Dissertação: JORGE AMADO E A IDENTIDADE NACIONAL

Page 130

129

Assim, a democracia racial chegou a ser utilizada inclusive como discurso oficial do regime militar, bem como havia ocorrido no governo Vargas, ao servir de cimento simbólico da integração nacional promovida pela ideologia da Segurança Nacional. Isto porque a ideia do Brasil “cadinho de raças”, promovida pelo Conselho Federal de Cultura (CFC), criado por Castelo Branco em 1966, tinha como objetivo valorizar a harmonia racial e social da nação brasileira.387 Tatyana de Amaral Maya, em seu estudo dedicado ao CFC, ao mesmo tempo em que mostra a importância da participação de Gilberto Freyre neste órgão, enfatiza que um discurso “otimista” e “regionalista” da identidade nacional associado à mestiçagem,

[...] foi habilmente incorporado como política de Estado e pode ser observado nas propagandas políticas, nas políticas culturais e nas obras destinadas à educação, buscando reforçar no imaginário social uma idéia do Brasil como um país unido, pacífico, em desenvolvimento.388

Em contraposição a este ideal havia um considerável setor da intelectualidade brasileira abrangendo estudiosos como Florestan Fernandes, Roger Bastide e representantes do movimento negro, que na década de 1960, e sobretudo após o golpe, condenava a democracia racial como um mito que tendia a minimização da luta pela igualdade social entre brancos e negros. Por representarem uma oposição ao ideal democrático divulgado pelo governo, esta corrente foi reprimida e as lideranças negras lançadas numa espécie de semiclandestinidade Neste sentido, o golpe militar de 1964 representou uma derrota, ainda que temporária, para a luta política dos negros, uma vez que desarticulou uma coalizão de forças que organizava o enfrentamento do “preconceito de cor” no país. Como consequência, o Movimento Negro organizado entrou em refluxo. Seus militantes eram estigmatizados e acusados pelos militares de criar um problema que supostamente não existia, o racismo no Brasil, e desta forma, a discussão pública da questão racial foi sendo suprimida.389 Outra questão que também se encontrava no cerne do debate político-intelectual sobre a identidade nacional era a da modernização. O desenvolvimento nacional sustentado pelo regime militar se baseava em um modelo de modernização muito próximo daquele 387

Ibid., p. 274. MAIA, Tatyana de Amaral. “´Otimismo` e ´Regionalismo`: as faces da ação estatal no setor cultural (19661975)”. Diálogos. Rio de Janeiro, vol 2 (junho 2008), n. 2, UERJ, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2008, pp. 140 e 141. 389 Cf. DOMINGUES, Petrônio. “Movimento negro no Brasil: alguns apontamentos históricos”. Tempo, cit. 388


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.