O momento da inteligência

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Grande Plano

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“Se decidir pelo mercado o que devo decidir pelo mercado e pela democracia o que devo decidir pela democracia, consigo o pequeno milagre de o interesse privado convergir com o interesse geral. É preciso parar para pensar”

12 Janeiro/Fevereiro/Março de 2013

a relação entre Estado, famílias e empresas: não pode haver um Estado que melhora à custa das famílias e das empresas, que pioram. O tipo de medidas de austeridade que têm sido tomadas não é encaixado pelas famílias e pelas empresas de forma adequada e os efeitos secundários queimam os efeitos positivos. São precisas medidas de acompanhamento. As empresas estão muito penalizadas e vão revendo em baixa os seus planos de investimento: por mais que se converse sobre crescimento e sobre emprego, acontece o contrário. Austeridade inteligente é aquela que percebe que não há ganho nenhum para o País em que o Estado esteja organizado sem eficiência. O nosso Estado foi construído numa lógica centrada no emprego e não na eficiência. O que precisamos é de usar bem os nossos impostos, de usá-los para produzir bens e serviços que o mercado não produz e que são essenciais – educação, saúde, algumas infraestruturas no sentido de serviços e não de equipamento. Infelizmente, há muitos concelhos em Portugal onde o Estado é o maior empregador. Vamos ter de fazer uma coisa que é inteligente e que é boa, mas difícil: organizar um Estado com melhores soluções de eficiência, eventualmente com menos emprego. Se calhar, precisamos de aumentar emprego nalgumas entidades públicas e noutras, se calhar, precisamos de destruir completamente o emprego. Isto vai gerar problemas de emprego no setor público, mas têm de ser acautelados com políticas sociais. O erro é ter medo das consequências e converter o que devia ser gerido pela eficiência no primado do social. Estragam-se as duas coisas. Não conseguimos escapar a esta restruturação. O modelo social europeu não é possível. Estamos confrontados com isto: necessidades do século XXI, tecnologias do século XX e organizações do século XIX. Precisamos de melhorar drasticamente a organização. Com uma pirâmide etária completamente invertida, o modelo social não tem hoje suporte demográfico. Temos de ter outro modelo de

“A despesa pública tem de estar concentrada naquilo que é absolutamente crucial e que tem a ver com a democracia, a equidade, a confiança dos agentes económicos e dos cidadãos no funcionamento da economia. Está presa a coisas como a saúde, a educação, o ambiente”

financiamento – só vamos ter todos acesso à saúde quando tirarmos da cabeça a ideia de que a saúde só se paga quando temos necessidade dela, temos de a pagar desde o início da vida ativa. Store | Mas encontra uma estratégia para as atuais medidas, isto é, para os cortes? AM | Há uma estratégia que tem ideologia a mais – é uma ideologia que surge nestes momentos de crise. As economias não são diferentes das pessoas: entusiasmam-se, entram em depressão, voltam a entusiasmar-se… As políticas

públicas são boas quando evitam que estas oscilações sejam muito amplas. O que temos de perceber é que há momentos em que a crise é mais profunda e estamos a viver um desses momentos. A economia não recupera por si. E as pessoas percebem que há muita coisa em causa – daí a sua desesperança. Quanto mais passar para que percebamos que é preciso fazer um conjunto de reformas de fundo mais tarde saímos da crise. A ideologia a que me refiro é a ideologia da deflação. É uma ideologia das pessoas habituadas a pensar de uma maneira e que têm uma enorme dificuldade em pensar a transformação da sociedade. São como o surfista que está em cima da água e, de repente, fica sem onda, sem água… demora algum tempo a perceber… Há uma incompreensão da dimensão da crise. Pensa-se que basta fazer deflação, desvalorizar salários para, sobre coisas que se tornaram mais baratas, surgir a atratividade do novo período. Mas isso era se fosse para recomeçar tal como estávamos, mas agora é para recomeçar diferente. A deflação é um perigo. É preciso pôr esta ideologia na ordem. Não é substituindo austeridade pelo crescimento. É percebendo que precisamos de desendividar, de ganhar eficiência, de cortar despesas, de reduzir défices. Tudo isto é destrutivo, para ser feito precisa de um conjunto de medidas de acompanhamento que produzam resultados em pessoas que arriscam investir, em empresas que arriscam encontrar novos produtos, novos serviços, novos mercados. Há uma enorme dificuldade da população em perceber as medidas que estão a ser tomadas. Porque uma coisa é tributar as empresas, outra é tributar as pessoas que têm como fonte de rendimento os lucros das empresas. Não posso confundir as duas coisas: os rendimentos do capital que devem ser chamados a ter um papel forte no esforço de austeridade são os rendimentos apropriados pelos particulares com origem nos lucros gerados pelas empresas, não os que são mantidos nas empresas para fazer investimento. Se a empresa STORE MAGAZINE


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