Celuzlose 02

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BR.XXI

Literatura Brasileira Contemporânea

Estou sentado vendo tevê e tomando meu uísque e ouvindo meu cigarro se espatifar no chão e espalhar cinzas por todo lado. Sempre escrevo mais sobre o nada e o ócio de não ter nada o que fazer a não ser isso: escrever. Escrever é uma merda. É uma maldição e uma angústia para um homem como eu, pois não gosto do que escrevo, mas escrevo porque não tenho nada o que fazer. O Nada verdadeiro é isso. É falar disso: do bloqueio intelectual de não brotar nada no papel. Melhor seria dizer que escrevo no computador. Com uma dor suspensa por uma gota de Anatensol. Como uma laranja. A laranja não é laranja. Só a camisa da seleção da Holanda é laranja. Queria escrever uma história sobre um sósia. Um sósia que se torna a pessoa principal e é mais magnífico do que o não-sósia. Por isso haveria o sósia e o não-sósia. Um vivo e o outro morto. O sósia mataria o outro, mas essa história é tão banal quanto mandar flores para essa mulher que não quer nada comigo. Eu me apaixonei por uma foto e penso nela o tempo todo. Algo como “Nunca te vi, sempre te amei”, o filme. Gregor está perto de mim e Joseph foi dormir um pouco. Quero tudo, não metade, não um pouco. Quero tudo, a alma dela inclusive. Coração. Sorriso. Felicidade e sexo e mais um montão de coisas que poderia enumerar aqui uma a uma e encher a página, mas já fiz isso no outro livro. Talvez seja o meu estilo. Talvez não. Tudo é talvez. Esse é o problema ao escrever uma história. Simplesmente não consigo. Uma história comum que seja. Pelo menos uma. Alguma coisa acontece no meu coração. Será que é um infarto do miocárdio? As pedras de gelo e sangue caem sobre os carros. São do tamanho de bolas de tênis. Do tamanho de laranjas. Não ouvi “eu te amo” de ninguém, por isso sou tão só. Sou só, só. Não sou triste. Às vezes evito me apaixonar para não criar um problema na minha cachola. Essa que agora tenho. Essa tristeza e melancolia que agora tenho. Às vezes penso que é bom se apaixonar e viver um grande amor. Mas tudo dura tão pouco. Acredito que tem alguém comandando isso tudo. Alguém que gosta de me ver desiluminado. Com alguma ilusão. Só se desilude quem se ilude. Talvez ela tenha feito um bem para mim se afastando, deixando um vazio que deverá ser preenchido por outro amor. Por que um homem de oitenta anos não pode mais se apaixonar?

in memoriam

18 Celuzlose 02 - Setembro 2009


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