Arquitetura e Urbanismo Contemporâneos II - temas escolhidos 2020

arquitetura e urbanismo contemporâneos II temas escolhidos

2020

camila ribeiro castro

SUMÁRIO

as voltas que o tropicalismo deu

4

modernindade apropriada na aruqitetura latino-americana

14

arquiteturas alternativas, uma alternativa para a arquitetura

20

condição pós-moderna

28

considerações finais

35

referências

36

DAS VOLTAS QUE O TROPICALISMO DEU

Entre 1965 e 1968 emergiu no Brasil um levante artístico de alcance e crítica como não se havia antes. O Tropicalismo, considerado um movimento de transgressão artística, se insere no contexto político da ditadura militar.

Se propondo a novas experimentações, a vanguarda se apropria de elementos da cultura brasileira, desde instrumentos, cores, hábitos, costumes, paisagens até mesmo orações, crenças religiosas e regionalismos linguísticos. Embora seja tributário das preocupações políticas e culturais, o movimento mobiliza elementos artísticos pouco convencionais para a época, e assumiu uma posição distinta em comparação à arte engajada, amplamente disseminada naquele momento entre a militância.

Definiram-se então dois “modelos de arte”: a arte de protesto, associada ao projeto de conscientização e mobilização do público, e a arte de vanguarda, norteada pela renovação das formas e das linguagens, buscando inovações do que era produzido em termos artísticos.

Associada ao segundo modelo, a Tropicália propunha-se a fazer uma crítica dos gêneros, estilos e, mais radicalmente, do próprio veículo da arte. Reinventando e tematizando criticamente os modos de se fazer, pensar e consumir arte, a Tropicália foi criticada inclusive pela própria esquerda, pois esta considerava-a uma arte de menor relevância, por não apresentar um teor escancaradamente militante, preocupada com um conteúdo político-educativo. Ao mesmo tempo, a arte engajada não foi uma ameaça à estrutura política da época, pois era a produção de uma classe social específica que não atingia o alcance político e cultural que se colocava à serviço. Era um circuito fechado entre pessoas informadas que não produzia efeito direto sobre o povo.

Ainda assim, essas produções podem ser reconhecidas como instrumentos de um projeto maior, uma resistência ao imperialismo cultural norte-americano e europeu. A Tropicália, retomando discussões levantadas por Mário de Andrade e Oswald de Andrade durante o modernismo da década de 1920, instigou a valorização da cultura nacional e, resgatando costumes, rituais, e práticas essencialmente brasileiras, compôs uma obra que aglutinou diversas práticas regionais, resultando numa “colcha de retalhos” genuinamente brasileira, livre de qualquer dominação ou imperialismo cultural.

A Tropicália, enquanto vanguarda artística, se manifestou através de diferentes linguagens, com seus respectivos representantes “canônicos”. No teatro com o Grupo Oficina, nos espetáculos “Roda Viva” e “O Rei da Vela”; nas Artes plásticas, embora menos conhecido do público, Hélio Oiticica, com a instalação-ambiência “Tropicália”, a qual batizou a vanguarda; no cinema, o Cinema Novo de Glauber Rocha e o lançamento de “Terra em Transe” e “Deus e o Diabo na terra do sol”; e na música, provavelmente a linguagem de maior alcance de público e a mais consagrada ainda hoje, Gilberto Gil e Caetano Veloso, com suas performances no III Festival de Música Popular da TV Record de 1967.

Gilber to Gil, Arnaldo Baptista e Rita Lee (Os Mutantes) no III Festival de música popular da TV Record de 1967.

FONTE: https://somdosom.com/os-50-anos-daquela-noite-em-67/

O "Rei da Vela", obra que Oswald de Andrade escreveu em 1937, ganha os palcos, em 1967, encenada pelo Teatro Oficina, na direção de José Celso Martinez Corrêa. Às vésperas do AI-5, a peça assumiu um papel subversivo, fazendo uma sátira ao contexto social e político brasileiro, tornando-se um exercício de resistência e contracultura num contexto de autoritarismo e censura,e inaugurando a cena tropicalista no teatro.

Segunda montagem da peça “O Rei da Vela” em 1971, no Rio de Janeiro.

FONTE: httap://por tais.funar te.gov.br/brasilmemoriadasar tes/imagens/imagens/page/100/ "Símbolo desta salada está nas grandes festas de então, registradas por Glauber Rocha em Terra em Transe (1967), onde fraternizam as mulheres do grande capital, o samba, o grande capital ele mesmo, a diplomacia dos países socialistas, os militares progressistas, católicos e padres de esquerda, intelectuais do partido, poetas torrenciais, patriotas em geral, uns em traje a rigor, outros em blue jeans." (SCHWARZ, 1978) Terra em Transe ficou conhecido internacionalmente e consagrou o cineasta Glauber Rocha como um dos principais diretores do cinema moderno.

Car taz de “Terra em Transe”, de 1967.

FONTE: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra68016/terra-em-transe

Dentro desse caldo cultural muitos ar tistas se envolveram de forma direta ou indireta com o debate tropicalista, e fizeram, a par tir de suas linguagens, obras que refletiam sobre a cultura nacional e a identidade do povo brasileiro. Indico aqui um dos trabalhos da ar tista Anna Bella Geiger, “Brasil Nativo/ Brasil Alienígena”. Nesta obra Geiger se apropria de alguns car tões postais coloridos que trazem imagens de indígenas em situações que per tencem ao imaginário “folclórico do indígena” brasileiro e simbolizando por tanto, o “Brasil Nativo”. Ao lado de cada um desses postais há uma foto em preto e branco da própria ar tista num ambiente urbano, reproduzindo a imagem dos indígenas, trata-se de uma fotoperformance.

O esforço ar tístico do trabalho talvez seja nos questionarmos “que Brasil nativo é esse?”. Quando falamos sobre “Brasil Grande”, de qual Brasil

estamos falando? O governo militar endossava essa ideia de Brasil Grande, exuberante e nativo.

Entretanto, se por um lado a imagem do indígena era considerada símbolo de nossa cultura, por outro a floresta amazônica era tida como mais um obstáculo ao progresso, e os povos indígenas seguiam sendo exterminados, perdendo seu território de origem. O trabalho de Anna Bella traz essa reflexão sobre a identidade da nação e inclusive sobre a identidade de si, enquanto cidadã brasileira. O tema indígena foi muito explorado pela geração setentista, talvez a maior expoente seja Claudia Andanjur e seu trabalho fotográfico junto ao povo Yanomami.

Vale ressaltar que dentro das análises históricas o movimento tropicalista apresenta pólos analíticos. Há aqueles que, aceitando e reafirmando reconhecem o projeto a par tir das experimentações

estéticas, do compor tamento ar tístico, e encaram essa produção como uma “alegoria” que encabeça o processo de aber tura político-cultural do país.

Em contrapar tida, há quem considere as práticas da vanguarda um “inventário de um Brasil absurdo e contraditório”, o que demonstra a perda do referencial ar tístico-histórico, situação característica de um momento de crise. Estas duas correntes não devem ser classificadas de modo hierárquico, pois ambas carregam análises específicas de um movimento heterogêneo que reverberou de diversas maneiras, e ainda hoje possui for te legado cultural. Mas aqui nos limitaremos a entender alguns dos rebatimentos do Tropicalismo, assumindo o fato de que suas práticas, debates e produções influenciaram outras correntes estético-ideológicas, tais como a arquitetura.

Pioneira no cenário artístico brasileiro, Anna Bella Geiger foi uma das primeiras artistas a se dedicar à produção abstrata no Brasil. Seus trabalhos trazem cruzamentos da dimensão simbólica corporal, política e pessoal. Em Brasil Nativo/Brasil Alienígena, os cartõespostais representam, de forma idealizada o cotidiano dos Bororo, povo indígena do Mato Grosso. Estas imagens revelamse bastante perversas quando se leva em conta o contexto do Brasil nos anos 1970, em que os povos indígenas estavam sofrendo com a violência das políticas de Estado do governo militar.

“Brasil Nativo/Brasil Alienígena”, Anna Bella Geiger, 1977.

FONTE: https://hammer.ucla.edu/radical-women/ar t/ar t/brasil-nativo-brasil-alienigena-native-brazil-alien-brazil

"Eu levava uma, duas, três semanas para tirar uma máquina. A primeira coisa era a gente se conhecer, se sentir à vontade um com o outro."

(ANDUJAR, 2018) A fotógrafa Claudia Andujar, registrando a vivência dos Yanomami desde a década de 1970, é uma importante ativista na luta pela sobrevivência dos povos indígenas, militância que levou sua arte a unirse com a política.

Fotografia da série “Os invisíveis”, 1976. FONTE: https://lailanunez.medium. com/a-política-do-nome-quem-é-você-2f6597a905ef

Sem título (1976), Claudia Andajur. FONTE: https://mam.rio/ar tistas/claudia-andujar/

Nesse sentido, mobilizamos aqui algumas obras de Hélio Oiticica. Em “Parangolés” (19631964), Oiticica traz as “estruturas comportamento-corpo”, onde o corpo passa de coadjuvante para protagonista na existência da obra, e esta ocupa um espaço externo à arte institucional, ocupa o ambiente, o espaço da antiarte-ambiental. Parangolés pode ser considerado o primeiro passo em direção ao programa ambiental de Oiticica, que atinge sua materialização máxima em “Tropicália” (1968). Na instalação “Tropicália”, apresentada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) em 1968, o labirinto elaborado por Oiticica compõe um ambiente que, através de elementos quotidianos sobrepostos - areias, plantas, cores e tecidos -, resgata o imagético nacional, um “ambiente obviamente tropical”, e convida o público à uma experiência já vivencia-

da no mundo. Essa prática leva seu trabalho à vida, ao ambiente, e faz uma crítica contundente às normas museológicas e ao material de pesquisa da arte.

O rebatimento dessa experimentação e desses trabalhos, reforça a discussão da formação cultural do Brasil. Na arquitetura, os edifícios expressam esse discurso. Para elucidação temos que, no debate tropicalista arquitetônico, o arcaico e o moderno não necessariamente criam uma tensão, mas convivem de maneira geral, pois a problemática do arcaico enquanto algo atrasado a ser superado é uma visão modernista europeizada, fruto de um pensamento colonial dominador. É sobre o discurso dos vencedores, e no tropicalismo não há uma idealização “etapista”, a passagem de um estágio para outro a fim de se atingir o progresso. Há, por outro lado, o

Parangolé, P4, Hélio Oiticica, 1964. FONTE: https://www.theguardian.com/ar tanddesign/2014/jul/25/this-weeks-new-ar t-shows

reconhecimento e a apropriação de uma variedade cultural que é capaz de conviver de modo harmonioso sem prejuízo das partes.

"Chamarei então Parangolé, de agora em diante, a todos os princípios formulados aqui [...]. Parangolé é a antiarte por excelência; inclusive pretendo estender o sentido de 'apropriação' às coisas do mundo com que deparo nas ruas, terrenos baldios, campos, o mundo ambiente enfim [...]"

(OITICICA)

Instalação “Tropicália”, Hélio Oiticica, 1967.

A materialização dessa discussão pode ser indicada na Casa Elza Berquó (1967), do arquiteto Vila Nova Artigas. O projeto da casa tem elementos evidentemente modernos, porém agrega soluções projetuais alinhadas ao debate tropicalista, é a manifestação da “convivência harmoniosa do arcaico e do moderno” citado anteriormente. Os pilares de troncos de árvores, nichos para santuários, pisos de diferentes formatos e cores, são todos elementos pertencentes a cultura das casas brasileiras, e Artigas se apropria desses elementos somando-as ao desenho moderno.

Saliento aqui a relação “arquiteturalaboratório” que os projetos dessa época exprimem. Como já foi citado anteriormente, a esquerda que organizava o debate tropicalista não estava alinhada com as verdadeiras necessidades da massa trabalhadora brasileira.

As discussões da Tropicália e da Arte de Protesto evidenciam, na verdade, como o debate artístico ocupou o primeiro plano em detrimento da luta de classes. Por esse motivo, por mais que a arquitetura tivesse um discurso social, preocupado com a formação política do morador brasileiro, e a provisão de moradia, essa discussão não alcançava essa classe social. Assim, essas obras arquitetônicas se confinavam no próprio debate, e por conseguinte, os trabalhos se tornavam laboratórios experimentais, distantes da motivação política social que o debate se origina.

Casa Elza Berquó, Vilanova Ar tigas, São Paulo/SP, 1967. FONTE: https://www.nelsonkon.com.br/casa-elza-berquo/

“Ao contrário da proposta da esquerda nacionalista, que atuava no sentido da superação histórica dos nossos males de origem e dos elementos arcaicos da nação (como o subdesenvolvimento sócio-econômico), o Tropicalismo nascia expondo estes elementos de forma ritualizada. A ritualização paródica operada nas obras e discursos dos eventos e personagens que vão convergir em 1968 sob o nome de Tropicalismo [...]” (NAPOLITANO, 1998)

"Uma certa informalidade na disposição dos móveis, objetos e vegetação, semi-organizados por meias paredes, tornando essa casa um espaço a ser intensamente vivido, mais do que uma máquina de morar"(ZEIN, 2010)

"Os contrastes entre diversas formas de escassez (do solo e de comida) e algumas riquezas (pequenas faixas de vegetação, plantações ou casas solitárias em regiões extremamente áridas) são, nas palavras da artista, "uma homenagem ao sertanejo presente nas terras cultivadas, casas, cercas e caminhos"

Pinturas e platibanda, Uaua BA, 1986, Anna Mariani. FONTE: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra15798/pinturas-e-platibandas-uaua-ba

Idem

Para ilustrar essa distância entre o discurso, a prática e a realidade, trago aqui o trabalho fotográfico de Anna Mariani. A partir da década de 1970 Anna viajou pelo recôncavo baiano fotografando e documentando a paisagem nordestina, as manifestações culturais e o trabalho feminino tradicional da região, mas seu trabalho de maior força vai de encontro à nossa discussão. A fotografia de fachadas e detalhes da arquitetura de habitação popular, sem a presença de figuras humanas, são quase fotografias catalográficas. Apreciando a obra conseguimos entender a tradição construtiva nessa região, e fica evidente a desproporção entre a produção arquitetônica popular e aquilo que era produzido pela escola paulista de arquitetura. Essa distância pode ser considerada um retrato dos “Brasis do Brasil”, e revela como as discussões da esquerda intelectual estão muito aquém dos verdadeiros agentes das transformações políticas, uma circunstância ainda muito forte no país.

Ao longo dos anos 1970 o distanciamento entre o discurso e a prática arquitetônica aumenta ainda mais, e as discussões sobre a identidade nacional atravessou metamorfoses que ao final da década é difícil decidir se a arquitetura estava em crise, ou num processo experimental para encontrar-se. Assim, entramos mais diretamente para a produção do período da ditadura civilmilitar, mais especificamente o que se originou a partir do milagre econômico.

wNeste contexto, havia o esforço por parte do governo militar em construir a ideia de “Brasil Grande”, como um país de progresso, a imagem de um país que superou o atraso e vive os frutos do avanço. Todo esse discurso atuava dentro de uma ideia nacionalista megalomaníaca, que associada à uma pequena prosperidade econômica, impulsionou projetos arquitetônicos, urbanos e de infraestrutura por todo o país. Em função deste acúmulo de capital, o governo inicia

a empreitada de grandes obras, como a Rodovia Transamazônica, entre 1969-1974. A rodovia é uma resposta ao desejo de “conectar” o país fragmentado, um projeto de “desbravar o brasil de leste a oeste”. Como já citado, a Floresta Amazônica era encarada como um território a ser vencido, dominado, como símbolo de uma grandiosidade industrial que o país almejava.

Para este fim também foram criados órgãos que se responsabilizassem pelo desenvolvimento da região amazônica, e assim surgiram a SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), e a SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus). Além de estarem inseridos num projeto de crescimento geral do país, e um desejo de unificar economicamente a região norte, há também uma preocupação em controlar este território, bastante ameaçado em termos de exploração, por interessar outros países.

Edição especial da revista Manchete lançada em outubro de 1970 com 12 páginas coloridas dedica- Repor tagem “BR-319, a estrada da coragem” publicada na das à “conquista” da floresta viabilizada pela aber tura da rodovia Transamazônica. FONTE: https:// revista “O Cruzeiro” em 10 de novembro de 1970. FONTE: acervo da Biblioteca Nacional quatrocincoum.folha.uol.com.br/br/galerias/a-ofensiva-da-ditadura-militar-contra-a-amazonia

Outras obras foram financiadas pelo governo e, embora houvesse no meio arquitetônico um levante contra o autoritarismo político, muitos arquitetos prestaram seus serviços ao Estado. Outro fator importante é reconhecer que a Ditadura Militar interferiu no campo artístico e cultural, reverberando inclusive na arquitetura. Em sua tese, Rossetti indica que a questão da censura repercutiu no campo arquitetônico por meios desiguais em relação às artes plásticas, à música, ao teatro e à literatura.

Durante a ditadura a censura não interferiu diretamente no fazer projetual dos arquitetos, mas atrasou obras, intercedeu o andamento dos canteiros e interrompeu o desenvolvimento dos trabalhos.

Rossetti afirma ainda que assistiu-se a um “isolamento político” por parte dos arquitetos, e como consequência o campo arquitetônico pouco contribuiu para a subversão do contexto político. Por outro lado, “nunca se construiu tanto em tão pouco tempo”. Na década de 1970, graças ao milagre econômico, muitos projetos se materializaram, arquitetos prestaram seus serviços ao Estado projetando edifícios que se apossaram das estruturas pré-fabricadas decorrentes do processo de industrialização, reforçando a ideia moderna de domínio das formas, e a racionalidade construtiva.

Nesta conjuntura, temos projetos de João Filgueiras Lima, o Lelé. O hospital de Taguatinga de 1968, bem como a Igreja do Centro Administrativo da Bahia de 1983, e os Hospitais da Rede Sarah são obras que se apropriaram ao máximo da industrialização, através de um uso racionalizado dos elementos pré-fabricados. O mesmo ocorre no campus universitário da Universidade de Brasília (UNB).

O campus, uma folha em branco, cedeu espaço aos experimentos arquitetônicos do modus operandi da industrialização e pré-fabricação. Os edifícios da UNB assumem uma expressão onde

elementos secundários do projeto se tornam protagonistas na obra. São exemplos a Biblioteca Central, de José Galbinski e Miguel Alves Pereira com os brises que se autonomizam em relação à sua função, a Reitoria de Paulo Zimbres com suas escadas e rampas, o Instituto Central de Ciências ou, como é mais conhecido, o Minhocão de Oscar Niemeyer e Lelé, com o sistema de pilar e vigas protendidas e o Conjunto da Colina com sua modulação. Todos esse projetos, com formas robustas, materiais de tecnologia avançada, são a expressão do período de avanço tecnológico brasileiro e por outro lado indicam um momento de uma “arquitetura pósBrasília”, pois essa autonomização das formas em relação suas funções, bem como o uso dos materiais numa perspectiva brutalista, e a apropriação desses elementos pré-fabricados, podem ser interpretados como uma exploração plástica formal, na qual os elementos do edifício tem uma força de expressão muito forte, que só foi vista anteriormente na construção de da capital. Por outro lado, esses trabalhos podem também significar a ausência de uma identidade projetual definida, um projeto arquitetônico sem um caminho definido, caracterizando assim uma crise da arquitetura brasileira dos anos 1970.

Biblioteca Central da UNB. FONTE: https://pjvarquitetura. com.br/biblioteca-unb-universidade-de-brasilia/

"Se a Ditadura Militar isolou os arquitetos, subverteu a dinâmica de funcionamento de seu campo simbólico e social de atuação, comprometeu a trajetória pessoal de muitos deles, não é razoável considerá-la como um fator exótico [..]. Por outro lado, as relações entre os arquitetos e o Estado são ambivalentes [...], é provável que nunca se tenha projetado, planejado e construído tanto em tão curto espaço de tempo, em que pese mais a quantidade do que a qualidade, em virtude do Milagre econômico" (ROSSETI, 2007)

“Minhocão” UNB, e Reitoria UNB. FONTE: acervo pessoal

Todas essas questões são resultado de uma aposta muito forte no caminho do “poder e progresso” que o país estava perseguindo, e que de certa maneira se associa a “um desejo moderno” de arquitetura. São assim, consequências de nuances entre a arquitetura e política que, embora não estejam devidamente registradas nas historiografia arquitetônica, observando as entrelinhas é possível captar.

Percebemos assim que a arquitetura e o exercício projetual não são uma mimese do contexto político, econômico e social de forma direta, não é mera expressão material do conteúdo em debate, mas sim uma possível perspectiva daquele momento específico, pois a ideia do ponto de partida atravessa muitos filtros até sua versão final podendo, nesse caminho, somar e subtrair significados e valores.

É importante perceber a especificidade do modernismo brasileiro, bem como seus desdobramentos que, associado às reflexões tropicalistas, resulta num movimento

exclusivamente nacional. Essa particularidade surge principalmente quando coloca-se lado a lado a produção brasileira e o restante da américa-latina. Talvez por Tordesilhas, talvez pelo processo de colonização, ou quem sabe pela língua oficial, não há no Brasil um sentimento de pertencimento à América Latina e, embora os países atravessem processos semelhantes e contemporâneos, e essa distância ora ou outra diminua, seja por acordos políticos, seja pelo turismo ou por movimentos sociais e culturais, o campo arquitetônico ressoa a dinâmica desta relação assimétrica.

Tendo isso em mente, adentramos as discussões da Modernidade Apropriada, que embora se aproxime do discurso Tropicalista e seja uma correspondente do Regionalismo Crítico, atua mais diretamente na Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela, e México.

Em termos políticos, a América Latina não tinha atingido o mesmo nível de modernidade da Europa, provavelmente em função de seu contexto histórico de colônia, e a construção tardia da democracia, a qual nas décadas de 1970 e 1980, atravessava as turbulentas ditaduras latinas. Essa comparação, América-Latina versus Europa pautada numa evolução histórica e política linear, descende de um pensamento que não reconhece a diversidade de contextos e pressupõe discursos e práticas hegemônicos.

Porém, os processos históricos se dão de forma singularizada, pois resultam de uma construção cultural abrangente e situada. Nos anos 1970 e 80, essa discussão acerca de uma cultura hegemônica encontrava seus difusores através de estudos e textos de Kenneth Frampton, Cristián Fernández Cox e Marina Eismann, que na arquitetura questionavam as tradições da arquitetura moderna. uitetura moderna.

Nesse sentido, na América Latina a modernidade, ou o modernismo europeu não estava devidamente instaurado e, apesar de certo alinhamento ao regionalismo crítico em termos de reconhecer as especificidades de cada lugar, a apropriação desse discurso não fazia sentido, já que se trata de um debate na perspectiva européia, e ainda distante dos países latino-americanos da época, embora seja possível encontrar no continente obras representantes dessa produção.

Dessa maneira, surge o discurso da Modernidade Apropriada desenvolvido pelo arquiteto chileno Cristián Fernández Cox, em resposta ao regionalismo crítico, pautando a reivindicação da dimensão localizada da modernidade, e a necessidade de falar do próprio espaço. Esse movimento estabelece um contexto

modernindade apropriada na arquitetura latino-americana de maior visibilidade da obra latino-americana para os próprios latinos, é a composição de uma narrativa outra que não a europeia ou

“América Inver tida”, 1943, Joaquín Torres Garcia.

norte-americana. É assim que surge, em 1985, os Seminários da Arquitetura Latino-americana.

O artista uruguaio Joaquim Torres Garcia ilustrou em seu artigo o continente americano em posição invertida. A obra ilustra o debate levantado por Torres onde defende a criação da "Escuela del Sur", para que a américa-latina busque seu próprio caminho, e valorize seu legado.

Estes encontros versaram debates acerca da cultura arquitetônica regional, desde as heranças pré-colombianas e europeias e sua influência na arquitetura latino-americana, até a criação do Prêmio América, criado para valorizar a obra de arquitetos comprometidos com a história da América-latina. Pensando a partir dessa proposta de premiações como veículo de visibilidade, é possível encontrar outros países e regiões do mundo onde a produção arquitetônica recebeu pouco ou nenhum reconhecimento institucional, o que se caracteriza como um mecanismo de produção da invisibilidade, ou da não existência dessas práticas regionais, o que reforça ainda mais a ideia da arquitetura

moderna européia como hegemônica e a única oficialmente legítima. Temos por exemplo o Prêmio Aga Khan de arquitetura, criado em 1970, para laurear práticas arquitetônicas do mundo islâmico, e também o Africa Architecture Award 2017, que surgiu como uma resposta ao preconceito racial e geográfico.

Um dos principais expoentes desse movimento é o colombiano Rogelio Salmona. O arquiteto ganha reconhecimento a partir de sua exploração plástica rigorosa, se apropriando do tijolo e extrapolando seus limites usuais, reinterpretando as tradições construtivas.

Salmona identificava seu trabalho como pertencente à arquitetura moderna, mas a crítica

Las Torres del Parque, 1970, Rogelio Salmona.

FONTE: https://www.archdaily.com.br/br/01-52017/classicos-da-arquitetura-torres-do-parque-rogelio-salmona

conseguiu inseri-lo no discurso da modernidade apropriada.

Embora alguns pós-modernos tenham uma perspectiva mais crítica, nesse contexto não há um posicionamento progressista de formação do sujeito, pelo contrário, as obras oferecem aquilo que já está dado pela cultura pop, pela cultura midiática. Toda essa produção deságua na exposição Strada Nuovissima, apresentada na Bienal de Veneza de 1980. A obra é, na verdade, um trabalho cenográfico que flerta com toda a discussão pós-moderna e elabora “fachadas” conjugando colunas gregas, formas geométricas, cores vibrantes, frontões e demais referências à arquitetura e à cultura de massa.

Eladio Dieste no canteiro de obras da Igreja San Pedro.

"Por eso la escenografĂ­a o no es arquitectura o es un tipo muy especial de arquitectura.

Y hay grandes obras en que se siente esa debilidad; no son construidas: tienen algo de escenografĂ­a. [...] Para que a arquitectura sea de veras construida, los materiales no deben usarse sin un profundo respeto a su esencia, y consiguientemente a sus posibilidades" (DIESTE)

Igreja San Pedro, 1967, Durazno - Uruguai, Eladio Dieste

Possuindo um amplo conhecimento estrutural, e escolhendo uma tecnologia construtiva simples a obra de Eladio Dieste é marcada por uma arquitetura de formas ousadas, onde o espaço e estrutura são indissociáveis. Uma característica importante do trabalho de Dieste é a relação entre projeto, estrutura e construção.

Não há em seu trabalho uma fragmentação destas etapas, na perspectiva de Dieste, o desenho não deve ter maior importância dentro da arquitetura, e não deve o arquiteto ser um profissional isolado, que não conhece as etapas posteriores de seu projeto, isto é, a concepção projetual, o cálculo estrutural e a dinâmica construtiva andam juntas, e não fragmentadas, trabalhando assim o projeto e a construção como um processo único. Essa lógica permitiu a Eladio Dieste um refinado conhecimento estrutural do tijolo, possibilitando a realização de seus ousados projetos. Essa discussão relativa ao desenho e ao canteiro, se aproxima muito do debate levantado por Sérgio Ferro dentro do movimento da Arquitetura Nova, podendo pensá-las até como correspondentes.

Outra questão levantada pelo arquiteto

trata da importação de técnicas da arquitetura moderna, a apropriação de técnicas construtivas desenvolvidas a partir da industrialização europeia. Para Dieste, o uso indiscriminado do concreto armado e do vidro podem ser caracterizados como uma forma de dominação através da tecnologia já que afasta os usuários de suas tradições construtivas locais, que em pouco tempo se perdem, e também impõe um modelo que dificilmente se adapta à realidade local. Há uma declaração de Eladio onde relata ter visitado em um grupo escolar em Natagaima, na Colômbia, duas edificações. Uma delas com muros de ladrilhos, estrutura metálica e cobertura de fibrocimento, extremamente desconfortável, e outra construída a partir de uma técnica indígena, de planta circular, sem paredes, com “pilares” de bambu de cana, onde se apoiava uma cobertura com várias camadas de folhas de palma. Esta segunda edificação era muito mais confortável e agradável que a primeira. Este é um caso típico de uma técnica construtiva adaptada às características do lugar, especialmente em termos climáticos.

"A arquitetura só abriga uma dimensão estética quando a coerência responsável do projeto está profundamente ancorada num comprometimento prático (...) A dimensão estética é o resultado das imensas implicações humanas que uma técnica pode possuir." (FERRO, 1967) Residência Bernardo Issler, 1961, Cotia - SP, Sérgio Ferro

Ainda sobre a modernidade apropriada e sua produção arquitetônica, percebe-se a pluralidade e a efervescência desse período não só em termos arquitetônicos, mas também culturais. Por esse motivo a lista de arquitetos e obras que se alinham ao debate da modernidade apropriada é extensa. Entretanto, proponho aqui um pequeno adendo neste amplo inventário de obras latino-americanas do século XX.

Em seu livro “Arquitetas e arquiteturas na América Latina do Século XX” (2019), Ana Gabriela Godinho Lima faz uma breve revisão e reflexão sobre os rumos historiográficos da arquitetura na perspectiva de gênero. Se nos países onde as bases da arquitetura já estão consolidadas, as mulheres são marginalizadas pela historiografia tradicional, a condição das mulheres latino-americanas é de quase total invisibilidade, salvo algumas exceções como Lina Bo Bardi. Ao longo do texto Lima recupera vários nomes da arquitetura, atribuindo a estas profissionais o devido crédito , cujos papéis foram diminuídos em casos de co-autoria, como Carmen Portinho na concepção e viabilização do Conjunto Residencial Pedregulho (1947), e do Museu de Arte Moderna do Rio (1953), ambos geralmente atribuídos exclusivamente à Affonso Eduardo Reidy.

A partir do levantamento de nomes de arquitetas latino-americanas do século XX, por meio de análises de publicações e periódicos, Lima propõe uma categorização das áreas de atuação das arquitetas, ordenando-as em três grandes meios: 1) Críticas, historiadoras e teóricas da arquitetura; 2) Habitação; e 3) Arquitetura dos espaços coletivos.

1) Críticas, historiadoras e teóricas da arquitetura: aqui são listados nomes que alcançaram credibilidade através de sua escrita - a crítica, a teoria, a historiografia. Os seguintes nomes, incluem editoras de revistas de arquitetura

universitárias, comerciais, institucionais, ligadas a entidades profissionais e sessões de arquitetura em periódicos.

- Argentina: Olga Wainstein Krasuk, Marina Waisman, Lala Mendes Mosquera, Ana de Brea - Brasil: Carmem Portinho, Lina Bo Bardi, Mayumi Watanabe de Souza Lima, Ruth Verde Zein - Chile: Myriam Waisberg, Glenda Kapstein, Montserrat Palmer, Maria Isabel Pavez - Colômbia: Silvia Arango, Nora Elena Mesa Sánchez - Cuba: Eliana Cárdenas - Equador: Evelia Peralta - México: Carmem Bernardes, Concepción Vargas Velasco, Elisa González Barragán, Louise Noelle Gras de Mereles - Uruguay: Marisa Soria - Venezuela: Maria Teresa Nóvoa

2) Habitação: foram considerados aqui projetos de casas e conjuntos residenciais, que foi a primeira frente de trabalho considerada mais acessível para as arquitetas, não só por ser um trabalho de menos prestígio em relação às arquitetura monumentais, mas também pelo estereótipo sexual de associação das mulheres ao espaço doméstico.

- Argentina: Flora Manteola, Delfina G. de Williams, Maria Perez Maraviglia, Norma Román, Sara Gramática - Brasil: Ana Luísa Magalhães, Carmem Portinho, Janette Ferreira da Costa, Lina Bo Bardi, Lygia Fernandes, Maria do Carmo Schwab, Zélia Maia Nobre - Chile: Ana Luisa Devés, Antonia Lehmann, Camila del Fierro, Cazú Zegers - Colômbia: Claudia Carrisoza, Elsa Mahecha, Venezuela: Celina Bentata, Maricarmen Sanchez de Ramírez.

"A arquiteta elaborou uma série de projetos de escolas públicas para o país, tendo participado da construção de algumas delas. Desenvolveu ainda projetos de mobiliário e restauração para colégios. Ao longo de mais de trinta anos de trabalho junto a educadores, administradores de ensino básico, creches e crianças fora e dentro de instituições, a arquiteta discutiu e analisou questões relativas aos espaços destinados à criança em nossa sociedade. Seguindo nessa linha de trabalho, publicou dois livros: Espaços Educativos, uso e construção (Brasília, MEC/CEDATE, 1986) e A Cidade e a Criança (São Paulo, Nobel, 1989).

Mayumi desenvolveu o assunto também a partir da sua experiência acadêmica.

Foi professora nas Faculdades de Arquitetura e Urbanismo da UnB, em Brasília, de Santos, de São José dos Campos e da Escola de Engenharia de São Carlos."

(ARQUITETAS INVISÍVEIS, 2015)

Mayumi Souza Lima

Marina Waisman

Estação Largo 13 de Maio, São Paulo. João Walter Toscano, Odileia Setti Toscano e Massayoshi Kamimura.

Estação Engenheiro Cardoso, São Paulo. João Walter Toscano, Odileia Setti Toscano e Massayoshi Kamimura.

Além dos projetos de arquitetura, executados em sua maioria de forma adjunta à João Walter Toscano, Odileia Toscano, possui vasto trabalho em ilustração, entre eles as capas da revistas Visão, artigos para os fascículos Nossas Crianças, Revista Bondinho, Saúde, Destino, fez o projeto gráfico e ilustrações das cartilhas para Prefeitura de São Bernardo e São Paulo, ainda ilustrou diversos livros, articulando um conjunto de imagens abstratas. Utilizou a mesma abstração da linguagem gráfica nos painéis do metrô de São Paulo distribuídos pelas estações: Paraíso, São Bento, Jabaquara, Santana, sendo atualmente a artista que possui o maior número de trabalhos no Metrô de São Paulo.

Ilustração original para capa da Revista Visão, “Pescar turista pela boca”, 1959, Odileia Setti Toscano.

FONTE: https://www.odileatoscano.com.br/ilustracao/revista/151

3) Arquitetura dos espaços coletivos: de modo geral, as arquitetas enfrentaram nos projetos de espaços coletivos institucionais de grande escala os maiores obstáculos. Contudo, conquistaram oportunidades por meio de duplas, co-autorias, e equipes. Abrangem principalmente projetos públicos e privados de prestígio.

- Argentina: Angela T. Bielus, Carmen Córdova, Elvira Castillo, Flora Manteola, Josefa Santos, Maria Tereza Egozcue, Olga Wainstein-Krasuk, Rosina Gramática, Sara Gramática, - Brasil: Carmem Portinho, Giuseppina Pirro, Ilsa Figueiredo, Jô Vasconcellos, Lina Bo Bardi, Lygia Fernandes, Maria do Carmo Boaventura, Odiléa Setti Toscano - Chile: Glenda Kapstein Lomboy, - Equador: Ana Cecília Barriga Peru: Laurinda Spear, - Uruguay: Marta Barreira Venezuela: Helene de Garay, Luz Helena Forero, Maricarmen Sanchez

Dito isto, encerro aqui esta pequena reflexão que trata da modernidade nos trópicos, questionando inclusive sobre seu papel decolonial dentro do campo da arquitetura. Se coloca nos meios acadêmicos a necessidade de uma revisão das verdades canônicas que a historiografia nos apresentou, evidenciando que a discussão da modernidade apropriada não se encerra em si mesma, e pertence à uma dinâmica maior de reescrita da história e a difusão situada de conceitos e ideias, a fim de produzirmos um conhecimento anticolonial, genuinamente latinoamericano, que fale de nossa história a partir de nossa perspectiva.

Nesse sentido, outra discussão que contesta os caminhos da arquitetura, analisando o papel do arquiteto foi o debate levantado por Bernard Rudofsky na exposição “Arquitetura sem arquitetos - uma arquitetura sem pedigree”, apresentada em 1965 no MOMA.

Consurso para Bibilioteca Nacional da Argentina, 2º lugar, 19662, Estudio MSGSSS (Flora Manteola, Javier Sánchez Gómez, Justo Solsona, Carlos Libedinsky, Antonio Diaz, Rao)

arquiteturas uma

alternativas,

alternativa

arquitetura

para

a

Em 1964 o arquiteto austríaco Bernard Rudofsky organizou a exposição “Architecture Without Architects” (arquitetura sem arquitetos - uma arquitetura sem pedigree), exibida no The Museum of Modern Art, o MOMA em Nova York. A exposição reuniu uma série de fotografias em preto e branco de diferentes contextos urbanos, caracterizados por edifícios originários de tradição construtiva vernacular. O encadeamento dessas fotos, dessa perspectiva construtiva, trouxe para o campo da arquitetura uma discussão sobre a relação do arquiteto com a produção edificável popular, que não têm um refinamento arquitetônico formal.

A discussão levantada por Rudofsky fez um resgate da construção colocada às margens da história da Arquitetura, e indicou as particularidades de cada lugar e os aspectos da liberdade criativa e espacial. Essa multiplicidade construtiva é percebida não só pela exploração plástica, mas também pela materialidade, e pelas soluções estruturais empregadas. Essas singularidades decorrem da íntima relação Selecionada e instalada por Bernard Rudofsky, a exposição "Architecture without architects" foi exibida entre novembro de 1964 e fevereiro de 1965, no MoMa, em Nova York. A exposição contava com fotografias da arquitetura tradicional de 60 países diferentes.

Registros da mostra no MoMa.

edifício-lugar, quase uma condição site-specific, relativa ao contexto - condições geográficas, climáticas e materiais da região onde a edificação se constituí.

Ao verificar essa diversidade inventiva da produção popular e vernacular, questiona-se os exemplos únicos e monumentais da arquitetura moderna. Não seriam as máximas da arquitetura e do ideal moderno um sistema de aprisionamento criativo, um limitante da experimentação e uma tábula rasa construtiva? Esse raciocínio coloca em xeque as visões estabelecidas sobre a posição

Povoado em Santorini, na Grécia.

do arquiteto no mundo, e sobre quem produz as cidades. Além disso, a discussão reconhece o modernismo como instrumento colonial, que nega a arquitetura não-ocidentalizada e europeia, definindo os parâmetros projetuais a serem seguidos.

Desse modo, a figura do arquiteto é marcada pelo domínio de um saber formal, ainda assim não é ele quem define a totalidade da produção espacial. A produção do espaço se dá, na verdade, a partir de saberes difusos, originados a partir da experiência humana

singular em cada lugar do mundo em dado momento da história. Portanto, “Architecture Without Architects” é uma crítica à essa figura do arquiteto estrela, que sozinho é capaz de ter ideias geniais, é uma crítica ao culto do individualismo e ao arquiteto autor, pois nessa produção não existe o arquiteto como autor único da obra, mas sim uma produção coletiva, de saberes tradicionais milenares.

Nesse sentido, é necessário reconhecer aqui o elo entre o sistema capitalista e a arquitetura moderna. O modernismo, em especial o norte-americano, é marcado pelo uso das grandes estruturas em aço e fechamentos de vidro, sendo portanto o arranha-céu, ou o prisma de vidro, o principal representante deste modelo moderno. Não por acaso, o arranhacéu é também um símbolo do capitalismo global o qual, por meio da divisão social do trabalho, estabelece periferias globais, ao mesmo tempo que alimenta o desejo de uniformizar o espaço construído, apagando não só a produção espacial de milênios, mas também a cultura local dessa periferias, exploradas pelos centros do capital.

“O meio para a lógica e o processamento operacional

que

adquirimos

em

nossa

educação como construtores e arquitetos é do

importante, nosso

mas

trabalho

o é

lado

criativo

negligenciado,

sofrendo continuamente de excesso de racionalização e automação industrial.”

(LEGEN)

Huge clay no Sudão

Nesta perspectiva, a exposição de Rudofsky demonstra uma sensibilidade sobre o desconforto que a sociedade ocidental gerou e gera nas civilizações “dominadas”, e pode ser considerada, por assim dizer, uma perspectiva decolonial da produção arquitetônica a partir do momento que apresenta concepções e desenvolvimentos diferenciados de forma não hierarquizada. Esses saberes tradicionais, quando não foram suprimidos, foram apropriados, mas sem receber o devido prestígio.

Outro ponto importante deste debate é a relação indivíduo-objeto construído. A maioria das edificações derivadas desses processos tradicionais se caracterizam por uma produção mais acessível ao sujeito, com um grau tecnológico mais controlado pela escala humana, que não necessariamente demanda um maquinário de alta tecnologia e assim permite a participação do indivíduo na construção do mundo de forma mais direta, dinâmica característica da auto-construção. Muitos

desses conceitos se contrapõem às concepções do movimento moderno, ao mesmo tempo essas obras se mostram, ainda que de forma muito incipiente, alinhadas com uma orientação ecológica, sustentável, que só se desenvolve com mais vigor a partir dos anos 1970.

Aqui abro espaço para uma dúvida que acredito ser explorada por muitos pensadores.

Pensando que o capitalismo é peça chave nas questões de sustentabilidade, pois trata-se de um sistema de consumo baseado na exploração,

Mojacar, em Andalusia

Cidade Dogon ao sul de Timbuktu, em Mali

Tumba de barro em Mali

e sendo a arquitetura moderna procedente desse sistema econômico, seria o modernismo insustentável fora do sistema capitalista, ou fora da lógica do progresso industrial? Essa pergunta é um tanto quanto rasa, concordo, pois esse debate é cheio de rugosidades, e uma resposta curta e simples é negar as discussões e contribuições que a arquitetura modernista desenvolveu ao longo dos anos. Mas ainda sim, talvez seja um importante impulso para repensarmos não só o sistema de produção, mas para percebermos as

relações espaciais, as escolhas de projeto como atos políticos, indissociáveis do contexto onde estamos inseridos.

Esta reflexão sobre técnicas construtivas locais e indígenas se assemelha com a pesquisa de Johan Van Lengen. Em seu pequeno livro “Arquitetura dos índios da Amazônia”, Johan condensou alguns anos de pesquisa sobre técnicas construtivas e a cultura do habitat de algumas tribos indígenas da Amazônia. A pesquisa descreve inclusive a relação que cada

tribo tem com o espaço construído, os costumes, os materiais utilizados até a nomenclatura das ocas.

Além disso, seu trabalho com “bioarquitetura”, tendo como laboratório e espaço de ensino o Instituto Tibá, onde trabalham com o desenvolvimento e aprendizado de técnicas construtivas que tem como principal matériaprima a terra, produzindo o adobe, pau-a-pique, taipa de pilão e o hiperadobe. Essas técnicas, embora muito populares em algumas regiões, ainda não assumiram grandes proporções, e se tornam conhecimentos confinados a pequenos grupos ou comunidades.

Ainda sobre o trabalho de Bernard Rudofsky, a exposição traz algumas fotografias de nômades da região do Saara que se apropriam de uma construção desmontável e transportável.

Essa lógica do deslocamento humano, está presente nas discussões do Archigram que propunha a criação de unidades habitacionais

transportáveis, tais como o Living Pod Project, pensado como uma “casa máquina”, e o Cushicle, um módulo desmontável e apto para “habitar em situações excepcionais”. É evidente que, embora se aproxime em termos da lógica de deslocamento e a não sedimentarização humana em uma cidade, o Archigram não questiona a industrialização, o uso de máquinas e a alta tecnologia, pelo contrário, se apropria desses mecanismos para consolidar sua discussão e propostas.

Ainda assim, podemos citar outros arquitetos que pensaram suas obras a partir de uma arquitetura móvel e adaptável, como é o caso de Frei Otto. Pensando em projetos facilmente desmontáveis, de estruturas móveis e temporárias, os trabalhos mais significativos de Otto se modelam a partir de tensoestruturas.

Registros e estudos da expedição de Johan van Lengen às tribos indígenas na amazônia.

FONTE: https://www.tibario.com/indios

Nas palavras do próprio arquiteto a tarefa da arquitetura é permitir que a humanidade viva em harmonia com o Planeta Terra, e por isso buscou informações na natureza – desde crânios de pássaros a bolhas de sabão e teias de aranha - e os processos nela encontrados, para criar as estruturas leves e resistentes. Embora muito simples, leves e de fácil montagem e aplicação, as tensoestruturas não entraram na lógica de consumo, isto é, não encontrou uma contrapartida econômica, e não se tornaram uma alternativa construtiva para a prática quotidiana, e virou uma espécie de prática temporária que só se realiza em espaços de pouca relevância urbana, como eventos culturais ou esportivos.

Assim, acredito que o principal saldo de toda a discussão trazida Architecture Without Architects esteja intimamente ligada à percepção e valorização da dimensão localizada da arquitetura. O trabalho de Bernard Rudofsky escancara o fato de que as soluções “universais” atendem a necessidade de muitos, mas não satisfazem a todos igualmente e que soluções situadas tem uma existência muito mais sólida e duradoura e operam de forma independente da “moda arquitetônica”.

O Living Pod Project (1985) era o estudo de uma casa cápsula que poderia se transformar em uma casa trailer, podendo ser inserida no interior de uma estrutura urbana plug-in ou ainda ser transportada e implantada numa paisagem aberta, Já o Cushicle (1966-1967) era uma unidade habitacional transportável ainda mais compacta, própria para uma estadia rápida e provisória em lugares desabitados ou esmos. Uma invenção com extrema sofisticação tecnológica que possibilita a um viajante levar consigo um micro-ambiente habitável

Living Pod Project, 1965, Archigram

Arquitetura transpor tável, em Guiné

Cushicle (1966-1967), Archigram

Questionando a dimensão social da arquitetura, em especial na arquitetura moderna, o pós-modernismo surge nos anos 1960, decretando simbolicamente o óbito da arquitetura moderna a partir da implosão do conjunto de Edifícios Pruitt-Igoe, em St. Loius, em julho de 1972.

É importante entender o que a implosão de Pruitt-Igoe representa, a ponto de justificar o valor simbólico que Charles Jencks atribuiu ao seu desmonte. O conjunto residencial em questão, fora construído no auge do modernismo, e faz parte da grande leva de projetos sustentado pela lógica da habitação como principal elemento de transformação social da arquitetura moderna no pós-guerra. O conjunto foi pensado para abrigar um grande número de famílias brancas das camadas mais pobres, porém com o passar dos anos as unidades não foram totalmente ocupadas, inviabilizando economicamente a manutenção dos edifícios e, além disso, o número de famílias negras que habitavam o conjunto foi aumentando, e em St. Louis no Missouri, um estado do Sul extremamente racista, essa transformação significou a desvalorização não só de Pruitt-Igoe, mas de toda a região.

Em 1972, com apenas 600 moradores - o conjunto foi projetado para abrigar 10.000 - e com menos de 20 anos de existência, e bastante deteriorado, o governo federal decretou a demolição de Pruitt-Igoe. Essa decisão repercutiu no campo arquitetônico e estampou a crise do movimento moderno e o fracasso do Estado, num momento de avanço da ideologia neoliberal.

A partir de então a Arquitetura Moderna passa a ser encarada como um objeto histórico, um momento da história da arquitetura, e não mais a filosofia corrente.

a condição pós-moderna

Playground de Pruitt-Igoe entre 1960 e 1970

Demolição de dos edifícios do conjunto Pruitt-Igoe.

Tomada então como um período, não existia mais uma totalidade moderna a que se remeter, e sim apenas referências arquitetônicas distintas. Esse cenário é resultado da ruptura com as metanarrativas. Todas as grandes verdade chegam ao seu fim, ou a sua crise, com exceção da metanarrativa capitalista. Sendo assim, não existindo mais uma norma totalizante que tudo define, apropria-se da ideia de fragmentos e camadas num processo de questionamento das referências, e dos conceitos tradicionais que determinam a sociedade e seu funcionamento.

Não há, portanto, dentro do contexto pós-moderno, uma autoridade ou um ideário coletivo no horizonte, e por isso a fragmentação

é uma constante, constituindo pequenas narrativas que não se encerram em si mesmas e tem um significado incompleto. As obras pósmodernas pretendem contar histórias, criar narrativas, não uma história de formação, mas sim uma história sobre tudo aquilo que envolve o ato no espaço tempo, histórias que se criam a partir de ideias comuns, do senso comum, da cultura pop e da sociedade de consumo. Tratase de um exercício de linguagem. Essa liberdade inventiva pós-moderna é, em parte, encarada como uma frivolidade, ao mesmo tempo que essa “fragmentação institucionalizada” reafirma a impossibilidade de existirem procedimentos universais no campo arquitetônico.

Embora idealizada num contexto distante do pós-modernismo, “O sonho do arquiteto” (1840) de Thomas Cole, coloca num mesmo plano construções arquitetônicas de diferentes épocas, achatando o espaço tempo e unindo fragmentos, quase como uma colagem. As obras arquitetônicas desse período, sobretudo aquelas produzidas nos Estados Unidos, se apropriam dessa lógica, testando todos os limites. Um procedimento recorrente é a já citada apropriação de elementos da cultura pop.

Esse fenômeno atinge tal ponto de exploração que se caracteriza como uma “Disneyficação da arquitetura”, concebendo espaços quase absurdos.

"(...) dentro das categorias arquitetônicas geralmente aceitas pela produção acadêmica, não se encaixa na definição de arquitetura pós-moderna. Esta, característica das décadas de 1950 a 1970, ficou marcada mais pelo resgate de formas do passado.

Buscando ser uma arquitetura que falava uma linguagem clara ao habitante urbano e que propiciava a identidade coletiva, foi levada ao seu mais sério por Aldo Rossi, ou ao seu mais irônico por Robert Venturi e Charles Moore" (RIBEIRO, 2007)

Piazza d’Italia, New Orleans-USA, 1978, Charles Moore.

Assim, se a habitação era a obra por excelência do projeto moderno, os museus e os centros culturais são o ponto alto do pósmodernismo, mas não para uma formação cultural do sujeito, e sim para entretê-lo. Não há um engajamento social, e a consumação dessa máxima se dá ao fato de um passeio no museu se igualar a um passeio no shopping. Aqui percebese a força que a metanarrativa capitalista ganhou no campo arquitetônico. Se no movimento moderno a influência do capital se dava de forma indireta, muito mais envolvido no processo, aqui essa influência se materializa no resultado final, reafirmando uma lógica de consumo por meio da fetichização do espetáculo arquitetônico. Ao mesmo tempo, essa corrente intelectual indica a desilusão do movimento moderno por parte da nova geração. É resultado de questionamentos originados dentro do próprio movimento, o Team X, com seus registros e discussões nos

Pink House, 1976, Miami, Florida-USA. Arquitectonica.

consente esse pensamento.

Não por acaso, o debate pós-moderno de “fragmentação, estilhaços, e cultura pop” associa-se ao discurso desenvolvido por Robert Venturi e Denise Scott Brown em “Aprendendo com las vegas”. Venturi e Scott chegaram como representantes de uma nova geração que, questionando os caminhos da arquitetura moderna, encontram na cultura pop e na pesquisa iconográfica uma linguagem possível para corporificar suas teorias que reverberam para além do galpão decorado. Charles Moore tem um repertório de obras totalmente imerso nesse contexto.

Em suas obras Moore usa a paródia e o pastiche como um mecanismo de subversão das normas, na mesma medida que a concentração de elementos simbólicos na fachada denuncia o uso de referências como uma artimanha simbólica, iconográfica, como se a obra fosse uma tela.

Da mesma maneira que Morre, Hans Hollein bebe da mesma fonte e suas obras, um tanto quanto polêmicas e até apelativas, se colocam quase como cenográficas. Ainda nesse circuito há também o grupo Arquitectonica, formado por Laurinda Spear e Bernardo Fort-Brescia.

Juntos idealizaram a Spear House (1976-78), em Miami. A obra é uma resposta refinada do pósmodernismo, com resgate de elementos do artdéco e se apresenta como uma casa refúgio da vida urbana, de férias permanentes. A casa, de cor rosa, não é apenas uma máquina de morar, mas também um espaço de expor, de se exibir, uma arquitetura de cena. As obras dos grupo Arquitectonica se dedica à uma exploração plástica, e se apropria de maneira superficial de valores da sociedade de consumo.

“Back to the Future 2” (1989). Cena em que Mar ty McFly chega ao centro de Hill Valley em 2015. A composição da cenografia se assemelha com a exploração plástica da arquitetura pós-moderna nor te-americana.

A linguagem arquitetônica pós-moderna, talvez por sua íntima relação com a cultura-pop da época, foi amplamente absorvida pelo meio cinematográfico, não apenas por sua qualidade cenográfica, mas também pela linguagem que comuninca e pelo contexto "futurista" que propõe

Cenas da série “Miami Vice” (1984) gravadas na “Pink House” de Arquitectonica

Embora alguns pós-modernos tenham uma perspectiva mais crítica, nesse contexto não há um posicionamento progressista de formação do sujeito, pelo contrário, as obras oferecem aquilo que já está dado pela cultura pop, pela cultura midiática. Toda essa produção deságua na exposição Strada Nuovissima, apresentada na Bienal de Arquitetura de Veneza de 1980. A obra é, na verdade, um trabalho cenográfico que flerta com toda a discussão pós-moderna e elabora “fachadas” conjugando colunas gregas, formas geométricas, cores vibrantes, frontões e demais referências à arquitetura e à cultura de massa.

Como ajustar o uso, e qual o papel de uma coluna grega num contexto tão oposto ao momento de sua concepção? Além de remeter à uma ideia de uma arquitetura ocidental, a coluna marca uma discussão sobre o historicismo da arquitetura. O arquiteto milanês Aldo Rossi emprega este recurso repetidas vezes em seu trabalho, trabalha com um fluxo de formas na

história, rearticula a origem e aplicação das formas de modo que ganhem autonomia. Ao mesmo tempo, a mobilização destes elementos é também uma crítica ao modo de consumo da cidade e à produção moderna da arquitetura, porque ao assimilar a cidade como fato que se constrói ao longo do tempo,questiona a lógica moderna de desconsiderar as pré-existências da cidade.

No Brasil toda essa discussão pósmoderna ganha espaço na produção mineira.

Os arquitetos Éolo maia, Jô Vasconcelos e Sylvio de Podestá são um grupo aberto a esse questionamento do movimento moderno, e se mostram dispostos a uma nova exploração arquitetônica. De maneira conjunta, se propõem a repensar o passado numa perspectiva que não os remeta apenas à Pampulha moderna de Niemeyer, mas a outras possibilidades, e assim elaboram projetos polêmicos e colocam em xeque o discurso da arquitetura moderna

"Simbolizando o "fim do proibicionismo" purista, a mostra reuniu um collage eclético de caráter cenográfico produzido por 20 arquitetos, entre eles Michael Graves, Robert Venturi, Ricardo Bofill, Paolo Portoghesi, Rem Koolhaas, Frank Gehry e Arata Isozaki" (ROSENBERG, 2015)

Corredor da exposição “Strada Nuovíssima”, na Bienal de Arquitetura de Veneza de 1980

brasileira. Entretanto, no início dos anos 1980 a “arquitetura moderna” brasileira detinha uma posição de alto prestígio devido à construção de Brasília, e por esse motivo a academia tinha uma repulsa por toda essa discussão no momento, ao mesmo tempo que pequenos grupos direcionavam seus trabalhos para este processo de colagem pós-moderna.

O grupo de Éolo Maia, ousava propor uma arquitetura erudita que fosse bem recebida e entendida pelo gosto popular e, embora o discurso não fosse tão profundo, mobilizam muitas narrativas e referências na produção de sua arquitetura tais como o barroco mineiro, e a arquitetura colonial, lançando elementos em azul, branco e dourado, o gelosi, a veneziana, e elementos do art deco, elementos esses com uma rugosidade que jamais seriam captados pela arquitetura moderna. Os “pós-mineiros”, enfim, exploram muitas possibilidades construtivas e materiais, propondo soluções para o espaço que demonstram um conhecimento apurado sobre uma diversidade de obras, e vão, por meio das soluções, citando muitos projetos. Por outro lado, é importante perceber aqui mais uma vez a aproximação com o discurso norte-americano,

em detrimento da causa latino-americana.

Embora a pós-mineiridade se aproprie de materialidades construtivas, e uma linguagem arquitetônica tradicionalmente brasileira, a especulação projetual se distância do contexto da modernidade apropriada, preocupando-se muito mais em questionar a própria produção, do que estabelecer uma identidade moderna latino-americana.

O pós-modernismo, portanto, não se refere à uma única corrente ou à um pequeno grupo de arquitetos é, na verdade, uma composição extensa de fragmentos que desponta a partir do questionamento sobre a narrativa absoluta do movimento moderno. E a condição pós-moderna se desdobra em múltiplas teorias, e práticas buscando uma nova identidade pautada no contexto local, um resgate histórico, ou até mesmo uma nova linguagem de comunicação através do objeto arquitetônico ou do desenho.

Casa Hélio e Joana, 1983, Sylvio de Podestá. A casa mobiliza elementos semelhantes à casa Vanna Venturi (1964), de R. Venturi, e ao AT&T Building de Philip Johnson.

"E de repente, em plena luta nossa por uma linguagem arquitetônica contemporânea, começaram a chegar de fora os livros de Charles Jencks, Peter Blake, as revistas americanas com os projetos populistas de Venturi, Charles Moore & CIA (6) – no início não me dei conta do substrato ideológico (o de livre-mercado) que eles traziam, acreditava ser apenas mais uma manifestação de mau-gosto dos 'hermanos' do norte – e o anuncio da morte da modernidade" (OLIVEIRA, 2006)

Grupo escolar Cachoeira do Vale, 1983/84. Éolo Maia, Jô Vasconcelos e Sylvio de Podestá

Considerações finais

Proponho aqui um pequeno passeio sobre a historiografia da arquitetura do século XX. Imaginemos que se trata na verdade de uma peça teatral, com atos, personagens, cenário e figurino. Na trama temos a Arquitetura Moderna, personagem madura, que atravessou muitas experiências e tem sua opinião e história de vida muito bem consolidadas, amigos, família, e discípulos. Situações externas, relativas ao contexto mundial da globalização, e as transformações do sistema capitalista vão moldando seus caminhos à medida que interferem em sua esfera de atuação.

Provavelmente o clímax dessa história seja exatamente sobre a possibilidade de seu fim, sua morte, e a disputa pelo protagonismo da trama. Ao longo dos atos vamos percebendo que o antagonista não se assume como o “vilão”, o que nos gera dúvidas sobre “quem é o inimigo da Arquitetura Moderna?”, já que com o decorrer do tempo uma diversidade de personagens toma o palco, e aqui os nomearemos como a “Tropicalista”, o “Vernacular”, o “Latinoamericano”, a “Pós-moderna”, dentre outros.

Estes novos personagens estabelecem diálogos independentes com o público, e aos poucos, fica claro que se trata de uma história contada na perspectiva da Arquitetura Moderna, e que ela própria constrói os vilãos e vilãs, e na verdade, esses outros personagens não são necessariamente vilões, mas sim filhos de uma geração que não se reconhece mais na figura da Arquitetura Moderna e buscam agora criar as próprias histórias.

A partir da década de 1970 ocorreram mudanças significativas na vida urbana,

em função dos processos geopolíticos que atravessam as cidades, mas garantir que estas mudanças são suficientes para determinar a pósmodernidade não é tão simples. Em “Condição Pós-moderna”, Harvey traz à tona o contexto da geração pós-guerra que suprimiu a ideia das metanarrativas, e não aceita mais conceitos hegemônicos totalizantes, e por isso se abre a possibilidades de discussões e explorações. O pós-modernismo, portanto, se coloca como uma reação à monotonia do mundo modernista universal, privilegiando a heterogeneidade, a diferença como força libertadora. Por esse motivo a história desse período não têm um protagonista, mas sim figuras e discussões que pipocam pelo mundo, tomando posse de suas próprias narrativas, e de seus territórios.

Podemos pensar então que, essas novas discussões arquitetônicas e artísticas, abdicando das máximas modernas, se preocupam em criar narrativas situadas, resgatando fragmentos e criando composições, muitas vezes disformes, mas que tentam se aproximar de seu contexto, e abrem mão da narrativa moderna pelo ímpeto de decidir os próprios caminhos, a própria narrativa.

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