Jornal Impressões do Saber

SABER

impressoes do

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aprender

para transformar

C

ontra a negação da liberdade, a educação. Para Paulo Freire (1921-1997), um dos mais importantes pensadores da história da pedagogia, não é possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem refletir sobre o próprio ser humano. Ela está intrinsecamente conectada ao processo de mudança social e, portanto, de transformação do que constitui o indivíduo e a sociedade.

A quem interessa uma população sem educação? Em tempos de Escola sem Partido e de professores ameaçados, aprender e ensinar tornam-se atos revolucionários. Para dar luz ao assunto, o produto da disciplina de Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), o jornal Impressões, tem como mote o Saber.

Nesta edição, as dez equipes de reportagem se debruçaram sobre o verbo Aprender.

Direito fundamental garantido pela Constituição Federal de nosso país, a educação ainda se faz inacessível para grande parte dos brasileiros, como ilustra a história de dona Raimunda, 73, que parou de estudar aos 7 anos

de idade porque precisou começar a trabalhar.

O conhecimento possibilita o entendimento dos próprios direitos. Para saber como funcionam as escolas indígenas, visitamos o centro educacional do povo Tapeba, entendendo como é feita a preservação da tradição e da cultura apagada pelos livros de história.

Se a educação é objeto de transformação, como ela funciona nos centro de ressocialização? Foi em busca de responder essa questão que entramos no universo de exclusão de jovens que cumprem medidas privativas.

Para os preocupados com os métodos de aprendizado, esta edição especial traz um infográfico que explica como funciona o cérebro na captação das informações. Também temos uma matéria com dicas para aqueles que precisam enfrentar uma maratona de estudos.

Aprendemos todos os dias, a cada nova experiência. Venha conosco descobrir histórias, refletir e deixar-se transformar, em busca por uma sociedade de seres pensantes e livres.

sumário

Expediente Reportagens: Ana Beatriz Morais, Angélica Pontes, Beatriz Nunes, Calebe Rodrigues, Denise Brandão, Eliane Ferreira, Ester Coelho, Gabrielle Zaranza, Glauber Sobral, Ícaro Machado, Jean Lucas, João Duarte, Kamyla Galdino, Larissa Pacheco, Maryana Martins, Matheus Facundo, Myke Guilherme, Nataly Andrade, Natalya Barreto, Pedro Silva, Renata Feitosa, Rômulo Barbosa, Ruth Lene, Yasmin Araújo e Wanderson Trindade Edição geral de texto: David Nogueira Edição geral de arte e diagramação: Caroline Rocha Projeto gráfico: Alexandre Mota, Caroline Rocha, Emanuel Silva, Marília Torres, Marcos Souza e Rafaela Leite Capa: Caroline Rocha Professora orientadora: Gabriela Ramos Data de fechamento: 21 de novembro de 2018 Impressão: Imprensa Universitária da UFC Tiragem: 300 exemplares

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ABC mais difícil: o analfabetismo na terceira idade Rua do Trilho: o ensino indígena nas escolas do Ceará As nuances da evasão escolar Ensinar a si próprio é possível?

Inforreportagem Como o cérebro aprende?

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Cuidados da mente Quinta é dia de pão

tiavelma E

u já a conhecia de vista antes de ser sua aluna. Tinha longos cabelos lisos até depois da cintura, presos em coque ou rabo de cavalo.

Usava uma camisa de pano passado na saia jeans até o joelho. O cabelo, diziam, era por ser “crente”, e isso não tinha nenhum significado para mim. Andava com a coluna e a cabeça ereta, o peito estufado. Poderia parecer sisuda, mas sempre estava sorrindo para os pequenos.

Todos a adoravam no colégio, aprendiam a ler com ela, e esse era o meu sonho.

O único defeito de Tia Velma era o de querer estalar os dedos dos alunos, passando de carteira em carteira antes do início da aula. Queria me aproximar dela, mas daquele jeito não dava! Também sempre quis sentar nas primeiras cadeiras, mas, por conta da minha altura, ficava entre o meio e o final da sala.

Minha grande felicidade foi quando uma aluna chorosa da manhã chegou à tarde.

Como eu era simpática e boa de conversa, Tia Velma me pediu para sentar na frente, ao lado da coleguinha.

Conversei com a menina de rosto vermelho, cabisbaixa e com lágrimas nos olhos.

Estava triste por ter que ir

para tarde, mas não consegui entender. Naquele dia, de tão encantada com a aula, acabei esquecendo da menina. Ao tocar a sineta, Tia Velma veio até a mim e reclamou. A mudança de carteiras não era à toa: eu deveria consolar e entreter a criança. Mas, de tão honrada em estar mais perto dela, não consegui cumprir minha missão.

Eu sempre havia gostado da escola. Até hoje minha mãe não se conforma por eu não ter chorado no primeiro dia de aula, no maternal.

Perguntei, desprendida: “você não vai embora?”. Também sonhava em aprender a ler.

Desde os três anos de idade, depois de ter decorado todas as histórias que me contavam de um livro, brincava fingindo compreender as palavras impressas, narrando os contos e passando a página no momento certo. Com a Tia Velma seria de verdade!

Minha alfabetização teve inúmeros ápices. Um deles foi com a história da letra C, que era pai de família. Assim como meu pai, cujo nome se inicia com a letra C, o C da historinha saía todos os dias para trabalhar. Lembrome até hoje do C com olhos e boca, o corpo todo preenchido pela cor azul.

Vestia uma gravata amarela

Ferramenta de uma nova realidade?

listrada, calçava sapatos pretos e levava uma pasta marrom na mão. Lembro também da história dos gêmeos SS, sempre grudados.

Porém, para fugirem de um gigante perigoso da vila onde moravam, separavam as sílabas rapidamente. Nas atividades escolares, eu gritava mentalmente: “separem as sílabas”, imaginando o gigante atordoado e as letrinhas correndo para lados opostos.

De todos os dias, o mais marcante foi quando, junto com a turma, li pela primeira vez. Cada aluno era responsável por um par de letras, formadoras de sílabas.

Levados para frente da sala, a cada chamado gritávamos juntos, construindo as palavras. A partir dali nunca mais parei de ler. E nunca me esqueci de Tia Velma e das suas histórias. Não precisei mais decorar o que me contavam, fingir para os adultos. Eu mesma conseguia ler o mundo e podia colori-lo, mesmo com letras impressas em preto em branco.

Como jornalista, tive em Tia Velma uma madrinha, casando-me definitivamente com as palavras. Por meio delas, realizo meu ofício e encontro o Outro. Pinto um mundo e conto histórias.

Gabriela Ramos Jornalista e professora da disciplina de Jornal Laboratório

Sempre é tempo de aprender Mão na massa: A medida certa para aprender

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ABC mais difícil: o analfabetismo na terceira idade Dos analfabetos no Ceará, 87% possuem mais de 40 anos, dos quais 46% têm mais de 60. O Estado é o sexto do país com o maior número de pessoas que não sabem ler e escrever

EQUIPE

reportagem JEAN LUCAS NATALYA BARRETO fotografia BEATRIZ NUNES diagramação MARCOS SOUZA

entanto, não foi o único fator determinante. “Comecei a trabalhar com 7 anos, fui ser ama de menino. Uma senhora ia ter neném e pediu a minha mãe para eu ficar lá”, lembra.

E, assim, ela foi construindo suas percepções de mundo sem a palavra escrita.

A professora Ângela Eugênio, que trabalha há oito anos com a educação de jovens e adultos, comenta que essa autoculpabilização é uma percepção que pode ser analisada de outra forma.

“No caso dela, começou a trabalhar criança, isso faz com que o estudo perca de certa forma o sentido”, diz.

Dona Raimunda veio com os patrões para Fortaleza aos 17 anos e fala com carinho da família para quem trabalha ainda hoje como doméstica.

Mesmo apresentando dificuldades com as palavras, a vida na cidade grande não foi um desafio, pois se localizar nunca foi um problema.

Conta que nunca sofreu

I

magine-se perdido em um país estrangeiro sem o domínio da língua nativa. A existência de placas, letreiros e avisos não significa nada. Assim é como se sentem as pessoas que não aprenderam a ler, como a dona Raimunda Solange, de 73 anos. “É muito ruim, minha filha. É o mesmo que você estar olhando para as paredes”, compara.

Nascida em Palmácia, município a 72 quilômetros de Fortaleza, ela conta que o pai sabia ler e que havia uma escola no local onde moravam, mas que ela e os irmãos nunca se interessaram em frequentar as aulas.

A falta de interesse, no

brasil: taxa de analfabetismo por estado - 2017 (%)

18,2

16,7

16,6

16,5

preconceito por não saber ler. “Nunca falaram nada.

Ninguém nem há de dizer nada comigo, porque a resposta recebe na hora.

Se incomode com sua vida e deixe a minha”. Apesar da resposta atrevida, gosta mesmo é de tranquilidade.

“Não quero confusão com ninguém. Chego de noite depois de sair do colégio, fecho a minha porta e vou dormir. Minha companhia é Deus e um gatinho que crio”, finaliza a doméstica.

Na Capital conheceu o primeiro marido, com quem teve quatro filhos e os colocou na escola. Hoje apenas um está vivo. Depois de viúva, encontrou outro companheiro e até teve interesse em estudar, mas o marido não permitia, por ciúmes. “Ele dizia: ‘que besteira é essa de estudar, você quer é namorar’”, lembra dona Raimunda.

A professora Ângela relata que este não é um caso

isolado. “Quando trabalhei no Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja), sempre perguntava para os alunos, principalmente para as mulheres: por que você deixou de estudar? ‘Porque o meu marido não deixava’. A maioria voltava porque tinha se separado ou ficado viúva ou o que fosse, porque até então o marido era um empecilho”, explica a professora.

ESTATÍSTICAS Segundo os dados de 2017, levantados pela Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente existem 11,8 milhões de brasileiros analfabetos.

No Ceará, 14,2% das pessoas com mais de 15 anos são analfabetas. Com esse número, o Estado chega a ocupar o sexto lugar do país em número de analfabetos. Do total no Ceará, 87% possuem mais de 40 anos e, dentro dessa porcentagem, 46% têm mais de

Analfabetismo na faixa de 15 anos ou mais (%) fon

te:

65 14,5

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60 anos.

Ronaldo Almeida, professor do departamento de Estudos Especializados da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (Faced), conta que durante pesquisa realizada em quatro municípios do Estado, Maranguape, Maracanaú, Caucaia e Canindé, visitou turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e questionou o que levou os alunos a não estudarem na idade regular.

“A primeira palavra que aparecia era trabalho, a questão de sobrevivência, famílias numerosas. E aí puxa-se o fio dessa discussão: a falta de escola, falta de oportunidades”.

O professor analisa que a educação foi um direito negado por muito tempo tanto no Brasil, como no Ceará. “Na verdade, o que a gente identifica é que foi uma negação de um direito, se a gente entende educação como um direito universal, direito público subjetivo, direito

humano. Essas pessoas tiveram esse direito negado”.

Dentro de uma sociedade tão letrada como a atual, o analfabetismo gera o sentimento de exclusão e a dependência de outras pessoas. “Você quer uma coisa, vai pedir aos outros. ‘Fulano, faz isso para mim? ”, lamenta dona Raimunda. Mas hoje,

viúva e sem preocupação com filhos, deseja aprender a ler e a escrever. Ingressou este ano em uma turma de EJA e revela que seu principal objetivo é conseguir escrever seu nome. “Quero pegar um pedaço de papel e ler o que tem, mas me interesso mais no meu nome, continuo até aprender”.

Caminhos para a educação

O

professor Ronaldo Almeida aponta como avanço a diminuição gradual que o analfabetismo vem sofrendo no decorrer dos anos com base nos dados oficiais, mas ele pondera os resultados.

“Alguns consideram muito incipientes ainda, outros celebram e comemoram, mas a gente sabe que a realidade de ainda ter 11 milhões de analfabetos é muito, é bastante significativo quando nossos países aqui vizinhos já superaram essa demanda há muito mais tempo que nós”.

A alfabetização de jovens e adultos se difere do processo usado com crianças.

Ronaldo reflete que uma das dificuldades é o desenvolvimento de metodologias por parte dos professores. “Que tipo de metodologia se aplica, se você considera ou não, estimula atividade que possam ser interessantes para quem já tem uma história, uma trajetória, com o próprio trabalho. São todos assunto a considerar”.

Para a professora Ângela, que encara na prática essa questão, as metodologias requerem uma série de cuidados e negociações para conciliar a experiência do sujeito com o trabalho do professor. “Cada uma dessas pessoas possui sua própria carga de conhecimento, suas memórias e percepções de como era a escola antigamente”, aponta.

No Ceará, o programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC) é considerado uma iniciativa de sucesso na busca do combate ao anal-

fabetismo. Com um salto de 39,9% em 2007 de crianças alfabetizadas até o segundo ano do ensino fundamental para 87% em 2016, serviu de modelo para o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).

Em 2005, o Comitê Cearense de Erradicação do Anafalbetismo divulgou uma pesquisa com dados alarmantes sobre a educação e a partir dali, surgiu a semente que amadureceu em 2007. O projeto piloto do PAIC, formulada no governo de Cid Gomes, se tornou referência por causa de vários fatores como a formação de professores, material estruturado, premiações e insumos do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

Segundo Idelson Almeida, gestor da Copem (Coordenação dos Municípios), “o PAIC foi criado a partir da união de toda a comunidade cearense, envolvendo os parceiros da Seduc [Secretaria de Educação do Estado do Ceará] e as Universidades [federal e estadual]. Assim, teve algumas entidades que fizeram uma pesquisa em 2005 com o Comitê Cearense de Erradicação do Analfabetismo”.

O programa, no início, trabalhava apenas com alunos do primeiro ano. Em 2015, passou a acolher estudantes do terceiro ao quinto ano e agora tem um novo desafio: atender pessoas que cursam até o nono ano. Algumas cidades despontam no nível da educação, dentre elas, a mais conhecida é Sobral. Pedra Branca, Jijoca de

Dona Raimunda Solange, 73, começou a trabalhar aos 7 anos e só pôde aprender a ler depois de criar os filhos

Jericoacoara, Camocim, São Gonçalo e Cruz são outros municípios onde existe aplicação do material.

Apesar dos avanços na educação cearense, ainda há muito caminho a se percorrer. A ANA (Avaliação Nacional da Alfabetização), em sua pesquisa em 2016, afirmou que 45% dos alunos do terceiro ano do ensino fundamental estão em nível insuficiente de leitura. Para diminuir esse número, a Secretaria da Educação trabalha com um sistema de acompanhamento de alunos com dificuldades de leitura.

O PAIC também incentiva a formação de leitores. É o que conta Elder Sales, um dos responsáveis pelo eixo de literatura e formação do leitor. “Esse programa quer facilitar o acesso à literatura, além de garantir certa competência do acervo literário, antes no fundamental um, agora no fundamental dois”.

Para trabalhar com este acervo os professores passam por capacitações para dinamizar a apresentação dos livros.

“Esse primeiro contato com a leitura tem que ser algo prazeroso, algo que gere encanto pela literatura”, reflete.

1920 1940 1960 1980 2000 2017

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o programa alfaBetização na idade certa (paic) trabalha em cooperação entre o governo do estado e municípios cearenses com a finalidade de apoiar os municípios para alfabetizar os alunos da rede pública de ensino até o final do segundo ano do ensino fundamental

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (pnaic) é um compromisso formal assumido pelo governo federal, do distrito federal, dos Estados e dos Municípios, desde 2012, para atender a Meta 5 do Plano Nacional da Educação (PNE), que estabelece a obrigatoriedade de “Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º ano do ensino fundamental”

Darlisson

RUA DO TRILHO

Povos indígenas no Ceará preservam tradição em escolas diferenciadas

EQUIPE reportagem YASMIN ARAÚJO CALEBE RODRIGUES fotografia GABRIELLE ZARANZA diagramação RAFAELA LEITE

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ntre duas pedras, uma entrada estreita de seis metros de profundidade é o caminho para a caverna onde acontece o ritual. À meia luz, índios de cinco tribos se arrastam ao centro para sentir melhor a presença de seus entes queridos que partiram.

Estes, os “Encantados”, habitam os índios e dançam, cantam e falam através de seus corpos. A roda gira com indígenas enfileirados e, nos pés, o pulsar do chão de terra traz a energia dos antepassados que se reúnem.

A prática é conhecida como Toré sagrado, presente em 13 das 14 tribos indígenas do Ceará. Nesta dança, os participantes vestem traje de tucum, feito da palha da

carnaubeira, e vivem suas raízes e sua espiritualidade.

Na Escola Indígena Tapeba dos Trilhos, os alunos se reúnem todas as sextasfeiras para dançar o Toré. A instituição utiliza a prática como forma de afirmação política e educacional.

Crianças vestem trajes e batem pés no ritmo ditado pelo cântico, como um estímulo à tradição dado pela escola. O centro educacional fica em uma aldeia Tapeba, na Rua do Trilho, próxima à linha férrea que traz seu nome. O ambiente é como uma roda do ritual para a comunidade: sagrado, político, educacional.

Neste lugar, onde fica um dos 13 centros educacionais Tapebas em Caucaia, já houve muitas batalhas com um posseiro pelo pedaço de direito da comunidade. “Ele dizia assim: como é que você vai ensinar uma coisa dessas para as crianças? E eu dizia: estou ensinando eles a reivindicarem seus direitos”, lembra Beth Tapeba, fundadora da escola.

A docente, junto a outra professora, começou a realizar o ensino indígena Tapeba debaixo de uma mangueira.

Na época, seu sobrinho havia

sofrido discriminação racial na escola que frequentava. Ela decidiu, com a comunidade, oferecer o respeito às raízes indígenas enquanto alfabetizava crianças. Em pouco tempo, a educação infantil já contava com 30 alunos.

As aulas traziam, além do conteúdo tradicional, costumes do povo Tapeba. “Eu alfabetizava, ensinava nossos cânticos, a dança do toré, artesanato; trazia nossos idosos para contar história”, relata Beth. Após a criação de uma turma de 1º ano do ensino médio, ficou ainda mais complicado ensinar sem um espaço. Foi preciso muita resistência e luta na justiça para, no ano 2000, a escola passar a ser reconhecida e inserida na rede estadual de ensino como uma “escola diferenciada”. tradicional x indígena A expressão “diferenciada” é o modo como eram nomeadas as escolas de ensino indígena no Estado.

Dentre as formas de construir a identidade indígena na rotina das crianças e ir além do que é ofertado em outras instituições, estava o ensino na chamada “aula cultural”.

Conforme Ionilda Tapeba, coordenadora da instituição, a

disciplina aborda a expressão corporal, cultural e espiritual indígena para alunos do ensino básico. O momento foi adicionado à grade curricular, mas não teria intervenção da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc). “Essa escola é diferenciada, então, o governo já sabe que a gente trabalha a arte e a cultura em cima do público indígena”, afirma.

O ensino nas escolas indígenas é adotado seguindo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), definida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996). O documento define as disciplinas e competências essenciais para a Educação Básica, que devem ser ensinadas em compromisso com a igualdade, diversidade e equidade. Língua portuguesa, arte, educação física, ciências, história e ensino religioso são componentes obrigatórios para estudantes até o 9º ano, além do ensino da língua inglesa, exigido a partir do 6º.

O diferencial no ensino indígena seria “mostrar para o aluno indígena sua cultura, fortalecer sua identidade”, conforme explica Bernadete Feitosa, assessora técnica da

é a principal característica na Escola Tapeba dos Trilhos.

“Atualmente, nas escolas indígenas não se fala muito sobre isso [espiritualidade]. Somos mais focados no social mesmo”, explica Darlisson Teixeira, aluno do 3º ano do ensino médio. O estudante entende que a cultura mudou até nas aldeias. “Hoje em dia, nós estamos deixando a cultura morrer. Antigamente, o pessoal lá dentro [da aldeia] andava trajado, às vezes. E havia brincadeiras indígenas que não existem mais”, lamenta.

Pintado com artes no corpo feitas com jenipapo, Darlisson participa de uma das formas de engajar os adolescentes com a história do seu povo. Com o uso de lanças, que eles mesmos produzem com madeira tirada da mata, o batuque de tambores e o balanço de maracás, o grupo da Dança Guerreira ensaia duas vezes na semana. “Nós cantamos as nossas canções, as danças. Começa com a música: “quem deu esse nó não soube dar, esse nó tá dado, eu desato já”, canta.

Aprender para ensinar Para o ensino diferenciado, apenas professores com habilitação para o magistério indígena podem exercer o cargo nas 38 escolas estaduais do Ceará. Na Universidade Federal do Ceará (UFC), os cursos de Licenciatura Intercultural Indígena, Pitakajá e Kuaba são temporários, mas já atenderam, no total, cerca de 260 indígenas.

Os cursos funcionam em regime de etapas, em que há um rodízio com cada aldeia participante recebendo os es-

tudantes de outros povos.“Os cursos são diferenciados. Eles [os índios anfitriões] têm obrigatoriedade de criar uma conexão com a noite cultural”, explica Kleber Saraiva, professor e coordenador das licenciaturas. A noite cultural é uma aula de campo que reúne os índios de diferentes tribos para mostrarem suas tradições e dançarem o Toré.

O Pitakajá está em sua segunda turma. Iniciado em 2010, ele conta com 3.200 horas, que ao final dão direito aos índios ensinarem no ensi-

no fundamental II e no ensino médio. O custeio do curso vem de matriz diferente dos cursos permanentes, o que causa atrasos no recebimento da verba necessária para custear as viagens e a alimentação dos estudantes. Além disso, assim como o Kuaba, não há garantia de continuidade.

“A renovação depende de um ambiente acadêmico propício e de recursos”, pondera o professor Saraiva.

As escolas são ambiente de fortalecimento da identidade indígena

equipe de Educação Escolar Indígena e Quilombola da Seduc. Essa educação, entretanto, não teria disciplinas específicas para o ensino da cultura, ficando a cargo da direção da escola e dos professores incluírem a abordagem em sala.

Em razão dessas distinções, o que é repassado nas aulas sobre cultura pode variar conforme o conhecimento dos educadores. A espiritualidade, por exemplo, não

Resistir

N

as culturas dos indígenas nativos das Américas, o comprimento longo dos cabelos sempre foi cultivado, simbolizando honra e glória. O modo como se penteiam os fios significa o alinhamento do pensamento. A forma como se trança representa a unidade de pensamento, e o tipo de amarração é a garantia de pensar: a convicção da consciência. O corte dos cabelos por opressores há muito representa a submissão e a derrota do povo através da humilhação.

Por volta da década de 1990, Elizabeth Cruz da Silva, ou Beth Tapeba, seu nome de guerra, vivenciou

O centro educacional fica em uma aldeia Tapeba, na Rua do Trilho, próxima à linha férrea que traz seu nome

Beth Tapeba resiste como educadora nos ensinos da arte e da cultura do povo Tapeba

A Base Nacional Comum Curricular também é seguida pelos centros educacionais do povo Tapeba

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No intervalo, as brincadeiras ficam a cargo da preferência dos alunos

a tentativa de opressores de humilhar e apagar o orgulho indígena do seu sobrinho, de apenas 10 anos. O atentado ocorreu no local que deveria valorizar a cultura e a história dos povos locais: um colégio de ensino regular no município de Caucaia, no Ceará.

Com olhar distante e sofrido de quem relembra algo que talvez preferisse não ter vivido, Beth reconta a história que foi o pontapé de sua trajetória como educadora nos ensinos da arte e da cultura do povo Tapeba. A ameaça de uma professora em cortar os cabelos de seu quase filho com a justificativa de que “índios não existem” fez com que Beth mobilizasse as comunidades indígenas locais em prol de uma educação que

respeitasse a história e a cultura de seu povo.

“Fomos obrigados a nos reunir com outras etnias para criar uma escola que não tentasse mudar o jeito que somos. Não queríamos mais ser discriminados”, exclama Beth, categórica, como quem se transporta para o tempo do acontecimento.

Debaixo de uma mangueira, iniciou-se com dificuldade o projeto de uma escola diferenciada em que se ensinava que Pedro Álvares Cabral não descobriu o país, mas dominou o território e causou um dos grandes genocídios da humanidade. Escola onde os uniformes eram pinturas feitas com urucum e jenipapo, que caracterizavam a identidade das etnia indígena.

Beth Tapeba, com cocar na cabeça e lembranças nas palavras, conta os problemas enfrentados na idealização dessa escola. Fazer a cultura de um povo resistir na memória da comunidade por vezes pareceu tarefa impossível, adversidades como a falta de material e de uma estrutura básica para o ensino foram problemáticas que interferiam na realização do sonho.

“Cheguei a dividir lápis ao meio para que o material fosse distribuído para todos.

Quando chovia, as aulas não podiam acontecer. Uma mangueira protege do sol, mas não da água”, relata Beth, sentada no pátio do que hoje é a Escola Indígena Tapeba do Trilho, que possui prédio circular, remetendo a uma oca, e

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comporta dezenas de salas de aula, uma biblioteca e área de informática.

Conquistar o território em que a escola foi construída foi tarefa árdua. Entre aulas de alfabetização e artesanato, foi preciso ensinar também que resistir é um trabalho difícil.

A educadora conta que enfrentou, ao lado de um grupo de crianças, em meados dos anos 2000, uma tentativa de desapropriação de suas terras.

Os posseiros, como são chamados aqueles que se dizem donos de terras indígenas, chegaram armados e acompanhados de policiais para retirar crianças e professores do território em que, precariamente, tentavam manter viva uma educação diferenciada para seu povo.

Porém, Beth e seus alunos expulsaram o grupo do local.

Em 2004, conseguiram finalmente o reconhecimento oficial de suas terras.

Com olhar perdido no horizonte e pernas inquietas, Beth descreve superficialmente a dolorosa cena.

Quando indagada por mais detalhes, move-se desconfortavelmente na cadeira, pede para finalizarmos a entrevista e começa a recolher o seu artesanato que estava exposto numa mesa ao lado.

Por fim, levanta e, com firmeza, diz: “dediquei minha vida à educação para manter viva a memória do meu povo”. E ao longo dos seus 59 anos, Beth Tapeba tem feito a cultura Tapeba resistir.

As nuances da evasão escolar Um problema para além dos muros da escola

EQUIPE reportagem ANA BEATRIZ MORAIS RÔMULO BARBOSA fotografia KAMYLA GALDINO diagramação MARÍLIA TORRES

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arteiras vazias e nomes riscados da lista de presença revelam um fato alarmante: a evasão escolar ainda ocorre com frequência nas escolas do Brasil. Um levantamento da Galeria de Estudos e Avaliação de Iniciativas Públicas (Gesta) indica que, no país, um a cada quatro jovens, entre 15 e 19 anos, deixa a escola antes de terminar o ano letivo.

Essa é a realidade de Rhayete Silva, de 19 anos. A jovem, que reside em Itaitinga, região metropolitana de Fortaleza, deixou o colégio pouco após começar o 2º ano do ensino médio. Transtornos psicológicos, problemas financeiros e falta de interesse contribuíram para a decisão de Rhayete. Com o apoio da família, a adolescente tentou voltar a estudar, mas o ambiente escolar não foi favorável e ela deixou de vez a escola.

“Eu ainda fui por mais um mês, chegava lá e me sentava no fundo, não sentia vontade de fazer nada. A escola era como um presídio e eu não gostava do jeito que alguns professores tratavam os alunos”, afirma. Assim como Rhayete, 21.738 jovens abandonando o ensino médio no Ceará em 2017, de acordo com o Censo Escolar.

Indo além dos dados estatísticos, Rui Aguiar, especialista em Planejamento Educacional e gestor de programas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), explica que, no Ceará, há uma série de fatores socioeconômicos que contribuem para o de-

sengajamento do aluno. Além disso, ele destaca que, muitas vezes, o desinteresse pesa por conta da desmotivação com a carga horária sobrecarregada e com os conteúdos distantes da realidade do estudante.

Pouco a pouco, o aluno vai deixando de ir à aula, até que aquilo perde completamente o valor para ele.

O Unicef, que tem monitorado há mais de 30 anos crianças e adolescente que estão fora da escola, também aponta outros motivos, como a violência, a gravidez precoce, a falta de acessibilidade e a pobreza. “Fora o ambiente complexo da escola e a comunidade em que ele está inserido, um aluno de baixa renda não tem as mesmas opções culturais e incentivos que um menino de classe média.

Assim, ele não consegue ter grandes perspectivas de carreira e de futuro”, afirma Rui. Transformar essas complicadas realidades não é uma tarefa fácil. É preciso um trabalho em conjunto que vá muito além dos muros do colégio. Envolver mais o aluno no ambiente escolar e ter uma carga horária mais flexível são algumas das ações que podem ser tomadas para a retenção dos jovens. Para Rui, o modelo atual de escola tem que ser repensado. “O currículo escolar precisa ser mais contextualizado, principalmente para os alunos da periferia, e adequado às necessidades modernas de um adolescente”, diz o especialista.

Medidas para diminuir o número de evasões já têm sido

P

erspectivas contrastantes

adotadas nas escolas estaduais de ensino médio do Ceará.

A Galeria de estudos pessoa que abandonou Segundo Henrique Bezere avaliação de iniciativas os estudos. Afinal, quais as ra, coordenador da Escola de públicas (Gesta) indica diferenças na vida, aos 35 Ensino Fundamental e Médio que a qualidade de vida anos de idade, entre pesRenato Braga, em cada série de alguém com ensino soas com o ensino médio há um professor escolhido médio completo é 1,7 vezes completo em relação a para ser “diretor de turma”, maior do que o de uma quem não concluiu? que serve como um orientador educacional, fazendo a ligação entre a família e a ENSINO MÉDIO ENSINO MÉDIO escola. Henrique COMPLETO INCOMPLETO diz que essa medida tem surtido efeito, possuindo atualmente apenas PROBABILIDADE três alunos em siDE AVALIAR SEU 68% 60% tuação de abandoESTADO DE no na escola, poSAÚDE COMO BOM rém, monitorados tanto pelo diretor de turma, quanto pela coordenação.

PLANEJAMENTO 2,8 FILHOS 1,7 FILHOS “Esse professor FAMILIAR fica encarregado de acompanhar o desenvolvimento do aluno na esPROBABILIDADE 70% 50% DE TER UMA cola, dialogando OCUPAÇÃO FORMAL com o estudante e com a família para ajudar a resolver possíveis confliRENDA FAMILIAR tos que possam a R$1.425 R$643 MENSAL PER CAPITA vir prejudicar seu rendimento escolar”, afirma.

PROBABILIDADE DE QUE SEU FILHO IRÁ CONCLUIR O ENSINO MÉDIO COM ATÉ UM ANo de atraso

77%

45%

Novos caminhos Paiva Neves nasceu no interior do Ceará, bem no sertão sul do Estado. Sua história começa na cidade de Cedro, há pouco mais de 500 quilômetros da capital Fortaleza.

Em Cedro, ele viveu até os seus 15 anos e não foi nada mais além da 6ª série do ensino fundamental. Era órfão de pai, teve dificuldades na infância, morando apenas com sua mãe. E foi dela a ideia de vir a Fortaleza, fazendo com que Paiva fosse morar na casa de sua madrinha. Lá ele trabalharia durante o dia e estudaria no período noturno.

O ano era 1979, e Paiva Neves passou a estudar em uma escola pública do bairro Conjunto Ceará. Vivendo sua adolescência, Paiva Neves se viu na necessidade de ajudar nas despesas. Logo começou a trabalhar em uma loja chamada Casas Pernambucanas.

Hoje extinta, mas que naquele tempo... “era uma gigante do varejo com mais de 130 lojas espalhadas pelo Norte e Nordeste e operava com ramo misto. Ia desde os tecidos, confecções, cama e mesa até os móveis e eletrodomésticos”, Paiva relembra com uma expressão nostálgica.

Devido à necessidade de trabalhar, Paiva se viu obrigado a deixar a escola

Ele, então com 15 anos, trabalhava o dia inteiro como office boy “contínuo”, sempre disponível mesmo fora do expediente. Entre as indas e vindas no seu horário de serviço, quando tinha o momento de parar num canto, Paiva adornava seu caderninho com algumas poesias.

De olho no relógio da parede da sala, os ponteiros passavam rápido, já batia 18h30.

Fim do expediente. Hora de ir para a escola e continuar a rotina diária. Da praça José de Alencar, no Centro, até o Conjunto Ceará. A repetição era onerosa a Paiva e sua vontade de seguí-la cada vez mais perdia o sentido. E de acordo com o seu relato, o percurso durava em média de 50 a 60 minutos. Quando enfim che-

gava, “tilim”, fim da primeira aula. A perda dos conteúdos já o desmotivara o suficiente para querer a desistência dos estudos àquela altura. E não deu outra. Sua rotina, que antes consistia em trabalhar durante o dia e estudar à noite, tranformou-se. Paiva se viu marcado pelas constantes desistências aos fins do primeiro semestre letivo, resolvendo “brecar”, dar um pit-stop nos estudos por conta do cansaço.

“Eu precisava trabalhar, então me vi obrigado a deixar a escola na 6ª série do ensino fundamental. Essa foi a minha primeira evasão escolar”, sua expressão facial se retrai.

Em 1982, após ser demitido do emprego e passar por um período de três anos sem frequentar as salas de aula, Paiva retornou os estudos, agora em uma escola de ensino privado.

Hoje a lembrança vagueia e um sorriso contido é dado.

Após a conclusão do ensino fundamental, Paiva migrou para o Liceu do Ceará, onde haveria de experienciar mais uma evasão escolar. Agora no ensino médio e dessa vez por um outro motivo. “Passei a me envolver com intensidade no movimento estudantil e por muitas vezes ia à escola apenas por conta das reuniões com os militantes da causa que eu defendia”, afirma, ressaltando ainda que todos os seus esforços nesse período estavam resguardados na luta do movimento estudantil e de sua comunidade.

O engajamento de Paiva nas agendas sociais, principalmente como dirigente sindical da indústria de calçados, requeria dele um conhecimento mais aprofundado de questões específicas, mas também de conhecimento de mundo. E Paiva soube na hora que precisava retomar os estudos.

“Eu ia às reuniões para discutir temas com outros líderes sindicais e também com representantes de indústrias do Sul e Sudeste, além de economistas, advogados e outros profissionais mais capacitados, por formação. Eu precisava me qualificar”. Paiva então voltou ao campo do conhecimento, mas que conhecimento era esse que ele buscava?

Para além do movimento sindical, o que mais motivou Paiva a tentar voltar à sala de

aula foi a possibilidade de ter em mãos a carteirinha de radialista, para poder continuar com o programa de rádio que tratava de temas trabalhistas em que participava, que hoje exibe orgulhoso. Mas Paiva teve de enfrentar um problema para enfim conseguir seu objetivo. Só era possível retirar a carteirinha de radialista com a comprovação de conclusão do segundo grau. O detalhe era: ele sequer havia iniciado essa etapa.

Foi, então, que em 2003, objetivando a conquista do diploma da maneira mais rápida possível, Paiva começou por conta própria os estudos para prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

As primeiras tentativas não foram lá muito satisfatórias e apenas dez anos depois, em 2014, o também cordelista alcançou o objetivo de ter em mãos o seu diploma, podendo então ingressar em uma

O fator que mais motivou a tentar voltar a uma sala de aula foi (...) a possibilidade de ter em mãos a carteirinha de radialista

O cordelista Paiva Neves, 54, se formou em Pedagogia na UFC em 2017

fonte: Galeria de estudos e avaliação de iniciativas públicas

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universidade pública, quando cursou Pedagogia na Universidade Federal do Ceará, graduando-se no final de 2017.

Hoje como cordelista e professor, Paiva aproveita para expor suas poesias, e incentivar os alunos por meio da arte da escrita.

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Ensinar a si próprio é possível?

Os interesses individuais e a disposição psico-fisiológica influenciam no aprendizado

EQUIPE reportagem RENATA FEITOSA fotografia GLAUBER SOBRAL diagramação MARCOS SOUZA

L

inhas irregulares tracejadas - são assim os rabiscos dos rostos que Roberto Victor Lopes, 22, desenha para uma encomenda de retrato feito à mão. Ele é estudante de engenharia civil e conta que aprendeu sozinho a desenhar, pois, além de gostar, sempre teve facilidade.

“Nunca recebi ajuda de ninguém especificamente, mas, nos últimos anos, tenho tentado me aprimorar e melhorar a qualidade do meu trabalho por meio de tutoriais na internet”. À primeira vista ele parece ser um autodidata, mas será que é mesmo?

A palavra autodidata tem origem grega: autodidaktikós.

Essa é uma palavra composta pelo termos autós e didaktós.

Enquanto o primeiro quer dizer “a si mesmo”, o segundo é um verbo que tem o significado de “ensino” ou “ensinar”. Assim, o significado de autodidata, ao pé da letra, seria algo como “ensinar a si próprio”. Segundo o professor e pós-doutor em educação João Figueiredo, “por mais que alguém imagine que aprendeu sozinho, ninguém aprende sozinho, há sempre uma diretriz, mesmo que inconsciente”.

Definir uma diretriz está diretamente relacionado aos interesses individuais. Por sua

O estudante de engenharia civil Roberto Victor aprendeu a desenhar na adolescência, inspirado por HQs de super heróis

vez, o interesse depende da disposição psico-fisiológica do indivíduo. É desde criança que Roberto se interessa pelo desenho. “Mesmo sem técnica ou material adequado, eu usava o que tinha para criar imagens divertidas”, acrescenta o estudante. O professor João Figueiredo diz acreditar que nesses casos há uma predisposição. “Você tem um histórico que pode ser uma herança cultural”.

“Ninguém aprende sozinho, há sempre uma diretriz, mesmo que inconsciente”

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Mesmo com o interesse na infância, foi na adolescência que Roberto decidiu aprimorar seus desenhos. “Eu tenho uma coleção de HQs de super heróis, e eu comecei a desenhar sério tentando copiar as imagens. À medida que eu ia fazendo novos desenhos, eu tentava experimentar algumas técnicas intuitivamente e aos poucos fui desenvolvendo meus conceitos de proporção, luz e

sombra e, por último, cores”.

Apesar dessas tendências, o professor afirma que é possível aprofundar o conhecimento. “Você vai buscar isso, e aí você pode usar o autodidatismo porque você tem facilidade já, inclusive de acessar essas informações”, conclui o pós-doutor em educação.

Novas mídias e o processo de aprendizagem autodidata

A

utilização de recursos tecnológicos como ferramenta de aprendizado faz parte do uso e do cotidiano das pessoas, mas podem se fazer uso dessa ferramenta como um método de aprendizagem e se considerar um autodidata? Responder essa questão não é uma tarefa fácil. Segundo o professor João Figueiredo, vai depender do processo que o indivíduo estabelece com a informação.

Se o método de aprendizado escolhido pelo sujeito não for diretivo, ou seja, sem a orientação de um tutor que determine o modo de aprender, caracteriza o autodidatismo.

Em contraponto, se o indivíduo assiste a videoaulas de modo como se estivesse em uma sala de aula tradicional, e participa de grupos com interesses comuns, mesmo que esses novos modos de aprender não façam parte do ensino institucional e formal, não podemos enquadrá-los no autodidatismo, de acordo com o professor João Figueiredo. “Esses exemplos saem da ideia de autodidatismo, em certa medida, porque há um processo concreto influenciando e definindo caminhos e alargando possibilidades”.

Foi entre um método e outro que Raphaela Oliveira aprendeu a confeitar bolos.

Ela conta que, além das videoaulas, começou a fazer testes em casa. “A primeira vez que fiz bolo não deu certo, o bolo não cresceu, mas o gosto ficou bom. Da segunda vez já deu e fui fazendo cupcakes, testando algumas coberturas diferentes até começar a fazer bolo de pasta americana, que era meu foco”. Depois de seis meses aprendendo dessa forma, ela começou a vender os bolos confeitados e entrou no curso técnico de confeitaria no

Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) a fim de aprender mais. Porém, o curso só serviu para ela revisar o que já tinha aprendido por conta própria.

Na sociedade atual, o diploma é super valorizado.

Mas, é exercendo um papel autodidata que de fato se aprende algo. “Na pedagogia tradicional, o pouco aprendizado que se desenvolve é uma escolha individual.

Porque quase sempre há uma imposição de conteúdo e de ideias que não interessam às pessoas e, portanto, vão ficar de modo secundário na sua formação. Entretanto, aquilo que eu escolho aprender, geralmente, tem muito significado para mim e isso faz toda a diferença”, pontua o professor João Figueiredo.

Foi o que aconteceu com Raphaela que, apesar de ter frequentado o curso e ter recebido certificado, aprendeu mesmo por “conta própria”.

Para João, isso se deve a um elemento-chave, intrínseco aos seres humanos: a curiosidade. É ela que está diretamente relacionada à aprendizagem. “Se não há curiosidade, a aprendizagem é sempre muito superficial e precária”, completa.

Por isso, o autodidatismo está ao alcance de todos, qualquer pessoa pode ser autodidata, basta que ela tenha curiosidade e, a partir disso, desenvolva métodos próprios, defina suas leituras e pesquisas. Contudo, devido à diversidade nos modos de aprendizagem presentes na atualidade, o professor adverte que “na internet é possível encontrar um autodidata, o difícil é mapear aquele que só a utiliza dentro de uma dinâmica mais estática”, ou seja, sem estabelecer processos interativos.

Depois de aprender a desenhar sozinho, Robertor Victor desenvolveu as técnicas com tutoriais na internet

“Se não há curiosidade, a aprendizagem é sempre muito superficial e precária”.

Raphaela Oliveira aprendeu a confeitar bolos por meio de videoaulas e passou a vendê-los seis meses depois

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eu re ca!

o o m Co o r b e cér ? e d n e r p a

EQUIPE reportagem ESTER COELHO diagramação EMANUEL SILVA

O lado esquerdo do cérebre.oA é associado à racionalidadalítico e lógica e o pensamento an a linmatemático, as ciências e funções guagem são algumas dasão. controladas por esta regi

O lado dire responsáve ito do cérebro é e as artes. l pela criatividade intuição tamA imaginação e realizadas p bém são funçõe a or este lado s .

É por isso que um comp Nacionais de Ciências, Eilado de estudos das Academias Unidos indicam que o cé ngenharia e Medicina dos Estados de acordo com novas fu rebro muda de tamanho e peso nasce como uma folha e nções aprendidas. O ser humano acontecem frente a nov m branco e, conforme as sinapses alterações em sua estruos estímulos, os neurônios sofrem se reorganize e readaptetura, fazendo com que o encéfalo de neuroplasticidade, a c . Essa característica é chamada processo de aprendizageapacidade neurológica que permite o m.

ndial mu a ci ên fer re al p ci n i pr o, rd e i qu Iz an Iv ta s gi o ol O neur seu livro “Memórias”, o em neurociência, conceitua“o, em nto e evocação aprendizado como sendo atravarésmadezenaexme riências.” Ou de informação adquirida esso é repetipe do, mais o cérebro seja, quanto mais um procê-lo novamente erá os se lembrará de como fazpara executar aeaçapãorenondvamente no mecanismos necessários petição é a mãe do aprendizado. futuro. É por isso que a re

O neurologista Francisco Gondim, do Hospital Universitário Wálter Cântídio, explica que o melhor momento para aprender um novo idioma é até os 13 anos de idade. Isso se deve a que a neuroplasticidade é maior até essa idade.

Durante esse momento da vida o cérebro ainda consegue aprender novos fonemas diferentes do da línguamãe, incorporá-los com naturalidade e, assim, não adquirir “sotaque” ao falar outro idioma.

O encéfalo é formado pelo cérebro, cerebelo e tronco encefálico. Esses órgãos constituem o sistema nervoso central e são responsáveis por realizar as sinapses, ligações entre os neurônios que permitem que o indivíduo aprenda novas habilidades. Os neurônios se ligam e formam circuitos, que vão se tornando mais complexos conforme o cérebro aprende. A educação é a responsável por gerar e desenvolver estas novas sinapses, que levam à constituição das habilidades adquiridas pelo indivíduo.

Apesar da divisão de tarefas entre os dois lados, o aprendizado frequentemente envolve mais de uma parte do cérebro.

A música é um bom exe aprendizado. Apesar de mplo da complexidade do controlado pelo lado dire evocar o aspecto emocional, musicais e teoria exigem ito do cérebro, as regras controlado pelo hemisfér um raciocínio lógico adquirido, aprender a apreciar em io esquerdo. Portanto, para exemplo, o lado direito pr ocionalmente uma música, por os aspectos analíticos e eedomina, mas para aprender esquerdo. Músicos profistruturais evocamos o lado esquerdo do cérebro do ssionais utilizam mais o lado que um amante de músi treinamento. ca sem

Existem cinco estruturas essenciais responsáveis por guardar e evocar as memórias: o hipocampo, a amígdala, o hipotálamo, o tálamo e o córtex. O hipocampo e a amígdala recebem as informações sensoriais e as repassam para o hipotálamo, que em seguida passa ao tálamo e ao córtex. A conexão entre todas essas partes está feita para processar as informações adquiridas por meio da experiência, não limitando o aprendizado a apenas uma das partes do cérebro.

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Cuidados com a mente na graduação Diante de novas responsabilidades, universitários se veem em uma encruzilhada entre os compromissos da vida adulta e a saúde mental

EQUIPE reportagem JOÃO DUARTE MATHEUS FACUNDO diagramação ALEXANDRE MOTA

30% dos estudantes de instituições federais brasileiras procuram atendimento psicológico durante a graduação

“E

le fez dois artigos somente durante este semestre, talvez você também possa. É para o seu bem”; “Ela faz oito disciplinas ao mesmo tempo, se você se esforçar mais, pode conseguir. É para o seu futuro”; “Ué! Qual é o problema? Por que você está chorando?”. A conquista ímpar que é a chegada a uma instituição de ensino superior pode, em uma interpretação superficial, ser sinônimo de desenvolvimento pessoal, vitória, sucesso. Contudo, se não vivida às regras, a vida acadêmica pode, somada a vários fatores, acarretar em adoecimento psíquico. É o transtorno mental, comportamental, físico, causado por onde menos se espera.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que o número de pessoas que vivem com depressão aumentou 18% entre 2005 e 2015 em todo o mundo. No Brasil, segundo o órgão, a depressão atinge 11,5 milhões de pessoas (5,8% da população total), enquanto transtornos relacionados à ansiedade afetam mais de 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população nacional).

A referência a esses números dentro de universidades, sobretudo na graduação, é praticamente nula. No entanto, profissionais que lidam diretamente com o assunto sabem e são enfáticos: nossos estudantes estão sofrendo. De acordo com o coordenador do Programa de Autocuidado do Laboratório de Relações Interpessoais (L’ABRI), Kildare

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Braga, o processo de adoecimento começa na interpretação de papéis sociais. “Quando eu estou no ensino médio, meu papel é um, quando eu chego à universidade esse papel muda, a começar pela liberdade, que acaba me dando uma insegurança, ou uma imaturidade para dar conta disso, porque esse papel é novo”, destaca.

O L’ABRI é vinculado ao curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Kildare, no entanto, trabalha no âmbito privado e demonstra que o projeto é fruto de uma união que extrapola as barreiras acadêmicas.

A equipe atual é formada por quatro pessoas, que conseguem enxergar: a universidade não dá aos alunos suporte emocional. “É como se a gente

fosse um animal de zoológico, que nunca precisou caçar, mas vai ser jogado na selva, que é a universidade. A gente vai ter que sobreviver, encontrar comida, mas nunca foi avisado sobre o papel que ia ter”, diz.

Os profissionais do projeto desenvolvem trabalhos em dois grupos distintos de, em média, dez pessoas, focados no que se chama de “autocuidado”. “É através deste processo terapêutico que o aluno visualiza o que lhe faz mal e o que faz bem. A partir do que ele entende sobre cuidado, faz estratégias. Por exemplo, depois de uma semana estressante, dar-se o direito de ir à praia (se isso faz bem)”, pontua. Outras dicas para melhor viver como graduando é respeitar o próprio tempo de produção e entender as relações advindas dela.

O projeto funciona semanalmente na Clínica Escola de Psicologia da UFC, no bairro Benfica. Nem por isso recebe apenas estudantes deste campus. A divulgação, feita sobretudo por meio de redes sociais, dá conta da chegada de diversos estudantes de, inclusive, faculdades particulares.

São 20 participantes por turma, divididas em duas e que, ao fim do semestre corrente, se unem em uma só.

Se tivesse conhecimento sobre o Programa de Autocuidado que funciona na própria Universidade, Igor Levy poderia ter dado passos diferentes ou até mesmo mudado seu rumo. Fez do curso de Computação da UFC sua segunda casa durante dois anos, percebendo, na metade do segundo ano, que algo não ia bem.

“Comecei a perceber que não me identificava com o curso, não conseguia projetar um futuro profissional naquilo.

Quando me dei conta de que

estava adoecido, já era o fundo poço, não conseguia mais levantar da cama, estudar ou sentir prazer”, conta.

Para Igor, o adoecimento foi multifatorial. “Eu já tinha um histórico de autocobrança muito grande e isso continuou na vida universitária. Inclusive, eu acredito que tenha chegado na universidade pouco preparado emocionalmente para o que eu ia enfrentar”, desenvolve.

Igor passou então a se dividir entre estados de tristeza e de apatia. Procurou ajuda da atenção psicopedagógica, oferecida através da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da Universidade, mas não deu continuidade. A família ofereceu colo, e o diagnóstico não tardou: ele tinha depressão, ansiedade e síndrome do pânico. Os transtornos, nada bem-vindos, o fizeram, inclusive, a pensar em não mais seguir em frente.

Inúmeros pedidos de socorro depois, Igor iniciou a análise e o tratamento medicamentoso. No caminho de cuidado, viu nascer flores ao, simplesmentes, conseguir voltar a sonhar. “Eu vivo dizendo que a melhor decisão que eu tomei na vida até agora foi começar a terapia e a segunda melhor foi estudar psicologia”, conta. Atualmente no segundo semestre do novo curso, ele tem uma certeza: vai seguir no caminho pelo respeito à saúde mental.

PRESSÃO

10%

dos alunos de DE instituições federais FAZ uso de medicamentos psiquiátricoS NO BRASIL

Diferentemente de Igor, Giovanna Magda, 22 anos e estudante do curso de Sistema e Mídias Digitais na UFC, já percebeu que algo estava errado logo no primeiro semestre da graduação, em 2014. A estudante já ingressou na faculdade estagiando e sentiu a pressão de uma área intrinsecamente técnica. Ela teve episódios de síndrome do pânico.

“Eu achava no início que era uma reação alérgica, mas um dos sintomas de quem sofre com ansiedade ou síndrome do pânico é a sua garganta se fechar. Acontecia no meio da aula, estava tudo ótimo, mas depois começava a bater. Todo mundo achava que eu estava ótima, mas na verdade por dentro eu estava surtando”, narra.

Giovanna conseguiu buscar ajuda e, com uma bateria de exames, começou a se tratar e tomar medicações. Apesar de ter conseguido se estabilizar, ela relata que as crises não foram embora. “Depois de um três semestres eu tinha muitas crises em que eu me perguntava ‘o que eu vou fazer da minha vida?’. Essas crises me fizeram puxar o meu esforço físico e mental ao máximo e eu adquiri depressão”, relata. Àquele ponto, a cearense entrava para uma alarmante estatística.

De acordo com pesquisa divulgada em 2016 pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), 10% dos alunos de graduação de instituições federais do Brasil havia feito uso de medicamentos psiquiátrico. Outros 30% procuraram atendimento psicológico.

fUTURO NA PROFISSÃO

fatores que levaram igor ao adoecimento mental

dificuldade NO aprendizado RELAÇÃO COM PROFESSORES 15

pREOCUPAÇÃO FINANCEIRA

QUInTA é dia de pão

atividades

segunda desenho LIVRE

terça MODELAGEM COM CERA DE ABELHA

Com dois anos de existência, Escola Jardim Waldorf Arco-Íris aposta na experimentação e estimula seus alunos a terem contato direto com a natureza

EQUIPE

fotorreportagem ÍCARO MACHADO texto ELIANE FERREIRA ilustração e diagramação CAROLINE ROCHA

E

ram nove horas da manhã de uma quinta-feira, com um cheirinho de pão assando subindo pelo ar - porque aquele era o dia das crianças fazerem a sua própria massa -, que fomos recebidos naquela casinha amarela, com grama verde na entrada e uma kombi com cortinas nas janelas estacionada na garagem da Escola Jardim Waldorf Arco-Íris.

Sem placa para anunciar que ali funciona uma escola, o espaço mais lembra uma casa de avó, de tão aconchegante que é, e revela a discrição que todas as três escolas que trabalham com a pedagogia Waldorf em Fortaleza têm.

Amarelo, azul, vermelho e verde. O que mais se destaca ao chegar na frente da casa, como faz questão de afirmar o sócio e administrador da escola, Sérgio Bosco, são as cores. E, ao adentrar no espaço, tal fato fica ainda mais nítido. É no azul do balanço do parquinho, no colorido das frutas das árvores plantadas no jardim e até em um sino dos ventos em formato de nuvens e pipas - que não produz som por ser feito de algodão,

que a pedagogia criada por Rudolf Steiner em 1919 na Alemanha ganha cada vez mais espaço no Ceará.

Com apenas dois anos de existência, a escola ArcoÍris é uma iniciativa de Sérgio Bosco, que é psicólogo e a fundou em outubro de 2016, juntamente com a professora Irisneve Rodrigues, também sócia e administradora. Mesmo engatinhando no ramo, a escola já tem fila de espera, já que recebe no máximo 16 alunos em cada turma.

Dedicada à educação infantil (maternal e jardim), o que se exige inicialmente é “que a criança esteja pelo menos andando, tenha já um pouco de autonomia”, revela Sérgio. Com aulas pela manhã e atividades recreativas e mistas pela tarde, os pais podem optar pelo ensino matutino, em que as crianças saem após o almoço, ou pelo integral, com saída às 15h ou 17h.

Tendo as artes como carro-chefe dessa educação, as atividades manuais, o contato com a natureza, - como o cuidado com a horta e com as galinhas e outros animais que habitam o local, e o afloramento da imaginação contam com uma ajuda dos pais, que devem manter os filhos distantes dos aparelhos tecnológicos, como televisão, computadores e celulares.

E são os pais também o destaque para o funcionamento dessa pedagogia, pois até eles têm de se adaptar a esse novo jeito de ensinar seus filhos a vivenciarem o mundo.

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quarta AULA DE EURITMIA (ciranda)

quinta dia do pão

sexta aquarela

a m u e d a t n Ferrame ? e d a d i l a e r nova Centros de ressocialização têm o desafio de propor um modelo de reinserção na sociedade com qualidade e formação humana

reportagem PEDRO SILVA MYKE GUILHERME fotografia WANDERSON TRINDADE diagramação e ilustração MARÍLIA TORRES

EQUIPE

E

m uma realidade tomada pelo ódio e pelo senso comum, grande parte da sociedade acredita que o indivíduo que comete algum tipo de delito precisa ser eliminado. O resultado disso pode levar à extinção de uma prática que busca proporcionar o mínimo de dignidade para as pessoas que não tiveram, em muitos momentos da vida, acesso aos mecanismos de educação, cultura e cidadania. A ressocialização e a criação de oportunidades diferentes para quem cometeu algum crime é fundamental, principalmente quando se trata de jovens que não alcançaram a maioridade.

Atualmente, na cidade de Fortaleza, existem nove locais destinados à ressocialização de adolescentes. Ao todo, no Ceará, os centros de medidas socioeducativas abrigam cerca de 850 jovens entre 16 e 18 anos de idade. A vivência nesses ambientes é marcada pelo objetivo de propor novos caminhos a quem está marcado pelo crime. Na contramão do

ódio, o sonho de reintegrar esses jovens à sociedade é a esperança de um futuro digno e com novas perspectivas.

Falar sobre educação é...

A história dos jovens que frequentaram ou que estão dentro dos centros pode resultar em caminhos distintos depois que a liberdade toma conta de suas rotinas. O desemprego, o retorno ao crime, as profissões subalternas e a educação podem ser escolhas vindas de um processo necessário, mas que ainda possuem muitos problemas. A história que vai ser contada a seguir é um reflexo de todas essas questões, onde a educação, sobretudo os livros, foram a força motriz do processo.

“Falar sobre educação é falar sobre a vida”. Essa é uma das frases que marca a vida de Jardson Ferreira de Araújo, de 24 anos.

Atualmente desempregado e tentando ganhar a vida com o rap dentro de coletivos da capital cearense, Jardson Remido (nome artístico), entrou no mundo do crime

na adolescência e, em 2012, cumpriu medida no Centro Socioeducativo São Miguel, localizado no bairro Passaré.

Durante os 45 dias em que esteve no local, Jardson experimentou todas as sensações de um jovem “enforcado com o tráfico de drogas”, como o mesmo comenta. A raiva, a angústia e o desejo de sair daquele espaço se aliaram a uma prática que ele tinha na infância e que, quando menos esperava, abriu o caminho para uma vida diferente.

“Eu abracei o potencial transformador da leitura. Comecei a despertar o gosto pela leitura e comecei a praticar. É uma ‘parada’ muito abstrata, porque a gente não tem a cultura da leitura na favela. A gente não tem isso.

E isso é estratégico e tal”, explica. Jardson ainda acrescenta um fato fundamental quando foi ordenado a cumprir medida

socioeducativa. “Quando eu entrei na Febem (Fundação Estadual Para o Bem Estar do Menor, hoje conhecida como Fundação Casa), eu estava com a camisa do Malcom X e um livro na mochila”, ressalta.

Durante e após aqueles 45 dias que se estenderam entre janeiro e março de 2012, Jardson passou a compreender o mundo de

uma outra maneira. “Foi uma experiência bem prática.

Recebi uma série de insights que me levaram à reflexão sobre a minha pessoa, sobre a realidade, sobre o que é a cidade. Enfim, eu tive várias reflexões”, conta. Entretanto, Jardson foi além do processo de reestruturar a sua vida e as suas perspectivas.

Com a compreensão de que a mudança que a sua vida estava tomando não poderia se restringir somente a sua pessoa, Jardson percebeu que poderia bater de frente com um sistema que insiste em “rebaixar” as pessoas que vivem situação semelhante ao que ele enfrentou. Desde 2014, passou a conciliar a sua rotina nos coletivos com a participação em ações dentro de centros de ressocialização. O objetivo? Proporcionar uma novo olhar para quem anseia por liberdade.

“Eu acho que os meninos não podem se submeter a essas paradas subalternas. Eles podem estar na advocacia, na medicina, na psicologia, no jornalismo. Eles podem estar ocupando tudo isso. Se estou aqui é porque eu abracei uma ideia. Eu botei fé, pratiquei e deu certo, mas isso não pode ser só para mim.

Tem que ser, por

exemplo, para o pivete que está envolvido com o tráfico até o pescoço, se liga?”, enfatiza Jardson.

Segundo ele, para se construir um novo mundo, ocupado por pessoas que não estão sendo vistas, é preciso que esses jovens tenham acesso à educação. “O conhecimento é brutal”, comenta. Com poucas palavras, Jardson constata a principal porta de entrada para uma nova vida. Com o

sar com algum jovem interno sobre sua experiência ali.

Essa foi a solicitação feita à Superintendência Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas), que, por sua vez, concedeu autorização para uma visita ao Centro Educacional São Miguel, uma das três instituições de cumprimento de medidas socioeducativas provisórias existentes na capital cearense. Atualmente, 101 jovens em conflito com a lei,

Para Se construir um novo mundo, ocupado por essas pessoas (...), é preciso que esses jovens tenham acesso à educação desejo de cursar Pedagogia, o jovem não sonha em apenas ter um diploma para mostrar o que vem conquistando nos últimos anos. O seu desejo é tornar missão o trabalho como socioeducador e levar a sua experiência de vida para lugares e públicos maiores.

A realidade nos centros A ideia da reportagem do jornal Impressões do Saber era conhecer de perto a realidade dos centros de ressocialização, ter contato com os professores e, se possível, também conver-

entre 16 e 18 anos, estão sob a tutela do Estado no local, onde realizam atividades que englobam educação, esporte, cultura, arte, além da formação humana.

A visita, porém, se resumiu a uma conversa em uma sala rodeada de pessoas que apresentaram apenas uma versão positiva da realidade do local, sem a possibilidade de verificação na prática. Na sala estavam Mirilene Santana e Valdiana Arruda, respectivamente diretora e coordenadora técnica do Centro; Apa-

a gente não tem a cultura da leitura na favela

Após cumprir medida socioeducativa, Jardson Ferreira vive hoje de seu trabalho com rap

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“Se eu esto u aqui é porque eu a bracei uma ideia” Jardson Fe rreir

a

recida Costa e Francisca Silva, ambas da Seas; e o pedagogo Antônio Cláudio. Mais ao final da entrevsta, chegaram os professores Adriana Menezes e Rafael Albuquerque junto a um jovem interno.

No período em que os jovens permanecem na instituição, segundo Mirilene, são realizados acompanhamentos por profissionais de diversas áreas, cujo intuito é “ajudar a retirar vendas imaginárias de seus olhos e mostrar que esses adolescentes não estão sozinhos no mundo”. A diretora ressalta que “diariamente, das 7 às 17 horas, os adolescentes permanecem em atividades, sejam em salas de aula ou em salas de jogos”.

No final de 2017, os centros de ressocialização de Fortaleza implantaram o projeto “Recomece… Desenhando o Futuro”. A proposta pedagógica busca oferecer não somente o ensino de compreensão leitora, matemática e raciocínio lógico, mas também a reflexão de questões que envolvem a construção de uma identidade pessoal, de cidadania e do mundo do trabalho.

Para Aparecida Costa, o projeto foi pensado com uma matriz curricular diferente.

Segundo ela, “o adolescente tem aulas com começo, meio e fim ao longo de 45 dias. A base é diferenciada, com fortalecimento na formação humana. Porque ele vai trabalhar com as questões de valores, ética e cidadania”, destaca.

Tendo lecionado tanto no ensino regular quanto em escolas de tempo integral, a professora Adriana Menezes afirma que o número menor de alunos por turma ‒ bem abaixo da média de 30 na educação regular ‒ proporciona uma qualidade maior de atenção individual. “Por a sala ter um contingente menor de alunos, a gente tem como

trabalhar realmente esse lado mais pessoal do aluno, do conhecer, do poder se apoderar mesmo da realidade de cada um para poder fazer o trabalho. Diferente da escola regular, que a gente está ali mais pela questão do conteúdo e tem pouco tempo para poder analisar todos os alunos que estão ali”, afirma.

Rafael Albuquerque, que já atuou com educação quilombola, considera que o diferencial é a relação de confiança que o projeto permite.

“A gente pode se aproximar do aluno, a gente conhece sua história, ouve muito mais, individualiza o atendimento. Coisa que na sala de aula regular é complicado com 40 alunos. Aqui dentro, há um envolvimento maior, há um laço estabelecido”, garante.

Antes de chegar ao São Miguel, Rodrigo (nome fictício), o único jovem em cumprimento de medida socioeducativa presente na sala, tinha uma outra visão sobre aquele lugar. Para ele, aquele local era equivalente a um centro de detenção. “Pensei que era coisa de outro mundo, que era que nem nas cadeias, complicado, confusão direto”, relembra. E completa: “a pessoa está aqui só para aprender, sair ressocializado”.

“

gravidado. Em 2018, quando a filha já completou seis anos e após ter arrumado um emprego de meio período, ela diz que tudo ajudou para que ela voltasse para a escola. Há dois meses, então, ela frequenta o Centro de Ensino de Jovens e Adultos (Ceja) Paulo Freire, que fica no bairro São Gerardo, em Fortaleza.

“Sociologia, a matéria que estou fazendo agora, é boa.

Estou lendo muito e está me abrindo mais a mente”, diz.

Segundo Jayres, a dificuldade de aprender é grande devido ao tempo que ficou parada.

“Eu acho que é só para quem quer mesmo. Sempre fui muito triste por não terminar (os estudos), mas agora estou tão feliz e isso reflete em casa, porque era uma coisa tão impossível, mas tô conseguindo”.

SEMPRE É TEMPO

DE APRENDER

Seja por motivações profissionais ou apenas pelo prazer de conhecer, pessoas voltam às salas de aula e mostram que nunca é tarde para recomeçar

EQUIPE reportagem LARISSA PACHECO NATALY ANDRADE RUTH OLIVEIRA fotografia RUTH OLIVEIRA diagramação ALEXANDRE MOTA

“A

vida é mais interessante quando você está em um processo de conhecimento contínuo”. Por pensar assim, Raimundo Pereira, 63, decidiu ter aulas de inglês em 2017.

Ele já arranhava algumas palavras que aprendera por conta própria, pela internet, mas acreditou que era o momento, depois da aposentadoria, de se dedicar ao idioma.

“Agora, estou realmente aprendendo a me desenrolar.

Sozinho, às vezes não dá pra ir muito longe e aqui, na Universidade Sem Fronteira, me sinto mais empolgado”, diz.

A língua inglesa sempre esteve presente na vida do professor, que usava, desde jovem, letras dos Beatles e de

outras bandas para aprender o idioma. Sedento pela busca de conhecimento, o também escritor e compositor encaixou o estudo de inglês na nova rotina. “O inglês sempre me atraiu. Depois de me aposentar, tive o tempo necessário”, comenta.

Para Raimundo, essa também é uma forma de acompanhar as transformações da sociedade. “Na minha idade, às vezes é difícil seguir as mudanças que acontecem, as aulas ajudam a me atualizar nisso”, lembra.

Já Antonilda Bernardino, 66, viu na terceira idade o tempo certo para recomeçar.

Após mais de 40 anos sem estudar, há seis meses ela frequenta o Ensino de Jovens e Adultos (EJA) na Escola São

José, que fica no bairro Presidente Kennedy, em Fortaleza, no nível 1, que compreende do primeiro ao terceiro ano do fundamental.

Antonilda parou de estudar aos 17 anos, em 1969, quando estava no segundo ano do ensino fundamental e já estava bem fora da faixa.

Naquele ano, ela veio embora de Camocim, que fica no Litoral Oeste do Ceará, com seu ex-marido, para Fortaleza, abandonando a família e também os estudos. Após cinco filhos e 13 netos, sentiu que faltava algo.

Por morar perto da escola, ela conta que vai a pé para a aula, e foi essa facilidade que a motivou a ir, além dos filhos, que sempre a incentivaram. “Antes eu quase não

sabia ler. Agora tô mais me interessando mesmo, porque a professora é muito legal com a gente”, diz.

Por ter que ajudar com a criação dos netos durante o dia, a aposentada explica que é difícil estudar em casa, mas, quando pode, dá sempre uma “lidinha em algo”. Antonilda se define como louca por matemática. “Eu faço as tarefas é antes da professora mandar”, confessa a estudante.

Para ela, “sempre é tempo de aprender”. “Eu tenho vontade pra ver se eu entendo mais as letras, as palavras, poder pegar uma bíblia, ler, entender mais as coisas do mundo, é o que eu quero pra vida”, explica-se.

Já a costureira Rosimary Nunes, 48, tenta aproveitar

a oportunidade que não teve quando era jovem. “Toda vida eu gostei de estudar, desde quando eu era nova, mas não tive chance por ter engravidado. Agora surgiu a oportunidade, porque meus filhos estão grandes, não tenho mais preocupação”, diz.

Desde julho de 2017, ela também frequenta o EJA na Escola São José. Rosimary, que agora é separada e mora sozinha, havia parado na sétima série do ensino fundamental, e podia entrar já no nível 3, mas pediu para entrar em um nível anterior para “tentar relembrar o que havia esquecido”. “Do tempo que eu estudei, a pessoa esquece muita coisa, mas agora já está melhor. As coisas que eu esqueci estão vindo de novo, eu olho e penso: ‘ah, já vi isso aqui’.”

Atualmente, ela está desempregada. “Não gosto nem de faltar (aula). Hoje eu saí atrás de emprego, cheguei

cansada, mas aí quando eu cheguei, eu vim, quis nem saber”, afirma. O esforço, então, tem muito a ver com a busca pela carteira assinada. “A gente vai atrás de emprego e eles pedem pelo menos o ensino médio completo”.

Para Rosimary, o estudo não tem uma idade certa.

Hoje, ela se sente bem mais realizada. “Antes de eu vir estudar parecia que tinha uma venda nos meus olhos, que eu não via muita coisa, e agora tem coisa que descobri, me sinto capaz de fazer mais coisas”, completa.

Assim como Rosimary, Jayres de Souza, 21, voltou a estudar buscando um objetivo profissional. A jovem, que trabalha como cuidadora de idosos, conta que pretende fazer um curso para se especializar na área e “cuidar do idoso da maneira correta”.

Ela conta que parou de estudar aos 16 anos por ter en-

Na Educação de Jovens e Adultos, que é destinada para aqueles que não terminaram os estudos no tempo correto, são dois os principais motivos para que essas pessoas voltem às salas de aula. Para Sérvulo Paz, coordenador do Ceja Paulo Freire, os mais jovens buscam concluir os estudos devido a uma necessidade profissional, pois se sentem cobrados a se aprimorarem para o mercado de trabalho.

“Senão eles não conseguem um emprego, ficam fora do mercado. A grande maioria deles vem nesse sentido mesmo”, relata.

Por outro lado, ele conta que as pessoas com idade avançada buscam terminar os estudos para se sentirem realizadas pessoalmente.

Em relação a problemas

“

Eu tenho vontade pra ver se eu entendo mais as letras, (...) entender mais as coisas do mundo, é o que eu quero pra vida” Antonilda Bernardino, 66

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OBJETIVOS

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enfrentados pelos estudantes, Sérvulo aponta que um deles é o estudante voltar a ter essa rotina de estudos. “Muitas vezes eles estão sem estudar há um certo tempo, então quando retornam sentem aquela dificuldade”, comenta o coordenador da instituição.

EXPERIÊNCIAS

O senso comum diz que o aprendizado só é possível quando jovem, mas para especialistas casos como o de Seu Raimundo Pereira comprovam que nem sempre a afirmação popular é verdadeira.

Apesar de enfrentar dificuldades naturais, pessoas mais velhas, quando bem orientadas, são capazes de aprender perfeitamente um novo idioma. “Depende da vontade, da atenção e das condições de saúde. Se esses requisitos forem preenchidos, qualquer pessoa pode aprender”, explicou a professora e pesquisadora, Viviana Carlixto.

Para Maria Eugênia, doutora em Pedagogia, mestre em Psicopedagogia e graduada em língua inglesa pela Universidade Federal do Ceará (UFC), o aprendizado na maturidade pode ser fator de mudança em diversas áreas.

Por meio do aprendizado de um idioma extra, como é o caso de Raimundo, é possível manter a memória mais ativa e evitar o isolamento. “Por promover trabalho em grupo, as aulas estimulam a socialização na maturidade”, diz.

sempre fui muito triste por não terminar (os estudos), mas agora tô tão feliz, (...) porque era uma coisa tão impossível” Jayres de Souza, 21

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A MEDIDA CERTA PARA APRENDER

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Utilizar fichas, postits e marca-textos, pode ser uma estratégia muito útil Engana-se quem pensa que o grupo é de estudo coletivo. Cada integrante tem o objetivo de estudo específico, no geral são concursos, seja para carreira militar, delegado, defensoria pública ou cargos administrativos.

Os “ratos” funcionam como um escape para a solidão que o ambiente de estudo traz, como informa a integrante Camila. “O concurso em si já é uma caminhada muito árdua, solitária. É horrível, é uma vida complicada. Então, se você tiver um pessoal que dê suporte, que pode bater papo, é imprescindível”, afirma a estudante.

Nesse bate-papo é que entra o café. Habitualmente, a rotina de estudos começa a partir das 7h30 e segue até 20h, isso porque a sala de estudo individual, onde eles ficam, fecha por esse horário.

Para alguns os estudos ainda seguem em casa. É entre esse

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SERVIÇO Nem sempre dá para dispor de espaços em casa que favoreça à rotina de estudo, ou a mesmice do local já desestimula a realização dessa tarefa. Pensando nisso, confira cinco dicas de lugares para manter a prática de estudos em dia.

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04 O café é o grande aliado dos ratos da Biblioteca nos estudos.

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Nada melhor para fixar o conteúdo do que colocar seus conhecimentos em prática.

Essa é a cereja do bolo

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que as informações principais sejam destacadas e quando houver necessidade de recorrer aos apontamentos, eles estarão sistematizados”, afirma a psicopedagoga Luciana.

Na hora de revisar vale tudo. O professor Pacelli Bessa explica que “para facilitar a memorização, uma técnica é a leitura em voz alta. Outra possibilidade é tentar explicar o conteúdo estudado a um aluno imaginário. Essa técnica ajuda a mostrar os pontos que o estudante está mais seguro e os pontos que precisa de revisão”.

Consumo de café entre amigos é aliado no estudo Quem diria que o café além de servir para dar aquela despertada tem também o poder de unir pessoas para o estudo. Foi o que aconteceu com o grupo intitulado Ratos da Biblioteca.

O grupo foi criado pelo concurseiro Hilário Barbosa, 54, há dois anos e, desde então, reúne de oito a 15 pessoas, de segunda-feira a sábado, para estudar na Biblioteca Central do Campus do Pici da UFC, em Fortaleza.

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uas doses de disciplina, uma pitada de inteligência e agora é só deixar descansar por algumas horas… Calma que não é bem assim. Cada um tem ritmo e forma diferentes de estudar. Apesar de não existir receita mágica, algumas dicas podem ser um ótimo fermento.

Nada melhor do que quem tem os estudos como uma constante para dividir experiências que têm dado certo e podem auxiliar a dar aquela guinada no aprendizado - e quem sabe até na vida.

dade. A cada 50 minutos ela faz uma pausa e descansa por 10 minutos. Nesse intervalo, “vale tomar um café e ouvir pop, rock, algo agitado que ajude a permanecer acordada”. Romário também é adepto a uma playlist bem animada nos intervalos. Além desse artifício, para dar um respiro entre uma matéria e outra, o estudante assiste vídeos ou circula um pouco pela casa para “pegar um ar”.

Segundo estudo publicado pela revista científica Science em 2014, dormir ajuda a fixar o conteúdo. Quando dormimos, o crescimento de conexões entre as células cerebrais é intensificado, ou seja, não adianta perder noites e mais noites de sono e não deixar o corpo relaxar. Até mesmo os gênios precisam de descanso. Sabendo disso, para relaxar, Janaína apenas dormia.

“Nunca deixei de dormir a noite por conta dos estudos como muitos fazem, pois sabia que o sono, no meu caso, era primordial”.

Pratique Nada melhor para fixar o conteúdo do que colocar seus conhecimentos em prática.

Essa é a cereja do bolo. Romário tem um caderno só para responder questões e simulados. Além do caderno, ele utiliza muitos aplicativos para grudar o conteúdo na cabeça. “Eu tenho muitos aplicativos de dicas, simulados e quiz: Dicio, Descomplica, G1 Enem, Quiz Enem, Citações Enem. Além deles, tenho um que é para revisar os conteúdos, o Reviseapp, e ele funciona sem internet”, afirma.

As tecnologias favorecem o aprendizado. Existem diversos softwares, inclusive

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reportagem e fotografia ANGÉLICA FERREIRA DENISE BRANDÃO diagramação RAFAELA LEITE

Primeiro de tudo, quando o assunto é estudar não existe sorte. Você precisa saber o que quer, planejar e colocar a mão na massa. Romário Possidônio, 17 anos, cursa o último ano da escola, por isso a rotina de preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) está frenética. O planejamento tem ajudado a manter as coisas em ordem e a focar na tão sonhada graduação em engenharia de produção.

“Faça um cronograma. Para onde vai estudar? Qual faculdade quer fazer? Você precisa estabelecer o horário de acordar e dormir. Nos momentos em que você ficar ocioso, estude algo”, ressalta.

Preparar um cantinho para ser o seu local de estudos é fundamental. Para o professor do departamento de Matemática da Universidade Federal do Ceará (UFC), Pacelli Bessa, “pode ser até no corredor, mas tem que ser identificado como o lugar de estudo”.

E funciona, viu? É o que afirma Janaína Santos, 29 anos, que passou em dois concursos de banco depois que conseguiu separar um ambiente em que pudesse estudar. Hoje ela é funcionária da Caixa Econômica Federal.

Na época em que era concurseira, ela fez “um quartinho bem tranquilo, só com mesa, livros e computador”.

Há quem aguente ficar horas e horas com a cara nos livros sem olhar nem para os lados? Sim, mas você não precisa ser essa pessoa, se não quiser. Emanuela Lima, 29 anos, é graduanda em Letras na UFC e está estudando para o concurso de assistente administrativo da universi-

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MÃO NA MASSA

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gratuitos, que estimulam o aprender em diversas faixas etárias. Mas é preciso cautela.

“Incluir na rotina de estudos mediações tecnológicas é interessante, porém é importante não permitir que seja o único suporte de apoio pedagógico. O contato com livros, dicionários e gramáticas é insubstituível” afirma Luciana Bem Portela, psicopedagoga e presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia Seção Ceará.

Revise o conteúdo Nem tudo fica muito claro da primeira vez, mas nada que uma série de revisões não resolva. Quem é expert na técnica é a Camila Siqueira, 31 anos, advogada e futura defensora pública. “Sempre que estou estudando, eu estudo uma matéria X e faço uma revisão de 24 horas, revisão de uma semana e revisão de um mês. Chega um momento em que você está mais revisando do que vendo matéria nova”, afirma.

Buscar estratégias de estudo também facilita a compreensão. “Utilizar fichas, marca-textos, post-its, canetas com cores diferentes garantem

período em dois intervalos, às 9h e às 15h que o grupo se reúne para fazer um lanche e tomar o café.

O grupo foi criado de forma despretensiosa, tudo por conta de uma café ganhado por Hilário de um ex-funcionário da instituição, que despertou também a vontade em outras pessoas. “Só sei que a gente comprou a garrafa de café, cada dia o café era feito aqui, pela a manhã e à tarde.

Toda semana um dava o pó e o açúcar, aí ele fazia o café, e tal dia ele saiu, só que a gente não podia ficar sem café”, diz.

Com a saída do funcionário, os próprios integrantes da “corrente do bem do café” tiveram de se organizar.

Desde então, cada dia um fica responsável por trazer a garrafa de café.

Outra estudante concurseira, Aline Rodrigues conta da importância desse momento de integração para deixá-la firme nos estudos.

“A gente não estuda em grupo não, porque se estudar em grupo a gente desfoca, conversa demais, eu converso muito, mas a nossa ligação aqui é o Hilário, começa com

ele, ele que junta tudo, quando a gente não vem ele liga, manda mensagem”.

Para entrar no grupo, os integrantes confessam brincando que a aprovação de Hilário é necessária. O grupo ainda trabalha motivando um aos outros por meio do WhatsApp com as troca de matérias que eles acham interessantes nessa caminhada.

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A Biblioteca César Cals de Oliveira da Assembleia Legislativa do Ceará disponibiliza espaço de estudo em grupo e individual, além do serviço de Wi-Fi. O local fica no anexo II do prédio José Euclides Ferreira Gomes, na Rua Barbosa de Freitas e funciona de segunda à sexta, das 8h às 17h.

Outra opção é a Biblioteca Central do Campus do Pici Prof. Francisco José de Abreu Matos (BCCP), da UFC. O local dispõe de salas climatizadas tanto para o estudo em grupo como individual.

O acesso a rede de Wi-Fi é destinada ao estudantes da instituição. A biblioteca funciona de segunda à sábado, das 7h30 às 20h45, já no sábado das 8h às 12h.

Para quem está a fim de estudar com uma vista para o mar, tem a opção do Centro Cultural Belchior, localizado na Praia de Iracema. O centro, além de abrigar exposições, tem espaços para leitura e acesso a Wi-Fi. O local funciona de terça à sexta, das 10h às 21h e sábado e domingo das 15h às 21h.

Se você está procurando um lugar com Wi-Fi grátis e como mesas disponíveis para reunião, o Shopping RioMar Fortaleza oferece um espaço gratuito de trabalho colaborativo que também pode ser utilizado para o estudo. O horário de funcionamento é de segunda a sábado, das 10h às 22h, e aos domingos e feriados, das 13h às 21h, no Piso L2.

As cabines individuais são outra opção para o estudo. A Meritum Sala de Estudos oferece esse serviço. O espaço é localizado na Rua Ana Bilhar, 987, bairro Meireles e funciona em todos os dias inclusive feriados das 7h30 às 23h. As cabines variam de preço a partir de R$ 150.

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Esta publicaçao é um produto da disciplina Jornal Laboratório dos alunos do sétimo semestre de Jornalismo da UFC

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