Sollicitare n.º 14

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PROFISSÃO

DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO

AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA PROPRIEDADE PRIVADA E O PAPEL DO SOLICITADOR

Por Marco Antunes

Numa primeira impressão, a atuação do Solicitador em matérias de Direito Marítimo parece completamente deslocada. De facto, existe sempre alguma surpresa quando se descobre um profissional atuante nesta área. No entanto, atentas as especificidades da atividade mercantil marítima, rapidamente se encontram temas mais consensuais, sejam eles relacionados com o Direito do Trabalho, Direito Comercial, ou mesmo prática registral.

O

Solicitador que se dedique ao Direito Marítimo apenas tem de conhecer os vários instrumentos que regulam a atividade, sendo certo que, na sua quase totalidade, são instrumentos de direito internacional – Convenções emanadas pelas várias organizações especializadas da ONU, de entre as quais se destacam a International Labour Organization (ILO) e a International Maritime Organization (IMO). Ora, ao falar de Direito Marítimo, temos também que abordar o Direito do Mar. Enquanto o primeiro regula as atividades marítimas, o segundo regula o uso e a gestão dos espaços marítimos. E é neste contexto, no uso e gestão dos espaços marítimos, que esbarramos no conceito de Domínio Público Marítimo. O Domínio Público Marítimo (DPM) é uma figura jurídica conceptual que engloba as margens e os leitos costeiros e estuarinos nos bens comuns de uma nação, res publica, os quais passam a ser protegidos e geridos de acordo com os instrumentos que a sociedade entende como necessários. Se, até à segunda metade do século XIX, a questão não se colocava, visto as costas e margens poderem ser privadas, com o Decreto Régio de 31 de dezembro de 1864, proposto pelo então ministro das obras públicas, comércio e indústria, João Chrysostomo de Abreu e Sousa, surge em Portugal a definição das áreas dominiais hídricas (e marítimas), criando-se uma nova realidade, integrando bens não passíveis de apropriação, porque excluídos do comércio jurídico. Não obstante a sua classificação dominial, estas áreas têm tido um uso particular. Este uso pode ter por base uma licença ou concessão de bens do DPM, a qual titula, de forma precária, a posse e fruição do terreno ou, como é o claro exemplo

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das margens da laguna de Aveiro, da Ria Formosa ou mesmo dos estuários do Douro ou do Tejo, uma utilização assente na convicção da propriedade privada das margens, considerando que a mesma remonta já a tempos muito recuados. O referido Decreto de 31 de dezembro de 1864, porque contrário ao conceito de propriedade privada dos leitos e margens, criou a necessidade de os particulares, para prevalência do seu direito particular sobre o público, poderem ver o prédio delimitado com o domínio público marítimo. O procedimento de delimitação, previsto no artigo 17.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, atualmente disciplinado pelo Decreto-Lei n.º 353/2007, de 26 de outubro, esteve anteriormente regulado pelo Decreto-Lei n.º 468/71 e, ainda antes, pelo Regulamento Geral dos Serviços Hidráulicos, de 1892. Em 2005, com a publicação e entrada em vigor da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, foi introduzido, no ordenamento jurídico nacional, um prazo para os particulares poderem obter o reconhecimento da propriedade privada sobre os leitos ou margens, nos termos do artig 15.º. Muita tinta correu sobre o corpo desta norma, tendo sido alegada a sua inconstitucionalidade, a sua não coadunação com a presunção iuris tantum do artigo 7.º do Código do Registo Predial, o facto de a não interposição dentro da data prevista consubstanciar um processo expropriativo sem pagamento de qualquer contrapartida, etc. A realidade é só uma. Os leitos e margens são presumidamente públicos desde 31 de dezembro de 1864 e o Estado nunca conseguiu salvaguardar essa sua especialidade. Basta recordar que nunca existiu (nem existe) qualquer controlo, seja ele notarial, seja ele registal, no tratamento desses bens, por definição excluídos do comércio jurídico.


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