais heróico do que Herodes. Evitem isso, por favor. PRIMEIRO ATOR: Prometo a Vossa Honra. HAMLET: Mas também nada de contenção exagerada; teu discernimento deve te orientar. Ajusta o gesto à palavra, a palavra ao gesto, com o cuidado de não perder a simplicidade natural. Pois tudo que é forçado deturpa o intuito da representação, cuja finalidade, em sua origem e agora, era, e é, exibir um espelho à natureza; mostrar à virtude sua própria expressão; ao ridículo sua própria imagem e a cada época e geração sua forma e efígie. Ora, se isso é exagerado, ou então mal concluído, por mais que faça rir ao ignorante só pode causar tédio ao exigente; cuja opinião deve pesar mais no teu conceito do que uma platéia inteira de patetas. Ah, eu tenho visto atores – e elogiados até! e muito elogiados! – que, pra não usar termos profanos, eu diria que não tem nem voz nem jeito de cristãos, ou de pagãos – sequer de homens! Berram, ou gaguejam de tal forma, que eu fico pensando se não foram feitos – e malfeitos! – por algum aprendiz da natureza, tão abominável é a maneira com que imitam a humanidade! PRIMEIRO ATOR: Creio, senhor, que em nosso grupo isso já foi bastante corrigido. HAMLET: Então corrija tudo! E não permita que os jograis falem mais do que lhes foi indicado. Pois alguns deles costumam dar risadas pra fazer rir também uns tantos espectadores idiotas; ainda que, no mesmo momento, algum ponto básico da peça esteja merecendo a atenção geral. Isso é indigno e revela uma ambição lamentável por parte do imbecil que usa esse recurso. Vai te aprontar.


Pedaços. Nacos. Costuras. Pontos rústicos. Parafusos. Eis abaixo uma pequena mostra de como o livro da Ana Miranda e a “masterpiece” de Shakespeare serviram de material para construção dA Última Quimera. Na página ao lado um capítulo do livro e uma cena de Hamlet. Nesta, a cena “final”. Meses de ensaio para construir essa miscelânea que continua em processo. Hoje, a escrita do texto é, para a Cia. LCT, indissociável da criação da cena. Quase tudo ao mesmo tempo agora. A Última Quimera Adaptação: Carlos Canhameiro 6º MOVIMENTO – COVEIROS, OLAVO BILAC E RAUL POMPÉIA CENA 01 Coveiro 01 – Um, dois, três, quatro, cinco... Veja, lá está o senhor Bilac novamente. De certo vem insultar ainda mais o falecido poeta. Bilac – Novamente boa noite, meu bom coveiro, mesmo sendo a mesma noite de um dia inteiro. Coveiro 01 – A mesma noite, boa, para os vivos e para nós dois... Coveiros. Bilac – Posso, se incômodo não for causar, por aqui me sentar? Coveiro 01 – Que indiscrição, Príncipe. Nestas terras não se senta, se deita! Bilac – De certo... Deitar-me-ei um dia... Em quatro anos, eu diria. Porém agora, serei breve e ligeiro, se me permitir um diálogo corriqueiro. Coveiro 01 – Senhor Bilac, desculpe o verso chulo... Mundano, se assim preferir: não precisa rimar todas as vezes que conosco falar. Bilac - Sobre aquilo que falei a respeito do poeta que morreu... Coveiro 01 - Não se preocupe, o senhor não me ofendeu. Bilac - É que tenho sentido uma grande irritação com esses novos poetas que surgem todos os dias, ou melhor, todas as noites. Embriagam-se porque nasceram os primeiros pêlos em seus rostos e na manhã seguinte tiram de seus bolsos cadernos com rabiscos de versos tortos. São os ovos colocados pelo pessimismo que anda soprando, como uma ventania dos infernos, o pensamento filosófico. Pensam que são poetas, mas não passam de uma fauna de paranóicos, loucos morais, epiléticos, tísicos, reformadores sombrios, histéricos, criminosos verbais, vagabundos... Coveiro 01 – Vagabundos... É o que vivo a repetir a está múmia anencefálica. Peço só uma coisa, que cave as sepulturas como eu, braço ágil. Se é para lerdear, como fazem tantos de nossos coveiros, eu prefiro chamar o primeiro poeta para abrir a minha cova.

Frankenstein Bilac – São esses mesmos poetas que falam apenas sobre mundos degradados de modo que a literatura hoje parece uma enfermaria onde se acolhem os doentes e se observam as moléstias, uma orgia de pessimismos, moafa de satanismos, um destempera de blasfêmias pois Deus, a natureza, o Diabo, a mulher, o homem, a vida e a morte ouvem coisas ásperas e duras. A loucura se propaga rapidamente. Coveiro 01 – Loucura. Advirto: não serre o ar com a pá, o tempo todo. Moderação em tudo. Pois mesmo na procissão, nos serviços fúnebres, no choro das carpideiras, eu diria até no torvelinho da morte, é preciso conceber e exprimir sobriedade, o que engrandece a ação. Bilac – A ação de desprezar a fé, o bom -senso, a métrica, a gramática e o decoro. Para que os lagos de Lamartine e as noites de Musset? Não! Melhores as noites da Babilônia. Nas chamas se vêem pavores de arrepiar, cenas macabras, teatro das vertigens para os demônios da corte do inferno. Coveiro 01 – Ah, o inferno que corrói a minha alma ao ouvir esse latagão robusto, de cabelos ensebados, estraçalhando uma sepultura até fazê-la em buracos, arrebentando os tímpanos dos que choram comovidos, não sei se pelo defunto parente ou pelo trabalho indecente. O que lhe custa evitar isso? Por que precisa herodizar o Hades? Bilac – Hades? Hades? Há de se considerar que esses jovens poetas escrevem uma poesia feita em casa, comodamente, em chinelos, com um dicionário de rimas ao pé. Mas o defeito disso não é fabricar versos em chinelos, tomando chá frio. O defeito é a vulgaridade. São vulgares os simbolistas, os decadentes, os satânicos, os desvairados, os líricos meigos, os parnasianos marmóreos… Coveiro 01 – E os que choram... Bilac – Eu não falei os que choram... Coveiro 01 – Acabou de falar... Os que choram para trazer lágrimas aos olhos de uns tantos espectadores idiotas, ainda que, no mesmo momento esteja a lamentar a viúva célebre e zabaneira ou o padre incauto e pedófilo que mereça atenção geral. Isso é indigno e revela uma ambição lamentável por parte do imbecil que usa esse recurso. A vontade é mandar açoitar esse coveiro. Bilac - Não suporto mais isso. Tenho vontade de mandar às urtigas a poesia. Coveiro 01 - E enterrá-lo vivo! Coveiro 02 - Oh, senhor, não faça isso! Coveiro 01 – Agora deste de falar? Bilac – Deixe-o em paz neste lugar...


Iconografia movimento

Essa moรงa que passa lagarta negra Um dia virรก borboleta


Sepultura Cristã ou Pagã?

Coveiros

O Fábio mandou a cena dos coveiros por e-mail. Em alguma discussão, quando ainda da leitura conjunta do livro da Ana Miranda, surgiu um papo sobre os coveiros do Hamlet. Mexer com Hamlet? Não. Já está bom o livro, Augusto dos Anjos, Olavo Bilac, Raul Pompéia, Ester... Não, melhor deixar o Hamlet em paz, longe do nosso desrespeito. Não é o Hamlet. Estamos falando somente da cena dos coveiros. Cena I do ato V. Daria uma discussão interessante, sobre enterrar ou não enterrar Augustos dos Anjos numa sepultura cristã. Mas por quê? Tem uma história do encontro de Olavo Bilac com dois poetas: Órris Soares (grande amigo de Augusto, e, desconfiamos que seja o narrador sem nome do livro de Ana Miranda) e Heitor Lima, quando da morte do próprio Augusto. Eles comunicaram a morte a Bilac, que não conhecia o falecido poeta. Eles declamaram “Versos a um Coveiro” e Bilac... Coveiro! É referência na obra de Augusto. Ele chega mesmo a invejá-los. Tem que ter coveiro... Em determinado ponto do processo, os coveiros passaram a narrar os acontecimentos. Substituímos o narrador sem nome dA Última Quimera por dois coveiros. Perscrutadores de um cemitério perdido no aqui e agora. Querendo saber o que a morte de um poeta muda os acontecimentos diários. A primeira cena da peça dá o tom desses coveiros. O desrespeito com Hamlet estava apenas começando! Hamlet de William Shakespeare tradução de Millôr Fernandes

A Última Quimera adaptação de Carlos Canhameiro

AtoV - Cena 1 PRIMEIRO COVEIRO: Mas como vão enterrar numa sepultura cristã? Ela não procurou voluntária a sua salvação? SEGUNDO COVEIRO: Eu te digo que sim; mas cava a cova dela bem depressa. O juiz examinou o caso e decidiu enterro cristão. PRIMEIRO COVEIRO: Como é que pode ser? Só se ela se afogou em legítima defesa. SEGUNDO COVEIRO: Parece que foi. PRIMEIRO COVEIRO: Bom, deve ter sido se defendendo; não pode ser doutro jeito. E aí está o nó: se eu me afogo voluntário, isso prova que há um ato; e um ato tem três galhos; que é a ação, a facção e a executação. Argo, foi uma afogação voluntária.

3º Movimento Coveiro 01 - Um, dois, três, quatro, cinco... Poderá ser enterrado numa sepultara cristã, se foi ele quem procurou a salvação? Pode ser enterrado em sepultura cristã se foi ele que procurou a salvação. Quem procura a salvação pode ser enterrado em sepultura cristã? Digo-te que sim: por isso, trata de abrir logo a sepultura. Sim, procurou a salvação, será enterrado em sepultura cristã. Procurou em vida?, eu preciso perguntar. Foi o que disseram. Como assim, se ele não se atirou em defesa própria? Atirou-se sim?, também foi o que decidiram?


Coveiros Hamlet de William Shakespeare tradução de Millôr Fernandes AtoV - Cena 1 PRIMEIRO COVEIRO: Mas como vão enterrar numa sepultura cristã? Ela não procurou voluntária a sua salvação? SEGUNDO COVEIRO: Eu te digo que sim; mas cava a cova dela bem depressa. O juiz examinou o caso e decidiu enterro cristão. PRIMEIRO COVEIRO: Como é que pode ser? Só se ela se afogou em legítima defesa. SEGUNDO COVEIRO: Parece que foi. PRIMEIRO COVEIRO: Bom, deve ter sido se defendendo; não pode ser doutro jeito. E aí está o nó: se eu me afogo voluntário, isso prova que há um ato; e um ato tem três galhos; que é a ação, a facção e a executação. Argo, foi uma afogação voluntária. SEGUNDO COVEIRO: Claro, mas ouve aqui, cavalheiro coveiro... PRIMEIRO COVEIRO: Com a sua licença! (Mexe na poeira com o dedo.) Aqui tem a água; bom. Aqui tem o homem; bom. Se o homem vai nessa água e se afoga, não interessa se quis ou não quis – ele foi. Percebeu? Agora se a água vem até o homem e afoga ele, ele não se afoga-se. Argo, quem não é culpado da própria morte, não encurta a própria vida. SEGUNDO COVEIRO: Mas isso tá na lei? PRIMEIRO COVEIRO: Claro que está; é a lei das perguntas do juiz. SEGUNDO COVEIRO: Quer que eu te diga? Se essa não fosse da nobreza, nunca que iam dar pra ela uma sepultura

A Última Quimera adaptação de Carlos Canhameiro 3º Movimento Coveiro 01 - Um, dois, três, quatro, cinco... Poderá ser enterrado numa sepultara cristã, se foi ele quem procurou a salvação? Pode ser enterrado em sepultura cristã se foi ele que procurou a salvação. Quem procura a salvação pode ser enterrado em sepultura cristã? Digo-te que sim: por isso, trata de abrir logo a sepultura. Sim, procurou a salvação, será enterrado em sepultura cristã. Procurou em vida?, eu preciso perguntar. Foi o que disseram. Como assim, se ele não se atirou em defesa própria? Atirou-se sim?, também foi o que decidiram? Coveiro 01 - Então, foi se ofendendo... Não, não, não pode ter sido de outro modo. O ponto principal é o seguinte: se eu me atirar voluntariamente, pratico um ato; um ato é composto de três partes: agir, fazer e realizar. Logo,se atirou-se, atirou-se porque quis. No entanto... Houve... Ouve com essas orelhas que a terra há de apodrecer: Ali. Ali está a arte; bem. Aqui está o homem; bem. Se o homem vai até a arte e nela se atira, é ele, quer o queira quer não, que vai até ela. Toma nota. Mas, se a arte vem até o homem e o arremessa, não é ele que se atira. Logo, quem não é culpado de sua própria arte, não atira contra sua própria vida. Não, melhor: quem não é responsável por sua própria obra não atira contra sua própria vida. Responsável é melhor do que


Coveiros Hamlet de William Shakespeare tradução de Millôr Fernandes

A Última Quimera adaptação de Carlos Canhameiro 3º Movimento Coveiro 01 - Um, dois, três, quatro, cinco... Poderá ser enterrado numa sepultara cristã, se foi ele quem procurou a salvação? Pode ser enterrado em sepultura cristã se foi ele que procurou a salvação. Quem procura a salvação pode ser enterrado em sepultura cristã? Digo-te que sim: por isso, trata de abrir logo a sepultura. Sim, procurou a salvação, será enterrado em sepultura cristã. Procurou em vida?, eu preciso perguntar. Foi o que disseram. Como assim, se ele não se atirou em defesa própria? Atirou-se sim?, também foi o que decidiram?

AtoV - Cena 1 PRIMEIRO COVEIRO: Mas como vão enterrar numa sepultura cristã? Ela não procurou voluntária a sua salvação? SEGUNDO COVEIRO: Eu te digo que sim; mas cava a cova dela bem depressa. O juiz examinou o caso e decidiu enterro cristão. PRIMEIRO COVEIRO: Como é que pode ser? Só se ela se afogou em legítima defesa. SEGUNDO COVEIRO: Parece que foi. PRIMEIRO COVEIRO: Bom, deve ter sido se defendendo; não pode ser doutro jeito. E aí está o nó: se eu me afogo voluntário, isso prova que há um ato; e um ato tem três galhos; que é a ação, a facção e a executação. Argo, foi uma afogação voluntária. SEGUNDO COVEIRO: Claro, mas ouve aqui, cavalheiro coveiro... PRIMEIRO COVEIRO: Com a sua licença! (Mexe na poeira com o dedo.) Aqui tem a água; bom. Aqui tem o homem; bom. Se o homem vai nessa água e se afoga, não interessa se quis ou não quis – ele foi. Percebeu? Agora se a água vem até o homem e afoga ele, ele não se afoga-se.


Iconografia versos

E haja s贸 amizade verdadeira Duma caveira para outra caveira, Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!


O que é dar certo?

Paranética

[Quem ensinasse os homens a morrer estaria ensinando-os a viver] Montaigne , Os Ensaios – Livro I. [Os processos que ocorrem no Brasil se dão à margem da história, e se história significa 'tornar consciente', os processos em curso no Brasil se dão à margem da consciência inclusive, ainda, do próprio brasileiro] Vilém Flusser, Fenomenologia do Brasileiro. [O motivo do arrombamento das portas do inferno, da supressão da morte, constitui o núcleo de todo pensamento anti-mitológico] Adorno e Horkheimer, Dialética do Esclarecimento. Exceto pelo que as citações acima dizem por si mesmas, começar um texto com três aforismos filosóficos (quando a praxe manda citar um só) nada mais é do que chamar atenção do leitor para o próprio texto e impugnar no mesmo uma aura de erudição e, quiçá, necessidade de ser lido. Citações têm esse poder. Filósofos causam uma boa impressão, ainda. E, acaso esteja com os seus olhos nessas palavras, talvez o recurso tenha dado certo. A pergunta está no título. E não há pretensão em respondê-la. Nunca há. Possivelmente uma nova pergunta se instaure: então, por que perguntar? Em discussão, apenas a sensação contemporânea de que precisamos dar

certo, seja “certo” o que for. As respostas são várias e as perguntas derivadas são outras tantas. E, nesse infinito nada particular de possibilidades, os dias seguem e as escolhas são, ou não, feitas. O resultado fica nas mãos de muitos fieis depositários: o tempo, o destino, o acaso, deus ou o diabo. Falemos então dos Anjos. Do Augusto. Um poeta paraibano que morreu em Leopoldina (MG) em 1914, de congestão pulmonar. Acredito que muitos já leram ou ouviram alguém declamar as palavras finais de seus Versos Íntimos: “Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija!”


Paranética O que é dar certo? [Quem ensinasse os homens a morrer estaria ensinando-os a viver] Montaigne , Os Ensaios – Livro I.

no mesmo uma aura de erudição e, quiçá, necessidade de ser lido. Citações têm esse poder. Filósofos causam uma boa impressão, ainda. E, acaso esteja com os seus olhos nessas palavras, talvez o recurso tenha dado certo. A pergunta está no título. E não há pretensão em respondê-la. Nunca há. Possivelmente uma nova pergunta se instaure: então, por que perguntar? Em discussão, apenas a sensação contemporânea de que precisamos dar certo, seja “certo” o que for. As respostas são várias e as perguntas derivadas são outras tantas. E, nesse infinito nada particular de possibilidades, os dias seguem e as escolhas são, ou não, feitas. O resultado fica nas mãos de muitos fieis depositários: o tempo, o destino, o acaso, deus ou o diabo.

quem de nó [Os processos que ocorrem no Brasil se dão à margem da história, e se história significa 'tornar consciente', os processos em curso no Brasil se dão à margem da consciência inclusive, ainda, do próprio brasileiro] Vilém Flusser, Fenomenologia do Brasileiro.

[O motivo do arrombamento das portas do inferno, da supressão da morte, constitui o núcleo de todo pensamento anti-mitológico] Adorno e Horkheimer, Dialética do Esclarecimento.

Exceto pelo que as citações acima dizem por si mesmas, começar um texto com três aforismos filosóficos (quando a praxe manda citar um só) nada mais é do que chamar atenção do leitor para o próprio texto e impugnar

Falemos então dos Anjos. Do Augusto. Um poeta paraibano que morreu em Leopoldina (MG) em 1914, de congestão pulmonar. Acredito que muitos já leram ou ouviram alguém declamar as palavras finais de seus Versos Íntimos:

“Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija!” Augusto dos Anjos morreu com 30 anos. Escreveu um único livro de poesias, chamado – como diz a escritora Ana Miranda: “desafiadoramente de Eu, apenas isso”. Um fracasso de vendas. Viveu uma vida bastante conturbada


Paranética Qual deles deu certo? – Volte novamente ao título desse artigo. Faça sua resposta. Colocar Augusto dos Anjos e Olavo Bilac num espaço comparativo é uma decisão arbitrária. E qual, em geral, não é? – Precisamos, talvez, dos recortes históricos, de personagens bem definidos e em baixa quantidade para acompanhar o desenvolver da trama. E que ela tenha uma relação comparativa simples e clara! Alguém é assim, outro-alguém é assado e ponto. Desse modo, muito provavelmente, dentro da nossa “vida líquida”, como bem a definiu Zigmunt Bauman (mais uma citação para não perder o caráter da erudição acadêmica), temos a sensação de que escolhendo entre poucas opções as chances de dar certo, são maiores. Quero ser como Olavo Bilac ou então, opto pelo poeta da morte, Augusto dos Anjos.

Pois bem, sabe-se, talvez antes do que o próprio saber, que não há resposta absoluta, quiçá relativa para a questão. Há, entretanto, o desconforto. A inquietação que martiriza as ações, muita das vezes, quando ousamos escolher. O desejo escondido do sucesso – apesar de toda a consciência de sua efemeridade. Pode-se perguntar: oras, de que sucesso está a falar, gajo? – Desse; que significa apenas para você e que precisa, ao mesmo tempo, do reconhecimento daqueles que estão a sua volta. Desse; que faz-nos querer dar certo a todo instante.

s deu certo? Não tão simples, evidentemente. Há uma gama outra de exemplos no intervalo Augusto – Bilac. Nomes marcados ou apagados pela história que demonstram que não se pode exigir uma resposta absoluta à pergunta lançada no título deste artigo usando apenas dois poetas. E Alberto de Oliveira? E Raimundo Correia? Francisca Júlia? Luís Murat?

Stop!

E se acaso eu não der certo com a escolha que fiz? Será essa escolha a minha última quimera? - Não tenho respostas. Augusto dos Anjos e Olavo Bilac são os mortos que escolhi para ajudar a pensar os caminhos e escolhas que podemos ou não tomar.

Ah, e os frases do começo? Para que servem? – Se você chegou até aqui, é porque elas deram certo!


trabalho

Iconografia Para iludir minha desgraça estudo. Intimamente sei que não me iludo.


Duelo

Ser ou não ser. Eis a masturbação.

Um duelo? Entre Raul Pompéia e Olavo Bilac? Quais as razões? – Raul Pompéia masturbava-se ou não masturbavase... Como? Masturba-se ou não se masturba... Está no livro da Ana Miranda, no capítulo “A luz lasciva do luar”, parte 5, página 66 da 4ª Edição! O duelo, de fato, não ocorreu. Pelo menos não entre Bilac e Pompéia. Porém, o nosso com Hamlet prosseguiu. Ser ou não ser? Masturbar ou não masturbar. Por que não? No começo eram somente os dois coveiros, agora vamos mexer no mais conhecido solilóquio do mundo? Vamos...

A Última Quimera adaptação de Carlos Canhameiro 6º Movimento - Cena 02 Coveiro 01 – Senhor Bilac, chega de rimar. E quanto a ti, coveiropoeta, feche essa matraca e não te metas onde não interessa. O caso agora é entre mim, o Senhor Bilac e a jovem poesia dos jovens ignaros. Reclamas com um sem-fim de palavras e ladainhas sobre a neófita poesia, senhor Bilac... Diga-me, o que escreveste no jornal sobre um auto-falecido romancista? Não ouse defendê-lo, coveiro dos diabos. Disse-te: calado! Não te recordas? Bilac – Nada precisa ser acrescentado a este assunto nefasto. Coveiro 01 – Eis a prova cabal de que a ausência de angústia metafísica no senhor Olavo Bilac é, na verdade, uma questão pessoal, não de escola. Esse é um momento da peça que ninguém entende nada. Por que não ajuda agora?

Hamlet de William Shakespeare tradução de Millôr Fernandes HAMLET: Ser ou não ser – eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma Pedradas e flechadas do destino feroz Ou pegar em armas contra o mar de angústias – E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir; Só isso. E com o sono – dizem – extinguir Dores do coração e as mil mazelas naturais A que a carne é sujeita; eis uma consumação Ardentemente desejável. Morrer – dormir – Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo! Os sonhos que hão de vir no sono da morte Quando tivermos escapado ao tumulto vital Nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão Que dá à desventura uma vida tão longa.


Duelo Hamlet de William Shakespeare tradução de Millôr Fernandes HAMLET: Ser ou não ser – eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma Pedradas e flechadas do destino feroz Ou pegar em armas contra o mar de angústias – E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir; Só isso. E com o sono – dizem – extinguir Dores do coração e as mil mazelas naturais A que a carne é sujeita; eis uma consumação Ardentemente desejável. Morrer – dormir – Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo! Os sonhos que hão de vir no sono da morte Quando tivermos escapado ao tumulto vital Nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão Que dá à desventura uma vida tão longa. Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo, A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso, As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei, A prepotência do mando, e o achincalhe Que o mérito paciente recebe dos inúteis, Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso

A Última Quimera adaptação de Carlos Canhameiro 6º Movimento - Cena 02 Coveiro 01 – Senhor Bilac, chega de rimar. E quanto a ti, coveiropoeta, feche essa matraca e não te metas onde não interessa. O caso agora é entre mim, o Senhor Bilac e a jovem poesia dos jovens ignaros. Reclamas com um sem-fim de palavras e ladainhas sobre a neófita poesia, senhor Bilac... Diga-me, o que escreveste no jornal sobre um auto-falecido romancista? Não ouse defendê-lo, coveiro dos diabos. Disse-te: calado! Não te recordas? Bilac – Nada precisa ser acrescentado a este assunto nefasto. Coveiro 01 – Eis a prova cabal de que a ausência de angústia metafísica no senhor Olavo Bilac é, na verdade, uma questão pessoal, não de escola. Esse é um momento da peça que ninguém entende nada. Por que não ajuda agora? Coveiro 02 – O senhor Olavo Bilac escreveu pelo menos assim deu a entender já que o texto não levava assinatura e a seção do jornal era responsabilidade do senhor Olavo Bilac que não assinou o texto que trazia maledicências sobre o senhor romancista de um único romance Raul Pompéia de quem o senhor Olavo Bilac que não assinou disse sem meias-palavras que o Raul Pompéia se masturbava à noite ao rememorar o que foi visto durante o dia. Bilac – Ele se masturbava sim, e eu só voltei para dizer isso... Coveiro 01 – Masturbar ou não masturbar? Eis o que indago a minha mão. Será mais nobre sofrer na alma A fantasia e a concupiscência de uma imagem atroz


Duelo Ou pegar na arma com gosto, com fúria E, com-batendo, dar-lhe fim? Gozar; dormir; Nada mais. E com o sono – dizem – extinguir Dores do coração e as mil donzelas naturais A que a carne é sujeita; eis uma consumação Ardentemente desejável. Morrer – Não! Gozar e dormir! Bilac – Se gozaste, o fizeste muito bem, quando o próprio Raul Pompéia, ao escrever em sua coluna... Coveiro 01 – O próprio Raul Pompéia, com toda a excrescência de sua juventude, como bem quer o Príncipe, disse, sem meiasverdades que... Raul Pompéia - Olavo Bilac é apaixonado por sua irmã. Coveiro 01 – CORA Raul Pompéia - Com ela gerou um filho. Coveiro 01 – ERNESTO Raul Pompéia - Já que nunca teve nenhum outro com qualquer outra mulher. Coveiro 01 - Qualquer uma dessas mil donzelas que deixaria Raul Pompéia de pau duro! Bilac – Cora é minha irmã e Ernesto não nasceu torto... Seus filhos da puta. Isso era subtexto. O problema de se marcar uma cena de teatro é que o ator sabe o que vai acontecer no momento seguinte... Coveiro 01 – CORA! Ande... Bilac copula com a irmã? Bilac não copula com a irmã? Bilac é o pai do sobrinho ou não é o pai do sobrinho. Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? O segredo do Bilac é o amor

incestuoso? Ou a necrofilia? Não é ele um invertido? Um uranista? Bilac – Isso já foi longe demais... Coveiro 01 – Gozar. Dormir... O que temes, Príncipe? Que essas histórias românticas o tornem um poeta mais substancial do que a sua própria poesia? Quem suportaria o açoite e os insultos do mundo, a afronta do opressor... Não estamos tão longe. Por que acreditas que Raul Pompéia aceitaria o vexame de ser socado no rosto pelo senhor e quedaria-se calado? Bilac – Não poderia imaginar que a tal vil ação foste chegar. Amigos que somos e preferes duelar... Pompéia – Às seis da manhã no Jardim Botânico, num terreno baldio que dá para a lagoa, escondido da rua por um pequeno bosque, é para lá que eu vou. Coveiro 01 – A reflexão faz todos nós covardes. Empreitadas de vigor e coragem, refletidas demais, saem de seu caminho: Perdem o nome de AÇÃO! Bilaquetes – DUELO. DUELO. DUELO. Coveiro 01 - Quem agüentaria fardos, Gemendo e suando numa vida servil, Senão porque o terror de alguma coisa após a morte – O país não descoberto, de cujos confins Jamais voltou nenhum viajante – nos confunde a vontade Nos faz preferir e suportar os males que já temos,


Exumação de Corpos Na próximas páginas estão os três espetáculos da Cia. Les Commediens Tropicales, anteriores A Última Quimera. CHALAÇA a peça continua no repertório da Cia. LCT. Galvez Imperador do Acre está numa tentativa constante de ser ressuscitado e Terror e Miséria no III Reich faz hoje parceria a todos os espetáculos mortos que deixam sempre uma saudade danada! Ausentes nesta exumação as montagens: A Gaivota, texto de Anton Tchecov, dirigido por Isa Kopelman e Feiticeiras de Salem, texto de Arthur Miller, dirigido por Marcelo Lazzaratto. A ausência de mais informações sobre esses trabalhos se dá pela falta de espaço (no amplo sentido que quiser dar a essa palavra!).


acincéT ahciF

Bertolt Brecht (1898-1956), autor e diretor alemão, trouxe a luta de classes para a poesia da cena, mostrando o homem como sujeito transformador de sua realidade. Em 1933 abandonou a Alemanha nazista, e no exílio escreveu, entre outras peças, Terror e Miséria no III Reich. Trata - s e d e u m tex to é p i co, o n d exe n a s independentes são justapostas para retratar a Alemanha no período em que Hitler estava no poder. As cenas foram criadas a partir de recortes de jornais do período pré-guerra - 1942-3, época em que a Alemanha vivia o temor de um governo totalitário e inquisidor. Para retratar esta sociedade abalada pela eminência de uma guerra próxima, e pelo surgimento de uma facção preconceituosa e extremamente nacionalista (que desejava a todo custo o "soerguimento do povo alemão", humilhado pelo Tratado de Versalhes), Brecht percorre as diferentes classes sociais, retratando as relações que se estabelecem ou se rompem perante o medo. O texto retraía com precisão o pior sintoma da existência do totalitarismo: a destruição das relações humanas, desorganizando propositalmente qualquer possibilidade de reação ao regime.

Ficha Técnica

Terror e Miséria no III Reich Encenação e Adaptação: Marcelo Lazzaratto Texto: Bertolt Brecht Elenco: Adilson Ledubino / Ana Carolina Godoy / Ana Paula Perche / Camila Ivo / Carlos Canhameiro / Cláudia Funchal / Davi Valle / Dayanna Abath / Fábio Ferracini / Flávia Hiroki / Flávio Rodrigo / Francisco Wagner / Heidi Monezzi / João Edson / Luciana Gabriel / Luisa Helene / Maria Carolina / Mariana Goulart / Marina Baeder / Mariza Junqueira / Nádia Morali / Paula Mirhan / Tibério César Elenco de Apoio: Alda Abreu / Carlos Gontijo / Carolina Capacle / Caroline Ungaro / Daniela Alves / Janaina Carrer / Leonardo / Tetembua Dandara / Thaís Neves de Rossi / Marilene Grama Preparação Corporal: Alexandre Caetano e Luis Monteiro Preparação Vocal e Canto: Margarida e Sara Lopes Música: Rafael Vanazzi Sonoplastia: Rafael Vanazzi Iluminação, Cenário e Figurinos: Cia. LCT Produção: Carlos Canhameiro


acincéT ahciF

Galvez é o Imperador que o Brasil não conheceu. O espetáculo, baseado na obra homônima de Márcio Souza, tentou reparar esse esquecimento ao narrar a vida e a prodigiosa aventura de Dom Luiz Galvez Rodrigues de Ária nas fabulosas capitais amazônicas, e a burlesca conquista do território acreano contada com perfeito e justo equilíbrio de raciocínio, para a delícia dos espectadores. Ambientado, teoricamente (!), no fim do século XIX, mostra como o rápido avanço da revolução industrial multiplicou a demanda da borracha - motivo e fundamento do delirante boom amazônico, cujo monumento mais vistoso é Manaus, a capital da selva, a meca dos caçadores de fortuna, politiqueiros, rameiras de luxo e de outros gêneros, em suma, de visionários e aventureiros. Misturando dados fictícios e históricos o espetáculo mostrava um homem invulnerável aos golpes do destino - sejam estes emboscadas, dilúvios, doenças, canibais e flechas, amores eclesiásticos e amizades equívocas - e que fundou no norte do Reino do Brasil, o efêmero império do Acre. Um folhetim humorístico mas que, ao mesmo tempo, evidenciava a capacidade do autor refletir, no relato de acontecimentos do passado, o presente caótico da realidade brasileira e latino-americana. Galvez Imperador do Acre foi um espetáculo brasileiro em toda a sua essência e procurou avançar com as discussões levantadas pelo autor sobre a formação burguesa e política do Brasil.

Ficha Técnica

Galvez Imperador do Acre

Encenação: Marcio Aurelio. Baseado no romance homônimo de Márcio Souza. Adaptação: Cia. Les Commediens Tropicales. Texto Final: Carlos Canhameiro

Elenco: Ana Carolina Godoy , Ana Paula Perche, Camila Ivo, Carlos Canhameiro, Davi Valle, Fábio Basile, Fabrício Licursi, Felipe Chagas, Gustavo Xella, Heidi Monezzi, João Martins, Luciana Gabriel, Marcelo Pinta, Mariana Goulart, Marina Baeder, Paula Mirhan e Sandro Masai.

Música e Sonoplastia: Allen Ferraudo e Rafael Vanazzi Preparação Corporal: Gracia Navarro e Lara Rodrigues Preparação Vocal: Melissa Maranhão Iluminação: Marcio Aurelio Figurinos: Marcio Aurelio Produção: Carlos Canhameiro


CHALAÇA a peça

Encenação: Marcio Aurelio Inspirado no livro O Chalaça de José Roberto Torero

Ficha Técnica

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O que se esconde nas sombras da história do Brasil que serve de material tanto para romances picarescos quanto para dramas televisivos? Quem são essas personagens de atuação real que influenciaram e continuam a influenciar todas as ações políticas e sociais do Brasil? Por que os mitos brasileiros nunca são expostos em suas ações mais comezinhas e cotidianas, reveladoras de uma formação burguesa equivocada e uma classe política desajustada? CHALAÇA a peça não responderá a nenhuma dessas questões. Apenas levantará as perguntas. Partindo do livro O Chalaça de José Roberto Torero, a Cia. Les Commediens Tropicales traz à cena personagens históricos (ou não!) para depor sobre os eventos importantes (ou não!) do período que abrange desde a chegada da Corte Portuguesa no Brasil até a retomada do Trono Português por D. Pedro I (de 1807 a 1834). Estão presentes neste interrogatório particular mais de 30 figuras que revelam (ou escondem!) memórias das ações políticas, sociais, econômicas e privadas do Brasil Colônia e Império (se houver diferença!). D. Pedro, Imperatriz Leopoldina, D. Amélia, Debret, Marquesa de Santos, Calimério da Cruz, Marques de Barbacena, Augusto May, João Cartola, são algumas das figuras que se entrelaçarão durante o espetáculo e que comparecem nessa revista da história nacional... O CHALAÇA? A figura sombra, como diversas outras da nossa história, aparece, mas como convém a esse tipo de personagem: pelas costas. É a peça do quebracabeça ou a peça que faz a história andar ou a peça, aquela, que a gíria exprime tão bem. “Castigat ridendo mores”

Adaptação: Cia. Les Commediens Tropicales Texto Final: Carlos Canhameiro

Atores (elenco original): Carlos Canhameiro / Daniel Gonzalez / Débora Monteiro / Eden godoy / Fábio Basile / Gustavo Xella João Martins / Michele Navarro / Paula Mirhan

Cenógrafia e Figurinos: Daniela Elias e Gabriel Braga Música e Sonoplastia: Allen Ferraudo Iluminação: Marcio Aurelio Produção: Carlos Canhameiro


A Morte da Personagem

Nesta página estava uma reflexão sobre o fim da construção da personagem no teatro contemporâneo. Ainda está!


Túmulo Augusto dos Anjos

Vozes de um túmulo Morri! E a Terra — a mãe comum — o brilho Destes meus olhos apagou!... Assim Tântalo, aos reais convivas, num festim, Serviu as carnes do seu próprio filho! Por que para este cemitério vim?! Por quê?! Antes da vida o angusto trilho Palmilhasse, do que este que palmilho E que me assombra, porque não tem fim! No ardor do sonho que o fronema exalta Construí de orgulho ênea pirâmide alta, Hoje, porém, que se desmoronou A pirâmide real do meu orgulho, Hoje que apenas sou matéria e entulho Tenho consciência de que nada sou!


Expediente Realização Cia. Les Commediens Tropicales APAA Imprensa Oficial Projeto gráfico, edição e diagramação Carlos Canhameiro Imagens Carlos Canhameiro Isa Giuntini Jonas Golfeto Will Mazolla Conteúdo Os textos que levam assinatura são responsabilidade de seus autores, demais textos são da Cia Les Commediens Tropicales Impressão Imprensa Oficial Capa Renan Duarte Tiragem 500 cópias

Contato: lctropicales@mpc.com.br - http://aultimaquimera.blogspot.com

A Última Quimera (uma necrofagia teatral)

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA Governador José Serra Secretário de Estado da Cultura João Sayad Coordenador da Unidade de Fomento e Difusão de Produção Cultural André Sturm ASSOCIAÇÃO PAULISTA DOS AMIGOS DA ARTE - APAA Diretor Artístico Vicente Amato Filho Diretora Executiva Isa Castro TEATRO SÉRGIO CARDOSO Diretor de Equipamento Walmir Zanotti Apoio Administrativo Marlon B. Mendes Rosário de Maria B. Castro Manutenção Heronildo Daniel Soares Cenotécnica Eduardo Domingues Claudemir Alves Freire Técnica Toni Ricardo Bento Alves Edson da Silva Santos Bilheteria Cidália de Souza Coelho e Rita de Cássia Silva



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