Sollicitare n.º 37

Page 1

revista da ordem dos solicitadores e dos agentes de execução EDIÇÃO N.º 37 / TRÊS VEZES POR ANO / OUTUBRO 2023 – JANEIRO 2024 / €2,50

EN TR E VI S TA

Paula Vaz Freire

Diretora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa REPO R TAG EM

Catarina Sarmento e Castro Ministra da Justiça

Comemoração dos 20 anos da Reforma da Ação Executiva REPO R TAG EM

Jornadas de Estudo dos Solicitadores e Agentes de Execução


FICHA TÉCNICA

SOLLICITARE EDIÇÃO N.º 37 / OUTUBRO 2023 – JANEIRO 2024

REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

Diretor Paulo Teixeira Editor Francisco Serra Loureiro Redator principal André Silva Colaboram nesta edição: Ana Cunha, Cátia Aires, Jéssica Vassalo, Luís Ferreira, Mário Vieira, Miguel Ângelo Costa, Nélson Sousa, Sílvia Vaz, Sofia Cordeiro, Susana Antas Videira, Telma Afonso e Teresa Caetano Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt Conselho Regional de Coimbra Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt

Design: Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt Impressão: Lidergraf Tiragem: 6 500 Exemplares Periodicidade: Três vezes por ano ISSN 1646-7914 Depósito legal 262853/07 Registo na ERC com o n.º 126585 Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63, 1250 - 038 Lisboa N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126 Propriedade: Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Rua Artilharia 1, n.º 63 1250-038 Lisboa – Portugal Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt www.osae.pt Estatuto editorial:

Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os conteúdos publicitários são da exclusiva responsabilidade dos respetivos anunciantes. Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.

Bastonário Paulo Teixeira Assembleia Geral Presidente: Aventino Lima (Lisboa) 1.ª Secretária: Elizabeth Costa (Lisboa) 2.º Secretário: Pedro de Aguiar Fernandes (Setúbal) Conselho Geral Presidente: Paulo Teixeira (Matosinhos) 1.ª Vice-Presidente: Edite Gaspar (Lisboa) 2.º Vice-Presidente: Francisco Serra Loureiro (Figueira da Foz) 3.ª Vice-Presidente: Elisabete Guilhermino (Batalha) 1.ª Secretária: Diana Silva Queiroz (Vila Franca de Xira) 2.ª Secretária: Gabriela Antunes (Leiria) Tesoureiro: Mário Couto (Vila Nova de Gaia) Vogais: João Coutinho (Figueira da Foz), Tânia Fernandes (Albufeira), Susana Mareco (Coimbra), João Salcedas (Torres Novas), Ramiro dos Santos (Coimbra) Conselho Superior Presidente: Fernando Rodrigues (Maia) Vogais: Ana de Sousa Matos (Paços de Ferreira), José Guilherme Pinto (Maia), Rosária Rebelo (Rio Maior), Valter Jorge Rodrigues (Moita), Beatriz Tavares do Canto (Ponta Delgada), Rafael Parreira (Leiria), Isabel Carvalho (Vila Nova de Famalicão), João Reduto (Guarda), Cláudia Cerqueira (Viana do Castelo), João Soares Rodrigues (Oliveira de Azeméis) Conselho Fiscal Presidente: Lídia Coelho da Silva (Porto) Secretário: Alberto Godinho (Tomar) Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores Presidente: Delfim Costa (Barcelos) Vice-presidente: Maria dos Anjos Fernandes (Leiria) Vogais: Leandro Siopa (Pombal), Carina Jiménez Reis (Linda-a-Velha), Marcelo Ferreira (Covilhã) Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução Presidente: Duarte Pinto (Porto) Vice-presidente: Filipa Gameiro (Alcanena) Vogais: Marco Santos (Trofa), Tânia Mendes Silva (Alcobaça), Emanuel Silva (Águeda) Conselho Regional do Porto Presidente: Nicolau Vieira (Gondomar) Secretária: Cecília Mendes (Paredes) Vogais: Marta Baptista (Santa Maria da Feira), Paulo Miguel Cortesão (Maia), Mariela Pinheiro (Barcelos) Conselho Regional de Coimbra Presidente: Anabela Veloso (Santa Comba Dão) Secretário: Amílcar dos Santos Cunha (Cantanhede) Vogais: Edna Nabais (Castelo Branco), Graça Isabel Carreira (Alcobaça), Bruno Monteiro Branco (Condeixa-a-Nova) Conselho Regional de Lisboa Presidente: Débora Riobom dos Santos (Odivelas) Secretário: João Pedro Amorim (Lisboa) Vogais: José Jácome (Lagos), Carla Matos Pinto (Torres Vedras), Marina Campos (Queluz)


EDITORIAL

Paulo Teixeira Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Esta é uma edição especial da nossa revista. Não tenho dúvidas. E é porque, nela, continuamos a comemorar aquilo que foram os 20 anos da reforma da ação executiva. Uma reforma que mudou, drasticamente – e para melhor -, o funcionamento da Justiça em Portugal. E não sou só eu que o digo. Esta afirmação vem de todos os quadrantes e fez-se ouvir no que foram as nossas últimas Jornadas de Estudo. E prova disso é, também, sem dúvida, a entrevista que a Senhora Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, nos concedeu nesta edição. Uma entrevista concedida antes do terramoto político que culminou com o pedido de demissão do Senhor Primeiro-Ministro, António Costa. Neste contexto tão cheio de desafios de tão diversas naturezas, esta é uma entrevista que nos enche de orgulho, enquanto Solicitadores e Agentes de Execução, e que permite conhecer, a fundo, o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido, nomeadamente no campo da transformação digital. Conversámos, também, com a Diretora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Paula Vaz Freire. É sempre tão bom receber, de uma Faculdade com tanto prestígio em Portugal – e onde esta reforma começou a ser estudada -, a confirmação daquilo que não nos cansamos de afirmar: esta foi a maior e mais bem-sucedida reforma desenvolvida no nosso país nas últimas décadas. Mas a comemoração dos 20 anos da reforma da ação executiva não se ficou por aqui. E isso está bem patente na grande reportagem que fizemos sobre os dias que passámos juntos na Aula Magna, em Lisboa, a comemorar, precisamente, este marco e a debater o que será o futuro das profissões que representamos. Destaco ainda os testemunhos dos colegas Elizabeth Costa e João Aleixo Cândido sobre estes 20 anos de ação executiva. O esforço, a dedicação, a entrega, a resiliência na primeira pessoa. A história da profissão contada a partir das histórias de vida de quem ousou acreditar que era possível fazer diferente, fazer melhor. No nosso habitual espaço para conhecermos os dirigentes da nossa Casa, esta edição traz uma entrevista aos três Presidentes dos Conselhos Regionais. O papel destes órgãos é primordial para o funcionamento da nossa Casa. A proximidade que asseguram e o conhecimento das especificidades de cada região são elementos essenciais ao cumprimento da nossa missão coletiva. Queria fazer uma menção especial à Tânia Ribas de Oliveira, deixando uma palavra de gratidão pela entrevista que consta nesta edição. Mas, mais do que isso, uma palavra de gratidão pelo que tem sido o trabalho que temos vindo a desenvolver, juntos, na simplificação das mensagens da Justiça. O programa “A Nossa Tarde”, na RTP, tem sido uma importante ponte para levarmos informação aos Cidadãos. É uma honra, para a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, fazer parte deste serviço público. Por fim, quero agradecer a todos os que contribuíram para mais uma edição de excelência desta nossa revista. A Sollicitare é um ponto de encontro e partilha. É feita dos associados e para os associados. É uma montra para quem nos procura e é uma ligação ao contexto em que tudo acontece, que não podemos ignorar e em que continuamos a batalhar pela afirmação e projeção dos solicitadores e dos agentes de execução.

SOLLICITARE 1


ÍNDICE

SOLLICITARE 37 / OUTUBRO 2023 – JANEIRO 2024

4

16

JORNADAS DE ESTUDO

30

SOLICITADORES AGENTES DE EXECUÇÃO

20 ANOS AÇÃO EXECUTIVA

LISBOA AULA MAGNA

OUT 26 27 28

Catarina Sarmento e Castro

Entrevista com a Ministra da Justiça

Jornadas de Estudo dos Solicitadores e Agentes de Execução Mais informações em www.osae.pt

Reportagem

Paula Vaz Freire

Entrevista com a Diretora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Fotografia capa Rui Santos Jorge

Labor Improbus Omnia Vincit

2


38

46

68

20 anos na memória e na vida dos Agentes de Execução

Conselhos Regionais da OSAE – Uma missão de proximidade

Tânia Ribas de Oliveira

Entrevista a Elizabeth Costa e João Aleixo Cândido

Entrevista com a apresentadora do programa da RTP “A Nossa Tarde”

Entrevista aos Presidentes dos Conselhos Regionais

EDITORIAL PROFISSÃO Ainda a citação e o reforço das garantias (por Susana Antas Videira) “Ainda sobre as divergências interpretativas das renovações do contrato de arrendamento habitacional com prazo certo” (por Francisco Serra Loureiro ) Reduzir encargos com o crédito? Sim, é possível (por Sofia Cordeiro ) Concurso de Credores: Prevalência do direito de retenção sobre o credor hipotecário na graduação de créditos (por Nélson Sousa) Solicitadores ilustres: Ramiro Reys e Sousa Tecnologia / “ChatGPT, és tu o futuro?” (por Luís Ferreira) Inteligência Artificial – Aplicabilidade na Justiça (por Telma Afonso)

OSAE “O novo regime jurídico das Sociedades Desportivas” em debate na OSAE Conselho Regional do Porto Conselho Regional do Coimbra Conselho Regional do Lisboa

36 52 56 60

SUGESTÕES Leituras

75

35

ROTEIRO GASTRONÓMICO Restaurante O Amândio Papa Restaurante

76 77

45 64

VIAGENS Arouca Cabo Verde - Ilha do Sal

78 80

1

14

28

66 74

SOLLICITARE 3


ENTREVISTA

“Desburocratizar a Justiça é torná-la mais eficiente, mais inovadora, mais humana e por isso mais próxima dos cidadãos.”

CATARINA SARMENTO E CASTRO Ministra da Justiça

Nasceu em Coimbra, na cidade dos estudantes. Talvez também por isso, Catarina Sarmento e Castro, Ministra da Justiça, goste de se ver como professora, a sua raiz profissional e que a acompanha em cada novo desafio. Inclusivamente naquele que abraça atualmente e que, a cada dia, se reveste de oportunidades renovadas de aprender com os profissionais e entidades que fazem a Justiça em Portugal. Numa conversa sem relógio e, tantas vezes, sobre questões intemporais, a atual detentora da pasta da Justiça diz que um ano e meio de mandato é pouco para avaliar o que foi feito. Mas, sublinha, quer “continuar a fazer acontecer”. É isso que a move: fazer acontecer e contribuir para a prestação de melhores serviços aos cidadãos, numa Justiça eficiente e eficaz. ENTREVISTA ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA RUI SANTOS JORGE

4


SOLLICITARE 5


A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução informa que esta entrevista foi fechada a 26 de outubro de 2023.

Como avalia este primeiro ano e meio à frente do Ministério da Justiça? Que marcos destacaria? Um ano e meio é pouco tempo, sobretudo para um Ministério com as complexidades e desafios do Ministério da Justiça. Ainda assim, não posso deixar de relevar 5 vertentes fundamentais (há uma 6º, a da Transformação da Justiça, a que me referirei mais à frente) que, nesse curto intervalo de tempo, já refletem a ação governativa: recursos humanos, Justiça Administrativa e Fiscal, humanização do espaço prisional, combate à corrupção e aceleração do conhecimento do território através do BUPi. Ao nível dos Recursos Humanos, com o Programa de recrutamento para a Polícia Judiciária, um passo histórico que permitirá que, até 2026, entrem naquela polícia mais 1.100 efetivos, mais meios humanos que contribuirão para robustecer, entre outras, a estratégia anticorrupção ou a luta contra a cibercriminalidade, no terreno. Mas também com o Plano Plurianual para recrutamento de carreiras especiais na área dos Registos, que permitiu avançar, já, para a contratação de mais 50 conservadores de registos e 240 oficiais de registos – no primeiro procedimento concursal realizado em mais de 20 anos. Concretizações de alcance diverso – mas que devem ser lidas, essencialmente, como um sinal da seriedade do nosso compromisso – foram a integração de mais 200 profissionais nas fileiras dos Oficiais de Justiça e a promoção de 561 desses trabalhadores, no passado dia 1 de setembro; mas também a contratação de mais guardas prisionais e as promoções efetuadas nessa carreira, assim como os concursos, em marcha, para mais 105 técnicos de reinserção. Além disso, apresentámos a proposta do novo Estatuto dos Oficiais de Justiça – uma proposta que tem como prioridade a dignificação e valorização das funções dos Oficiais de Justiça com a especialização das carreiras –, também ela enquadrada numa visão global estratégica que visa a transformação da Justiça para responder melhor ao cidadão e contribuir para o desenvolvimento económico-social do país. Outra das prioridades deste XXIII Governo Constitucional prosseguida pela área da Justiça é a de otimizar a eficiência dos tribunais administrativos e fiscais, dando resposta aos legítimos anseios de cidadãos e empresas e reforçando a confiança nesta jurisdição. Nesse sentido, já elaborámos um Plano Estratégico para os Tribunais Administrativos e Fiscais, e já vimos aprovado, em Conselho

6

de Ministros, o “primeiro pacote” legislativo da “Reforma da Justiça Administrativa”, que permite, por exemplo, dotar o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais dos meios necessários a uma gestão mais eficiente, mais célere e mais transparente da jurisdição administrativa e fiscal, promovendo o aumento da capacidade de resposta desta jurisdição, e alterar o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no sentido de se prever a especialização na segunda instância, já em vigor em setembro, a criação do TCA Centro e medidas de reforço de recursos humanos nos tribunais superiores. A humanização do sistema prisional é outro desígnio nosso, e o investimento de 24 Milhões de euros no parque penitenciário, com vista ao encerramento gradual do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), uma ambição antiga, está já em concretização, com os procedimentos necessários à realização das empreitadas para a requalificação de infraestruturas existentes noutros estabelecimentos prisionais, geograficamente próximos de Lisboa, já em curso. Esta solução permitirá assegurar, por um lado, que os reclusos se mantêm próximos da sua rede familiar, fator determinante para a sua reinserção, mas também que quem trabalha nos estabelecimentos prisionais o faça em condições mais dignas e mais seguras. Por outro lado, o Balcão SNS 24 em Estabelecimento Prisional, fruto de importante parceria entre o Ministério da Justiça e o Ministério da Saúde, veio permitir que todos os cidadãos reclusos e jovens sujeitos a medida tutelar de internamento passem a ter acesso a teleconsultas agendadas em qualquer unidade de saúde do Serviço Nacional de Saúde. E destacaria, ainda neste âmbito, a instalação de telefone fixos nos espaços de alojamento dos Estabelecimentos Prisionais, iniciativa testada com êxito em outros países europeus, e que provou ser determinante para a manutenção dos laços familiares e afetivos, essenciais para o sucesso do processo de reinserção social daquelas pessoas. No que diz respeito à corrupção, o Governo tem assumido o combate a este fenómeno como elemento estruturante de uma política criminal que se pretende consciente e eficaz, promotora da tolerância zero que deve decorrer de uma cultura de transparência e integridade. Assim, além da Estratégia Nacional Anti Corrupção 20222024, além do reforço de meios da Polícia Judiciária – que já permitiu reforçar em 40% o número de profissionais


ENTREVISTA COM CATARINA SARMENTO E CASTRO

Outra das prioridades deste XXIII Governo Constitucional prosseguida pela área da Justiça é a de otimizar a eficiência dos tribunais administrativos e fiscais, dando resposta aos legítimos anseios de cidadãos e empresas e reforçando a confiança nesta jurisdição.

afetos ao combate à corrupção –, e que se faz acompanhar da modernização tecnológica dos sistemas de informação e comunicação desta Polícia (designadamente, a reestruturação e reforço da estrutura de informática forense, com a aquisição de máquinas com requisitos especiais para esses fins, entre outros projetos e medidas), assumimos e já honrámos o compromisso de tudo fazer no sentido de garantir a entrada em funcionamento, não apenas em termos normativos, mas também em termos objetivos, do MENAC, o Mecanismo Nacional Anti Corrupção, que conta com uma dotação orçamental, em 2023, de mais de 2 milhões de Euros. Há, pois, uma definitiva assunção da dimensão preventiva como dimensão crucial, o que inevitavelmente demandará intensa e consistente congregação de esforços ao nível dos diferentes poderes do Estado, das diferentes áreas de governação e dos setores privado e social, que não poderá deixar de se fazer acompanhar, naturalmente, por uma aposta na sensibilização da sociedade como um todo.

SOLLICITARE 7


O nosso desígnio de uma “Justiça +” não é vazio, e desburocratizar é, essencialmente, tornar a Justiça mais eficiente, mais inovadora, mais humana e por isso mais próxima dos cidadãos.

8

Como marco do primeiro ano de ação governativa, não posso deixar de me referir, ainda, à execução do cadastro de propriedades rústicas, que potencia o conhecimento do território, através do BUPi, um instrumento precioso para uma reforma estrutural pela qual o país aguardava há décadas, e cuja implementação está a ser consistentemente alargada, com o apoio PRR, através de um investimento de 55 milhões de euros. Graças ao envolvimento e à colaboração de todos, e muito particularmente dos municípios, foram já georreferenciadas, por mais de 265 mil cidadãos (130 mil só durante este ano), sem custos nem aumento de impostos, 1.7 milhões de propriedades, estando identificada 75% da área conhecida – o que nos aproxima, a bom ritmo, do objetivo de alcançar os 90% até ao final de 2023. Porque o BUPi utiliza a inteligência artificial como alavanca e acelerador do conhecimento do território, e o algoritmo de dedução de localização de matrizes – que foi melhorado e expandido – já está disponível em 1.269 freguesias e em 138


ENTREVISTA COM CATARINA SARMENTO E CASTRO

concelhos, tendo permitido deduzir a localização de mais de 5 milhões de matrizes. A esta tarefa estruturante do Estado, juntou-se, recentemente, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, através de um protocolo que permite que os 387 solicitadores habilitados a trabalhar com o GeoPredial passem a colaborar no apoio aos cidadãos na identificação de propriedades, ampliando significativamente a capacidade de resposta do BUPi no território. Finalmente, quero referir o marco mais recente e realçar a coincidência feliz de termos podido rematar, com ele, este primeiro ano e meio de ação governativa: a aprovação do Plano Plurianual de Investimentos na Área da Justiça 2023-2027, num montante total superior a 200M€. Estamos perante um instrumento basilar para a concretização da estratégia de recuperação e modernização das infraestruturas; um instrumento pensado e elaborado com racionalidade e atenção às condições económicas concretas do país, e que, agora, estamos em condições de executar. Mas é também um instrumento – gostaria de salientar – que vem em linha com passos dados anteriormente, e que o Ministério da Justiça sempre enquadrou como sinais objetivos do nosso compromisso com o caminho que conduziria a este passo de maior escala. Estou a pensar, designadamente, na autorização, em novembro do ano passado, das despesas relativas a construções no parque penitenciário tendo em vista o encerramento gradual do Estabelecimento Prisional de Lisboa (Cerca de 20M€); e estou a pensar na empreitada de requalificação do novo edifício da Diretoria do Sul da Polícia Judiciária em Faro (cerca de 5M€), em março; assim como em várias empreitadas de construção, ampliação e requalificação de instalações de tribunais e da Polícia Judiciária no distrito de Braga (mais de 26M€), que anunciámos em maio último. Não me cansarei de sublinhar, portanto, que é nesta linha de ação – tão paciente quanto consistente: novembro de 2022, março, maio e setembro de 2023! –, que surge agora este grande Plano, a concretizar em 5 anos. Desta vez, está contemplada a aquisição de serviços e de empreitada para a construção, ampliação, adaptação e/ ou requalificação de múltiplas instalações afetas a tribunais espalhados por todas as Comarcas do país; à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, abrangendo diversos estabelecimentos prisionais e todos centros educativos; à Polícia Judiciária e ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses. Além disso, o Plano abrange ainda a aquisição de empreitadas destinadas à instalação do Polo do Centro de Estudos Judiciários, em Vila do Conde – que permitirá dar forma ao objetivo estratégico de reforçar a formação de magistrados e o número de magistrados a fazer entrar no sistema da Justiça –, e do Tribunal Central Administrativo Centro, em Castelo Branco – que desempenhará, estou certa, um papel

determinante na redução de pendências na jurisdição administrativa e fiscal, que sempre assumimos preocupar-nos especialmente. Tudo isto são iniciativas que se somarão ao que já concretizámos. Penso, designadamente, nas 34 obras em tribunais já concluídas em 2023, e entre as quais se contam a adaptação geral do edifício da CGD em Torres Vedras para instalação dos Juízos do Trabalho e Local Cível, a adaptação do edifício para instalação do Juízo de Família e Menores em Aveiro (um problema tão antigo!), a conclusão das obras de arquitetura para o Palácio da Justiça de Tomar, as obras realizadas no Supremo Tribunal Administrativo de Lisboa, ou nos Palácios da Justiça de Almada, da Sertã, de Peniche ou de Santa Comba Dão – para referir apenas os casos com maior expressão. E continuamos a concretizar. Neste ano de 2023, temos 33 empreitadas em curso, no valor de 13,2 M€: de Beja a Ponta do Sol, de Santo Tirso a Portimão, de Fronteira ao Porto Santo, de Paços de Ferreira a Albufeira, de Braga a Tavira, estamos em Vimioso, em Torre de Moncorvo, no Seixal e em Estremoz, estamos em Alenquer e em Niza, em São Pedro do Sul PJ e em Gondomar, em Valença, em Penafiel, em Alcácer do Sal… E quais os objetivos traçados para o resto do mandato? Continuar a fazer acontecer. Temos o programa de transformação tecnológica da Justiça, que o PRR veio alavancar, e que configura uma oportunidade histórica que não podemos nem vamos desperdiçar; temos planificações, ao nível dos recursos humanos, essenciais ao bom funcionamento da Justiça e à dignificação do trabalho daqueles que, todos os dias, são e fazem a Justiça, e que queremos, como já sucedeu com a PJ e com os Registos, efetivar. Só para 2024, e no âmbito do PPI, considerámos prioritárias, entre outras, obras como a construção de um novo Palácio da Justiça em Vila Franca de Xira, a remodelação e ampliação do Palácio da Justiça de Portalegre, a construção do novo Juízo de Competência Genérica em Sesimbra, a remodelação geral do Tribunal Central Criminal Porto – São João Novo, e também dar início ao pensamento estratégico e estudos prévios tendo em vista a construção do novo Palácio da Justiça de Coimbra e do novo Palácio da Justiça de Leiria – só para enumerar os casos mais relevantes, do ponto de vista do valor do investimento. A aliança entre a justiça e a tecnologia tem vindo a ser reforçada. Sente que ainda há um caminho a ser percorrido para uma maior desburocratização na Justiça? Há, certamente. O nosso desígnio de uma “Justiça +” não é vazio, e desburocratizar é, essencialmente, tornar

SOLLICITARE 9


a Justiça mais eficiente, mais inovadora, mais humana e por isso mais próxima dos cidadãos. Bastará pensar nas 23 interoperabilidades desenvolvidas entre o Sistema de Informação dos Tribunais eTribunal e 14 entidades, e na forma como vieram reduzir a necessidade de pedir aos cidadãos informação que a administração pública já possui, contribuindo para acelerar os processos e facilitar o acesso à justiça (no Registo criminal, por exemplo, a interoperabilidade com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e o Ministério da Educação veio reduzir a necessidade de deslocação aos tribunais de milhares de pessoas; e no apoio judiciário eletrónico, que permitiu, este ano, a sua disponibilização na Segurança Social Direta (+12.000 pedidos). Na perspetiva dos profissionais da Justiça, bastará pensar no impacto que teve, por exemplo para os mandatários, deixarem de ter de se deslocar aos tribunais para recolher as gravações de áudio dos processos em CDs, em resultado de as mesmas terem passado a estar disponíveis online, em streaming, no CITIUS-eTribunal: tendo por base os dados recolhidos junto da Comarca de Lisboa Oeste, é possível estimar que, só em 2023, seriam gravados nos tribunais portugueses mais de 37 mil CDs. São mais de 6 mil as horas de trabalho em gravações, por parte dos Oficiais de Justiça, que podem ser alocadas a outras funções. De assinalar, igualmente, a medida que, até ao final do ano, permitirá a duplicação do tamanho das peças a submeter nos canais online, dispensando deslocações destes profissionais para entrega de peças processuais de grande dimensão em papel e reforçar o número de processos só digitais nos tribunais. A pensar nos magistrados, arrancou, em julho, um piloto no Tribunal Central Administrativo Sul para a anonimização das decisões judiciais com recurso a um algoritmo de inteligência artificial. Mas proximidade e eficiência é o que já sucede, também, graças a medidas como a renovação automática do Cartão de Cidadão, o Nascer + Cidadã e + Cidadão ou a Empresa Online 2.0, que já facilitaram a vida de muitos cidadãos e empresas, permitindo-lhes poupar tempo e custos com deslocações e formalidades. Mas não só: estas medidas estão a contribuir para uma gestão mais eficiente dos serviços da Justiça, ao tornarem possível, por exemplo, libertar recursos humanos – antes afetos a processos administrativos suportados em papel e ao atendimento exclusivamente presencial – para tarefas mais estimulantes e com maior valor acrescentado. Destacaria, ainda, o Guia Prático de Acesso à Justiça – GPJ, que está a ser desenvolvido no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, e que pretende ser um canal de comunicação rápido, acessível e compreensível, de acesso à informação da Justiça, para cidadãos e empresas. A versão de teste disponibilizada – a evolução e aprendizagem deste modelo ocorre progressivamente, à medida que as questões são colocadas e as respostas validadas pela equipa que

10

se encontra a acompanhar o desenvolvimento do projeto –, está treinada para responder a questões relativas aos temas Casamento e Divórcio, sempre tendo por base informação interna dos sítios da Justiça, e, desde junho, foi também alargada ao tema da criação de empresas, tanto em Português como em Inglês. Relevaria, finalmente, a Plataforma de Atendimento à Distância, um novo serviço que representa uma alteração de paradigma no modo como são realizados atos autênticos ou equiparados ao permitir que sejam efetuados por videoconferência, eliminando ou reduzindo deslocações que permitem poupar tempo e diminuir custos; e a plataforma dos Meios de Resolução Alternativa de Litígios (Plataforma RAL +), que disponibiliza a cidadãos e empresas uma ferramenta única que lhes possibilitará dar início a diferentes processos e procedimentos de resolução de conflitos, quer se trate de mediação familiar, de mediação laboral ou processos nos julgados de paz.

A OSAE tem sido, de resto, um exemplo a manter vivo e a seguir, pela forma como vem sabendo dosear apetrechamento tecnológico e saber jurídico e procedimental na efetivação das suas competências e do seu serviço público.

Em suma, o contributo das novas tecnologias espelha um novo paradigma de prestação de serviços públicos e de transformação da Justiça, um paradigma apoiado na atenção e na resposta às reais necessidades dos utentes, centrado na forma como os serviços são prestados e numa melhor e maior exploração, integração e disponibilização de dados. A plataforma e-leilões é um exemplo desta aliança? A plataforma e-leilões – a par de outras ferramentas que a OSAE tem disponibilizado aos seus associados –, é uma aliada evidente para conseguirmos mais eficácia, celeridade e transparência na prestação de serviços de Justiça. A OSAE tem sido, de resto, um exemplo a manter vivo e a seguir, pela forma como vem sabendo dosear apetrechamento tecnológico e saber jurídico e procedimental na efetivação das suas competências e do seu serviço público. Os 20 anos da reforma da ação executiva, recentemente assinalados, são bem demonstrativos da rein-


ENTREVISTA COM CATARINA SARMENTO E CASTRO

venção de um corpo de profissionais que reagiu, que se adaptou, e, mais ainda, que se projetou no futuro, para acompanhar a sociedade do séc. XXI. Naturalmente, os resultados alcançados são produto de uma ação conjunta, quer ao nível das reformas normativas a que o Ministério da Justiça deu rumo e suporte, quer ao nível do apetrechamento tecnológico e da atuação concertada dos diversos operadores. O Ministério da Justiça está atento às iniciativas da OSAE para o reforço das suas competências enquanto servidor de Justiça, e está, como sempre esteve, disponível para apoiar a criação de soluções e serviços de justiça que vão ao encontro dos anseios e necessidades dos cidadãos e das empresas: é disso que falamos, quando falamos numa Justiça + Próxima. Como descreveria o papel assumido pelos solicitadores e pelos agentes de execução? Os solicitadores e os agentes de execução – os “auxiliares da justiça”, como o estatuto destes últimos os qualifica –, são profissionais que corporizam as boas práticas

de distribuição de diferentes papéis a diferentes intervenientes judiciários, que, com diferentes formações e especialidades, desempenham com diligência e sucesso as suas funções, no sentido de tornar a justiça mais célere e mais justa. Com efeito, é muito importante resistirmos à tentação de concentrar todas as tarefas judiciárias nas figuras clássicas, atribuindo mais responsabilidades aos solicitadores e aos agentes de execução, mas também aos administradores judiciários e aos oficiais de justiça, dentro das suas competências e de acordo com a sua reconhecida capacidade para contribuir para a prestação de melhor serviço aos cidadãos, no acesso a uma justiça eficiente e eficaz. Sente que este papel pode ser reforçado a bem da Justiça e dos cidadãos? O Ministério da Justiça reconhece a enorme importância das tarefas destes profissionais: porque elas são essenciais ao desempenho da missão dos tribunais, mas também à resolução de muitos problemas correntes na

SOLLICITARE 11


Nem o Ministério nem a Ministra da Justiça têm qualquer intervenção concreta na investigação criminal ou no desenrolar dos processos. Há uma clara separação de poderes entre aquilo que é o poder executivo – onde se integra o detentor da pasta da Justiça – e o poder judicial, que cabe aos tribunais.

vida das pessoas, numa relação de grande proximidade – o que muito valorizamos. Pela nossa parte, continuaremos à procura das melhores soluções, que possam servir as pessoas e as empresas.

razão de ser dos nossos esforços, procurando prestar-lhe o melhor serviço possível: a comunicação, com verdade, objetividade e rigor; a Justiça, com equidade, eficiência e proximidade.

A comunicação social continua a ter um elevado impacto na forma como os cidadãos veem a Justiça. O que se pode fazer para melhorar a relação entre estes três eixos: Cidadão, Justiça e Comunicação Social? Creio que temos de fazer do Cidadão o ponto focal da nossa atenção. Com “nossa”, quero dizer, da Justiça e da Comunicação Social. Parece-me importante compreender que não há – nem deve haver – uma relação direta entre comunicação social e justiça, mas apenas uma relação mediada e despoletada por um objetivo comum, que é bem servir os nossos concidadãos. Se a comunicação social é essencial à democracia e ao Estado de Direito democrático, a Justiça – na sua esfera de ação, muito diversa – também. E, por essa razão, precisamente, há uma distância entre estes dois pilares – que o respeito mútuo impõe – que deve ser preservada: não é concebível que a Justiça condicione a ação da comunicação social, da mesma forma que não é concebível que a comunicação social condicione a ação da Justiça. Repare que se designa a comunicação como o “4º poder”, razão pela qual cuidar desta espécie de prolongamento do princípio da separação dos poderes é muito importante. Assim, que cada um centre a sua atenção no Cidadão, que é o destinatário, primeira e última

Há mais de uma década que o Ministério da Justiça tem, na sua liderança, mulheres. Paula Teixeira da Cruz, Francisca Van Dunem e, agora, Catarina Sarmento e Castro. Que interpretação faz deste facto? Não faço, propriamente, uma interpretação. Constato que a presença feminina se vem fortalecendo e consolidando – e bem – na esfera da política, como, aliás, em muitas outras – isto é, no plano global da ação no mundo –, gradualmente desconstruindo o que, há cem anos, era um destino incontestado de silêncio e de invisibilidade. Ainda falta alcançar o patamar de igualdade que tornará absurdo fazer dessa presença e da necessidade de consolidação dessa presença um tema… mas lá chegaremos!

12

Ser professora é uma parte e uma paixão que quer manter na sua vida? Naturalmente. E se as funções que, nos últimos anos, tive a oportunidade de desempenhar me afastaram dessa que é a minha verdadeira raiz profissional, quero acreditar que a experiência, a maturidade e o saber colhidos fora dela virão a reverter a favor do conhecimento que me esforçarei por transmitir àqueles para junto dos quais sempre regressarei.


ENTREVISTA COM CATARINA SARMENTO E CASTRO

Se lhe concedessem a oportunidade de dar uma aula, a todo o país, sobre o funcionamento da Justiça, o que gostaria de deixar mais claro? Começaria, talvez, por explicar que o papel do Ministério da Justiça é assegurar os meios para o eficaz funcionamento do sistema judiciário. Nem o Ministério nem a Ministra da Justiça têm qualquer intervenção concreta na investigação criminal ou no desenrolar dos processos. Há uma clara separação de poderes entre aquilo que é o poder executivo – onde se integra o detentor da pasta da Justiça – e o poder judicial, que cabe aos tribunais. Ainda neste sentido, tudo temos feito para dotar o sistema judicial de meios que permitam alcançar uma justiça mais célere e mais eficaz. O que passa, absolutamente, pelo reforço e capacitação dos recursos humanos, nomeadamente, no que se refere à otimização das suas funções, canalizando-os para tarefas de valor acrescentado e deixando os processos repetitivos e mecanizados a cargo de ferramentas tecnológicas capazes de as assegurar. E aí voltamos ao ambicioso programa de modernização e digitalização dos tribunais. Não deixaria, ainda, de mostrar, com dados concretos, que a justiça funciona. Para dar um exemplo, em 2022, o número de processos pendentes nos tribunais judiciais de 1ª instância foi o mais baixo dos últimos 32 anos. Foi o décimo ano consecutivo em que se verificou uma redução do número de processos pendentes nos tribunais judiciais de 1ª instância, com uma taxa de resolução processual superior a 100%. Mais: o número de ações executivas cíveis pendentes nos tribunais judiciais de 1ª instância, no primeiro trimestre de 2023, foi o mais baixo dos últimos 25 anos – não era tão reduzido desde 1998 –, tendo sido alcançada uma taxa de resolução processual superior a 111%. Ou seja, naquele período temporal, o número de processos findos foi superior ao número de processos entrados no período de referência. Naturalmente, queremos e vamos fazer mais e melhor, mas não podemos alimentar a ideia de que a Justiça está paralisada. Ou que era melhor há uma década. O que acontece, por vezes, é que a perceção da Justiça é feita com base nos casos mais mediáticos, concretamente nos chamados “megaprocessos”, quando estes não representam, absolutamente, a normalidade de atuação dos tribunais. De resto, a Assembleia da República já aprovou mecanismos para que os processos possam ser organizados de outra forma, mas essa é, naturalmente, uma opção do magistrado. Aliás, diria que a Justiça também tem de estar cada vez mais focada em se fazer perceber, em se explicar de forma mais simples? Sem dúvida. E esse é um esforço que temos incentivado e que tem sido efetivamente feito, pelos diversos

operadores. Penso, por exemplo, na sequência que estamos a dar a uma iniciativa de 2017, quando foi desenvolvido um projeto piloto que visou a simplificação do modelo de notificação das injunções, usado pelo Balcão Nacional de Injunções para se comunicar com os cidadãos. O sucesso desta iniciativa ficou bem patente com o aumento do pagamento voluntário, mas também com o número de pedidos de apoio judiciário por parte dos cidadãos que receberam a notificação. Ou seja, mais cidadãos compreenderam o conteúdo da mensagem, e, fosse para cumprir um dever ou acautelar um direito, a simplificação da linguagem revelou-se crucial para o desfecho de cada caso concreto. Assim, o princípio da simplificação da linguagem foi alargado aos tribunais, com a simplificação de cerca de 30 modelos de comunicações, e, já nesta legislatura, promovemos um webinar sobre linguagem clara que envolveu mais de 180 assistentes, funcionários e cidadãos, que permitiu sensibilizar os intervenientes para a necessidade de adotar uma linguagem mais próxima dos cidadãos. No âmbito do PRR, promovemos sessões de formação dos organismos da Justiça; disponibilizaremos, até ao fim do ano, 30 novos Templates em Português Claro com maior utilização nos Tribunais; e criaremos um Grupo de Trabalho com o objetivo de desenhar e acompanhar a implementação da iniciativa de Simplificação da Linguagem de forma transversal a toda a área governativa. Por outro lado, ao nível da formação dos senhores magistrados, o Centro de Estudos Judiciários vem respondendo ao desafio que lançámos no sentido de se investir na formação para a comunicação na decisão, para a sua simplificação, porque a melhoria da confiança na Justiça – e a transparência que essa confiança exige – passa, também, por saber divulgar, de forma acessível ao cidadão comum, as respostas que a Justiça dá. No seu dia a dia, continua a haver tempo para a escrita? A produção académica terá de aguardar. Para quem se doutorou, estudando a importância das transformações tecnológicas na área do Direito, este é um momento que convida a algo muito mais aliciante – ver acontecer. Por último, que marca gostaria de deixar na história da justiça nacional? O meu único objetivo é que, no final desta legislatura, a Justiça esteja mais robusta, mais eficiente e moderna, mais próxima e mais capaz de responder – como tem de ser capaz de responder – às legítimas expectativas e necessidades dos cidadãos e das empresas: assim o exige a consolidação da nossa democracia e do Estado de Direito, assim o determina a voz serena, mas forte, da República. A “marca”, num sentido mais pessoal, não é, decididamente, o que me mobiliza.

SOLLICITARE 13


PROFISSÃO

Ainda a citação e o reforço das garantias

Susana Antas Videira Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

14

E

m anterior artigo, afirmámos a centralidade da citação, particularmente no direito adjetivo civil, elegendo-a como pedra angular e garantia primeira de um processo justo e equitativo. Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 219.º do Código de Processo Civil, a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação, chamando-o ao processo para se defender, a fim de assegurar plena consagração do princípio do contraditório, o qual não só estrutura o nosso direito processual civil como adquire consagração constitucional, por força dos artigos 2.º e 20.º, n.º 1, da Constituição. Nestes termos, além de produzir relevantes efeitos processuais, a citação produz, em especial no processo executivo, importantíssimos efeitos materiais, compreendendo-se, por isso, não só que a lei regule exaustivamente tal ato, como comine com sanções processuais severas a preterição dessas formalidades processuais. Cinzelando, ao pormenor, a importância fulcral do ato de citação, ensina o Professor Lebre de Freitas que o direito de defesa postula o conhecimento efetivo do processo instaurado, a concessão dum prazo suficientemente amplo para a oposição e o tempero da rigidez das preclusões e cominações decorrentes da falta de contestação. Por outro lado, quando o réu resida no estrangeiro as dificuldades acrescem, devendo observar-se, como primeira regra, o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais, por força do n.º 1 do artigo 239.º do CPC. Não existindo estes convénios, a citação deve ser feita por carta registada, com aviso de receção. Frustrandose a via postal, sendo o réu estrangeiro, ouvido o autor, realizar-se-á a citação por carta rogatória, conforme dispõe o mesmo artigo da lei processual civil. Ora, na particular conjuntura em que nos encontramos de potencial fragilidade financeira acrescida das famílias e das empresas, uma das medidas que nos pareceria determinante para reforçar a celeridade, a segurança e sobretudo a justiça material do processo de cobrança de dívidas, prende-se com a expressa previsão da possibilidade de se efetuar a citação quer de pessoas singulares, quer de pessoas coletivas, na pessoa do mandatário constituído pelo citando, com poderes especiais para a receber, mediante procuração que se encontre depositada em plataforma eletrónica constituída para o efeito, conforme é prática bem sucedida em vários países europeus.


OSAE

A adesão à plataforma informática para depósito daquelas procurações seria, pois, facultativa, devendo os respetivos requisitos de organização, acesso, funcionamento e gestão ser definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça. Por consequência, seriam concretizados em tal ato, as regras relativas à utilização dos dados e respetiva proteção; as condições de acesso e consulta da plataforma, a efetuar por oficial público, as quais deveriam estar dependentes de validação e da prévia existência de processo ou notificação; os prazos do mandato e as condições da sua prorrogação, revogação ou renúncia, nos termos da lei; os requisitos para o substabelecimento e as taxas devidas, entre outras. A concretização legal e regulamentar desta proposta de criação de um “depósito de procurações” afigura-se, em especial, muito relevante para facilitar a citação não só de quem reside no estrangeiro, mas também dos que se ausentam com frequência do território nacional ou exercem fora a respetiva atividade, favorecendo a celeridade processual, sem comprometer a certeza e a segurança jurídicas. Para tanto, importaria, designadamente, promover uma alteração cirúrgica do artigo 225.º, n.º 5 do CPC, que habilite a que se efetue a citação na pessoa do mandatário constituído pelo citando, com poderes especiais para a receber, mediante procuração que se encontre depositada em plataforma eletrónica constituída para o efeito, cujos requisitos de organização, funcionamento e gestão são definidos, conforme referido, por portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça.

OSAE assina protocolo de cooperação com a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género No passado dia 12 de setembro, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução assinou um protocolo de cooperação com a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. Esta sessão, que contou com a presença de Francisco Serra Loureiro, 2º Vice-Presidente da OSAE, e de Sandra Ribeiro, Presidente da CIG, teve lugar na Biblioteca Daniel Lopes Cardoso, na sede da OSAE, em Lisboa. Pretende-se, com este protocolo, reforçar a colaboração da OSAE no cumprimento do pacto contra a violência, o qual tem como finalidade promover a disseminação e a dinamização de ações internas no âmbito da erradicação da violência contra as mulheres, da violência doméstica e do tráfico de seres humanos, bem como a capacitação interna de trabalhadores/as, tendo em vista permitir a identificação de vítimas em situações de emergência, entre outros objetivos. No final da assinatura, Francisco Serra Loureiro, reforçou a importância deste protocolo: “A OSAE reitera, desta forma, a sua luta por um mundo melhor, mais seguro, mas, principalmente, mais justo. Onde todas e todos possam ter as mesmas condições para alcançar os mesmos objetivos. Este protocolo com a CIG é mais um passo nesse caminho. A Justiça tem de estar sempre na luta pela igualdade”.

SOLLICITARE 15


REPORTAGEM

Jornadas de Estudo dos Solicitadores e Agentes de Execução

COMEMORAÇÃO DOS 20 ANOS DA REFORMA DA AÇÃO EXECUTIVA 16


Foi no passado dia 26 de outubro que abriram as portas da Aula Magna, da Universidade de Lisboa, para acolher mais uma edição das Jornadas de Estudo dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Mas 2023 trouxe ainda a Comemoração dos 20 anos da Reforma da Ação Executiva e foi assim que se inaugurou mais um evento que ficou na memória, de quem por cá passar, e na História da Casa que o promoveu. O primeiro que contou com o alto patrocínio de Sua Excelência o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. REPORTAGEM ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA OSAE SOLLICITARE 17


P

JORNADAS DE ESTUDO DOS SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO

erante uma plateia composta por mais de 500 pessoas, a cerimónia solene arrancou depois de muitos reencontros, alguns deles adiados ainda por causa da pandemia. Presidida pela Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, esta sessão foi aberta por Duarte Pinto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, e contou ainda com a participação de Paulo Teixeira, Bastonário da OSAE, Juan Carlos Estévez, Presidente do Consejo General de Procuradores de España, e de Marc desmaterialização, na digitalização e na interoperabiliSchmitz, Presidente da Union Internationale des Huissiers dade; a libertação do Magistrado judicial para a tarefa de Justice. nobre de julgar; e a real possibilidade de assunção de Assim, para lá das perspetivas além-fronteiras, foram novas tarefas na tramitação processual por parte dos muitas as histórias e as pessoas recordadas em torno de Oficiais de Justiça, em consequência do considerável deuma reforma que mudou a Justiça em Portugal e que cocrescimento de todas as tarefas de índole material até locou um grande desafio à então Câmara dos Solicitadoentão praticadas”. res e aos seus associados. Ainda no decurso da sua intervenção, o Bastonário, Segundo Duarte Pinto, “a justiça económica portudestacou as pessoas que estiveram na origem desta reguesa – na sua operacionalidade – está muito à frente forma, nomeadamente o anterior Bastonário, José Carlos da maioria das suas congéneres mundiais e qualquer esResende. Um momento marcado pelo som dos aplausos, tudo de direito executivo comparado chegará facilmente ao qual se seguiu a referência ao impacto da reforma em a essa conclusão. O futuro é o momento que se segue e diversos campos, tendo salientado “a devolução de bitemos de acreditar que estamos preparados para ele. A liões de euros à economia; a diminuição das reservas cotutela tem de saber que pode sempre continuar a confiar locadas aos investidores e o aumento da confiança face em nós e em tudo aquilo que de melhor sabemos fazer, à maior certeza de um rápido ressarcimento dos seus que podemos continuar a avançar juntos com o firme correspondentes direitos de crédito; a recuperação dos propósito de alcançarmos uma justiça mais eficaz, justa índices de confiança por parte do ‘justiciable’ em virtude e célere, contando sempre com o indispensável fator huda efetiva recuperação dos créditos dos exequentes e a mano que os Agentes de Execução representam”. contribuição efetiva para o desaparecimento gradual da Nesta senda, Marc Schmitz recordou os grandes moconsciência coletiva de impunidade gerada pela delonga mentos e marcos que fizeram parte deste percurso parprocessual”. tilhado e em que a cooperação fez toda a diferença. MeE, com base no reconhecimento estabilizado junto da mórias corroboradas por Juan Carlos Estévez, que assinasociedade, mas sem escamotear os obstáculos superalou ainda o quanto a participação da Ministra da Justiça dos e as falhas corrigidas, deixou ainda alguns reptos revela a importância da instituição e dos seus associados. e novidades: “Não poderíamos entregar as execuções Em ambos os casos e em tom de remate, ficou claro o dedos tribunais administrativos a estes profissionais? Só sejo de continuar a fortalecer estes laços institucionais. lhe posso garantir o que 20 anos já deixam tão claro: os Nas palavras do Bastonário Paulo Teixeira, “reformar agentes de execução estão prontos e são o que é prea ação executiva em Portugal não era uma opção. Era o ciso para inverter os números da atualidade. (…) E num que tinha de ser feito! E, apesar dos muitos e exigentes contexto em que o acesso à habitação é parede mestra desafios, foram ainda maiores as conquistas consolidade um grande desafio que se coloca ao país, nós queredas ao longo destes 20 anos”. Aqui, destacou “a celerimos que o e-leilões possa ser um telhado de soluções, dade processual e a redução da pendência assentes na

18


COMEMORAÇÃO DOS 20 ANOS DA REFORMA DA AÇÃO EXECUTIVA

agilizando o processo associado ao crédito quando surge uma oportunidade que não se pode perder. Estamos a avançar para que assim possa vir a ser”, anunciou Paulo Teixeira “Passados 20 anos, a Reforma da Ação Executiva demonstrou que os receios da desjudicialização eram infundados e que, por vezes, é possível conferir ao poder judicial mais credibilidade e confiança, retirando da sua esfera procedimentos operacionais e administrativos que, na verdade, não fazem parte da sua natureza. Verificamos hoje, com especial satisfação, que estas reformas e mudanças produziram resultados verdadeiramente impressionantes – e impressionantes porque impensáveis, anos atrás”, afirmou a Ministra da Justiça que, a par de novos projetos, assentes no Plano de Recuperação e Resiliência e em tecnologia de ponta, nomeadamente em inteligência artificial, deixou alguns números que espelham o sucesso do trabalho desenvolvido: “Desde 2013, a taxa de resolução processual respeitante aos processos executivos tem sido invariavelmente superior a 100%, o que atesta a consistente e acentuada tendência de redução das pendências processuais nesta área. Foi, de resto, graças a esse 12 esforço – que quero aqui, publicamente, reconhecer – que passámos das mais de 1 milhão de ações executivas pendentes nos tribunais, em 2013, para as pouco mais de 350.000, em 2022. E se concentrarmos a nossa atenção nos últimos 5 anos – englobando, portanto, o difícil período da pandemia –, verificamos que a taxa de resolução processual das ações executivas foi, em média, de 153%! Vale a pena, aliás, salientar que esta taxa média de resolução de resolução processual é, de longe, a mais elevada no âmbito da justiça cível, no período de 2018 a 2022”.

“Reformar a ação executiva em Portugal não era uma opção. Era o que tinha de ser feito! E, apesar dos muitos e exigentes desafios, foram ainda maiores as conquistas consolidadas ao longo destes 20 anos” PAULO TEIXEIRA

A titular da pasta da Justiça não terminou a sua intervenção sem antes destacar também o contributo ímpar dos solicitadores, designadamente na área dos registos, clarificando o carácter estratégico da cooperação: “É de notar o inexcedível contributo que os profissionais do direito – entre os quais os solicitadores – têm dado para a concretização de iniciativas que ilustram o novo paradigma de disponibilização de serviços de registo, designadamente em matéria de melhoria da Plataforma de Atendimento à Distância e do BUPi”. Seguiu-se um debate em que se contaram as histórias por revelar, em torno de uma reforma e das vidas de quem a viveu. Paula Meira Lourenço, Professora da Faculdade de Direto de Lisboa e primeira presidente do que foi a Comissão para a Eficácia das Execuções, Fernando Rodrigues, Presidente do Conselho Superior da OSAE, e Pedroso Leal, solicitador e agente de execução, partilharam visões, experiências e conhecimento. Sempre moderados por Ana Peneda Moreira, jornalista, que conduziu a discussão e convidou à reflexão.

SOLLICITARE 19


JORNADAS DE ESTUDO DOS SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO

Paula Meira Lourenço recordou o início de tudo, como surgiu a ideia, como se procurou estudar, como tudo ganhou forma, como um projeto saiu do papel, como foi essencial ir beber a experiência internacional e envolver a academia e como foram “corajosos” aqueles que assumiram estas funções logo em 2003. E, claro, recordou a Comissão para a Eficácia das Execuções, o carácter positivo do fórum de discussão que também representava, e diversos avanços decisivos como a penhora de saldos bancários, o PEPEX e a extinção de processos quando comprovada a inexistência de bens penhoráveis. Passada a palavra a Pedroso Leal, foi lembrada a atitude “disruptiva” dos impulsionadores e decisores, o grande esforço e o trabalho intenso dos profissionais e, ainda, a dificuldade de serem “compreendidos” pelas diferentes partes do processo, pela sociedade, tendo, neste contexto, realçado a importância da formação em campos como a Psicologia. “Hoje fazemos uma penhora na secretária, com ferramentas online. Mas eu tive uma diligência em que um executado deu um tiro na cabeça e isso foi muito violento.” E, numa derradeira intervenção, convidou a plateia a refletir sobre desafios que já se colocam à profissão e que passam, designadamente, pelo carácter transfronteiriço, global dos processos. Por fim, na voz de Fernando Rodrigues, ficaram registados os impactos positivos dos avanços tecnológicos, bem como o quão relevante é aprender com a experiência, com as diligências, nomeadamente quanto à forma de abordar as partes do processo. Houve ainda oportunidade de falar sobre os períodos mais difíceis e em que a profissão foi posta à prova, períodos que acabaram por trazer soluções efetivas, como a conciliação bancária, e ganhos de fiscalização, transparência e, consequentemente, de reconhecimento. Rapidamente chegou a hora do primeiro jantar: o jantar em que se brindou ao passado e ao futuro. Este, que teve lugar no Instituto Superior de Agronomia, contou

20

com a animada e inigualável atuação de Herman José, que, em 2023, completa 50 anos de carreira. O segundo dia ditou o arranque oficial de mais uma edição das Jornadas de Estudo dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Conhecidas como um momento de balanço, reflexão, debate e definição de novos caminhos, foi exatamente pelas 10 horas que começaram os primeiros painéis, em tom de boas-vindas e nas vozes dos Presidentes dos Conselhos Profissionais dos Colégios dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Delfim Costa e Duarte Pinto, respetivamente. Na sala dos Solicitadores, Delfim Costa deixou claro o grande propósito dos trabalhos que decorreriam ao longo de todo o dia: “Como é do conhecimento de todos, os Estatutos das várias associações públicas profissionais, incluindo, naturalmente, o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, bem como a Lei dos atos próprios dos advogados e solicitadores aguardam a promulgação por parte de Sua Excelência o Presidente da República e consequente publicação no Diário da República. Fará sentido liberalizar por um lado (pondo em risco os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos), mas continuar a manter as restrições quanto à intervenção dos solicitadores, profissionais académica e tecnicamente bem preparados, no mandato judicial? Novos desafios se levantam, um caminho que deve ser encarado com responsabilidade, aproveitando a sabedoria e o contributo de todos, aliando a ponderação e experiências passadas com a ousadia e de olhos postos no futuro, servindo a justiça, os cidadãos e as empresas. Sobretudo, servindo Portugal. Como referi inicialmente, o nosso propósito, aqui, hoje, é discutir o exercício, ou não exercício, do mandato por parte dos solicitadores nas suas várias vertentes”. Rumando à sala dos Agentes de Execução, Duarte Pinto, além do agradecimento pela participação de Armindo Monteiro, Presidente da Confederação Empresarial de


COMEMORAÇÃO DOS 20 ANOS DA REFORMA DA AÇÃO EXECUTIVA

“Fara sentido liberalizar por um lado (pondo em risco os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos), mas continuar a manter as restrições quanto a intervenção dos solicitadores, profissionais académica e tecnicamente bem preparados, no mandato judicial?” DELFIM COSTA

Portugal, e estando em análise uma perspetiva económica sobre a atividade dos agentes de execução, salientou o carácter imperativo do respeito pelos direitos de executados e exequentes, saudando “a humanidade que os colegas não perdem, mesmo quando as penhoras são feitas através de cliques. Aliás, muitas vezes, as queixas que chegam estão relacionadas com agentes de execução que, por exemplo, se recusaram a fazer um despejo por não haver garantia de realojamento. Uma justiça humana – é isso que tem de nos distinguir”. Nesta senda, Armindo Monteiro trouxe o olhar das empresas e de quem investe, sublinhando que “não há justiça quando esta é lenta”, sendo a celeridade um importante alicerce do desenvolvimento socioeconómico. Assim tiveram início os trabalhos, os quais foram acompanhados e conduzidos, ao longo de todo o dia, pelas apresentadoras Cristina Esteves e Ana Peneda Moreira. O mandato judicial foi o tema inaugural na sala dos Solicitadores. Pedro Barbas Homem, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, fez uma análise do papel do solicitador neste campo, enquanto, na sala dos Agentes de Execução, a “Citação ou notificação de atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros” foi o mote para um

SOLLICITARE 21


JORNADAS DE ESTUDO DOS SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO

“Saúdo a humanidade que os colegas não perdem, mesmo quando as penhoras são feitas através de cliques. Alias, muitas vezes, as queixas que chegam estão relacionadas com agentes de execução que, por exemplo, se recusaram a fazer um despejo por não haver garantia de realojamento. Uma justiça humana – e isso que tem de nos distinguir”. DUARTE PINTO espaço de partilha de conhecimentos com uma abordagem mais prática, com a participação de Tânia Mendes da Silva, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, e de Mílvia Félix, funcionária da OSAE. Regressando à sala dos Solicitadores, seguiu-se um debate sobre o mesmo tema – “Os solicitadores e o mandato judicial” -, no qual participaram Artur Cordeiro, Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Francisco Cravo, Professor do Instituto Politécnico de Beja, Luiz Carvalho, Professor do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, e Aventino de Lima, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da OSAE e Solicitador. Uma discussão que, analisando possibilidades à luz da experiência e do que já acontece na Justiça portuguesa, deixou claro o poder da cooperação e das sinergias na construção de mais e melhores respostas. Uma discussão que, analisando possibilidades à luz da experiência e do que já acontece na Justiça portuguesa e tendo em conta os avanços registados, nomeadamente na formação,

22

deixou claro o poder da cooperação e das sinergias na construção de mais e melhores respostas, as quais impõem uma mudança de paradigma. E, durante a pausa para café, além do tema já introduzido na sala dos Agentes de Execução, teve ainda lugar um workshop sobre “Notas de despesa e honorários”, orientado por Marcelo Ferreira, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores. Terminada a pausa, durante a qual ainda houve tempo para o habitual convívio, Francisco Serra Loureiro, 2.º Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE e Solicitador, promoveu, na sala dos Solicitadores, uma palestra também dedicada ao “Mandato”. Já na sala dos Agentes de Execução, esteve em debate a “perspetiva dos exequentes” graças às partilhas de Márcia Passos, deputada à Assembleia da República, de Jorge Cortes Martins, responsável da Divisão Sul de PME, Corporate e Grandes Empresas do Millennium BCP, e de Tiago Fernandes, agente de execução e advogado. Uma discussão cujas principais conclusões passaram pelo impacto de uma maior ce-


COMEMORAÇÃO DOS 20 ANOS DA REFORMA DA AÇÃO EXECUTIVA

leridade no bom funcionamento do tecido empresarial e económico, pelo dinamismo trazido pela reforma da ação executiva, no âmbito da qual a morosidade fica a dever-se, acima de tudo, a incidentes declarativos, pela importância das ferramentas disponíveis e pela renovação permanente das oportunidades de melhoria, sem jamais esquecer a segurança jurídica. Ainda antes do almoço, na sala dos Agentes de Execução, Marc Schmitz, Presidente da UIHJ, trouxe a sua experiência e contacto com várias abordagens para explorar, na sua palestra, esta ponte entre a Justiça e a Economia. Uma intervenção que terminou com a certeza do reencontro, designadamente no Congresso Internacional de 2024, que terá lugar no Rio de Janeiro. Após o almoço, os trabalhos foram retomados nas duas salas. “Os Solicitadores nos Julgados de Paz” e “Os Solicitadores: mediadores naturais” foram o ponto de partida para duas palestras ministradas, respetivamente, por Vítor Gonçalves Gomes, Presidente do Conselho dos Julgados de Paz, e por Pedro Aguiar Fernandes, 2.º Secre-

tário Mesa da Assembleia Geral da OSAE e Solicitador. Na sala dedicada aos Agentes de Execução, o futuro da profissão foi objeto de reflexão nas intervenções de Patrick Gielen, Oficial de Justiça em Bruxelas, e Luis Ignacio Ortega Alcubierre, Vice-Presidente da UIHJ. Antes da sessão de encerramento de mais um dia, o futuro do agente de execução continuou a ser debatido num painel composto por João Paulo Raposo, Juiz de Direito, Delgado Carvalho, Juiz de Direito, Susana Antas Videira, Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e José Cardoso, Coordenador da Innovation Team da UIHJ, Solicitador e Agente de Execução. A função pública do agente de execução, o sucesso da reforma e o passado exigente garantem um futuro, em que importará consolidar o modelo pretendido. Contudo, também ficou a certeza de que ainda há passos a dar em prol da plena afirmação da independência desta figura, designadamente nos campos da distribuição de processos e da nomeação. Perante a plateia de solicitadores, o mandato na arbi-

SOLLICITARE 23


JORNADAS DE ESTUDO DOS SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO

tragem tributária esteve em destaque no último painel do dia, no qual foi possível ficar a conhecer as perspetivas de Maria de Lurdes Mesquita, Professora do Departamento de Direito da Universidade Portucalense Infante D. Henrique, de Suzana Costa, Professora da Escola Superior de Gestão do IPCA, e de Maria do Rosário Anjos, Juiz Árbitro do Centro de Arbitragem Administrativa. Um debate em que, mais uma vez, pelos progressos que aconteceram na formação, pelo que tem sido o percurso natural da profissão e pelas necessidades que se identificam, prevaleceu a ideia de que ainda pode haver mais a fazer, potenciando as mais-valias, as virtudes e o conhecimento de quem trabalha, diariamente, em proximidade e com o foco na resolução de problemas. O encerramento deste dia aconteceu logo após uma breve pausa para café e voltou a juntar todos os associados no auditório da Aula Magna. Marc Schmit, Presidente da UIHJ, e Paulo Teixeira, Bastonário da OSAE,

estarmos aqui, hoje, 27 de outubro de 2023, a falar sobre a possibilidade de os solicitadores participarem no regime de acesso ao Direito. E custa-me porque sei a qualidade que estas pessoas têm, tanto técnica como humana. Custa-me que o cidadão, que precisa de um apoio eficaz e célere, não possa ter ao seu dispor mais quatro mil profissionais de excelência. Quem perde, com fortes impactos na sua vida, é o cidadão”. Assinalou ainda que “o solicitador é um mandatário de proximidade ao cidadão, exatamente aquilo que são os julgados de paz, duas entidades que devem passar a trabalhar de forma mais colaborante. É preciso incentivar, criar condições para que os solicitadores trabalhem como mandatários nos julgados de paz. Mais uma vez: também o cidadão sairá a ganhar”. E, também nesta intervenção, anunciou o que são novas ambições para a plataforma e-leilões, tendo em vista, mais uma vez, corresponder a uma inegável necessidade da atualidade: “Qual é, neste momento, um

ladeados pelos Presidentes dos Conselhos Profissionais dos Colégios, ficaram responsáveis pelas palavras finais e de balanço de um dia de intensos trabalhos em torno dos desafios e das oportunidades que se colocam às profissões. Após a partilha de uma mensagem deixada pelo Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Jorge Costa, em que se louvaram os contributos de iniciativas como esta para a melhor se legislar, o Presidente da UIHJ, no seguimento do que foram a reflexões que marcaram o dia, além de ter renovado o apelo à inscrição de todos no congresso internacional, reforçou a sua convicção: “Nenhuma inteligência artificial irá conseguir fazer o nosso trabalho, pois a vertente humana é demasiado importante”. Na sua intervenção nesta sessão, o Bastonário da OSAE, Paulo Teixeira, deu maior ênfase ao que são as reivindicações dos Solicitadores que, “sendo uma profissão tão antiga, é das que mais se tem reinventado para corresponder às necessidades e expectativas de uma sociedade em constante evolução. (…) Custa-me muito ainda

dos problemas mais graves e que mais afeta a vida das pessoas? Encontrar e comprar casa. Ter capacidade para isso. Ora, parte da solução pode estar no e-leilões. Porque é que os solicitadores não podem começar a colocar os seus imóveis para venda no e-leiloes, designadamente os bens advindos de heranças?”. Foi com os olhos postos no futuro, mas sem esquecer o caminho de conquistas já trilhado, que terminou mais um dia. Um dia que, para os acompanhantes dos participantes, trouxe um passeio de tuk-tuk pela cidade de Lisboa, experiências únicas e, com toda a certeza, muitas recordações e fotografias que são autênticos postais. Resumindo: mais um dia de interação e partilha, convívio e boa-disposição, que terminou com um jantar em que, graças à DJ Rita Mendes, também houve oportunidade e música para um “pezinho de dança”. Chegado o último dia de mais umas Jornadas de Estudo, foi pelas 10 horas que todos os associados se voltaram a juntar no auditório da Aula Magna da Universidade de Lisboa.

24


COMEMORAÇÃO DOS 20 ANOS DA REFORMA DA AÇÃO EXECUTIVA

E foi com um momento muito especial que tudo começou. Sob a condução de Cristina Esteves e Francisco Serra Loureiro, 2.º Vice-Presidente da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, foi prestada uma homenagem a António Freitas, que serviu a OSAE ao longo de mais de duas décadas. As histórias, as piadas, os abraços… Todos o conheciam, todos o reconheciam e este foi mais um momento de emoção e de aplausos fortes e sentidos. Seguiu-se uma palestra orientada por Mariana França Gouveia, Professora da Faculdade de Direito da Universidade, sobre o que será a Justiça em 2050. “Coragem, propósito, tecnologia e ciência”, foram estas as quatro grandes palavras escolhidas como basilares para a garantia de reformas estruturais. Entre partilhas, que transportaram os presentes para o arranque da reforma da ação executiva, Mariana França Gouveia lembrou o “sangue, suor e lágrimas” de tantos e o que foi o peso

Custa-me muito ainda estarmos aqui, hoje, 27 de outubro de 2023, a falar sobre a possibilidade de os solicitadores participarem no regime de acesso ao Direito. E custa-me porque sei a qualidade que estas pessoas têm, tanto técnica como humana.” PAULO TEIXEIRA

do medo da mudança. “Entregar soluções” é o propósito e a motivação das pessoas foi referida como um dos principais desafios. Apelou a uma abordagem científica, monitorizada em permanência, com base em dados e estudos, e terminou dizendo que, em 2050, acredita que encontrará pessoas motivadas em servir um propósito, com tecnologia ajustada às novas gerações, com procedimentos simples, fáceis e a duração adequada. Uma justiça “permanentemente estudada e atualizada”. E, por falar em futuro, “A Tecnologia e a Justiça”, uma ligação cheia de potencialidades, já tão lembrada ao longo deste evento, foi o mote para o debate que juntou Jorge Rodrigues da Ponte, Vice-Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, Eduardo Vera-Cruz, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Jorge Afonso, Diretor do Departamento de Arquitetura de Sistemas do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, e de Rafael Parreira, Solicitador. As

conclusões passaram pela necessidade de atualização do sistema para responder às exigências de evolução tecnológica constante. Uma tecnologia que tem de estar também presente na Justiça, que tem de ser interoperável e que tem de garantir segurança. O diálogo, a cooperação entre diferentes entidades, nomeadamente entre a academia, a administração pública e as Ordens, e a ponderação de uma maior autonomia na construção de soluções – foram alguns dos caminhos apontados. Já quase na hora da despedida, Leandro Siopa e Marco Santos, membros dos Conselhos Profissionais dos Colégios dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, apresentaram os projetos inovadores da OSAE. O papel do solicitador na avaliação imobiliária e os avanços que se preveem nas plataformas, designadamente a atualização do e-leilões e a plataforma de gestão de condomínios e imóveis, foram os destaques. E assim se chegou à sessão solene de encerramento. Mário Campolargo, Secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, Pedro Tavares, Secre-

SOLLICITARE 25


JORNADAS DE ESTUDO DOS SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO

"Estes dias passam sempre a uma velocidade que não reflete, de todo, o trabalho, o esforço, o tempo de que é feito o planeamento, a preparação. Mas, na minha modesta opinião, isto só pode ser sinal de que valeu a pena, de que correu bem, de que se cumpriu o objetivo que havia sido estabelecido para mais um evento promovido por uma casa que nos habituou a isso mesmo: a criar memorias, a projetar o futuro. A celebrar o presente”. PAULO TEIXEIRA

tário de Estado da Justiça, Luís Ignacio Orte Alcubierre, Vice-Presidente da UIHJ, e Jorge Rodrigues da Ponte, Vice-Presidente do IRN, acompanharam o Bastonário, Paulo Teixeira, nesta missão de fechar uma edição das Jornas de Estudo. Jorge da Ponte, em representação da Presidente do IRN, realçou os tempos de mudança que se atravessam, nomeadamente no campo da modernização, simplificação e partilha de dados. Salientou ainda o cariz estratégico da cooperação interinstitucional, lembrando diversos campos onde esse espírito já fez a diferença. Tomando a palavra de seguida, Luís Ignacio Alcubierre enalteceu o “atrevimento” na superação dos desafios e concluiu afirmando sentir que, vindo às iniciativas promovidas pela OSAE, “sai de casa para voltar a casa”. Foi Pedro Tavares, Secretário de Estado da Justiça, quem interveio depois. Além dos avanços registados e dos projetos inovadores, com impacto no trabalho dos diferentes profissionais do universo da Justiça, Pedro Tavares realçou que “a transformação não se faz por decreto”, destacando a importância da capacitação das organizações, “investindo nas competências” e aceitando o erro como

26


COMEMORAÇÃO DOS 20 ANOS DA REFORMA DA AÇÃO EXECUTIVA

parte da inovação. A aposta na colaboração e no envolvimento no âmbito da inovação de todo o ecossistema foi a grande mensagem, tendo sempre em vista “serviços mais eficientes, mais acessíveis e mais inclusivos” – um objetivo para o papel o papel da OSAE é determinante. “Como podemos fazer melhor? Como pode o digital agilizar, antecipando e automatizando respostas? (…) Hoje a primazia tem de ser a centralidade do cidadão. Tem de ser o objetivo último de todo o nosso trabalho diário. E a construção dessa relação idónea não se faz só, nem apenas de uma reflexão interna da Administração pública. (…) Necessitamos da inclusão de atores da sociedade civil, que ajudam não só na reflexão, mas também, tantas vezes, na cocriação e na validação de serviços públicos inovadores. Sei que, ao falar para vós, falo para uma classe que é parceira do interesse público, com poderes públicos, aliás, cuja atividade diária se enquadra na implementação de medidas e ações executivas que complementam e completam a ação do estado. Sei também que têm sido parceiros nesta reflexão (…), e que abraçam verdadeiramente a digitalização como um valor acrescentado parava vossa e para a nossa ação.” Foi assim que o Secretário de Estado Mário Campolargo lançou o desafio de continuarem a olhar para o digital, de continuarem a propor medidas, na certeza de que estas profissões souberam “adaptar-se às novas expectativas de uma sociedade que já é uma sociedade digital. (…) As vossas propostas terão sempre um valor e um sentido acrescido”. E foi neste espírito que o Bastonário, Paulo Teixeira, encerrou mais umas Jornadas de Estudo: “Hoje, num tempo em que, da pandemia à guerra, se torna difícil imaginar o que ainda está para vir… aqui estamos a encerrar mais umas jornadas de estudo… que arrancaram com a comemoração dos 20 anos da reforma da ação executiva. Estes dias passam sempre a uma velocidade que não reflete, de todo, o trabalho, o esforço, o tempo de que é feito o planeamento, a preparação. Mas, na minha modesta opinião, isto só pode ser sinal de que valeu a pena, de que correu bem, de que se cumpriu o objetivo que havia sido estabelecido para mais um evento promovido por uma casa que nos habituou a isso mesmo: a criar memórias, a projetar o futuro. A celebrar o presente”. A derradeira despedida aconteceu no cocktail de encerramento, onde se brindou ao futuro e ficou a certeza do desejo: que, para o ano, as Jornadas de Estudo possam voltar a ser palco e motivo para um novo encontro, uma nova reflexão, um novo debate, uma nova celebração.

SOLLICITARE 27


PROFISSÃO

“Ainda sobre as divergências interpretativas das renovações do contrato de arrendamento habitacional com prazo certo”

T Francisco Serra Loureiro Solicitador

28

ema recorrente dos últimos tempos, nomeadamente, a reboque do pacote Mais Habitação, o arrendamento é, de facto, um dos temas que nos leva a uma maior discussão sobre o alcance das normas aplicáveis, por causa das suas constantes alterações e subsequente necessidade de aferição da sua aplicabilidade no tempo, em concreto nos contratos já em vigor à data das diversas e sucessivas alterações De facto, é uma matéria extremamente profícua em divergências por parte da doutrina e da jurisprudência, o que não abona na busca de uma orientação interpretativa. Não são raras as vezes em que encontramos posições díspares sobre determinadas matérias e é uma dessas situações que se traz hoje a reflexão, em concreto o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, com a atual redação dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro. A verdade é que, volvidos quase cinco anos, desde esta alteração, não existe ainda uma linha definida de como deve ser entendida a redação do referido artigo, cuja alteração propugnou por corrigir desequilíbrios entre arrendatários e senhorios, reforçando a proteção dos arrendatários, em especial, aqueles em situação de especial fragilidade. A norma em concreto, ao prever que “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”, leva, numa primeira análise, a uma reflexão de qual seria a verdadeira intenção do legislador ao estabelecer os três anos como período de renovação. A parte maioritária da doutrina entende que estamos perante um prazo imperativo que impede que esteja na disponibilidade das partes que as renovações possam ter um prazo inferior a três anos, ou seja, não sendo afastada a possibilidade de renovação do contrato pelas partes, estas ficam vinculadas a uma renovação mínima de três anos, mesmo que o período estipulado para a duração do contrato seja inferior. Não obstante, outros entendimentos definem que somente se não existir estipulação de qualquer prazo de renovação é que se aplicam os três anos, estando assim perante um prazo supletivo. Mas outro problema se coloca, ao conjugarmos esta norma com o estipulado no art.º 1097º, n.º 3 do Código Civil que prevê que “a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.” Ou seja, excluindo as situações excecionais de necessidade de


habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, previsto no n.º 2 do mesmo artigo, à faculdade de oposição dada ao senhorio, retiramos que a mesma só produzirá efeitos volvidos três anos a contar desde o início do contrato. Se quanto aos contratos iniciados após a entrada em vigor da norma, não se afiguram dúvidas quanto à sua aplicação, o mesmo não se poderá dizer quanto aos contratos celebrados em data anterior. Assim, a um contrato celebrado anteriormente, uma das dúvidas surge se devemos entender que, estando em curso a primeira renovação à data da entrada em vigor do diploma que nos presentou com esta norma, se numa próxima renovação se aplicará a norma a este mesmo contrato. Ora, numa primeira análise, tal não se afigura como aplicável, pois estamos já no âmbito de uma segunda renovação. O que, em bom rigor, no caso de um contrato com a duração de um ano, somado com a primeira renovação, daria um tempo de permanência do inquilino de dois anos, ou seja, inferior aos três de anos que, se defendida a imperatividade do estipulado no art.º 1096º, n.º 1 do CC, exigidos para a duração efetiva de permanência no locado. Outras questões se colocam quanto ao alcance da norma aqui apreciada, embora o hiato temporal já decorrido desde a sua entrada em vigor, leve a que este problema, hoje, seja mais do foro jurisdicional no âmbito de processos ainda em curso sobre esta temática. No entanto, e numa altura em que se implementam uma série de alterações para o setor da habitação, nomeadamente para o mercado de arrendamento, sendo esta uma matéria tão sensível tanto para o senhorio como para o arrendatário, julgamos ser extremamente pertinente um cuidado acrescido do legislador no desenvolvimento de novas normas, de modo a garantir uma aplicação firme e escorreita de toda e qualquer alteração, contribuindo para uma maior segurança jurídica das partes e do ordenamento jurídico no seu todo.

OSAE e INPI assinam protocolo com enfoque na área formativa Foi assinado, no passado dia 27 de setembro, um protocolo de colaboração entre a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O objetivo desta parceria é fomentar a realização de ações de formação sobre Propriedade Industrial (PI) aos associados da OSAE e seus empregados forenses, que podem assim frequentar periodicamente ações de formação, com vista a assegurar o permanente acompanhamento da evolução teórica e prática do exercício da sua atividade no âmbito da PI. Ana Bandeira, Presidente do Conselho Diretivo do INPI, destacou que “este protocolo é, sem dúvida, mais um importante passo nesta caminhada que o INPI tem vindo a fazer em prol dos utilizadores do Sistema de Propriedade Industrial. Além da nossa principal missão para a atribuição, a manutenção e a extinção dos Direitos de Propriedade Industrial, o INPI privilegia igualmente a necessária componente de sensibilização e de promoção da PI.” Paulo Teixeira, Bastonário da OSAE, mostrou-se satisfeito com a assinatura deste protocolo, pois servirá para valorizar, ainda mais, a qualidade dos Solicitadores. “A aposta na componente formativa é muito importante para a OSAE e para os seus associados. Na minha perspetiva, este é tem sido um caminho que nos tem levado a crescer enquanto profissionais e que nos trouxe até este momento.”

SOLLICITARE 29


ENTREVISTA

No ano em que se comemora a reforma da ação executiva, a Sollicitare foi até ao local onde tudo começou: a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Falámos com a sua Diretora, Paula Vaz Freire, sobre projetos, oportunidades e formas de ensinar, sobre o passado e o futuro do ensino. Falámos sobre os estudantes do presente, que estão a ser preparados para o futuro, numa Casa com alicerces bem sólidos no passado. Uma Casa assente numa missão muito bem definida - “ensinar a pensar o Direito – e onde se ambiciona servir uma prioridade intemporal e inquestionável: “o acesso de todos a uma Justiça eficaz e eficiente”, tido, a todo o instante, como “um pressuposto do Estado de Direito Democrático”. ENTREVISTA ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA

30

“A Faculdade tem por missão ensinar a pensar o Direito”

PAULA VAZ FREIRE Diretora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa


SOLLICITARE 31


ENTREVISTA COM PAULA VAZ FREIRE

Estar ligada ao Direito sempre foi um sonho? Acho que sim, uma vez que, desde criança, dizia que queria vir para Direito. Na realidade, nunca equacionei frequentar outro curso e também nunca me arrependi dessa decisão. A formação em Direito combina um elevado grau de especialização com uma formação universalista que abre horizontes e convoca ao conhecimento de disciplinas complementares, como a Economia, a Filosofia ou a História. E como surgiu a oportunidade de ser professora? Era também uma paixão ou passou a ser? A paixão começou a ganhar forma através do exemplo. Tive vários excelentes professores que cativavam os alunos com os seus ensinamentos e, sobretudo, com a forma viva de exposição: ser como eles era uma inspiração e aspiração. Assim que me licenciei, chegou a oportunidade de ser monitora e, depois de perceber o gosto por dar aulas, a carreira académica foi acontecendo como um “percurso natural”, de estudo, de investigação e de sucessivas provas públicas. Olha à volta e sente que muito mudou desde o tempo em que foi aluna? Sem dúvida que muito mudou. Por um lado, os jovens de hoje têm muito mais mundividência, deslocando-se com facilidade pelo mundo, o que, ao nível do ensino superior, foi e é profundamente marcado pelas dinâmicas dos programas de intercâmbio como o Erasmus+. O amplíssimo acesso à informação e às tecnologias digitais são também aspetos indissociáveis da formação dos nossos alunos. Por outro lado, parece haver tempos de concentração mais curtos, menor recetividade à crítica e menor resiliência perante situações mais exigentes ou difíceis. A pandemia marcou também os nossos jovens, designadamente ao privá-los de relações sociais tão desafiantes e enriquecedoras nessa fase da vida, o que talvez se possa traduzir num maior individualismo. No entanto, os nossos jovens alunos têm uma grande capacidade de adaptação e de superação, pelo que o tempo passado na academia continua a ser um dos melhores períodos das suas vidas. Quando tudo parece cada vez mais ligado, mais global… Também a visão da formação em Direito teve de se adaptar a esta forma de ver e estar no mundo? O Direito disciplina a generalidade dos aspetos da vida em comunidade pelo que tem de saber adaptar-se às transformações tecnológicas, económicas, sociais, culturais. Na atualidade, temos como desafio a velocidade a que essas alterações ocorrem, bem como o facto de as normas jurídicas deverem tutelar valores e direitos fundamentais, sem comprometerem os incentivos e a capacidade de inovação.

32

Acresce a crescente consciência de que há questões de natureza global, como os problemas ambientais, os mercados e serviços digitais, a segurança alimentar e energética, que reclamam respostas à escala mundial, ou seja, questões em relação às quais a ação isolada dos ordenamentos jurídicos de cada país é ineficaz quando não existe uma coordenação de políticas por parte da generalidade dos Estados. A este nível, a participação em organizações internacionais ou supranacionais, assim como a compreensão das respetivas normas é cada vez mais importante. Neste contexto, as faculdades de Direito têm de promover a investigação em áreas de ponta e adequar, com regularidade, a sua oferta letiva, como estamos a fazer na FDUL, por exemplo, com uma pós-graduação inovadora sobre Inteligência Artificial aplicada ao Direito. Graças ao seu percurso e experiência, o que é que diria ser fundamental os alunos de Direito saberem e que não está na legislação? A formação universitária deve ser estruturante e sólida e não uma mera técnica de resolução de situações


O Direito disciplina a generalidade dos aspetos da vida em comunidade pelo que tem de saber adaptar-se as transformações tecnológicas, económicas, sociais, culturais. Na atualidade, temos como desafio a velocidade a que essas alterações ocorrem, bem como o facto de as normas jurídicas deverem tutelar valores e direitos fundamentais, sem comprometerem os incentivos e a capacidade de inovação.

por aplicação das normas em vigor. A Faculdade tem por missão ensinar a pensar o Direito, através do profundo conhecimento dos seus princípios, da lógica do sistema, das formas de interpretação de normas e de integração de lacunas, entre outros aspetos. Como disse uma vez um professor desta Faculdade, o jurista não é aquele que tem um molho de chaves, tem, sim, uma gazua que lhe permite abrir todas as portas. Creio que também é importante que os alunos de Direito – e os estudantes universitários, em geral – não fiquem acantonados na sua área de especialização, mas compreendam que o conhecimento é cumulativo e interrelacionado, pois só assim enriquecerão a sua formação. Além destes aspetos, os nossos alunos são incentivados a desenvolver soft skills relativas a interações com colegas e com futuros empregadores. Participar na direção de um estabelecimento de ensino superior representa um desafio constante, principalmente num cenário como atual? Os desafios são muitos, sem dúvida. A gestão de uma Faculdade pública defronta-se com diversos constrangimentos relativos a limitações à contratação e à progressão na carreira do pessoal docente e não docente, à morosidade associada aos procedimentos de contratação pública, à excessiva carga burocrática, entre outros. Exige-se também uma resposta pronta e eficaz para as questões e problemas que preocupam, na atualidade, os membros da comunidade académica, tais como a saúde mental, o assédio, a discriminação, a sustentabilidade ambiental das instituições, etc.

SOLLICITARE 33


ENTREVISTA COM PAULA VAZ FREIRE

ça em que nem uma única pessoa seja sujeita a práticas inadmissíveis de assédio e discriminação. A criação de um canal aberto de denúncias foi a forma encontrada de responder ao desafio e de corresponder às necessidades e expectativas? Na nossa perspetiva, sim, foi a resposta adequada. Tratou-se de uma decisão tomada em diálogo com os demais órgãos de governo da Faculdade que acautela o respeito pelos direitos dos denunciantes e dos denunciados. Nenhuma solução é perfeita e pode sempre ser melhorada, mas creio que se alcançou a confiança necessária para que eventuais situações de assédio e discriminação sejam denunciadas. Enquanto mulher, esta situação ainda se torna mais pesada? Ao longo do seu percurso, alguma vez sentiu que as opções e oportunidades ao seu dispor foram ditadas pelo fator “género”? Por ser mulher há uma maior empatia e uma maior perceção sobre a vulnerabilidade das jovens. Pessoalmente, nunca senti que ser mulher fosse um obstáculo ou um condicionamento ao meu percurso profissional. Aliás, tenho muito orgulho em ser a primeira mulher eleita como Diretora da FDUL, o que me parece demonstrar que o género não funcionou, no meu caso, como um fator discriminatório.

A reforma da ação executiva foi uma importantíssima mudança de paradigma, orientada para a agilidade desta fase processual. Uma das questões que não podemos deixar de abordar prende-se com as queixas que a Faculdade recebeu através do canal de denúncias de assédio e discriminação. Como é que vive e encara uma situação como esta? Desde o primeiro momento que afirmámos uma política de tolerância zero relativamente a quaisquer práticas de assédio e discriminação, pelo que criámos uma estrutura independente de aconselhamento jurídico e psicológico, destinada a apoiar na fase prévia à apresentação de denúncias, bem como o referido canal de denúncias. As situações desse tipo que foram reportadas deram origem aos procedimentos adequados com vista ao cabal apuramento dos factos. É importante que quaisquer comportamentos impróprios sejam denunciados e tal seja feito em tempo útil para que se possa agir. A Faculdade é, e deve continuar a ser, um espaço de seguran-

34

Por fim… Foi nesta Faculdade que se lançou a Reforma da Ação Executiva, a qual, este ano, completa duas décadas de “vida”. Sente que esta reforma mudou a Justiça em Portugal? A reforma da ação executiva foi uma importantíssima mudança de paradigma, orientada para a agilidade desta fase processual. Tratou-se de adotar o caminho da desjudicialização da execução, o que mudou, de forma significativa, o modelo e a prática do funcionamento da Justiça, neste domínio. Creio que, superadas algumas dificuldades, o sistema provou as suas virtudes. Ações executivas céleres são essenciais para reforçar a confiança nas transações. E quanto aos Solicitadores. Como vê o papel desta figura na simplificação da relação entre o cidadão e a Justiça? Cada vez mais, será essa a grande missão do jurista: garantir uma melhor Justiça ao acesso de todos? O acesso de todos a uma Justiça eficaz e eficiente é um pressuposto do Estado de Direito Democrático e a plena cidadania só pode ser alcançada através da efetivação dos direitos subjetivos, por via jurisdicional, se necessário. Todos os atores da Justiça têm uma função essencial nesse desígnio e os solicitadores têm, sem dúvida, o papel essencial de garantir relações de proximidade e assegurar um pragmatismo ímpar na resolução de questões jurídicas.


PROFISSÃO

Reduzir encargos com o crédito? Sim, é possível

Sofia Cordeiro Head of Franchising da Twinkloo

D

epois de um longo período a viver num contexto de juros baixos, muitas famílias depararam-se com um aumento súbito dos seus encargos com a prestação dos seus créditos. Em julho de 2022, pela primeira vez em mais de uma década, o Banco Central Europeu iniciou um ciclo de subida das taxas de juro – que ainda não parou - com o intuito de controlar as pressões inflacionistas, intensificadas com o início da guerra na Ucrânia. Em 12 meses, a taxa de juros de referência da Zona Euro passou de 0% para 4%, colocando enormes desafios a todos os portugueses com empréstimos. Por exemplo, uma família que há um ano tivesse um crédito habitação no montante de 200 mil euros, a pagar em 30 anos, indexado à Euribor a 3 meses e com um spread de 1,3%, estaria a pagar uma prestação no valor de 649 euros. Hoje, esse mesmo crédito implica um pagamento de, pelo menos, mais 400 euros. Apesar deste aumento abrupto dos encargos financeiros, há boas notícias: os níveis de incumprimento das famílias permanecem baixos. Segundo os dados do Banco de Portugal, o rácio de crédito vencido na habitação situa-se nos 0,3% – o nível mais baixo desde, pelo menos, 1998. O facto de as famílias terem reforçado as poupanças durante a pandemia, a par das diversas medidas para facilitar os processos de renegociação dos créditos habitação, ajudam a explicar os baixos níveis de incumprimento no atual contexto. Para continuar a manter estes números, é fundamental não “baixar os braços” e fazer uma gestão ativa do empréstimo da casa. Sendo o crédito habitação a dívida que mais pesa no orçamento das famílias, e durante um

longo período de tempo, devemos estar atentos às condições vigentes no mercado e perceber se existe (ou não) forma de diminuir as despesas associadas ao seu empréstimo da casa. O que pode ser feito para minimizar o impacto destas subidas? A renegociação do crédito habitação tem sido uma das soluções mais procuradas. Para além de renegociar, outras opções - que podem significar uma poupança de milhares de euros nos encargos totais - passam por amortizar, transferir ou consolidar. De relembrar que, desde o ano passado, foram criados pelo Estado diversos mecanismos não só para facilitar o processo de renegociação dos créditos à habitação, mas também para incentivar as famílias a utilizarem as suas poupanças para amortizar o seu crédito habitação. Nesse sentido, até ao final de 2023, os bancos não podem cobrar comissões pelo reembolso antecipado (parcial nem total) nos contratos de crédito à habitação de taxa variável. Do mesmo modo, e também até ao final do ano, as famílias poderão utilizar o valor aplicado em PPR para amortizarem o empréstimo da casa, sem estarem sujeitas às habituais penalizações previstas na lei. Os clientes bancários podem ainda transferir o seu empréstimo da casa para outro banco que ofereça melhores condições. Exemplos de soluções que as famílias podem adotar, sozinhas ou com a ajuda de entidades especialistas em crédito, não faltam. O importante é termos consciência de que este “aperto” no orçamento pode prolongar-se e, como tal, a chave do sucesso está na antecipação, adotando medidas que previnam a entrada numa situação de incumprimento ou aliviem os encargos mensais.

SOLLICITARE 35


OSAE

D

ecorreu, no passado dia 21 de setembro, a primeira edição de um ciclo de conferências que a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) está a promover. O tema escolhido foi “O novo regime jurídico das Sociedades Desportivas”. Marcado para as 15h00, esta iniciativa contou com a participação do Deputado à Assembleia da República, Francisco Dinis, do Presidente do Clube de Futebol “Os Belenenses”, Patrick Morais de Carvalho, do Secretário-Geral da SAD do Sport Lisboa e Benfica, Miguel Lourenço, e da Solicitadora Catarina Pereira. A moderação esteve a cargo de Irene Palma, jornalista da aBolatv. E foi Irene Palma quem deu o apito inicial à conferência e começou por agradecer à OSAE pela iniciativa, por ter aberto as suas portas e por falar de um tema tão importante e que faz o futebol português parar. De seguida, quem pegou na bola foi Francisco Dinis que começou por agradecer o convite à Ordem. Sobre este novo regime jurídico fez questão dizer que “a passada sessão legislativa trouxe algumas alterações ao mundo do desporto, não foi só este regime que hoje discutimos”. Mas, sobre o tema desta conferência, referiu que “a primeira vez que se regulamentou sobre sociedades desportivas foi em 1995 e essa regulamentação não trouxe, praticamente, nada”. Continuou dizendo que “as sociedades desportivas traziam uma grande desconfiança, mas devia ser exatamente o oposto. Uma sociedade desportiva devia ser sinónimo de transparência”. Terminou a

sua primeira intervenção dizendo que “desde 1997 foram criadas cerca de 120 sociedades desportivas. Destas, 85 são SAD e as restantes SDUQ. Destes números, 20% entrou em falência ou insolveram-se. Este é um dado alarmante e que não podíamos deixar passar ao lado. E, por isso, a ação de revisão deste regime”. Foi Miguel Lourenço, representante do Sport Lisboa e Benfica, quem recebeu a bola e tomou a palavra. Começou por dizer que “a Benfica SAD já se pronunciou sobre este diploma e considera que existem vários aspetos positivos, mas também negativos. Achamos que a Lei ficou aquém daquilo que era necessário e, noutros campos, foi além do que devia ter ido. Na verdade, temos de nos conseguir regular pelas Leis que existem e esta Lei não é para o Benfica, Porto, Sporting e Braga, pois como estão cotados em bolsa, esta Lei não se aplica”. Continuou a sua intervenção referindo que estes quatro clubes encontram-se com mais uma dificuldade: “Nós temos de seguir o regime da CMVM, pois estamos cotados em bolsa, mas também temos de seguir este regime que hoje discutimos. Será que é possível cumprir os dois em simultâneo? É desejável que as regras sejam iguais para todos. O regime que o Benfica tem de cumprir, deve ser o mesmo que cumpre uma equipa da segunda liga, por exemplo”. O Presidente do Clube de Futebol “Os Belenenses” começou a sua intervenção explicando que ninguém aderiu à primeira lei, criada em 1995, porque estava ve-

“O novo regime jurídico das Sociedades Desportivas” em debate na OSAE

36


dada a partilha de dividendos entre os sócios. Sorriu e lançou um desafio: “estamos em 2023, desafio todos os presentes a dizer uma sociedade desportiva que distribuiu dividendos: zero, nenhuma! Utilizamos a ideia de que o futebol é uma indústria e um negócio, mas não é. Não conheço nenhum negócio que ficasse 25 anos sem distribuir dividendos e sobrevivesse. Quem ganha dinheiro no futebol são os jogadores, os treinadores e os seus empresários. A realidade das sociedades é: estão todas tecnicamente falidos”. Por fim, foi Catarina Pereira, a fazer a sua primeira intervenção e referiu que este tipo de conferência é importante para a OSAE para que os associados ganhem um maior entendimento sobre assuntos que, normalmente, não estão habituados. “Os Solicitadores estão preparados para debater esta e outras temáticas”. Na última ronda de intervenções, Francisco Dinis reforçou as grandes bandeiras deste diploma. “Uma alteração completa de paradigma e que vem combater aquilo que eram as realidades e os desfechos de clubes, principalmente quanto à sua existência. A questão do menor conflito de interesses, não podemos ter dirigentes de clubes ligados a casa de apostas desportivas. E, depois, uma maior igualdade, a representatividade do género”. Já Miguel Lourenço, em jeito de conclusão, sublinhou que a opinião do Benfica em relação a este regime é que não responde a tudo. “Todos sabemos o panorama dos

nossos campeonatos. Na primeira liga, vive-se razoavelmente bem, mas depois o panorama é desolador”. Patrick Morais de Carvalho concluiu saudando a medida legislativa. “Percebemos que foi bem intencionada, que tem coisas positivas, nomeadamente as questões ligadas à transparência. Mas lastimo que não tenha sido conseguido o equilíbrio ideal entre clubes e investidores”. O Secretário de Estado da Juventude do Desporto, João Paulo Rodrigues, que por questões relacionados com a ação governativa não conseguiu estar presente, deixou um vídeo onde fez referência à conferencia e a este regime jurídico. “O novo regime jurídico traz uma reforma ao setor. Mas o que motivou foi o apelo generalizado que o governo ouviu e sentiu dos clubes, dos municípios, dos sócios e dos adeptos.” Coube a Francisco Serra Loureiro, Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE, o encerramento desta conferência. “Como todos acabaram de perceber, esta conferência teve mais a ver com emoção do que com direito. Mas este também tem de ser o papel de uma Ordem. Descomplicar o Direito. Ajudar o cidadão é o que temos de fazer e este tipo de conferência é mais uma forma de o conseguir.” Terminou dizendo que ninguém se pode esquecer que o Direito está em todo o lado: “Acordamos de manhã e ligamos a luz… é um contrato. Andam de uber, é um contrato. Bebemos um café, é um contrato… Saímos daqui satisfeitos pelo debate que foi muito enriquecedor”.

SOLLICITARE 37


ENTREVISTA

Reforma da Ação Executiva

20 ANOS NA MEMÓRIA E NA VIDA DOS AGENTES DE EXECUÇÃO Entrevista a Elizabeth Costa e João Aleixo Cândido ENTREVISTA ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA

38


SOLLICITARE 39


João Aleixo Cândido – O ano de 2003 foi de grande expectativa. O mês de setembro foi vivido com grande euforia pelos Solicitadores de Execução que se inscreveram nesta aventura. Era a abertura de portas para uma nova oportunidade de trabalho e a dedicação e o empenho foram enormes. Era do conhecimento geral que os Tribunais atravessavam grandes dificuldades e os atrasos, provocados por um aumento exponencial de processos, eram uma preocupação. As pendências aumentavam de ano para ano. Poder contribuir para uma melhoria da Justiça era um desafio e uma grande honra. No entanto, a chegada do Solicitador de Execução ao meio judiciário, para praticar atos que, até então, eram praticados pelos Senhores Oficiais de Justiça, criou alguns constrangimentos pontuais, mas que, a pouco e pouco, foram sendo ultrapassados. Qual foi o motivo pelo qual decidiu abraçar este desafio? EC – Foi a necessidade de abraçar novas experiências. Eu vi um universo repleto de oportunidades de crescimento pessoal e profissional, desempenhando um papel fundamental no sistema judicial, com um elevado sentido de responsabilidade associado. Como recorda o início da profissão? Elizabeth Costa – Foi um período intrigante da minha vida profissional. Eu estava entusiasmada por abraçar novas experiências e quebrar um pouco a rotina criada por alguns anos de exercício na solicitadoria. Sentia um dever de grande responsabilidade em contribuir para a solidificação do trabalho já executado pelos colegas pioneiros que, em 2003, deram início ao exercício das novas competências na ação executiva, bem como em enaltecer a profissão do agente de execução. Esta experiência possibilitou-me ter uma visão diferente sobre a relação entre credor/exequente e devedor/ executado e sobre o sentido de justiça em prol do equilíbrio da referida relação. Naturalmente, devido às exigências resultantes de algumas funções, foi verdadeiramente desafiante a nível emocional, nomeadamente as diligências de penhora e de ações de despejo. Quando entramos em casa das pessoas, estamos a entrar no seu espaço sagrado e, quando interferimos com esse espaço, estamos sujeitos a variadíssimas reações inesperadas. Ainda para mais, quando se junta um ingrediente elementar na vida das pessoas, que, nestes casos, normalmente, gira em torno do dinheiro, ou da falta dele, o que traz o melhor e o pior das pessoas. Foi um período de grande crescimento pessoal e profissional, durante o qual aprendi a ajustar-me a este novo papel, adquirindo competências baseadas na inteligência emocional, que me ajudaram a superar os desafios e a ganhar mais confiança e assertividade para desempenhar as minhas funções.

40

JAC – Depois da formação de Solicitador, o meu local de trabalho, durante largos anos, foi numa Direção de Contencioso de um banco da nossa praça. Pelo que o contacto com a ação executiva e a recuperação de crédito era uma constante do dia a dia. Além do gosto pessoal por estas matérias, o manuseamento do Código de Processo Civil, Código Cível, Código das Custas, entre outros, a consulta diária de processos executivos nos Tribunais, sobretudo no Palácio da Justiça de Lisboa, deixavam-me com grande vontade de abraçar este desafio. Poder colocar toda a minha experiência ao serviço da Justiça deixava-me exuberantemente orgulhoso. O que mudou e quais as maiores evoluções da profissão? EC – Eu iniciei a atividade em 2009. E a maior evolução da profissão acontece com a reforma da ação executiva de 2013. Como sabemos, o legislador nem sempre foi feliz nas suas intervenções nas reformas anteriores, sobretudo por falta de meios e por motivos de má operacionalidade da reforma. Numa análise geral, a revisão da ação executiva trouxe aspetos positivos, como, por exemplo, a clarificação da repartição de competências entre o juiz de execução, a secretária e o agente de execução, a revisão do elenco dos títulos executivos, agilização de alguns atos de penhora, os prazos para a concretização de determinados atos, bem como a forma de pagamento nos processos. Foram ainda melhorados ou ajustados aspetos instrumentais ou complementares, mas igualmente importantes para o curso de execução, resolvendo algu-


20 ANOS NA MEMÓRIA E NA VIDA DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

“Naturalmente, devido às exigências resultantes de algumas funções, foi verdadeiramente desafiante a nível emocional, nomeadamente as diligências de penhora e de ações de despejo.” ELIZABETH COSTA

“A chegada do Solicitador de Execução ao meio judiciário, para praticar atos que, até então, eram praticados pelos Senhores Oficiais de Justiça, criou alguns constrangimentos pontuais, mas que, a pouco e pouco, foram sendo ultrapassados.” JOÃO ALEIXO CÂNDIDO mas discórdias doutrinárias e jurisprudenciais, no sentido de aplicar, em letra de lei, soluções já assumidas na prática. Todas as alterações foram naturalmente acompanhadas com o aperfeiçoamento do Sistema Informático de Suporte à Atividade dos Agentes de Execução, que permitiu que os processos fossem tramitados de forma mais ágil e eficiente. Além disso, houve também uma maior regulamentação da profissão com a criação do Estatuto da Profissão de Agente de Execução, em 2013. JAC – A desjudicialização foi, talvez, a maior alteração da reforma da ação executiva. Identificadas as causas de bloqueio da ação executiva, era urgente libertar

os Senhores Juízes de algumas tarefas processuais que os asfixiavam, permitindo que a sua atenção se focasse nas grandes decisões, sentenças das ações declarativas e outros processos de carácter urgente. Assim, transferiram-se, para o agente de execução, algumas competências exercidas pela secretaria ou pelo juiz, mas sempre sob o controle deste. Se, no início, esta reforma causou algumas dificuldades de implementação entre estes intervenientes judiciários, rapidamente a necessidade de êxito obrigou à definição das atribuições de cada um, promovendo o entendimento e cooperação entre todos. Atribuiu-se ao agente de execução a iniciativa e a prática dos atos necessários à tramitação da ação executiva. Alargou-se o número de ações executivas, que deixaram de ter despacho liminar e citação prévia, iniciando-se a execução pela realização da penhora. Era urgente a recuperação dos créditos e, com ela, a satisfação do cidadão e das empresas. Para isso, era essencial promover a eficácia da ação executiva e de todo o processo executivo. A criação e o desenvolvimento constante, pela OSAE, da plataforma informática GPESE/SISAAE foi, sem dúvida, a grande evolução na tramitação processual, que veio possibilitar não só a comunicação direta com os Tribunais via Citius, mas, também, as consultas às bases de dados dos executados, a criação de documentos e a realização de penhoras eletrónicas, sem esquecer a grande evolução quanto à transparência na venda judicial na modalidade do leilão eletrónico. Ainda em prol da transparência, não podemos deixar de referir a criação das contas cliente e as transferências que passaram a ser

SOLLICITARE 41


obrigatoriamente realizadas por Identificador Único de Pagamento (IUP). Uma história que possam partilhar. EC – Tenho imensas histórias que davam para escrever um livro. Uma das histórias mais engraçadas ocorreu durante uma diligência de uma ação de despejo de um prédio rústico, que tive de fazer numa das ilhas dos Açores. Houve uma série de situações caricatas, começando pelo facto de que havia gado no terreno. O exequente não tinha os meios suficientes para remover o gado e encaminhá-lo para outro terreno que pertencia ao executado. Eu vi-me obrigada a ajudar a “cercar” o gado. Eu tinha umas botas de salto alto calçadas que ficaram enterradas em lama devido às péssimas condições climatéricas. O serviço foi concluído com sucesso, mas, devido à morosidade da diligência, eu perdi o meu voo de regresso, obrigando-me a pernoitar na ilha, sem quaisquer pertences pessoais. Foi uma aventura deveras divertida e inesperada, que ainda hoje me faz rir.

42

JAC – Em cumprimento de uma diligência de penhora de bens móveis, chegado ao local pelas 12:00 horas, deparei-me com um estabelecimento comercial – Restaurante “X”, cheio de clientes. Perante este cenário, optei por recuar e voltar depois da hora de almoço, pois, assim, o executado sempre poderia conseguir reunir algum dinheiro com os almoços. Entretanto, paredes meias com o dito restaurante, apercebi-me da existência uma dependência bancária. De volta ao local, pelas 15:00 horas, já o restaurante se encontrava vazio, foi possível falar com o executado e responsável pelo estabelecimento. Claro que, perante a minha presença e tendo em conta que o objetivo seria o pagamento da dívida, que ascendia a cerca de 11.000,00€, o executado ficou apavorado por não ter o dinheiro suficiente. E o que tinha conseguido era essencial para pagar a fornecedores para manter em atividade a sua fonte de rendimento. Conscientes, quer eu, quer o executado, de que a realização da penhora dos bens móveis do seu restaurante e a sua remoção iriam ditar o fim da sua atividade, foi então que, já em deses-


20 ANOS NA MEMÓRIA E NA VIDA DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

mente elogiadas pela sua capacidade de empatia e habilidades interpessoais, o que pode ser valioso em gerenciar conflitos e/ou em transmitir informações de maneira eficaz em situações mais delicadas.

“A figura do Agente de Execução é vista como um facilitador do acesso à justiça e como um garante dos direitos e interesses das partes.” ELIZABETH COSTA

“A desjudicialização foi, talvez, a maior alteração da reforma da ação executiva.” JOÃO ALEIXO CÂNDIDO

pero de causa e depois de muito tentarmos obter a melhor solução, questionei o executado se não era cliente na dependência bancária ao lado, tendo respondido afirmativamente. Então, a solução pode estar mesmo aqui ao lado, respondi-lhe. Deslocámo-nos ao banco e, depois de conversar com o gerente, ficando ciente de toda a situação do executado, por se tratar de um bom cliente, este conseguiu a aprovação de um financiamento bancário que lhe permitiu pagar a totalidade da dívida e, assim, evitar aquilo que seria o fim da sua atividade profissional. Saímos do banco. Eu com a transferência efetuada para a conta cliente e o executado aliviado e agradecido pela solução encontrada. E, assim, garantimos os interesses do exequente, salvaguardando os direitos do executado. No exercício da profissão, ainda faz diferença ser homem ou mulher? EC – Poderia responder de forma politicamente correta e dizer que não. Todavia, penso que, na generalidade, com exceções, como é óbvio, as mulheres são frequente-

JAC – Regra geral, creio que não faz diferença. Há muito tempo que nos habituámos a ver mulheres a exercer profissões que, até então, só os homens exerciam. Até porque, atualmente, o número de mulheres é superior ao dos homens e, na profissão de Agentes de Execução, com a formação que obtivemos, ambos estão preparados para enfrentar e ultrapassar as dificuldades do exercício da profissão. Como é que sente que o agente de execução é visto pela sociedade? Tem havido mudanças? EC – As pessoas costumam ver o papel do Agente de Execução de maneiras diferentes, dependendo de suas experiências pessoais e do contexto em que estão inseridas. Alguns podem ver o Agente de Execução como um agente da justiça, responsável por auxiliar na busca de soluções para conflitos e na garantia do cumprimento das decisões judiciais. Nesse sentido, a figura do Agente de Execução é vista como um facilitador do acesso à justiça e como um garante dos direitos e interesses das partes. Por outro lado, algumas pessoas podem ter uma visão mais negativa do Agente de Execução, associando a sua figura à cobrança de dívidas e à penhora de bens, o que pode gerar impactos financeiros e emocionais para as pessoas envolvidas. Nesses casos, o Agente de Execução pode ser visto como alguém que impõe obrigações. Na generalidade, acredito que somos vistos como profissionais íntegros e respeitados. JAC – No início da atividade, muitas foram as vezes que senti a necessidade de explicar o que era esta figura que surgia agora no meio judiciário e qual a sua função. No essencial, o agente de execução é um auxiliar da justiça e é essa a mensagem que devemos passar, quer seja a executados, quer seja a exequentes. Perante os executados, por vezes, somos vistos como aquele que faz as penhoras e lhes remove os bens e, por isso, somos vistos como indesejados. Pelos exequentes, somos vistos como um representante do tribunal, que executa as diligências necessárias à recuperação dos seus créditos ou procede ao cumprimento do despejo e entrega do seu imóvel. Perante a sociedade, neste momento, sinto que, paulatinamente, temos vindo a ser vistos como uma figura de extraordinária importância para a credibilidade da justiça, com efeitos bastante positivos, sob o ponto de vista económico, para as empresas e para o cidadão. Como imaginam o futuro da profissão? EC – O futuro dos agentes de execução é incerto, par-

SOLLICITARE 43


20 ANOS NA MEMÓRIA E NA VIDA DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

primento das suas funções, cumprindo as disposições legais. Estes são os princípios essenciais para um futuro da profissão. Mas, como diz o velho ditado popular, “à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecer”. Para isso, é essencial que o agente de execução não seja nomeado por uma das partes. A nomeação do agente de execução pelo exequente confunde-se com a de mandatário. E é comum ouvir dizer a expressão “o meu agente de execução”, o que está errado. O agente de execução não é do exequente, apesar de ser o exequente que lhe adianta as provisões. Com a agravante do poder da livre substituição exercido pelo exequente, sem qualquer justificação, o que coloca este auxiliar da justiça numa situação de insegurança profissional, que pode afetar a sua estabilidade financeira, bem como de todos os seus colaboradores. Diferenças todos temos: juízes, agentes de execução, advogados, oficiais de justiça, tribunais. Uma coisa é certa: para um melhor desempenho da profissão é essencial a formação contínua e, para isso, contamos com a OSAE e com o Instituto de Formação Botto Machado.

“Acredito convictamente que é elementar manter a figura do agente de execução no seio da justiça, a qual, ao longos dos anos, tem demonstrado resultados positivos na recuperação de créditos.”

ticularmente após a aprovação da nova Lei-Quadro, que regulamenta o exercício das ordens profissionais. Existem ainda algumas tendências que podem impactar a profissão como, por exemplo, a automatização. Ou seja, com a evolução da tecnologia, é possível que algumas tarefas, realizadas pelos agentes de execução, sejam automatizadas. Não obstante, acredito convictamente que é elementar manter a figura do agente de execução no seio da justiça, a qual, ao longos dos anos, tem demonstrado resultados positivos na recuperação de créditos, existindo outros processos que devem ser distribuídos para a alçada dos agentes de execução, como, por exemplo, os processos administrativos. De uma forma ou de outra, em qualquer profissão, é meritório estarmos preparados para adaptar, ajustar ou mudar e, acima de tudo, importa que nos sintamos bem e realizados. JAC – O futuro da profissão está nas nossas mãos. Para isso, a profissão tem de ser exercida com isenção, independência e imparcialidade. O agente de execução deve manter uma posição equidistante das partes, no cum-

44

"O agente de execução deve manter uma posição equidistante das partes, no cumprimento das suas funções, cumprindo as disposições legais. Estes são os princípios essenciais para um futuro da profissão.”


PROFISSÃO

Concurso de Credores: Prevalência do direito de retenção sobre o credor hipotecário na graduação de créditos

O

concurso de credores constitui uma fase processual da ação executiva e representa a transformação dos bens do executado em dinheiro, através do produto da sua venda, onde, ulteriormente, será alvo de distribuição pelos variados credores. O direito de retenção consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele. Se o direito de retenção recair sobre um bem imóvel, existe uma equiparação efetiva à hipoteca, no entanto com preferência sobre esta última, contrariando aquela velha máxima: “Primeiro no registo, melhor no Direito”. Para efeitos de concurso de credores e graduação de créditos, o direito de retenção assume-se como um direito real de garantia que decorre ex lege, direito este que não tem de ser reconhecido, oficiosamente, pelo Tribunal. Será reconhecido por via da reclamação de créditos, no âmbito do processo executivo. Desde que o credor tenha um crédito relacionado com a coisa retida, é lhe reconhecido o direito real de garantia, com eficácia erga omnes, atendível no concurso de credores. O direito de retenção não é mais do que um apanágio oferecido pela lei ao credor de continuar a detenção de uma coisa que estava obrigado a entregar a outrem, para além do momento em que deveria fazê-la. Naquilo que é a ordem de preferência da graduação de créditos, ter-se-á em consideração o privilégio imobiliário especial, isto é, o direito de retenção e só depois a hipoteca, quando esses direitos incidam sobre o mesmo imóvel. O legislador consagrara assim uma abolição ao princípio da prioridade do registo previsto no art.º 6º do CRP. Segundo este, “o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem, relativamente aos mesmos bens”. Há um esvaziamento económico do conteúdo da hipoteca, decorrente de promessas posteriores de alienação com tradição da coisa hipotecada, encontrandose o credor hipotecário à mercê do devedor, abrindo caminho a vicissitudes legais: casos de simulação negocial entre os promitentes. Com esta prerrogativa, e no plano registral, o credor com direito de retenção do imóvel acaba por estar mais protegido do que o adquirente de um direito real por força do contrato, que não registou a sua aquisição, e que também pode ter a posse do imóvel, consoante prevê o art.º 408º Nº1 do CC. Não é credível que o legislador conceda uma proteção mais ampla ao retentor face ao credor hipotecário, dotado de uma garantia constituída e registada anteriormente. Destarte, e tendo em consideração a letra do art.º 759º do CC, concluímos que esta disposição legal mina a função efetiva da hipoteca, cumprindo sugerir ao legislador que proceda a uma reforma legislativa, tendo em vista o restabelecimento do princípio da prioridade do registo.

Nélson Sousa Jurista

SOLLICITARE 45


ENTREVISTA

CONSELHOS REGIONAIS DA OSAE

UMA MISSÃO DE PROXIMIDADE Entrevista aos Presidentes dos Conselhos Regionais ENTREVISTA ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA

Qual é o papel do Conselho Regional perante os associados da OSAE? Nicolau Vieira: O Conselho Regional tem como função promover e defender os interesses dos associados, bem como fiscalizar e orientar a atividade profissional dos solicitadores e dos agentes de execução. Tem autonomia para definir as suas estratégias e metas, tendo em conta as necessidades e demandas dos associados. Os conselhos regionais têm um papel importante na definição das políticas e diretrizes da OSAE, na elaboração de projetos e programas de formação e desenvolvimento profissional, na promoção da ética e da qualidade na atividade profissional, na prevenção e combate à procuradoria ilícita, na defesa dos direitos e interesses dos associados e na solução de conflitos entre os associados ou com a OSAE. Sendo assim, o seu papel perante os associados, além da sua função primordial de representação da Ordem, passa por ter sempre a porta aberta, ter sempre alguém para ouvir os associados e, sempre que possível, ajudá-los quer na interpretação dos problemas existentes nas suas relações com a Ordem e os seus órgãos, quer, na medida do possível, na mediação dos pequenos diferendos com outros associados e, até mesmo, com os cida-

46

dãos. O Conselho Regional deve gerir as atividades na região, colaborando ativamente com as delegações distritais e concelhias e com o Instituto de Formação Botto Machado, além de apresentar as suas próprias iniciativas que constam do plano de atividades. O que se pretende, acima de tudo, é que exista uma maior proximidade com os associados, de forma a contribuir para uma classe mais unida, sendo assim garantida uma maior e mais célere resposta aos pedidos e, ao mesmo tempo, um melhor acompanhamento das questões apresentadas e das respetivas soluções a implementar. Anabela Veloso: Eu considero que, mais de que um elo entre os associados, é um pilar fundamental na partilha, no apoio, na comunicação e na serenidade entre pares. O Conselho Regional de Coimbra, além de representar os associados e a Ordem, dirige e coordena atividades em cinco distritos e colabora com todos os órgãos da Ordem. A ideia é diminuir distâncias e minimizar problemas, atuando nos limites das suas competências e sendo essencial o apoio de todos os membros e dos serviços. Débora Riobom dos Santos: O papel dos Conselhos Regionais, em termos de competências e em comparação com o anterior estatuto, está, sem dúvida, esvaziado, nomeadamente quanto às questões da formação, estágio, admissão de novos associados, autonomia financei-


ra, estando comprometido o seu poder decisório, nestas e noutras matérias. Mas, apesar destas limitações estatuárias, regulamentares e deliberativas, este Conselho Regional continua, dentro dos seus limites, a organizar os processos de inscrição, suspensão, cancelamento e receção dos novos Solicitadores, a colaborar na organização do estágio e a apoiar os associados em todas as suas questões administrativas. Promove iniciativas, quer de conhecimento e desenvolvimento técnico, quer de desenvolvimento pessoal, e organiza encontros entre associados, que estimulam o convívio e a partilha entre os Solicitadores e os Agentes de Execução da nossa região. Acreditamos, genuinamente, que, deste convívio, nascem novas amizades, novas empatias, novas parcerias, renovam-se processos, encontram-se respostas e, daqui, podem nascer ideias e soluções inovadoras para as nossas profissões. Sou da opinião que a Ordem e os seus associados seriam muito mais beneficiados se existisse maior liberdade de atuação por parte dos órgãos regionais, se lhes fosse pedida maior participação nas estruturas de decisão e na implementação de algumas dessas decisões. Estes órgãos são, de forma direta ou indireta, os que melhor conhecem as necessidades e as dificuldades dos seus associados e estão capacitados para essa participação.

E perante os cidadãos? NV: Para o cidadão, o Conselho Regional do Porto é a face visível da Ordem, é o local onde se dirigem para conseguir informações, para obter o primeiro aconselhamento, normalmente relacionado com pequenos diferendos com os nossos associados. É o local onde apresentam as suas primeiras queixas e os seus lamentos. Mas, de igual modo, é o local onde obtêm as primeiras informações, que são essenciais para dissipar e esclarecer dúvidas. Perante o cidadão, o Conselho Regional do Porto tem a função de oferecer informações jurídicas gratuitas sobre a atividade profissional dos solicitadores e agentes de execução, bem como sobre os seus direitos e deveres. Trabalhamos para promover a imagem e o prestígio da OSAE perante a sociedade, através da divulgação das suas iniciativas e projetos sociais, culturais e educativos. E, acima de tudo, queremos garantir a representatividade dos associados, a igualdade de oportunidades e a valorização das diferentes áreas de atuação, regiões geográficas, categorias profissionais e formas jurídicas. AV: Tem a missão de dar respostas de forma próxima e célere. Somos um garante de que os associados da OSAE cumprem deveres, designadamente na sua conduta pro-

SOLLICITARE 47


fissional. Temos o papel fundamental de prestar informação, colaborando como um só, o cidadão e a Justiça. DRS: Também nesta relação parece-me que o nosso papel poderia estar menos limitado. Mas, ainda assim, somos, por exemplo, o contacto preferencial no projeto da informação jurídica gratuita. Com grande frequência, somos ainda o primeiro contacto nos pedidos de esclarecimento sobre o e-leilões e prestamos, ao cidadão e às instituições em geral, as informações possíveis relativamente aos nossos associados e à sua atividade de Solicitador e de Agente de Execução. As delegações distritais e concelhias são agentes essenciais na construção da proximidade? O que há para melhorar nesta construção? NV: Eu diria que sem as delegações concelhias e distritais não se constrói, nem é possível falar de “proximidade” entre os associados da OSAE e o Conselho Regional, bem como entre os associados de diferentes regiões e áreas. As delegações concelhias e distritais são as bases para a construção da proximidade com os associados. Na minha opinião, as delegações concelhias são os olhos, ouvidos e boca da nossa Ordem e devem estar na linha da frente na divulgação das atividades do Conselho Regional, bem como da OSAE. Os Delegados Concelhios, com o apoio dos Presidentes das Delegações Distritais, devem promover, regularmente, encontros com os associados dos seus concelhos. Estes encontros, numa primeira linha, devem ter como objetivo a partilha de conhecimentos, permitindo uma maior união da classe. Temos associados que vivem a centenas de quilómetros dos grandes centros, onde tudo ou quase tudo se passa, e temos a obrigação de chegar a todos eles. Essa tarefa só é possível realizar com a ajuda das delegações concelhias e distritais. O Conselho Regional, por muitas reuniões descentralizadas que possa realizar, nunca chegará a todo o lado e é aí que as delegações são muito importantes, quer na divulgação, quer no incentivo à presença dos associados. A verdade é que se verifica um grande distanciamento dos associados para com a Ordem, no que toca aos eventos presenciais. Nos eventos via Zoom ou através de outras plataformas, as presenças já se fazem notar, mas não posso deixar de realçar que muitas delas são unicamente “presenças para fins estatísticos”, uma vez que não deixam de ser meras telas pretas, frias e mudas. Pelo que pretendemos mudar esta realidade e promover a presença física dos associados nos eventos e, para isso, é muito importante o trabalho que as delegações concelhias, com o apoio incondicional das suas distritais, têm de realizar constantemente. Naturalmente, a manutenção de uma boa relação com os Presidentes das Delegações Distritais e, consequentemente, com os delegados concelhios tornam mais fácil todo este trabalho, além de

48

"Eu considero que, mais de que um elo entre os associados, [o Conselho Regional de Coimbra] é um pilar fundamental na partilha, no apoio, na comunicação e na serenidade entre pares. (...) A ideia é diminuir distâncias e minimizar problemas, atuando nos limites das suas competências e sendo essencial o apoio de todos os membros e dos serviços." ANABELA VELOSO existir uma necessidade constante de colaborar e participar ativamente nas iniciativas e projetos desenvolvidos, reuniões e eventos organizados pelas delegações concelhias e distritais. Mas não posso deixar de referir que o Conselho Geral da OSAE deve criar todas as condições para as delegações poderem cumprir, em pleno, as suas competências, nomeadamente quanto à colaboração com os demais órgãos da Ordem. Refiro-me à gestão das atividades na área do distrito, à coordenação dos delegados concelhios, à promoção das reuniões de esclarecimento e de debate e à receção dos novos associados. Só assim poderemos falar em proximidade. AV: Sem dúvida, são essenciais! E é esse o caminho trilhado até aqui. Construir para se conseguir consolidar a proximidade entre a Ordem e os associados. Conhecendo todos e a cada um. Antes de ser Presidente Regional, exerci o cargo de Delegada de Comarca de Santa Comba Dão, por dois mandatos, ao abrigo do antigo Estatuto da Câmara dos Solicitadores. A função principal foi o intercâmbio entre os associados da Comarca e a Delegação. Já ao abrigo do novo Estatuto da OSAE, assumi funções como Delegada Distrital de Viseu e, sem dúvida, a comunicação foi o pilar base, mas também o


CONSELHOS REGIONAIS DA OSAE – UMA MISSÃO DE PROXIMIDADE

de não sucede em todas as regiões. Por vezes, os órgãos sentem-se despejados de competências e acabam por não ter qualquer atividade. E o titular do órgão acaba por carregar essa frustração. Como é que podemos melhorar? Em primeiro lugar, precisamos de conhecer os nossos associados e, mediante perfis, as suas características, o seu posicionamento e as suas necessidades por região, elaborarmos um projeto e definirmos uma forma de intervenção no futuro. Que momentos destaca no percurso já trilhado?

"O que se pretende, acima de tudo, é que exista uma maior proximidade com os associados, de forma a contribuir para uma classe mais unida, sendo assim garantida uma maior e mais célere resposta aos pedidos e, ao mesmo tempo, um melhor acompanhamento das questões apresentadas e das respetivas soluções a implementar." NICOLAU VIEIRA conhecimento do território onde cada Solicitador, cada Solicitadora, onde os e as Agentes de Execução superam barreiras. Foi e é essencial. Cada concelho, cada distrito é uma realidade… E os seus delegados são quem melhor conhece os colegas e as suas necessidades. Mesmo as entidades públicas locais recorrem a estes colegas que assumem com zelo e lealdade estas funções. DRS: Sinceramente, não consigo generalizar e dar uma resposta de sim ou não. Para mim, depende. E depende da região do país, da sua dimensão, do número de associados, entre outros fatores. Não posso deixar de reconhecer que, na minha opinião, há demasiados órgãos para o universo de associados e é cada vez mais difícil preencher esses lugares. Relativamente às distritais e concelhias, teríamos de analisar as características de cada distrito e perceber se há necessidade de, havendo Conselho Regional, haver Delegação Distritais, de, havendo Delegação Distrital, existirem Delegados Concelhios ou se, por outro lado, em determinada região, não era preferível ter só concelhios. Quero com isto dizer que a ideia instituída é a de, efetivamente, criar uma ligação entre os associados e o órgão mais próximo. Mas a verdade é que esta proximida-

NV: O percurso já percorrido não tem sido muito fácil devido ao muito trabalho que envolve a gestão deste Conselho Regional e a interação com os diversos órgãos nacionais. Mas, pela positiva, tenho a destacar todos os momentos de contacto presencial com os associados, desde as mais pequenas situações até aos grandes eventos da organização do Conselho Regional, nomeadamente a cerimónia de entrega de placas de 25 anos de atividade, as entregas de diplomas, as conferências e sessões de trabalho, não podendo esquecer os encontros de pura confraternização como o “Magusto”, o “Sunset Jurídico” e, naturalmente, o Jantar de Natal. Estes são, sem qualquer margem de dúvida, os momentos altos. Contudo, não posso deixar de realçar a necessidade de uma colaboração constante entre os diversos órgãos, quer nacionais, quer regionais, para que a burocracia, ainda existente nos serviços administrativos, seja minimizada e dê lugar a melhores serviços para os associados e para os cidadãos. AV: Destacamos o período pandémico vivido, que assolou as nossas vidas, as vidas de todos os profissionais. Houve aprendizagem, superação e, sobretudo, afetos. E as dificuldades dos colegas eram as minhas (mantendo-se uma premissa atual), não conseguimos soluções ideais, mas conseguiram-se soluções possíveis, apoiando, encurtando distâncias, assumindo posições e debatendo dificuldades. A resiliência foi a palavra de ordem, impôs-se a capacidade de adaptação e de enfrentar medos, tivemos de ser flexíveis e muito rápidos. E o foco sempre foi, e é, valorizar os Solicitadores e os Agentes de Execução e o papel de cada um, no presente e no futuro. Sinto um enorme orgulho em ter dado o primeiro passo para o Dia Regional do Solicitador, este que, desde 2018, homenageia os nossos profissionais e acolhe eventos que já aconteceram em distintas configurações. DRS: O caminho do Conselho Regional de Lisboa tem sido de foco nos objetivos que traçou e tendo em vista ultrapassar, naturalmente, os obstáculos que vão surgindo. Deste nosso percurso, que já nos arrancou muitas gargalhadas e lágrimas, destaco o Primeiro Encontro Regional, em Évora, por ter sido o nosso primeiro evento e porque superou, em termos de número de associados, as nossas expectativas. O nosso 2.º Encontro Regional, nos Açores,

SOLLICITARE 49


foi simplesmente maravilhoso! Superámos as dificuldades de serem 3 dias, com deslocações, estadias, várias refeições, tomadas de posse, compromissos de honra. Mas, de facto, foi uma aprendizagem extraordinária, um espírito de união fabuloso, a que acresce, obviamente, o contacto com os associados dos Açores. Pudemos conhecer as características de trabalho daquela região, partilhar problemas e soluções. Lembro também o primeiro evento partilhado pelos Conselhos Regionais, no Dia da Mulher, em que foram abordados temas como a gestão de stress, a conciliação da vida privada e da vida profissional, afastando-nos dos temas mais comuns. E o Magusto, que foi palco de uma sessão de fados. Mas recordo ainda a criação das redes sociais do Conselho Regional de Lisboa, no Facebook e no Instagram, o projecto “Report”, que se destina a receber alertas, relativos a obstáculos ao exercício da nossa profissão, a dificuldades na relação com os organismos públicos, a tratamento diferenciado, a serviços deficitários, a procuradoria ilícita, sendo estes reencaminhados, posteriormente, para os órgãos internos competentes. E, claro, o Almoço de Natal, o Dia do Solicitador, os OSAE por Perto... Todos foram importantes. Quais os projetos pensados para o futuro? NV: Este conselho regional é composto por uma equipa cujos membros garantem a representatividade dos associados, tendo em conta as diferentes áreas de atuação, as diferentes regiões geográficas e as categorias profissionais, tendo como linhas de orientação, para os seus projetos, a descentralização, a proximidade com os associados e a modernização dos diversos regulamentos em vigor, nomeadamente os regulamentos das inscrições, da publicidade, do arquivo das compensações e o das despesas. A atualização destes regulamentos é muito urgente porque as profissões de solicitador e de agente de execução têm sofrido, nos últimos anos, variadíssimas alterações quer legislativas, quer tecnológicas e, até mesmo, sociais, que exigem uma adaptação constante às novas realidades e desafios. Além disso, a atualização dos regulamentos visa garantir a qualidade, a ética e a deontologia dos serviços prestados pelos profissionais da OSAE, bem como reforçar a sua credibilidade e confiança junto dos cidadãos, das entidades públicas e privadas e dos demais operadores judiciários. AV: O projeto é um, englobando muitos. Repensar a profissão é um desafio, tal como reposicionar a figura do Solicitador e do Agente de Execução no mundo digital e garantir que a Ordem pode criar soluções reais para os profissionais, dignificando e conciliando os interesses dos associados, reinventando-se, inovando, mas mantendo a honestidade, o seu lado humano, a ética e os valores essenciais às funções exercidas. Tudo isto tem de passar por melhorar as competências digitais, mudando

50

o paradigma da função inicial de um Solicitador. Queremos melhorar e estar próximos da Ordem, dos colegas, do cidadão, das empresas e das instituições, de forma simples e acessível. DRS: Ideias não nos faltam. Vontade de as concretizar também não. Estamos sensivelmente a meio do mandato e esperamos conseguir realizar alguns desses projetos, sejam eles maiores ou menores. E, quanto aos que não conseguirmos, deixaremos encaminhados para que a próxima equipa, se assim o entender, os possa concretizar. Internamente, gostaríamos muito de conseguir melhorar o atendimento aos associados e as condições em que as colaboradoras do Conselho Regional de Lisboa prestam esse serviço, bem como desenvolver e concretizar a transição digital de toda a nossa informação. No que respeita aos associados, o nosso maior projeto é conseguir a sua adesão aos eventos promovidos, quer pelo Conselho Regional de Lisboa e suas Delegações Distritais e Concelhias, quer pela OSAE. Há uma preocupação constante em promover eventos, formações e encontros que despertem o interesse dos associados. Importa compreender os motivos que levam a que a adesão nem sempre seja a esperada, para podermos atuar de forma mais objetiva. E aí nascerão muitos outros projetos. Que legado gostaria de deixar enquanto Presidente Regional? NV: Muito sinceramente, não penso nisso, mas ficarei muito satisfeito se, no final do mandato, em 2025, tiver contribuído para uma melhor distribuição de competências pelos Conselhos Regionais, Delegações Distritais e Delegações Concelhias, numa ótica de proximidade com os associados, garantindo, assim, uma maior celeridade na resolução de problemas e potenciando a intervenção de um maior número de associados em prol de uma causa comum. AV: Tendo sido o mote desta missão, a proximidade é o legado essencial. Gostaria de deixar os associados mais próximos da OSAE, mais próximos entre si. Os Solicitadores e os Agentes de Execução têm grandes desafios, mas o tempo tem demonstrado que a entreajuda é fundamental. E, quanto a isso, o espírito de missão e de equipa é crucial. Mas confesso que refletir sobre o “legado a deixar enquanto presidente regional” leva-me, também, ao mesmo legado a deixar enquanto pessoa. Leva-me até às origens, aos valores incutidos, pelos meus pais, à família e a todos os que me rodeiam. E, novamente, à entreajuda, ao trabalho com dedicação, de uma forma próxima, seja nas relações profissionais ou pessoais, sempre com espírito de equipa e de missão. Valorizando a simplicidade, a integridade, a humildade e o respeito. Tenho orgulho do que já foi feito. Sem dúvida, podia ter feito mais, mas sei que faço o melhor em cada


CONSELHOS REGIONAIS DA OSAE – UMA MISSÃO DE PROXIMIDADE

momento. Tentei, e tento ainda, fazer a diferença. E sei que quem vier no futuro tentará também. DRS: O termo “legado” transporta um grande peso, uma grande responsabilidade, uma marca. E a verdade é que nem todos podemos deixar legados. Não sei se terei essa capacidade. Quando estou no Conselho Regional de Lisboa, paro algumas vezes a apreciar a parede onde estão as fotografias de todos os Presidentes do Conselho Regional do Sul e do, agora, Conselho Regional de Lisboa. Muitos pensamentos surgem. Naquela parede só está uma mulher e foi Presidente do Conselho Regional do Sul. Eu sou a primeira Presidente do Conselho Regional de Lisboa. É uma mudança, mas, para mim, por si só, não tem peso. Não sabendo se será possível deixar algum legado, penso que teria um sentimento de dever cumprido se, com esta minha passagem, conseguisse um reforço na confiança de que o Conselho Regional de Lisboa é um órgão com o qual os associados podem contar, que estará pronto para procurar soluções e ir ao encontro das suas necessidades. E se contribuir para que os associados, que estão mais esmorecidos, continuem a acreditar e a lutar pelo coletivo, aproximando os que possam estar mais afastados. O que representa, para um profissional da área, assumir este cargo na estrutura da sua Ordem? NV: Como Solicitador e Agente de Execução, assumir este cargo na estrutura da Ordem representa assumir, profissional e eticamente, uma responsabilidade extra, mas, por outro lado, representa, também, uma oportunidade de desenvolver as minhas competências e de contribuir para o bem-estar dos associados e da sociedade. É uma função de grande honra e responsabilidade, que implica representar e defender os interesses dos solicitadores e agentes de execução da região, bem como promover a sua formação e qualificação profissional. É também um desafio, pois exige lidar com diversas entidades públicas e privadas, coordenar as atividades do conselho regional e articular com os órgãos nacionais da OSAE. Tem sido uma experiência enriquecedora, tanto a nível pessoal como profissional, que me tem permitido aprender muito e estabelecer relações de confiança e cooperação com os colegas e com as outras instituições. Estou muito consciente das dificuldades e dos obstáculos que enfrento constantemente, no entanto, sinto-me muito orgulhoso por todo o trabalho que envolve ser presidente do Conselho Regional do Porto. AV: Para assumir este cargo é essencial o suporte, é essencial o apoio da família. É essencial ter noção das complexidades da profissão. Antes de ser dirigente, é preciso saber ser colega, saber ser bom profissional. Representa dedicação, tempo. Representa saber escutar. Representa ser um elo, sempre zelando pelo rigor. De-

"Não sabendo se será possível deixar algum legado, penso que teria um sentimento de dever cumprido se, com esta minha passagem, conseguisse um reforço na confiança de que o Conselho Regional de Lisboa é um órgão com o qual os associados podem contar, que estará pronto para procurar soluções e ir ao encontro das suas necessidades." DÉBORA RIOBOM DOS SANTOS fendendo a profissão e os interesses dos profissionais, Solicitadores e Agentes de Execução, sabendo sempre ir ao encontro das suas preocupações e perspetivas. DRS: Assumir um qualquer cargo na estrutura da Ordem é uma grande responsabilidade, é uma missão. Durante aquele período de mandato, sabemos que as necessidades do coletivo, que é a OSAE, irão sobrepor-se à nossa vida profissional e, até, pessoal. Com ganhos e perdas. Não estou certa se todos têm esta noção, quando se disponibilizam para assumir um cargo na OSAE. É uma aprendizagem. Também eu estou a aprender e a adaptar-me. Mas, num cargo de estrutura, nasce a oportunidade de desenvolver e aplicar o que consideramos ser o caminho certo a adotar na consolidação e crescimento da profissão. E não passa, necessariamente, por começar tudo do zero, mas sim, também, por saber reconhecer o que foi feito, melhorar e acrescentar. Pessoalmente, é um cargo que não ambicionava. Na verdade, não ambicionava nem este, nem nenhum. Considerava-me ainda muito nova na profissão (cerca de 15 anos) para assumir tal responsabilidade. A vida colocou-me aqui. Estou agradecida e orgulhosa por isso. Com respeito, assumirei, até ao fim, esta oportunidade.

SOLLICITARE 51


OSAE

CONSELHO REGIONAL DO PORTO Vila Real recebeu “OSAE por Perto” do Conselho Regional do Porto TEXTO ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA OSAE

Decorreu, no passado dia 14 de junho, a segunda edição do “OSAE por perto”, promovido pelo Conselho Regional do Porto (CRP) da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE). O Hotel Miracorgo, em Vila Real, foi o local escolhido para acolher este evento de reflexão sobre as profissões de Solicitador e Agente de Execução. Cerca de uma centena de associados responderam à chamada e fizeram questão de marcar presença nesta cidade transmontana. O relógio passava pouco das 10h00 quando se deu início à cerimónia de abertura. A mesa foi composta pelo segundo vice-presidente da OSAE, Francisco Serra Loureiro, pelo Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, Delfim Costa, pelo Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Duarte Pinto, e pelo Presidente do Conselho Regional do Porto, Nicolau Vieira. Nicolau Vieira, Presidente do CRP, começou por agradecer a presença a todos os associados, fazendo referência, ainda, à presença dos novos associados que vão receber os seus diplomas. Já o Presidente do CPCAE, Duarte Pinto, iniciou o seu discurso referindo o prazer de estar no evento, passando, depois, a proferir algumas considerações sobre a proposta de alteração ao Estatu-

52

to da OSAE, dizendo que, no que toca aos agentes de execução “é uma lei pornográfica, isto é, inqualificável. Os Agentes de Execução não querem fazer consulta jurídica. Não querem celebrar contratos. Enquanto Agentes de Execução, esta proposta contraria o nosso ADN e que tem dado excelentes resultados. Nós não podemos intervir junto das partes”. Já Delfim Costa, Presidente do CPCSOL, agradeceu o empenho dos Solicitadores por estarem ao lado da Ordem nesta “luta” contra a proposta de lei de alteração ao estatuto da OSAE. “Pretendemos que este seja um momento de reflexão e partilha. Vai incidir sobre o BUPi, mas hoje, mais do que nunca, precisamos de dar prova que somos bons e competentes tecnicamente. Não acho que é um ataque dirigido à OSAE, mas sim aos cidadãos, às empresas e a Portugal”, culminou o seu discurso de forma emotiva. Coube a Francisco Serra Loureiro, Vice-presidente da OSAE, terminar a cerimónia de abertura. Arrancou agradecendo a presença de todos os associados, mas o tema central foram os estatutos da OSAE. “Temos de acentuar a tónica na nossa qualidade, porque os Solicitadores e os Agentes de Execução têm qualidade. Que ninguém duvide! A Ordem não está parada. Fez o seu trabalho, respondeu no prazo que o Governo deu, teve reuniões diárias com os membros do Go-


verno, fez e está a fazer de tudo para que esta proposta não seja aprovada. Não se esqueçam que o que está em causa são os cidadãos. E isso é o mais preocupante. Mas a Ordem não parou, nem vai parar”, terminou dizendo. Finda a cerimónia de abertura, deu início o painel do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores (CPCSOL) subordinado ao tema “BUPi – Ordenar, Valorizar, Identificar e Prevenir” e que contou com os contributos de Madalena Grade e Paulo Vilares, do Instituto dos Registos e do Notariado, e Leandro Siopa, Vogal do CPCSOL. A moderação ficou a cargo de Maria dos Anjos Fernandes, Vice-presidente do CPCSOL. Maria dos Anjos Fernandes iniciou o painel agradecendo a presença dos oradores, não terminando sem destacar a importância do BUPi, passando de seguida a palavra a Madalena Grave e Paulo Vilares. A apresentação dos representantes do IRN começou por destacar os diplomas fundamentais que regulam o projeto BUPi e o processo RGG no âmbito do SIRGIC sobre frações autónomas e o PES - Procedimento de Execução de Serviço. Para encerrar o painel sobre o BUPi, foi Leandro Siopa quem tomou a palavra. “O mantra é Ordenar, Valorizar, Identificar e Prevenir. Temos de começar por perceber o que é o BUPi, como surgiu e porque é que surgiu. O BUPI

é uma ferramenta que tem o propósito de georreferenciar o território para que se possa limpar os terrenos e se evitar fogos. Este é o principal objetivo”. Depois de uma pausa para café, momento em que os conferencistas puderam esticar as pernas e conversar com colegas, seguiu-se o painel “A venda executiva – as principais funções do encarregado da venda” do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução (CPCAE). Participaram neste debate Marco Santos, Vogal do CPCAE, e Tânia Mendes Silva, Vogal do CPCAE, com a moderação de Duarte Pinto, Presidente do CPCAE. Duarte Pinto começou por agradecer a oportunidade que o CPCAE teve para falar neste evento, fez questão de assinalar que este ano se comemorará 20 anos da ação executiva, mas, sem perder tempo, passou a palavra à primeira oradora. Foi Tânia Mendes Silva quem tomou, em primeiro lugar, a palavra neste painel e explicou a escolha do tema: “Decidimos falar sobre o encarregado da venda, com especial atenção à venda executiva. Nos últimos tempos, tem-se assistido a um aumento de ações declarativas com vendas por bens onde estão a ser nomeados, como encarregados de venda, agentes de execução”. Por fim, Marco Santos, começou por dizer que “o mérito do e-leilões não é minha, mas sim dos Agentes de

SOLLICITARE 53


Execução e do seu trabalho”. Ainda sobre a plataforma, disse que “por uma questão de celeridade e transparência, devemos optar sempre pelo e-leilões”. O painel terminou com um debate bastante participado. Depois de um descontraído – e saboroso – almoço, também no Hotel Miracorgo, deu-se início ao painel “Descobrir os Tribunais Administrativos e Fiscais – Intervir o processo administrativo e tributário”, com a participação da Juíza Presidente dos Tribunais Administrativos e Fiscais da Zona Norte, Bárbara Tavares Teles, e do Solicitador Daniel Menezes. Coube a Mariela Pinheiro, vogal do CRP, a moderação. Foi Mariela Pinheiro quem abriu a parte da tarde do OSAE por Perto. Deu as boas-vindas a todos os associados, apresentou os oradores e entregou, de seguida, a palavra a Bárbara Tavares Teles. Arrancou agradecendo o convite e dizendo que “é um prazer e uma honra estar presente no OSAE por perto em Vila Real por dois motivos. Em primeiro lugar, porque sou do Douro, em segundo lugar, porque este painel vai falar no que me é mais querido”. Aproveitou, ainda, a oportunidade para aprofundar mais o tema, dando conta do estado atual da arte e apelando aos associados da OSAE para trabalharem na vertente administrativa e tributária. Para encerrar o painel, foi o Solicitador Daniel Menezes quem abordou o tema. Terminou a sua palestra referindo que “os solicitadores resolvem na parte predial, na parte automóvel, no civil, mas ainda não resolvem nos tribunais administrativos e fiscais. É preciso mudar isso”. O tempo vai passando, o relógio andando e chegou a altura de um dos momentos mais aguardados. O painel surpresa. Cecília Mendes, secretária do Conselho Regional do Porto, desvendou então o que seria este momento. Apresentou Alexandre Favaios, Vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Real, licenciado em Psicologia, que abordou o tema do stress profissional e do burnout. Outro momento muito aguardado, principalmente pelos novos associados, foi a entrega dos diplomas. Fo-

54

ram quase 60 os solicitadores que receberam das mãos do Bastonário da OSAE, Paulo Teixeira, do Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores e do Presidente do CRP, o tão importante diploma que os torna, assim, Solicitadores. E, para terminar, o momento da cerimónia de encerramento. A mesa foi composta pelo Presidente do Conselho Regional do Porto da OSAE, Nicolau Vieira, pelo Vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Real, Alexandre Favaios, pela Juíza Presidente do Tribunal Judicial da comarca de Vila Real, Maria Hermínia Oliveira, e pelo Bastonário da OSAE, Paulo Teixeira. Foi Nicolau Vieira quem tomou, em primeiro lugar, a palavra. Agradeceu, feliz, a uma sala repleta de Solicitadores e Agentes de Execução. Mas também aos órgãos da OSAE, aos restantes dirigentes do CRP e aos funcionários que deram vida a este evento. “Espero que tenham gostado e tomado nota dos sinais e das aprendizagens que hoje recebemos aqui. Para mim, foi de salutar este convívio convosco e espero que tenham aprendido e apreendido alguma coisa. É para isso que nós organizamos estes eventos”. Já o Vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Real, António Favaios, cumprimentou todos os presentes, com especial reconhecimento aos que receberam hoje o diploma. “Faço votos que estes trabalhos tenham correspondido às espectativas de todos. Que tenham ficado com grande vontade de regressar a Vila Real. Agradeço à OSAE o convite e a oportunidade por terem escolhido a nossa cidade”. Maria Hermínia Oliveira, Juiz Presidente do Tribunal Judicial da comarca de


CONSELHO REGIONAL DO PORTO

Vila Real, agradeceu o convite e afirmou que “é preciso dar os parabéns aos que hoje receberam o diploma e os votos que façam o melhor trabalho que consigam, porque o nosso objetivo é cidadão. Outra constatação que faço é a quantidade de mulheres que hoje receberam o diploma”. Por fim, coube ao Bastonário da OSAE, Paulo Teixeira, encerrar a sessão e a segunda edição do OSAE por Perto. “Não é fácil estar aqui hoje, admito. O momento é de festa pelos novos associados, mas não deixo de estar preocupado com o futuro. Não tenho como não abordar o tema que mais nos inquieta: a alteração ao estatuto da OSAE”. Antes de aprofundar, pediu uma salva de palmas a todos os novos associados e desejou toda a sorte profissional. Mas o tema central voltou à mesa. “A verdade é que este processo é demasiado preocupante. Na minha opinião, o que está em causa é uma questão ideológica, nada mais. E isto não passa de um disparate gigante”. Terminou dizendo que ainda tem esperança que o governo venha a recuar em algumas das medidas que está a pensar alterar no Estatuto da OSAE. “A luta é de todos nós. Se há circunstâncias em que esta classe e esta direção está unida, é nestes momentos. E, apesar de um período tão difícil como aquele que estamos a passar, esta união deixa-me muito feliz”. Por fim, e com uma vista deslumbrante sobre a cidade de Vila Real, foi servido um Porto de Honra a todos os presentes. O brinde final trouxe a certeza de que esta segunda edição do “OSAE por Perto” ficará para sempre na memória de todos.

SOLLICITARE 55


OSAE

CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova acolhe segunda edição de OSAE por Perto | Coimbra TEXTO JÉSSICA VASSALO / FOTOGRAFIA OSAE

Foi no dia 31 de maio que a Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova recebeu o evento “OSAE por perto | Coimbra” que juntou uma centena de Solicitadores e Agentes de Execução da região para pensar e debater o futuro das duas profissões. Tratou-se do primeiro evento integrado na segunda edição desta iniciativa promovida em colaboração entre o Conselho Regional de Coimbra e o Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. O relógio marcava as 09h45 quando a sala se encheu e, antes de se dar início aos trabalhos, a Adufótuna, Tuna Feminina da Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova, deu música e alegria a todas as pessoas presentes. Arrancou, de seguida, a cerimónia de abertura. Anabela Veloso, Presidente do Conselho Regional de Coimbra (CRC), Duarte Pinto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Delfim Costa, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, Francisco Serra Loureiro, 2.º Vice-presidente do Conselho Geral da OSAE, e José Pedro de Sousa, diretor da Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova, agradeceram a presença dos/as colegas e todo o empenho da organização, salientando o papel destes encontros enquanto oportunidades para, em conjunto, se encontrarem novas respostas para os desafios que marcam o dia a dia dos/as profissionais. Anabela Veloso, começou por salientar a importância de descentralizar os eventos “esta é a nossa forma de aproximar e chegar a locais onde não chegámos antes”.

56

De seguida, destacou a importância da profissão dos solicitadores, que nos últimos anos têm assumido uma relevância e importância grande, bem como os Agentes de Execução. “Agradeço a todos e todas os solicitadores e solicitadoras a vossa presença”, disse. Seguiu-se a apresentação do CPCSOL, sobre o tema “BUPi – Ordenar, Valorizar, Identificar e Prevenir” contando com a presença de Madalena Grade, enquanto representante do Instituto dos Registos e do Notariado, Paulo Vilares, também representante deste Instituto, e Leandro Siopa, vogal do CPCSOL. A moderação foi realizada por Marcelo Ferreira, vogal do CPCSOL. Na primeira parte, com a intervenção dos representantes do IRN, foram abordados diversos temas relevantes para a profissão, como por exemplo, a publicidade jurídica dos prédios rústicos ou mistos georreferenciadores, como reforço do registo predial na garantia da Segurança do Comércio Jurídico Imobiliário; o processo RGG no âmbito do SIRGIC sobre frações autónomas e o PES - Procedimento de Execução de Serviço. Na segunda parte, com a intervenção de Leandro Siopa, foram debatidos os tópicos sobre ordenação do território, identificação dos proprietários, valorização dos recursos e a prevenção dos incêndios. Depois de uma pequena pausa para repor as energias, seguiu-se o painel do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução (CPCAE), com Marco Santos e Tânia Mendes Silva, que estiveram a debater o tema “A venda executiva - as principais funções do encarregado


da venda”, com a moderação de Duarte Pinto, Presidente do CPCAE. Duarte Pinto começou por enaltecer o reconhecimento da capacidade dos Agentes de Execução nesta matéria bem como todos os avanços que se têm dado nos últimos anos. Tânia Mendes Silva, começou por dar conta dos processos de atuação do encarregando da venda, nomeadamente, o processo de execução (CPC), processo de declaração (CPC) e processo administrativo (CPTA). Já Marco Santos, deixou a mensagem “é a todos nós, agentes de execução, que se deve todo o sucesso da plataforma e-leilões”.

O tempo avançava depressa e, sem se dar conta, chega a hora do almoço, momento em que os e as profissionais puderem conviver e partilhar as suas impressões sobre aquela manhã tão preenchida. Chegando à parte da tarde, deu-se início ao painel “Descobrir os Tribunais Administrativos e Fiscais – Intervir no processo administrativo e tributário”, moderado por Amílcar dos Santos Cunha, secretário do CRC. Participaram neste debate Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas, Juíza Presidente dos Tribunais Administrativos e Fiscais da Zona Centro, Carlos Manuel Soares Ferro, Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo

SOLLICITARE 57


Branco, Liliana Fernandes, Solicitadora, e Paulo Custódio, Solicitador. Maria Helena Barbosa Ferreira começou a sua intervenção explicando a importância do Tribunais Administrativos e Fiscais, na medida das relações jurídicas e administrativas. “Os tribunais administrativos têm uma competência muito mais alargada atualmente, o que é de destacar, sobretudo, no processo de execução”, acrescenta. Carlos Manuel Soares Ferro confessa que, embora nunca se tenha deparado com um agente de execução num processo tributário, é possível isso acontecer. Apontou também para os dois tipos de atos que o órgão executivo fiscal exerce: por um lado, os atos de natureza processual e, por outro, os atos de natural procedimental. Liliana Fernandes, introduziu duas questões, nomeadamente, “se em virtude das alterações ao mandato têm encontrado mais solicitadores nos Tribunais” e

“no que respeita à intervenção do agente de execução, se são uma mais valia na celeridade processual ou não”, às quais Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas respondeu que se tem assistido a uma evolução notória e a um grande trabalho e empenho por parte de solicitadores e agentes de execução. “Os tribunais administrativos e fiscais são fundamentais num estado de direito, são uma garantia de todas as pessoas e devem ser vistos nesse seu papel”, acrescenta. Paulo Custódio questionou e abordou temáticas tais como, contraordenações relacionadas com portagens, taxas de hospitais e outros público-privados. Seguiu-se um painel surpresa com a presença de Linda Vaz, membro da Delegação Regional do Centro da Ordem dos Psicólogos, que começou por colocar a questão “Quantas horas tem um dia?”, dando algumas ferramentas para um melhor e maior autocuidado e gestão

Carpetuna - Real Tuna Académica da Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova

Solange Branco e o guitarrista Tom Hamilton

58


CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA

do dia-a-dia. “Devemos ter práticas preventivas dentro do próprio contexto laboral”, afirma. A adivinhar o final, a cerimónia de encerramento depressa chegou e com ela chegou também o tão aguardado momento da entrega dos diplomas aos novos associados e associadas. Paulo Teixeira, Bastonário da OSAE, presidiu a uma mesa também composta por Anabela Veloso, Presidente do CRC, Luís Farinha, Vice-Presidente do IPCB, Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas, Juíza Presidente dos Tribunais Administrativos e Fiscais da Zona Centro, Vice-Presidente, José Pedro de Sousa, Diretor da ESGIN,

Armindo Jacinto, Presidente da Câmara Municipal de Idanha-a-Nova. “O sucesso só vos espera, porque abraçam a profissão, os desafios e até mesmo aqueles que acham que não temos capacidades para tal. Nós não desistimos, unidos vamos muito mais longe”, termina Paulo Teixeira, Bastonário da OSAE. Seguiu-se um momento musical com a voz de Solange Branco ao som do guitarrista Tom Hamilton. Este evento terminou com um Porto de Honra e com a atuação da Carpetuna - Real Tuna Académica da Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova.

SOLLICITARE 59


OSAE

CONSELHO REGIONAL DE LISBOA Palmela recebeu a segunda edição do “OSAE por Perto” do Conselho Regional do Lisboa TEXTO JÉSSICA VASSALO / FOTOGRAFIA OSAE

Decorreu, no passado dia 28 de junho, o último evento da segunda edição do “OSAE por perto”, promovido pelo Conselho Regional de Lisboa (CRL) da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE). O Cineteatro São João, em Palmela, foi o local escolhido para acolher este evento de reflexão sobre as profissões de Solicitador e Agente de Execução. Cerca de uma centena de associados responderam à chamada e fizeram questão de marcar presença nesta cidade setubalense. O relógio passava pouco das 10h00 quando se deu início à cerimónia de abertura. A mesa foi composta pelo segundo vice-presidente da OSAE, Francisco Serra Loureiro, pelo Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores (CPSOL), Delfim Costa, pela Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução (CPCAE), Tânia Mendes Silva, e pela Presidente do Conselho Regional de Lisboa, Débora Riobom dos Santos. Débora Riobom dos Santos, iniciou a sessão de abertura começando por agradecer a presença de todas as pessoas presentes, à Câmara Municipal de Palmela pela disponibilização do espaço bem como a colaboração de todas as pessoas para que o evento fosse possível de concretizar. Depois de partilhar o programa com todas as pessoas e algumas informações sobre o almoço, sublinha que “atravessamos um período difícil com as alterações aos Estatutos e, por isso mesmo, temos de permanecer juntos, mais do que nunca”. Passando a palavra a Delfim Costa, que agradeceu a todos os membros do CRL, aos membros distritais do CRL e a todos os funcionários da OSAE e aos do CPCSOL. “Espero que o dia de

60

hoje o dia seja de reflexão e bastante partilha, sobretudo. Importante referir que estamos a enfrentar um ataque, e temos de proteger os direitos de todos os cidadãos enquanto bons auxiliares da Justiça. Não podemos ficar indiferentes a estas propostas feitas pelo Governo, é um ataque e um retrocesso à democracia. A OSAE tem estado sobre o escrutínio por quem está no poder, eu quero uma OSAE livre!”, partilha com todas as pessoas presente. De seguida, Tânia Mendes Silva, esclarece que está em substituição do Presidente do CPCAE, Duarte Pinto, que está presente num outro evento em representação da OSAE, desejando que o evento corra de melhor maneira possível. Por último, Francisco Serra Loureiro agradeceu a todos os colegas presentes, porque sem a sua presença, estes eventos não se realizariam. “Por vezes as notícias passam ainda mais rápido do que o tempo que nós temos de tomar decisões. Cabe-nos a nos enquanto Instituição, refletirmos, crescermos em conjunto, reinventarmo-nos, em conjunto. Peço-vos que este evento também sirva para isso, o propósito é que todos nós cresçamos.”, diz. Termina a sua intervenção com votos de excelentes trabalhos ao longo do dia. Terminada a cerimónia de abertura, deu início o painel do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores (CPCSOL) subordinado ao tema “BUPi – Ordenar, Valorizar, Identificar e Prevenir” e que contou com os contributos de Madalena Grade e Paulo Vilares, do Instituto dos Registos e do Notariado, e Leandro Siopa, Vogal do CPCSOL. A moderação ficou a cargo de Carina Jiménez Reis, Vogal do CPCSOL. Carina Jiménez Reis abriu o painel, apresentando-o


e colocando à vontade todas as pessoas presentes para colocarem questões e dúvidas sempre que as tiverem. Finda as boas-vindas neste painel, passou, de seguida, a palavra a Madalena Grave e Paulo Vilares, que iniciaram os trabalhos sobre “O Olhar Jurídico”, abordando o processo de RGG, como condição prévia para o registo definitivo de aquisição de prédios descritos e não descritos. Depois de uma pausa para relaxar e conversar, a encerrar o painel sobre o BUPi, Leandro Siopa quem tomou a palavra. No fim destas intervenções, houve um momento de respostas e questões por parte dos colegas a assistir na plateia. Seguiu-se o painel “A venda executiva – as principais funções do encarregado da venda” do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução (CPCAE). Participarem neste debate Filipa Gameiro, Vice-Presidente do CPCAE, Marco Santos, Vogal do CPCAE, e Tânia Mendes Silva.

SOLLICITARE 61


Depois de um descontraído e saboroso almoço, no Restaurante Dona Isilda, deu-se início ao painel “Descobrir os Tribunais Administrativos e Fiscais – Intervir o processo administrativo e tributário”, com a participação de António Oliveira, Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Rui Dias, Oficial de Justiça, e Ana Borges, Advogada. Foi Débora Riobom dos Santos quem deu as boas-vindas a todos os associados e associadas, passando palavra a Ana Borges, que deu conta das novidades do processo administrativo que se avizinham, esperando que sejam muitas, sobretudo, no setor da habitação. A seguir, houve um curto momento para a exposição de questões e dúvidas ao painel e, António Mendes Oliveira, abordou o tema “contencioso administrativo do urbanismo”, dando conta dos meios específicos do contencioso urbanístico. Para encerrar o painel, Rui Dias interveio começando por agradecer o convite, dando conta que “não há o número suficiente de solicitadores e de agentes de execução a representar partes”, esclarecendo algumas dúvidas dos associados. Os ponteiros do relógio giram, e chegamos a um dos momentos mais aguardados – o painel surpresa. João Pedro Amorim, secretário do Conselho Regional de Lisboa, revelou o que viria daí. Apresentou Gaspar Ferreira, da Ordem dos Psicólogos, que abordou o tema do stress profissional, burnout e do tecnostress. Dando a conhecer, igualmente, os vários direitos e deveres entre entidade patronal e trabalhadores relativamente à promoção da saúde mental no trabalho. Outro momento muito aguardado, principalmente

62


CONSELHO REGIONAL DE LISBOA

pelos novos associados, foi a entrega dos diplomas. Foram mais de 60 os solicitadores que receberam das mãos do Bastonário da OSAE, Paulo Teixeira, do Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, Delfim Costa, da Presidente do CRL, Débora Riobom dos Santos, e de João Pedro Amorim, secretário do CRL, o tão importante diploma que os torna, oficialmente, Solicitadores. E chegou o momento da cerimónia de encerramento. A mesa foi composta pelo Bastonário da OSAE, Paulo Teixeira, pela Presidente do CRL, Débora Riobom dos Santos, pelo Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, Delfim Costa, pelo Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Duarte Pinto, e por Álvaro Amaro, Presidente da Câmara de Palmela. Paulo Teixeira, começa por felicitar todos os recém-diplomados, cumprimentando todas as pessoas presentes e colegas, afirmando que “Hoje é um dia de festa, de alegria. Enfrentando os problemas e lidando com eles, refiro-me ao momento que atravessámos, quero dizer-vos que ultrapassámos uma fase delicada, uma total falta de respeito por todos os solicitadores. É uma vergonha, lamentável. Contudo, teremos de enfrentar todos os obstáculos, trabalhando em conjunto. força, coragem, estamos todos juntos!”. Por fim, foi servido um Porto de Honra com música ambiente de saxofone a todas as pessoas presentes. O brinde final trouxe a certeza de que esta segunda edição do “OSAE por Perto” ficará, para sempre, na memória de todas as pessoas.

SOLLICITARE 63


SOLICITADORES ILUSTRES

RAMIRO REYS E SOUSA 64


PROFISSÃO

“Sinto que escrevo tal qual sou, e não me sinto capaz de me mascarar” Miguel Ângelo Costa Solicitador

N

ão me enfado de dizer que a nossa Classe foi escorada por homens íntegros, inteligentes, profissionais e com o sentido de defesa dos interesses profissionais inquebrantáveis. Ora, Ramiro Reys e Sousa, fez parte dessa escol durante toda a sua vida, nunca virando cara na defesa dos interesses da sua profissão e dos seus clientes, como adiante veremos. Ramiro Trindade Fidalgo Reys e Sousa, era natural da freguesia de Santos, vindo à luz, no dia 30 de Dezembro de 1890, numa casa situada na Rua da Esperança n.º 171, 2.º andar, da cidade de Lisboa. Veio a falecer em Carnaxide no dia 14 de Agosto de 1955. (1) Teve, como padrinho de batismo, Ramiro Nepomuceno Seixas, à data, Diretor da Companhia Nacional Editora, onde foram editados os primeiros clássicos de escritores portugueses e que, ainda agora, quando encontrados, são autênticos trofeus dos colecionadores e alfarrabistas. Esta Editora publicou, pela primeira vez, as revistas a Paródia de Rafael Bordalo Pinheiro e Ocidente. Foi no aconchego do seu padrinho que Ramiro Reys e Sousa se foi familiarizando com a escrita e a crítica independente, até atingir a maioridade, vindo a inscrever-se como Solicitador Encartado, quando atingiu a idade legal, à data, para o exercício da Solicitadora, isto é, com 25 anos. Com o escritório na Rua de São Julião e, mais tarde, na Rua Áurea, cedo entrou nas lides dos tribunais da 1.ª Instância e Relação, granjeando a simpatia dos colegas, advogados, magistrados e funcionários judiciais. Sempre de pena fácil e palavra eloquente, começou a colaborar assiduamente na Revista da então Câmara dos Solicitadores, onde poderemos ver artigos de interesse para a Classe, onde afirmava: “Em contrário do que muitos pensam, a classe, é rica nos valores morais e intelectuais. Dispersos por essas comarcas há dezenas de espíritos brilhantes, verdadeiros homens de leis, exercendo a solicitadoria e alguns a advocacia provisional, gozando da admiração e respeito dos Magistrados, honrando a profissão, os Tribunais e as letras” (2); sobre o sigilo profissional dizia: “Aconselhava os Colegas, que usem como conduta no exercício da profissão, a norma do Ministro da Igreja:” ouvir, sentenciar e calar” (3)

Elaborou vários textos sobre a diferença entre a responsabilidade profissional e a criminal e quem deveria julgar; (4) pugnava pela solidariedade judiciária comparando o mundo judiciário a uma “colmeia donde, em vez de mel, dimana, todos os elementos que permitem o movimento ordenado e pacífico do ser humano em sociedade e a marcha e desenvolvimento, regular e harmonioso, de todas as suas atividades…” Deixou abruptamente de colaborar com a Revista, porque o seu diretor e amigo, Ayres de Oliveira, devolveu-lhe um texto, para publicação, porque “necessitava de ser revisto, com calma, dada a franqueza da linguagem”. Claro que não aceitou que lhe mutilasse texto. Estávamos no ano de 1942! Profundamente intransigente e eticamente inatacável, sai em defesa de um seu cliente, num processo de desfalque no Supremo Tribunal de Justiça muito badalado à época (1951) conhecido pelo “O Caso do Dr. José Abreu”. Ramiro Reys e Sousa, em defesa do Dr. José de Abreu, após uma notícia veiculada pela Policia Judiciária, nos jornais de Lisboa, onde incriminava o seu cliente, enviou uma carta às redações dos jornais Diário de Lisboa, Diário Popular, Diário de Noticias e Século, a desmentir o conteúdo da nota da Judiciária. No entanto, a Comissão de Censura não autorizou a publicação do desmentido. Não se ficando por aqui, Reys e Sousa faz uma exposição para o então Presidente do Conselho, explicando a situada e reprovando a atitude da Comissão de Censura. O conteúdo eloquente da missiva teve o condão convencer Salazar, que com uma nota ao Ministro da Justiça autorizava a divulgação do desmentido, tendo grandes repercussões no mundo judiciário e não só. (5) Porque como ele dizia: “sinto que escrevo tal qual sou, e não me sinto capaz de me mascarar”. (6)

NOTAS: 1 – Assento Paroquial de Santos (Torre do Tombo) 2 – Boletim Câmara dos Solicitadores n.º 1 pág. 18 3 – Idem n.º 2 página 4 pág. 18 4 – Idem n. 6 pág. 1 a 3 5 – Torre do Tombo “O Caso José d’Abreu” PT7sgpcm-GPC71377/00004 6 – Boletim Câmara dos Solicitadores n.º 15 pág.14.

SOLLICITARE 65


PROFISSÃO

TECNOLOGIA

Luís Ferreira Solicitador

“ChatGPT, és tu o futuro?”

A

Inteligência Artificial está a ganhar cada vez mais expressão no espaço mediático. O ChatGPT é apenas um de múltiplos sistemas que utilizam esta tecnologia e cada um se destina a diferentes fins. No caso do ChatGPT, a sua funcionalidade aparenta cobrir os mais diversos temas e funcionalidades e, como tal, não deixa de fora o mundo jurídico. De forma resumida, o ChatGPT é um sistema de linguagem que utiliza inteligência artificial para simular uma interpretação de uma informação manualmente introduzida por um utilizador. Ou seja, na prática, o utilizador faz um pedido numa caixa de diálogo e o sistema retribui resultados gerados automaticamente com recurso à sua base de dados. Por mais complexa que seja a solicitação, o sistema consegue, através da consulta as suas bases de dados, entender e aceder ao pedido e, caso seja necessário, propõe ao utilizador que forneça mais informações, para continuar a pesquisa e responder de forma mais detalhada. Uma espécie de “Robot digital”. Com este sistema podemos, por exemplo, pedir um resumo da história de Portugal para um período específico, pedir para resolver um problema matemático ou contruir ou corrigir uma linha de código de programação. Mas a função que mais impacto poderá criar ao

66

Solicitador é a interpretação de informações, como contratos, legislação ou outro tipo de conteúdos no campo jurídico. Com o input certo, podem preparar rapidamente minutas de documentos, localizar informação relevante dentro de extensos documentos e até identificar pontos de melhoria em contratos diversos. Por outro lado, pode ser uma ótima ferramenta de pesquisa ao aliar a gigante base de dados ao poder instantâneo de resposta. Contudo, seria um enorme erro ignorar as limitações, inconsistências e erros gerados por uma tecnologia tão recente. Passemos a testar o que responde quando lhe fazemos a seguinte questão: “Os Solicitadores podem celebrar contratos de compra e venda de imóveis?” Resposta do ChatGPT: “Em Portugal, os Solicitadores não têm a autoridade para celebrar contratos de compra e venda de imóveis como parte de suas funções regulares. Os contratos de compra e venda de imóveis em Portugal são geralmente celebrados entre as partes interessadas, ou seja, o vendedor e o comprador, e devem ser formalizados por meio de um acordo escrito. A celebração de um contrato de compra e venda de imóveis em Portugal envolve procedimentos específicos, incluindo a redação do contrato, a assinatura das partes, a presença de testemunhas, e a elaboração da escritura pública. A escritura


pública é um ato legal importante que formaliza a transferência da propriedade e deve ser realizada por um notário público ou advogado devidamente habilitado, não por um Solicitador. Os Solicitadores em Portugal desempenham funções relacionadas ao aconselhamento jurídico, à representação legal, à elaboração de documentos legais e à resolução de disputas legais, mas a celebração de contratos de compra e venda de imóveis não faz parte das suas competências regulares. Portanto, se você estiver envolvido em uma transação de compra e venda de imóveis em Portugal, é aconselhável contar com um notário público ou um advogado para garantir que todos os procedimentos legais sejam seguidos adequadamente e que a transferência de propriedade seja efetuada conforme a lei.” Nesta fase, as falhas ao nível jurídico comprometem a factualidade dos resultados gerados e induzem o cidadão em erro. As fontes de informação não são especificadas, por isso, não é possível apurar a origem da resposta gerada. É importante não diabolizar a tecnologia, mas compreender que precisa de ser massivamente testada e adaptada ao nosso trabalho, processo que exige sempre algum tempo e ponderação, especialmente no mundo jurídico. O ChatGPT poderá ajudar o Solicitador, mas não o poderá substituir.


CULTURA

A eterna menina das tardes da RTP Os primeiros passos dentro da RTP, aos 22 anos, foram dados a trabalhar nas páginas da teletexto. Mas, no dia em que tudo começou, jurou que não sairia sem o seu sonho concluído. Tânia Ribas de Oliveira, apresentadora do programa “A Nossa Tarde”, cumprimenta-nos com aquele sorriso que abraça e faz-nos companhia todas as tardes, de segunda a sexta. À Sollicitare conta que sente que está a fazer verdadeiro serviço público em televisão e que o que mais a inspira são as histórias. As histórias de vida. Principalmente as de quem não é a fama que traz até ali. Histórias que comprovam que, tal como costuma dizer, a ficção nunca supera a realidade.

ENTREVISTA ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA RUI SANTOS JORGE assista ao vídeo em www.osae.pt

68


TÂNIA RIBAS DE OLIVEIRA ENTRE VISTA A

A PRESE NTA D O R A

SOLLICITARE 69


TÂNIA RIBAS DE OLIVEIRA

Como é que se chega até aqui? Foi um “desde sempre quis isto” ou mais “descobri que era aqui que era feliz”? Eu acho que, no fundo, já sabia que ia ser feliz comunicando. Sempre fui a miúda mais faladora, a mais divertida, a mais palhaça, a mais extrovertida… Sempre fui a rainha da festa onde quer que me encontrasse. Percebi, desde muito cedo, que teria sempre uma profissão que passasse pela comunicação. Depois, escolhi a área das letras, no secundário, sem saber bem porquê. Mas, quando entrei na faculdade, já era claro que queria comunicação social. Comecei por ser jornalista, mas, agora, sou entertainer e sou muito mais feliz. Conversar e ouvir é algo que apetece sempre ou também há dias menos bons? Há dias em que não apetece. Mas há dias em que não apetece quando essa é uma opção. Curiosamente, e isto é mesmo verdade, as vezes em que entro neste estúdio e venho mais cansada, ou tenho outras preocupações, a partir do momento em que começa o genérico, a capacidade e a vontade de conversar é muito superior a tudo o resto. Tenho essa sorte de conseguir estar bem e ter vontade de conversar independentemente dos dias. Há dias em que, se acordar mais solta, as coisas surgem com outra fluidez… E há outros dias em que é preciso fazer um esforço maior. E é algo que se aprende ou tem de vir associado a algo mais natural? Eu acho que é natural, mas, para o manter, é preciso trabalhá-lo. Não há talento natural que dure sem trabalho. Eu faço daytime desde 2007, ininterruptamente. Tenho várias horas de direto no meu currículo e, se não tivesse aprendido nada com isso, mal seria. E a maior inspiração está mesmo nas pessoas que estão à nossa frente e nas histórias que todos temos para contar? Vem muito das pessoas, sem dúvida. Parto sempre do princípio de que, se a pessoa está sentada à minha frente, é porque tem uma história para me contar. Eu, no fundo, sou o intermediário entre quem está lá em casa e essa pessoa que conta a história. Partindo dessa premissa, é mais fácil fazer as questões que as pessoas podem estar a fazer na sua própria casa. O verbo principal numa conversa é ouvir. E, depois, é conduzir… A descoberta é algo maravilhoso. Então, numa altura em que a comunicação passa muito pela escrita rápida, poder desenvolver uma conversa, em direto, é uma magia e uma adrenalina únicas. E como lida com essa pressão do direto? As pessoas sabem perfeitamente que, se me enganar, é normal. As pessoas encaram-me como vizinha, amiga,

70

Percebi, desde muito cedo, que teria sempre uma profissão que passasse pela comunicação. Depois, escolhi a área das letras, no secundário, sem saber bem porquê. Mas, quando entrei na faculdade, já era claro que queria comunicação social. filha ou nora. Acho que as pessoas têm um processo de identificação comigo. Se me enganar, acham normal. Até porque sou a primeira a rir de mim mesma. Gosto de me rir e de me rir de mim própria. Não levo essa pressão para o lado negativo, para a ansiedade ou para algo que me bloqueia e impede de conseguir trabalhar. Considero, sim, como responsabilidade. A Ordem está cá regulamente para falar de assuntos relacionados com direito e justiça… Como se sente este papel de moderadora e simplificadora de uma mensagem que importa mesmo que chegue a todos? Para já, acho esta parceria, entre “A Nossa Tarde” e a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, da maior importância. Depois, já criei uma amizade com algumas das pessoas que cá vêm, o Francisco Serra Loureiro e o Rafael Parreira. Toda a equipa gosta muito deles e eles já se sentem, também, em casa e isso é ótimo. Na verdade, não sou eu que faço esse papel de destrinçar as leis, mas, sim, eles. E fazem de uma forma mesmo muito clara. Nós abrimos linhas telefónicas para casa e sentimos, mesmo, que as pessoas ficam a perceber. Até eu


própria estou ali com aquele ar de quem está a perceber tudo e a pensar: “não fazia ideia de que era assim…”. Ou seja, até eu aprendo muitas coisas sobre áreas acerca das quais até achava que sabia alguma coisa. E, depois, há determinados assuntos que são mesmo importantes: as partilhas, as heranças, os direitos do consumidor… E ficam sempre tantas chamadas por atender. E, claro, há algo que eu digo sempre: estas chamadas não substituem uma consulta com um Solicitador, mas ajudam a abrir mentalidades e a clarificar ideias. Eu espero que isto seja para continuar. E é a maior das missões? Cumpri-la exige uma dedicação especial, com estudo e preparação, procurando pensar no que gostariam de perguntar as pessoas lá em casa? É, sem dúvida. É serviço público. Nós levamos isto muito a sério. Por exemplo, há temas nos quais não tocamos e sobre os quais não queremos falar. Se eu tiver aqui um casal que vem falar sobre o seu filho que tem uma deficiência e acharmos que é uma agressão mostrar essa criança, vêm os pais e a criança não. Não queremos

Esta parceria, entre “A Nossa Tarde” e a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, da maior importância. (...) Nós abrimos linhas telefónicas para casa e sentimos, mesmo, que as pessoas ficam a perceber.

SOLLICITARE 71


utilizar esse tipo de imagens para fortalecer o conteúdo. Eu acho que o conteúdo vale por si próprio e identifico-me muito com esta maneira de fazer televisão. Mais um exemplo: na pandemia, estivemos no ar todos os dias. Não tivemos um dia de pausa. Fomos adaptando o programa aos momentos que vivíamos. E tudo o que fazíamos era serviço público. Ou tínhamos alguém da Polícia de Segurança Pública, ou da Direção-Geral da Saúde, etc. Juntávamos famílias em videochamada. Aquelas lágrimas de felicidade, que presenciámos aqui, deram-nos a certeza de que o programa foi ainda mais importante naquela altura. Na minha opinião, este é o verdadeiro horário nobre. As pessoas, que estão a ver a esta hora, são as que precisam mesmo de companhia. Invertendo papéis, como hoje…. Qual seria a pergunta que mais gostava que lhe fizessem? Porquê? Gostava muito que me perguntassem se me imagino a fazer o meu trabalho durante muitos e muitos anos, apesar de ser uma mulher e viver em Portugal. Nós sa-

72

ESCOLHAS… Livro: Fazes-me falta, Inês Pedrosa Filme: O clube dos poetas mortos Música: That’s life, Frank Sinatra Programa de tv: A nossa tarde, RTP Sítio: A minha casa

bemos que os homens têm uma longevidade diferente em televisão e isso ainda acontece muito no nosso país. Apesar de estarmos a assistir a uma mudança de paradigma. Até porque não há só pessoas de 20, 30 ou 40 anos a ver televisão. Antes pelo contrário, a televisão é muito a companhia de pessoas mais velhas e que devem continuar a ver televisão feita por pessoas mais velhas. Respondendo à minha própria pergunta: eu espero que me deem a oportunidade de trabalhar durante muito


TÂNIA RIBAS DE OLIVEIRA

tempo. Não me parece que queira fazer daytime mais 20 anos, mas há muitas linguagens de televisão nas quais me imagino a ser feliz e ainda a fazer a diferença à minha maneira. Atrás das câmaras… o que a faz mais feliz? A minha família e os meus amigos. Eu sei que sou uma boa profissional porque tenho uma ótima estabilidade familiar e também sei que tenho uma boa estabilidade familiar porque me corre tudo bem no trabalho. Nós não somos só uma coisa. Temos vários papeis na nossa vida. E, quando um deles falha ou corre mal, é bom que tenhamos o outro. Mas está tudo entrelaçado, são várias coisas que fazem parte da mesma realidade. Longe daqui, eu sou uma pessoa perfeitamente normal. Vou ao hipermercado, vou buscar os meus filhos à escola, vou à padaria, etc. A única diferença é que a minha profissão é mais exposta. Não é mais nem menos importante do que as profissões das outras pessoas. É assim que encaro a minha vida e, mais importante, é assim que sou feliz. A exposição pública em Portugal é passível de se gerir de forma equilibrada, sem exageros e com base no respeito? Eu acho que é fácil, sim. As pessoas põem-se a jeito para que lhes aconteçam determinadas coisas. Algumas, efetivamente, são vítimas disso. Mas se escancaras a porta da tua privacidade e da tua intimidade cada vez que acontece alguma coisa, é normal que, depois, as pessoas se sintam no direito de ir procurar mais. Apesar de tudo, em Portugal, vivemos de uma forma serena. Por exemplo, aqui ao lado, em Espanha, já não é bem assim. Com quem gostava de ainda vir a conversar e que sente que falta na “lista” de entrevistas que já fez? Falta-me conversar com muitas pessoas. Eu continuo a gostar muito de entrevistar pessoas que ninguém conhece. Considero que os anónimos é que têm as grandes histórias. Quando dizemos que a ficção nunca ultrapassa a realidade… É porque não ultrapassa mesmo. A realidade é sempre muito mais forte do que qualquer telenovela ou filme. E há vidas, de anónimos, que precisam de ser conhecidas, de ser contadas. E são essas pessoas que eu quero entrevistar. Em tempos, imaginou-se onde está hoje? Sim. Eu sempre me imaginei aqui. Pensava é que nunca conseguiria cá chegar, que era o mais normal. Havia muitas pessoas a candidatar-se ao lugar, a televisão ainda era muito o estereótipo da mulher alta, magra, diferente… E eu não era nada disso. Era uma miúda completamente normal. Quando comecei a fazer reportagem, percebi que gostava e nunca mais pensei nisso. Mas, no dia em que entrei na RTP, com 22 anos, para fazer um

Eu continuo a gostar muito de entrevistar pessoas que ninguém conhece. Considero que os anónimos é que têm as grandes histórias. Quando dizemos que a ficção nunca ultrapassa a realidade… É porque não ultrapassa mesmo. estágio na teletexto, na Av. 5 de Outubro, eu entrei com o pé direito e disse: “Não vou sair daqui enquanto não fizer o que quero”. E não saí. E como é que se imagina daqui a 10 ou 20 anos? Daqui a 10, espero continuar a fazer televisão. Acho até que estarei mais apta para o fazer, porque a idade nos vai trazendo sabedoria. Daqui a 20 anos, não sei. Farei se tiver vontade, mas provavelmente, não. Já terei a minha vida mais sossegada. Daqui a 20 anos, vou é querer descansar.

SOLLICITARE 73


PROFISSÃO

Inteligência Artificial – Aplicabilidade na Justiça

A

s novas tecnologias, em particular, a inteligência artificial assente em algoritmos sofisticados que, por sua vez, permitem um processamento célere e contínuo no tratamento, análise e pesquisa de dados, são ferramentas que se perfilam de especial relevo na ciência jurídica. Tendo como pressuposto uma expectativa otimista, no sentido da inteligência artificial tornar a Justiça mais ágil e eficiente, desbloqueando entropias e conferindo maior grau de acerto nas decisões, cumpre entender as suas vicissitudes ao serviço do direito, em ordem a percecionar os concretos benefícios associados. Admitindo-se que a automação aporte valor, no que aos processos judiciais diz respeito, numa fase inicial circunscrita à consulta de dados, tramitação e até mesmo como mecanismo de despiste de contradições lógicas, já a sua integração no ato de julgar merece reservas, desde logo por se entender que uma análise probatória está, pela sua própria natureza, afastada de apreciação automática. Neste ponto, e não de somenos, destaca-se a circunstância das qualidades humanas serem fundamentais para a tomada de decisões, porquanto estes mecanismos não são passíveis de substituir o papel de um magistrado cujas funções exigem um grau de ponderação, profundidade, certeza, qualidade, confiabilidade e transparência, consabido que o ato de julgar tem ínsito emoções que não se compadecem com a análise automática, via recurso a algoritmos. Todavia, dir-se-á ser comummente admitido o grande potencial, e desafios inerentes, que a programação do algoritmo comporta para o equilíbrio entre inovação e segurança jurídica, na ótica da salvaguarda dos princípios éticos, de resto enquanto baliza prévia a qualquer comportamento humano. No que concerne às cautelas que se impõem na evolução, através da introdução das novas tecnologias, enaltece-se a necessidade de um vasto leque de dados para armazenamento de informação, e ulterior identificação de padrões, o que implica uma adequação a um quadro legal em ordem à regulamentação do seu respetivo tratamento, por um lado.

74

Por outro, não se olvida que a inteligência artificial é esvaziada de empatia, inteligência emocional, intuição, bem como de capacidade interpretativa quer da lei quer de conceitos indeterminados, posto tratar-se de caraterísticas Telma Afonso exclusivas dos humanos. Colaboradora do Nesta senda, em abril de 2021, Conselho Superior foi apresentada pela Comissão OSAE Europeia uma proposta de legislação da inteligência artificial, atualmente em debate no Parlamento Europeu, denominado Proposta de Regulamento, que estabelece regras harmonizadas em matéria de inteligência artificial, sendo tipificadas no seu art.º 5.º as práticas proibidas de inteligência artificial, e em cujo Considerando (40) se lê: “Determinados sistemas de IA concebidos para a administração da justiça e os processos democráticos devem ser classificados como de risco elevado, tendo em conta o seu impacto potencialmente significativo na democracia, no Estado de direito e nas liberdades individuais, bem como no direito à ação e a um tribunal imparcial. Em particular, para fazer face aos riscos de potenciais enviesamentos, erros e opacidade, é apropriado classificar como de risco elevado os sistemas de IA concebidos para auxiliar as autoridades judiciárias na investigação e na interpretação de factos e do direito e na aplicação da lei a um conjunto específico de factos. Contudo, essa classificação não deve ser alargada aos sistemas de IA concebidos para atividades administrativas puramente auxiliares que não afetam a administração efetiva da justiça em casos individuais, como a anonimização ou a pseudonimização de decisões judiciais, documentos ou dados, comunicações entre pessoal, tarefas administrativas ou afetação de recursos.” Destarte, sem prejuízo das vantagens do recurso às tecnologias numa abordagem de tratamento de processos de “massa” ou “bagatelares”, onde se poderá equacionar um modelo de aplicação de decisões automatizadas assente em algoritmos, no que tange à presente temática, o direito assume-se como um instrumento balizador da reflexão moral da tecnologia, e esta última um complemento do trabalho humano, a bem da sempre desejada realização da Justiça.


SUGESTÕES

Leituras

Os livros são escolhas pessoais, contudo, têm a capacidade de nos transportar, de nos fazer sair da nossa vida diária e de nos levar para momentos que não vivemos ou até para a envolvência de pessoas que admiramos, mas nunca tivemos a oportunidade de conhecer. Estes dois livros que recomendo fazem exatamente isso: dão-nos a sensação de que partilhamos as vivências dos retornados no pós-25 de abril e dos 90 anos de vida de uma das figuras mais singulares do nosso país.

Ana Cunha Colaboradora do Conselho Geral da OSAE

O MONGE QUE VENDEU O SEU FERRARI

O HOMEM EM BUSCA DE UM SENTIDO

Robin Sharma

Viktor E. Frankl

Trata-se de uma fábula espiritual que retrata a vida de um advogado, Julian Mantle, ilustre causídico, com uma carreira profissional brilhante, mas que devido ao stress da sua vida, sofreu um ataque cardíaco durante uma audiência em tribunal. Esse acontecimento levou Julian a refletir a sua vida, decidindo vender todos os seus bens, designadamente o Ferrari, para partir em viagem ao Oriente – Índia à procura de um sentido para a sua vida. Já no Oriente, Julian, encontra-se com mestres sábios, com os quais viveu durante uns tempos, que lhe mostram como viver de forma mais tranquila, livre, em paz de espírito e em plena felicidade. No regresso a casa, Julian já não se revê no seu estilo de vida anterior e decide partilhar, junto dos mais próximos, os ensinamentos apreendidos. Ironia do destino, uma das primeiras pessoas com quem partilhou os seus ensinamentos foi ao seu último advogado estagiário, que mercê do exemplo de Julian, enveredara pelo caminho anteriormente trilhado pelo seu patrono.

Esta obra retrata a vida de um psicoterapeuta judeu, que foi enviado durante a Segunda Grande Guerra para um campo de concentração, tal como sua esposa, à data grávida, e foi deportada para Auschwitz. Desde a sua chegada ao campo, Viktor agarra-se aos seus pensamentos e através deles dialogava diariamente com sua esposa e sonhava falar para um público sobre os horrores a que foi sujeito nos campos por onde passou. Estes dois pensamentos motivaram Viktor a ultrapassar todas condições severas que viveu durante esse período. Observando outros presos, Viktor concluiu que os sobreviventes dos campos conseguiram lutar pela sobrevivência, por se terem focado num objetivo e encontrado um sentido para uma vida futura. A primeira parte desta obra relata a sua experiência e luta pela sobrevivência nos campos de concentração, enquanto a segunda parte é uma compilação do método que criou e desenvolveu devido período da sua vida – a Logoterapia.

SOLLICITARE 75


ROTEIRO GASTRONÓMICO

Teresa Caetano Solicitadora

RESTAURANTE O AMÂNDIO

O Amândio é Julinha Este é um daqueles refúgios gastronómicos em que conseguimos viver uma experiência completa. O tempo e o trabalho de várias gerações foram transformando aquilo que começou, há mais de 100 anos, como sendo uma tasca num restaurante único, familiar e simpático. Hoje, este fruto de uma parceria de irmãos, Julinha e Jorge, é uma referência nos concelhos de Odemira e Sines pela sua qualidade. Tudo é controlado pela Julinha, apelidada carinhosamente como a “Rainha dos Grelhados” e o rosto da casa, é ela quem confeciona todos os acompanhamentos e domina a grelha com aquele toque especial. Acompanhada de um staff familiar, disponível e atento, que nos fazem sentir aquela sensação de estar O AMÂNDIO confortavelmente em casa. O ambiente acolhedor, rúsRibeira da Azenha, Vila Nova de Milfontes 7645-639 tico e florido é divido em três 269 905 277 espaços: uma sala interior com Aberto: das 12h às 15h e das destaque para uma pintura à 19:15h às 21h30 (horário de mão como descritivo da casa, verão) ou das 12h às 14h30 (horário inverno) uma esplanada com uma mesa Encerra à terça-feira corrida onde muitas amizades e casamentos já começaram e, também, “o jardim”, um outro espaço exterior rodeado de flores naturais e onde podemos desfrutar a nossa refeição mais tranquilamente. O grelhador é visível nos três espaços, conseguimos presenciar a Julinha a escalar o peixe, tratar do lume, cortar a carne e empratar todos os pratos com fruta.

76

Parece grande, mas, se não chegar cedo, notará que é pequeno para a quantidade de pessoas que o procuram. A dica de ouro para evitar fila é reservar mesa, especialmente nos meses de verão. Das várias opções de peixe fresco ou de carne no ponto, destaco como estrelas da ementa: o robalo grelhado e a mista de carnes. São dos pratos mais populares da casa, acompanhados com umas deliciosas migas, batata frita caseira e uma salada com produtos exclusivos da horta do restaurante. Tem à disposição a “Garrafeira do Jorge”, repleta de vinhos regionais e locais que não podem faltar na mesa. Para finalizar, as várias sobremesas caseiras são a cereja no topo do bolo. É, sem dúvida, a combinação de lugar perfeito para aqueles grandes almoços ou jantares a dois, com a família ou entre amigos. Uma paragem pela Costa Vicentina é obrigatória, não só pela beleza das praias, mas porque agora já sabe onde comer os melhores grelhados depois daquele mergulho maravilhoso! Fica sugestão.


Sílvia Vaz Solicitadora

PAPA RESTAURANTE

Se pensa que vem rezar, engana-se… O Papa é um restaurante de gastronomia moderna e urbana, com inspiração mediterrânea e para frequentar do meio-dia à meia-noite. A origem do nome está associada ao lugar, conhecido pela rotunda do Papa, porque tem um monumento de homenagem a João Paulo II, aquando da sua visita à cidade de Coimbra. Tem como pano de fundo o Aqueduto de São Sebastião, popularmente conhecido como os Arcos do Jardim, e que a envolvência remete a tradições académicas, devido a proximidade à Universidade de Coimbra, jardim Botânico e às escadas monumentais. É um emblemático edifício onde outrora era um antigo jardim e sede da Associação Académica de Coimbra. Um projeto concebido pelos empresários Miguel Falcão e Pedro Gorgulho, com vasta experiência na área da restauração, aberto desde outubro de 2020, em plena pandemia, que se tem revelado um verdadeiro sucesso, conquistando os locais, turistas nacionais e estrangeiros, bem como a própria comunidade académica. Um espaço com uma arquitetura e um design interior ímpar, onde a madeira se destaca na decoração e que confere uma atmosfera intimista, permitindo desfrutar de um jantar, em família ou amigos, sem que os ambientes se sobreponham, comtempla ainda de duas salas destinadas a conferências e eventos. O menu comtempla desde Tapas, onde pode degustar o crocante de tamboril com tártaro picante e maionese de lima ou o ceviche de atum com pon-

zu e maracujá. Mas também uma seleção de pastas e risotos, com destaque para o risoto de cogumelos com trufa negra. O visitante pode deliciar-se com uma seleção ímpar de carnes maturadas e de corte premium, de origem da América do Sul, para os verdadeiros amantes de carne na grelha. Pode desfrutar dos melhores cortes da vazia, do lombo ou de entrecôte. Na minha opinião, os melhores dos melhores são o tomahawk, o t-bone e o chuleton. Queria deixar ainda um destaque para as Tábuas de secretos de porco preto e posta de vitela, coberta de cogumelos Portobello, queijo chèvre e batatas papa, ou de picanha e maminha black angus, acompanhada de abacaxi assado, arroz e feijão preto. PAPA As propostas gastronómicas estão disponíveis tanto ao Rua Alexandre Herculano, 37 almoço como ao jantar e pode- 3000-019 Coimbra rão ser regadas com os melho- 910 728 880 res vinhos, desde as melhores castas e terroir nacionais aos mais conceituados vinhos estrangeiros. Um apontamento final para a carta de sobremesas, com destaque para a panacota de chocolate branco e framboesa, do brownie com caramelo de amendoim e do creme brulée de lima, um verdadeiro prazer sem pecado.

SOLLICITARE 77



VIAGENS

Mário Vieira Solicitador

Se quer descobrir uma região ímpar pelo seu rico património natural, geológico e ecológico o que tem de fazer é visitar Arouca. Arouca é uma vila, da Região do Norte de Portugal e do Distrito de Aveiro, com uma enorme oferta de gastronomia, história e lazer. Comecemos pela mais recente atração turística, a Ponte 516 Arouca, a ponte pedonal suspensa que une as duas margens do rio Paiva, em pleno Arouca Geopark, território da Unesco. Esta que já foi considerada a maior ponte pedonal suspensa do mundo, encontra-se a 175 metros acima do rio Paiva. Junto a Ponte 516 Arouca encontram-se os Passadiços do Paiva, considerados um dos passadiços mais bonitos de Portugal. Localizados na margem esquerda do rio Paiva, um dos rios mais bravos da Europa, os Passadiços do Paiva são um cenário perfeito para um mini trekking. Ao longo dos 8 quilómetros que formam os passadiços, os seus visitantes disfrutarão de um verdadeiro espetáculo de natureza no seu estado mais puro, com paisagens de beleza ímpar de tirar o fôlego. Afastando-nos um pouco do Rio Paiva, subindo a montanha, voltamos a ter paisagens incríveis no cimo da serra da Freita, onde se destacam alguns pontos como a Cascata da Frecha da Mizarela, o miradouro do Detrelo da Malhada e o Radar Meteorológico de Arouca. A cascata da Frecha da Mizarela, situa-se em plena Serra da Freita. Alimentada pelo rio Caima, esta é das mais bonitas quedas de água e, devido aos seus setenta e cinco metros de altura, é a mais alta cascata de Portugal Continental e uma das maiores da Europa. Ainda em pleno coração da serra da Freita temos o Miradouro do Detrelo da Malhada. Com vistas imperdíveis, deste miradouro, a 1099 metros de altitude, poderá contemplar o vale de Arouca, uma paisagem de cortar a respiração. Se o objetivo é vislumbrar paisagens fantásticas tem, ainda, de visitar o Radar Meteorológico de Arouca. Este edifício, com um desenho peculiar, é formado por uma torre com 11 andares e 50 metros de altura. O 10º andar é o piso panorâmico formado por uma estrutura circular envidraçada que permite contemplar, numa perspetiva de 360°, uma das mais belas paisagens deste mundo. Junto ao Radar Meteorológico encontra-se um dos mais importantes e emblemáticos geossítios do Arouca Geopark, as pedras parideiras. Arouca tem ainda uma aldeia fantástica para os amantes de turismo da natureza que é Drave, mais conhecida por Aldeia Mágica. Esta é uma aldeia desabitada desde 2009, sem eletricidade, água canalizada, gás, correio ou telefone. Drave tem, por outro lado, o encanto das casas de xisto a contrastar com o caiado da capela, o murmúrio das águas da ribeira que por ali passa e o canto dos pássaros. Uma das principais atrações históricas de Arouca é o Mosteiro de Santa Maria de Arouca, que se situa no centro da vila. A história de Arouca está intimamente ligada ao seu mosteiro. Ainda dentro do mosteiro, poderá visitar o seu museu de arte sacra, considerado um dos melhores do país. Quanto à gastronomia, tem várias opções para degustar e se maravilhar em qualquer restaurante de Arouca. As especialidades da região são a inigualável Posta Arouquesa, a Carne de vitela assada em forno de lenha, o Bife de Alvarenga e o Cabrito assado em forno a lenha. Arouca oferece ainda uma panóplia de doces conventuais e regionais, com um sabor único que vai deliciar mesmo aqueles que não apreciam muito estas especialidades. As Castanhas Doces, Barriga de Freira, Morcelas Doces, Charutos de Amêndoa, Pão de Ló, Pedras Parideiras, Roscas de Amêndoa, são alguns exemplos da doçaria que vão querer provar. Não faltam motivos para visitar Arouca. Cá vos esperamos, sempre com o mesmo orgulho e entusiamo, de mostrar o quanto de bom existe em Arouca.

AROUCA Terra de encantos!

SOLLICITARE 79


VIAGENS

Palavras nenhumas farão jus à riqueza trazida e assimilada da convivência com um povo tão nobre. Será sempre muito difícil transcrever tudo o que ali vivi. O hotel localizava-se muito perto do ponto mais visitado desta Ilha, a praia de Santa Maria, repleta de povo tipicamente cabo-verdiano, relaxado, cheio de vida e de sorriso fácil. Escrever sobre esta viagem traz-me à memória o cheiro a maresia e ao peixe fresco que transbordava os humildes alguidares. Distribuídos por aquele pontão em madeira e tão bem acautelados por mulheres cabo-verdianas, este peixe alimentava grande parte dos turistas quer fosse em restaurantes ou nos hotéis em que se hospedavam. Repleto de pequenas e coloridas embarcações, é um local mítico, entre trabalho, passeios e muita alegria, especialmente aos que têm audácia de saltar dali e mergulhar naquelas águas azuis e translucidas. Viajar pouco antes da pandemia, levou-me a uma experiência prolongada na Ilha e isso permitiu-me ser bem acolhida e muito acarinhada, foram dias repletos de muito convívio com um povo muito leve e, sobretudo, feliz. Vivi muito, dancei muito e conheci realidades, de facto, muito distintas das que são familiares.

Cátia Aires Solicitadora

CABO-VERDE ILHA DO SAL Quando uma viagem nos deixa maravilhados

Longe dos principais pontos de turismo, aos nossos olhos, viam-se realidades muito difíceis, devastadoras, tão devastadoras que me parecia quase insana tamanha felicidade esboçada em sorrisos repletos de “nada” e no fundo cheios de “tudo”. A realidade é que os nossos olhos têm sinónimos de felicidade, alegria e abundância bastante distintos do que se vivia ali, era um “tudo” com “nada”, não havia outra forma de viver e por isso mesmo transbordava a felicidade no seu estado mais puro, mais humilde e mais autêntico. É tudo muito diferente e estranhamente bom. Guardo na memória várias imagens, mas não posso deixar de destacar a colorida vista de “Espargos”, uma cidade que acolhe grande parte dos trabalhadores de Santa Maria. Espargos caracterizava-se por múltiplas cores que revestiam as suas casas, sinónimo da alegria dos seus habitantes. Não esquecendo o ponto turístico que dá o nome aquela Ilha, as Salinas da Pedra do Lume são uma paisagem digna de um cenário de um filme, a forte concentração de sal permite-nos boiar sem qualquer esforço. Será sempre uma das minhas recomendações, um local seguro, à beira-mar, perfeito para viajar sozinha, com amigos ou em família e com uma gastronomia maravilhosa. Cabo verde será certamente guardada como uma das viagens da minha vida, por todas as experiências, locais visitados, por toda a sua cultura, mas, sobretudo, por uma visão e uma realidade completamente enriquecedora.

80


SOLLICITARE 81


JORNADAS DE ESTUDO SOLICITADORES AGENTES DE EXECUÇÃO

20 ANOS AÇÃO EXECUTIVA

Notícias... Fotos... Vídeos...

Contamos-lhe tudo em www.osae.pt!

82


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.