Comunidades de aprendizagem e estratégias pedagógicas

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COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM E ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS


COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM E ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS


Comunidades de aprendizagem Apresentação e estratégias pedagógicas

Apresentação Um conteúdo objetivo, conciso, didático e que atenda às expectativas de quem leva a vida em constante movimento: este parece ser o sonho de todo leitor que enxerga o estudo como fonte inesgotável de conhecimento. Pensando na imensa necessidade de atender o desejo desse exigente leitor é que foi criado este produto voltado para os anseios de quem busca informação e conhecimento com o dinamismo dos dias atuais. Com esses ideais em mente, nasceram os livros eletrônicos da Cengage Learning, com conteúdos de qualidade, dentro de uma roupagem criativa e arrojada. Em cada título é possível encontrar a abordagem de temas de forma abrangente, associada a uma leitura agradável e organizada, visando facilitar o aprendizado e a memorização de cada disciplina. A linguagem dialógica aproxima o estudante dos temas explorados, promovendo a interação com o assunto tratado. Ao longo do conteúdo, o leitor terá acesso a recursos inovadores, como os tópicos Atenção, que o alertam sobre a importância do assunto abordado, e o Para saber mais, que apresenta dicas interessantíssimas de leitura complementar e curiosidades bem bacanas, para aprofundar a apreensão do assunto, além de recursos ilustrativos, que permitem a associação de cada ponto a ser estudado. Ao clicar nas palavras-chave em negrito, o leitor será levado ao Glossário, para ter acesso à definição da palavra. Para voltar ao texto, no ponto em que parou, o leitor deve clicar na própria palavra-chave do Glossário, em negrito. Esperamos que você encontre neste livro a materialização de um desejo: o alcance do conhecimento de maneira objetiva, concisa, didática e eficaz. Boa leitura!

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Comunidades de aprendizagem Prefácioe estratégias pedagógicas

Prefácio A ideia de comunidades de aprendizagem pode ser autoexplicativa: trata-se de conjuntos de indivíduos independentes que, com base em seus objetivos e abstrações, agregam-se por vontade própria a fim de trabalhar e aprender, influenciando-se uns aos outros dentro de um processo de aprendizagem. A aprendizagem de colaboração entre professor e estudante é o elemento principal das comunidades de aprendizagem. Na verdade, o trabalho em conjunto fomenta a melhora da educação. O conteúdo elaborado no material intitulado COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM E ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS visa levar ao leitor um conteúdo didático e abrangente acerca do assunto. Afinal, dentro das comunidades de aprendizagem que carregam como objetivo a melhora da educação, quais estratégias podem ser adotadas para que tal objetivo possa ser alcançado? Questionamentos como este serão sanados no decorrer dos conteúdos, distribuídos entre as 4 unidades da disciplina. Pensadores históricos e a realidade vigente serão levados em conta ao longo do estudo. O processo de mudança de um determinado contexto somente é possível de ser alterado se os indivíduos obtiverem interesses comuns. Esse será o maior incentivo para a mudança e melhora. Bons estudos.

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Unidade 1 – Educação como processo social: aprendizagem e interação

UNIDADE 1 EDUCAÇÃO COMO PROCESSO SOCIAL: APRENDIZAGEM E INTERAÇÃO Capítulo 1

Introdução, 10

Capítulo 2

Comunidade e sua relação com a sociedade, 10

Capítulo 3 Especificidades da comunidade, 12 Capítulo 4

Interação social e transmissão de conhecimento, 14

Capítulo 5

Tecnologias de transmissão de conhecimento, 18

Capítulo 6

Comunidades de aprendizagem e pedagogia, 23

Capítulo 7

Aprendizagem e história, 25

Glossário, 28

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1. Introdução Esta primeira unidade procura apresentar as questões que têm sido discutidas no âmbito da Filosofia, das Ciências Sociais e da Pedagogia sobre a transmissão do conhecimento. Os pontos principais a serem abordados são: 1) a especificidade da transmissão do conhecimento em comunidades; 2) a importância da interação/ interatividade no processo de ensino/aprendizagem; e 3) a contribuição deste, por sua vez, para a constituição da consciência do sujeito histórico.

2. Comunidade e sua relação com a sociedade Existem provavelmente muitas maneiras de definir o conceito de comunidade. Em qualquer uma delas é necessário considerar a relação da comunidade com a sociedade. Sempre que uma comunidade é discutida, seu contraponto conceitual e necessário é evocado, ou seja, toda vez que se evoca a vida em comunidade, esta se coloca em contraponto à vida em sociedade. Outro aspecto utilizado para fazer essa distinção, é o fato de o termo “sociedade” se referir a agrupamentos das grandes cidades, de metrópoles e de grandes centros urbanos, enquanto “comunidade”, em linhas gerais, a grupos de pequena escala e tradicionais, como aborígenes ou índios. A diferenciação entre os dois tipos básicos de organização social, a comunidade (Gemeinschaft) e a sociedade (Gesellschaft), certamente é uma das obras mais conhecidas do sociólogo alemão Ferdinand Tönnies (1855-1936), embora não seja sua única contribuição à análise sociológica. A despeito da discussão sobre a metodologia científica no campo da sociologia, as relações de comunidade, que são típicas de grupos como os de caçadores-coletores e hordas – portanto grupos relativamente pequenos e pré-industriais – baseiam-se na coesão nascida do parentesco, das práticas herdadas dos antepassados e dos fortes sentimentos mágico-religiosos que unem o grupo. Por outro lado, para Tönnies, as relações de sociedade são típicas de grupos que vivem nas cidades desenvolvidas, organizam-se em Estados e possuem uma complexa divisão do trabalho.

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ARA SABER MAIS: MIRANDA, Orlando de. (Org.). Para ler Ferdinand Tönnies. São Paulo: Edusp, 1995.

A explicação das particularidades de cada contexto é dada por meio da noção de vontade e solidariedade proveniente desta. Para Tönnies, as relações sociais são provenientes da vontade humana. Existem basicamente dois tipos de vontade: uma é a vontade essencial que é a tendência básica, instintiva, espontânea, irrefletida, orgânica, que impulsiona a atividade humana a partir detrás, e a vontade arbitrária que é a forma de vontade deliberada, reflexiva, que visa aos


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fins, finalista, capaz de determinar a atividade humana em relação ao futuro. A vontade essencial domina a vida dos camponeses, dos artesãos, das pessoas comuns, enquanto a vontade arbitrária caracteriza as atividades dos homens de negócios, dos cientistas, das pessoas investidas de autoridade e dos indivíduos das classes superiores. Esses dois tipos de vontade explicam a existência de dois tipos fundamentais de grupos sociais ou de “sociedades”. Um grupo pode existir e manter-se porque a simpatia entre os seus indivíduos os leva a sentir que essa relação é um “bem em si mesmo”, ou pode nascer como instrumento para se conseguir alcançar um “fim determinado”. Ao primeiro tipo de grupo, expressão da vontade essencial, Tönnies chama comunidade (Gemeinschaft) e, ao grupo que deriva da vontade arbitrária, sociedade (Gesellschaft). A comunidade é uma forma social caracterizada por relações pessoais, intenso espírito emocional e constituída pela cooperação, pelos costumes e pela religião. Essa organização social é encontrada na família, na aldeia e em pequenas comunidades urbanas. A sociedade é uma organização de grande escala, como a cidade, o Estado ou a nação, que se funda nas relações impessoais, nos interesses particulares, no direito e na opinião pública. Tönnies estudou a família, a vizinhança e o grupo de amigos, como exemplos de estruturas comunitárias, e a cidade e o Estado, como exemplos de estruturas societais. Tal diferenciação não se aplica somente como uma tipologia “estática” dos agrupamentos humanos, mas também dá a possibilidade para se explicar a passagem das “sociedades tradicionais” para as “sociedades modernas”, portanto, as fases originárias do desenvolvimento histórico da humanidade visto como processo de racionalização crescente: a modernização. A sociedade emerge, mediante a especialização das atividades realizadas pelas pessoas, os serviços, a estrutura da comunidade, em especial no momento em que as mercadorias e os serviços passam a ser negociados em mercado livre. A comunidade e a sociedade são produtos de dois tipos diferentes de vontade social. As vontades humanas podem estabelecer entre si “múltiplas relações” e podem dirigir-se ou para a conservação da ordem social, ou para a sua destruição. As relações de “afirmação recíproca” que interessam à sociologia variam de intensidade. Um “estado social” existe quando duas pessoas desejam estabelecer determinada relação, que geralmente é reconhecida pelas demais pessoas. O “círculo” surge quando um estado social prevalece entre duas ou mais pessoas. No entanto, algo mais significativo ocorre quando se amplia esse número. A partir do momen-

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to em que os indivíduos acreditam que constituem uma comunidade organizada em função de características naturais ou psíquicas, aparece a noção do “coletivo”. O coletivo é, portanto, não apenas uma ampliação do círculo, mas, finalmente, quando surge uma “organização” formal que atribui funções específicas a determinados indivíduos. O corpo social converte-se em uma espécie de “corporação”. Todas essas formações sociais podem fundar-se na vontade essencial ou na vontade arbitrária. Tönnies apresentou também uma classificação original das normas sociais, que está intimamente relacionada com a distinção fundamental entre comunidade e sociedade. O direito consiste no conjunto das normas sociais que, de acordo com o seu sentido, podem ser aplicadas pelos tribunais. As regras morais são aquelas normas que, de acordo com o seu sentido, são aplicadas por um “juiz”, seja ele pessoal, divino ou abstrato. A concórdia consiste em regras que se baseiam em relações derivadas da comunidade e que são consideradas naturais e necessárias. Os costumes são regras que têm suas raízes nas práticas tradicionais, enquanto as convenções se baseiam em “acordos” expressos ou tácitos que, por sua vez, se fundam sobre metas comuns, para cuja consecução as regras são vistas como meios adequados. O direito e a convenção são característicos das associações ligadas à sociedade; já as regras morais e a concórdia, às comunidades; e os costumes parecem implicar os dois tipos sociais básicos. Enfim, todos esses aspectos (direito, regras morais, concórdia, discórdia, costumes, convenções, acordos) são os conceitos a partir dos quais são pensadas as relações e particularidades entre comunidade e sociedade. A partir das ideias de Tönnies, é possível perceber não só que a comunidade possui características que lhe são inerentes, mas também que a comunidade é proveniente de um tipo específico de relação social, qual seja, aquele fundado sobre os laços de parentesco, da cooperação, dos costumes e das crenças.

3. Especificidades da comunidade A ideia não é afirmar, por meio dos argumentos de Tönnies, que não existem, nas comunidades, questões ligadas à larga escala dos fenômenos sociais, ou que não se está referindo a alguma forma de Estado, ou de Direito, ou de Opinião Pública. A escolha deste percurso é justificada pelo excesso de cuidado em se definir o que vem a ser, no contexto contemporâneo, o conceito de comunidade. Seguindo as ideias de Tönnies, numa contraposição ao pensamento do sociólogo francês E. Durkheim (1858-1917), pode-se dizer, sem sombra de dúvidas, que a comunidade possui especificidades, tanto quanto seu par antípoda: a sociedade. No que diz respeito às qualidades intrínsecas à comunidade, aspectos ligados à linguagem, à forma, à maneira, ao conteúdo e à importância, mas sobretudo no que se refere às vontades e, eventualmente, aos objetivos.


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No quesito ligado à dimensão, hoje se pode falar de grandes comunidades, embora aspectos ligados a uma comunidade de pequena escala podem já ter se perdido. Ademais, existem formas transitórias entre os dois modelos, que funcionam como espécies de tipos ideais para nos ajudar a pensar. A comunidade, caracterizada a partir da consanguinidade, expressa uma relação emotiva e de laços mais consistentes. Mesmo as grandes comunidades, que poderiam estar a meio termo entre as comunidades de pequena escala e as grandes metrópoles (e centros urbanos), apresentam muitos aspectos ligados às pequenas comunidades e aldeias de povos tradicionais. Outra forma de tratar as comunidades é a abordagem dos grupos que se desenvolvem no interior das sociedades. Nichos culturais que são caracterizados por diversas particularidades, mas que devem possuir a recorrência de reunião de interesses comuns, tal qual nas hordas descritas desde Henry Morgan e Johann Jakob Bachofen, mas especialmente pela consideração da discussão realizada no Leviatã, de Thomas Hobbes (1651), sobre os “direitos”, a “moral” e as “formas de comportamento”. Infringir uma regra, mesmo que esta seja apenas uma parte de um costume, implica reconhecimento, por parte dos membros, devido ao compartilhamento de códigos. É o Estado que possui a força para repreender aquele que

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infringe os “direitos” e a “moral” na esfera mais ampla da sociedade, portanto, um poder exógeno e superior aos grupos de interesses. O Estado é associado por Hobbes ao monstro marinho Leviatã, citado no Antigo Testamento. Nas comunidades localizadas dentro das sociedades, é comum que seus integrantes se reconheçam nas ruas a partir do compartilhamento de determinados códigos (que podem ser roupas ou acessórios, tatuagens ou piercings, linguagem específica, habilidades etc.). O compartilhamento de códigos possibilita que as condutas condizentes com esses códigos sejam reconhecidas, mas também possibilita identificar e eventualmente até punir com alguma sanção as condutas que infrigem determinadas regras. Entre as possibilidades de definição e particularidade do conceito de comunidade, pode-se mencionar que a comunidade é um grupo de indivíduos (geralmente com relações territoriais) que compartilham sistemas de códigos e com relações de reciprocidade.

4. Interação social e transmissão de conhecimento Apesar de aparentemente simples, a palavra “interação” (ou “interatividade”) é uma palavra de difícil conceitualização, pois existem diversos significados, ainda mais quando se pensa em contextos específicos e, principalmente, quando se fala de educação. Em um sentido mais amplo, a sociologia e a psicologia social falam da interação a partir das formas comunicacionais que as pessoas utilizam quando estão em contato. Mais do que apenas um contato, a interação pressupõe uma relação, que pode ser positiva ou negativa para ambos os interlocutores. Tomada em sua acepção pedagógica, o interacionismo, segundo Vygotsky, pressupõe a relação entre o indivíduo e a cultura, o meio cultural em que vive. O meio cultural distingue-se do meio natural pelo aparato simbólico e social no qual o sujeito está inserido. O interacionismo simbólico é uma abordagem teórica realizada pela sociologia para investigar as relações humanas. Considera-se de suma importância a influência, na interação social, dos significados particulares trazidos pelo indivíduo à interação, da mesma maneira os significados bastante particulares que ele obtém a partir dessa interação, sob sua interpretação pessoal. Surgida na Escola de Chicago, essa abordagem é especialmente relevante na chamada microssociologia e na psicologia social. No entanto, o interacionismo simbólico não se limita a essa definição. Segundo Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), por exemplo, e outros filósofos que escreveram sobre a linguagem, o mundo simbólico só se constrói a partir da interação entre dois ou mais sujeitos. Assim, o simbolismo não é resultado de interação do


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sujeito consigo mesmo ou de sua interação com um objeto. Apesar de se tratar de um sentido individual e uma base para todos e quaisquer sentidos que cada um produz, tal base é fundada nas interações do indivíduo, ou naquilo que o sujeito (“eu”) realiza, sendo regulado pela coletividade (“nós”) que é construída socialmente.

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ARA SABER MAIS: SCHLEMMER, Eliane. “Projetos de aprendizagem baseados em problemas: uma metodologia interacionista/construtivista para formação de comunidades em ambientes virtuais de aprendizagem”. In: Colabor@ – Revista Digital da CVA – Ricesu, Pelotas, v. 1, n. 2, nov., 2001. Disponível em: <http://pead.ucpel.tche. br/revistas/index.php/colabora/article/viewFile/17/15>. Acesso em: 23 mar. 2015.

O interacionismo simbólico se interessa pela criação e circulação dos significados durante a interação entre as pessoas, pela maneira que se apresentam e constroem a identidade, e pelo modo como são definidas as situações de coparticipação. Uma das ideias centrais dessa perspectiva teórica é que as pessoas agem de determinada maneira devido ao modo como são definidas tais situações. Embora o uso de conceitos do interacionismo simbólico tenha sido difundido entre sociólogos e influenciado especialistas em psicologia social, tal perspectiva foi criticada, particularmente durante os anos 1970, quando os métodos quantitativos se tornaram dominantes na sociologia. Às críticas metodológicas, se somam as críticas às supostas limitações teóricas para lidar com questões mais amplas relacionadas, por exemplo, com o poder e com a estrutura social, entre outros aspectos macrossociológicos; embora vários teóricos do interacionismo simbólico tenham trabalhado também com esses temas, sem contudo alcançarem êxito no reconhecimento e na legitimidade nos campos de conhecimento mais acostumados a enfocarem esse nível de interação. A palavra interatividade, por sua vez, é relativamente recente na história das línguas. Teria surgido na década de 1960, nos âmbitos das artes, da crítica literária e das mídias de massa, bem como das novas tecnologias, embora o termo interação seja bem mais antigo, constando em dicionários

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de língua inglesa já no século XIX. Embora com origens relativamente diversas, os termos interatividade e interação são muitas vezes utilizados como sinônimos e com um adjetivo em comum. Quando ocorre interação ou interatividade, usa-se o adjetivo interativo para ambos os casos. Dessa maneira, certa confusão semântica se armou em torno desses vocábulos. Alguns pesquisadores utilizam ambos os termos. Outros procuram construir definições mais específicas para cada um deles. Outros ainda criticam o uso do termo interatividade, aceitando apenas a palavra interação, enquanto outros ainda defendem que a interatividade é um dos fenômenos mais importantes e característicos da modernidade.

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ARA SABER MAIS: “O que é interatividade?”. In: Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, maio/ago. 1998. Disponível em: <www.senac.br/BTS/242/ boltec242d.htm. Acesso em: 23 mar. 2015.

E. D. Wagner (1997; 1994) faz uma distinção entre esses dois conceitos. A interação, segundo esse autor, envolveria o comportamento e as trocas entre indivíduos e grupos que se influenciam, nos casos em que há eventos recíprocos, que requerem pelo menos dois objetos e duas ações. A interatividade, por sua vez, envolveria os atributos da tecnologia contemporânea utilizada nas várias modalidades de Ensino a Distância, que permite conexões em tempo real. Em outras palavras, enquanto a interação estaria associada a pessoas, a interatividade estaria associada à tecnologia e aos canais de contato e comunicação. Outros autores falam ainda de uma nova forma de relação entre os homens e as máquinas (eletrônico/digital), distinta da interação social e mesmo de outro tipo de interatividade (mecânica/ analógico) característico das mídias mais antigas. No entender de Marco Silva (2006), interatividade representa o espírito de um novo tempo, uma revolução na educação. Para Alex Primo (2007), não há interatividade, por isso utiliza apenas interação em seu vocabulário, na medida em que não interessa a simples interação entre homens e máquinas, mas, sim, as interações entre os seres humanos, que podem ser mediadas pelo computador. De qualquer forma, pode-se dizer, no que concerne à interatividade, que se trata de um conceito fragmentado e inconsistente justamente pela amplitude de usos e de significados. Como tem sido utilizado para as mais variadas atividades e objetos (como programas de televisão, computadores, softwares, brinquedos, videogames, realidade virtual etc.), tal uso extensivo e elástico acaba tornando o conceito impreciso e confuso. Não se pretende neste texto resolver esse problema conceitual, mas o exercício nos ajuda a tatear os campos semânticos dessas palavras e, quem sabe, poder ter alguma clareza sobre a importância das relações da interação e da interatividade com a educação e com os processos de transmissão de conhecimentos.


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O processo de aprendizagem pressupõe a relação do sujeito com algo que está fora dele, ou seja, o mundo, o ambiente externo ao corpo, como objeto do conhecimento; e o outro, em geral de uma geração anterior (principalmente nos primeiros anos de vida), como um interlocutor e mediador entre o sujeito e o mundo. O sujeito pode produzir conhecimento sem a necessidade de interação com o outro. No entanto, o pressuposto da relação continua valendo, pois não existe conhecimento em si, tendo em vista que sempre se conhece algo sobre alguma coisa. O objeto do conhecimento e seu protagonista, o sujeito (ou conhecedor), sempre estarão relacionados. A relação do sujeito com o ambiente só é possível devido às capacidades perceptivas do ser humano. Sem os órgãos sensoriais não se poderia saber o que está acontecendo ao redor. A faculdade sensorial do ser humano possibilita sua relação empírica com o mundo exterior e, consequentemente, a produção de conhecimento sobre este. O que importa – desde a mais remota época da espécie humana até os dias atuais (filogenia), ou da mais tenra infância até a velhice (ontogenia) – conhecer o meio ambiente no qual o ser humano está inserido. A sobrevivência da espécie ou do indivíduo depende necessariamente do conhecimento que se produz a respeito do mundo. No entanto, não se conhece apenas o mundo exterior, mas também, e sobretudo, o mundo interior, psicológico, médico, filosófico, artístico e humanístico. É na discussão sobre este último que o processo de transmissão do conhecimento nos interessa particularmente. Não existe campo de conhecimento que seja (e esteja) por si mesmo exterior à humanidade, uma vez que é o homem que o produz. Uma árvore fora da botânica é uma árvore, entretanto, certas propriedades de um vegetal só são conhecidas porque a botânica as revela. O conhecimento, em sua origem, teve de ser necessariamente “conhecimento empírico”, no sentido mais forte que essa expressão possa ter. Por esse motivo, os voos filosóficos, quer sejam sobre metodologia ou metafísica, puderam ser efetivos quanto à produção de explicações convincentes e legítimas sobre os fenômenos. Seja como for, o empírico, tanto como substantivo quanto como adjetivo, depende, por sua vez, da experiência. Não existe o conhecimento empírico sem a devida experiência sobre tal ou qual objeto. A etimologia da palavra experiência mostra que seu trajeto inicia com o termo latim empiricus, “médico com experiência”, o termo grego empeirikós, “experiente”, sendo empeiria, ou seja, “experiência”. Ao longo dos tempos, a humanidade tem mudado a relação entre sujeito e objeto, o que ocorre devido às mudanças no meio, produzidas muitas vezes pelo próprio homem – que o filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) chamou de “condições materiais de produção e reprodução social”. Pode-se dizer que se trata de um mecanismo que se retroalimenta continuamente. A base material muda em virtude do acúmulo de conhecimento e, por outro lado, o conhecimento se amplia devido às novas possibilidades materiais.

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Essas transformações conduzem o pensamento necessariamente às diferentes pedagogias da interação e às formas desenvolvidas com a intenção de analisar o processo de produção e transmissão de conhecimento. Desde sociedades de pequena escala até as sociedades complexas, passando por todos os “estágios” possíveis entre esses dois polos, tal processo se faz presente embora se deva guardar as proporções e diferenças. Tanto a epistemologia genética do francês Jean Piaget (1896 - 1980) quanto o sociocronstrutivismo do russo Lev Vygotsky (1896 - 1934) são considerados teorias interacionistas, ou seja, o indivíduo se desenvolve e aprende por meio de interações com outros indivíduos e com o meio. O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), de Vygotsky, é bem interessante, nesse sentido, pois define o espaço entre o que a criança pode aprender sozinha e até onde ela pode chegar por meio de interações com alguém mais experiente (um adulto, por exemplo). O que caracteriza a ZDP é justamente o papel desempenhado pela interação.

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ARA SABER MAIS: IVIC, Ivan. “Lev Semionovich Vygotsky (1896-1934)”. Perspectivas: revista trimestral de educación comparada. Paris: Unesco: Oficina Internacional de Educación, v. XXIV, n. 3-4, 1994. p. 773-799. Também disponível em: <www. ibe.unesco.org/publications/ThinkersPdf/vygotskys.PDF>. Acesso em: 29 abr. 2015.

Abrindo mão da tentativa de definir níveis de interatividade (ou interação) para os processos de transmissão de conhecimento e avaliação do aprendizado realmente adquirido, vale a pena focalizar mais intensamente as questões e dificuldades relacionadas à transmissão de conhecimento em seu âmbito filosófico. A interação – entre pessoas no mundo real, ou entre pessoas no mundo virtual – é um pressuposto para a transmissão de conhecimento. Como combinar ferramentas que medem os níveis de interação (indo da proatividade à reatividade) e relacioná-las à transmissão de conhecimento? São diversas as questões possíveis quando se buscam os pontos de contato entre a transmissão do conhecimento e as interações. Tais interações podem ser de diversos tipos: interpessoais (entre pessoas), entre as pessoas e o meio, interpessoais e entre pessoas/meio.

5. Tecnologias de transmissão de conhecimento A produção de conhecimento por meio das interações entre o sujeito e seu meio vem sendo discutida pela humanidade desde os pré-socráticos VIII a.C. Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eleia e Demócrito de Abdera são bons exemplos para trazer à lembrança a antiguidade dessas questões entre nós. A relação entre os opostos, a transitoriedade e a estabilidade, os sentidos e a razão, a transformação e a perenidade, a opinião e o conceito, a essência e a aparência. Os dilemas que moveram e movem a curiosidade da humanidade continuam impulsionando a produção


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de conhecimento científico na busca do que se entende por “verdadeiro”. O conhecimento se constrói tendo como ambivalência pensamento e percepção. Qual seria a relação entre o pensamento e a percepção? O pensamento continua, nega ou corrige a percepção? (CHAUÍ, p. 138). A partir de Sócrates, inicia-se uma nova jornada em busca do conhecimento, quando ele propõe alcançar a verdade abandonando as ilusões dos sentidos, as imposições das palavras e a multiplicidade das opiniões. Os sentidos dão apenas a impressão da aparência das coisas e as palavras são meras opiniões sobre tais aparências, por essa razão, para conhecer é preciso abandonar o mundo dos sentidos e das opiniões, pois aí estaria a contradição e o erro. Para Sócrates, é preciso passar da opinião ao conceito e da aparência à essência. Para tal deve-se necessariamente abandonar as opiniões e as ilusões dos sentidos. O conhecimento é pensado por Sócrates a partir da maiêutica que significa “dar à luz (parto)”. Esta palavra é originada do vocábulo grego maiutiké [techné] que designa o processo pedagógico socrático de fazer perguntas para obter um conceito geral do objeto em questão. Por meio das perguntas o sujeito inquiridor consegue seu objetivo pelo procedimento indutivo de raciocínio. Maiêutica significa a arte de realizar partos. O trabalho de Sócrates é visto por ele como o de uma parteira (profissão de sua mãe), no caso, ajudando os outros a extrair de dentro de si o conhecimento, uma vez que se acreditava que a verdade estaria dentro do próprio ser humano. Assim, o radical techné, utilizado no vocábulo “tecnologia”, possui significados ligados à “arte de realizar partos”, ou seja, produzir conhecimento, como diria Sócrates. No entanto, não se trata de qualquer conhecimento, mas, sim, de um tipo de conhecimento que se afasta da opinião e da aparência e se aproxima do conceito e da essência. Essa é a busca da verdade para Sócrates. Portanto, conhecimento “verdadeiro” e “essencial” está intimamente ligado à ideia de tecnologia. Pode-se dizer que tecnologia, antes de tudo, é tecnologia de pensamento, tecnologia intelectual. Fala-se de “técnicas” mesmo quando não há o uso de um instrumento ou ferramenta. De alguma forma, a tecnologia intelectual desenvolvida ao longo de gerações condicionou o ser humano a utilizar seu corpo de determinadas maneiras.

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A “arte de realizar partos” e a de “utilizar o corpo humano” estão intimamente ligadas à educação. Uma concepção de tecnologia mais ampliada, que englobe também as tecnologias intelectuais e de pensamento, possibilita romper com um dos debates em torno da tecnologia e seus usos, devido ao fato de essa controvérsia estar ancorada na relação entre engenharia e ciência, portanto ligada à cultura material. As tecnologias intelectuais possibilitam sua própria ampliação por meio da produção material. No entanto, o inverso nem sempre será verdadeiro, uma vez que a concepção prescinde de sua realização. De Sócrates aos dias atuais, a despeito das enormes modificações, o ser humano continua ligado à ideia de conhecimento como uma forma de tecnologia. No entanto, para que o conhecimento pudesse se tornar uma forma de tecnologia pragmática, foi necessário desenvolver formas de transmitir às próximas gerações o conhecimento adquirido, passando, então, a se problematizar a questão metodológica e metateórica.


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A Teoria do Conhecimento, também conhecida como Epistemologia, é o ramo da filosofia que se encarrega da natureza, das origens e da validade do conhecimento. Tem muita importância para a ciência, pois se encarrega de corrigir os caminhos da produção de conhecimento científico. O conhecimento sobre o conhecimento – que pode ou não deixar de fora o “saber como” e a “familiaridade” (diferentes tipos de conhecimento) – sempre acaba tratando da ordem da aquisição, da validade, da legitimidade e da transmissão do conhecimento. Nesse campo, descortinam-se as dificuldades ligadas às relações intersubjetivas. O que e como o outro entende o que lhe é ensinado? Como é possível legitimar o conhecimento que se transmite? A transmissão em si já seria uma forma de legitimação? Quais as maneiras de produção de legitimação e suas relações com a transmissão? Sabe-se que a transmissão tem o poder de disseminar e de multiplicar o número de pessoas que adquirem um conjunto de informações, mas o entendimento e o uso prático de tais conhecimentos são sempre relativos e dependentes de uma série de outras condições materias para a realização. Dessa forma, sempre se estará falando de situações nas quais não se pode tomar apenas um parâmetro comparativo. O conhecimento como uma forma de tecnologia, por um lado, e a necessidade de desenvolvimento de tecnologias para a transmissão do conhecimento, por outro, amarram o problema para a questão da pedagogia e das teorias do conhecimento, bem como a respeito do metaconhecimento (conhecimento sobre o conhecimento) ou metateoria (teoria sobre a teoria). Esse campo da filosofia se tornou uma disciplina específica na Idade Moderna, pois, para os modernos, a questão do conhecimento foi considerada anterior à questão da ontologia, sendo assim prérequisito para a filosofia e para as ciências. Mediante essas considerações, serão abordadas as searas da metodologia para a produção do conhecimento (metodologia científica) e a que trata da transmissão do conhecimento (pedagogia). A pedagogia é um campo científico que tem como objeto de estudo a educação e o processo de ensino-aprendizagem. As formas de educação desenvolvidas desde os gregos antigos são revisitadas nos séculos XVII e XVIII, a partir de Jan Amos Comenieus, bispo protestante considerado fundador da didática moderna e das ideias iluministas de Jean-Jacques Rousseau. A partir da base iluminista, a pedagogia recebeu

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COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM E ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS

Esta obra analisa a comunidade virtual de aprendizagem e interatividade, unindo as relações de ensino e aprendizagem colaborativas e cooperativas. O leitor aprenderá ainda sobre os processos de aprendizagem enquanto resultados de relações sociais on-line.

ISBN 978-85-221-2383-4


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