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Ano 2 • Número 83

R$ 2,00 São Paulo • De 30 de setembro a 6 de outubro de 2004

Acordo com europeus fere soberania “O

Mercosul está cedendo em setores estratégicos para o nosso desenvolvimento. Esse acordo está muito desequilibrado, principalmente em agricultura”. A avaliação é de Laudemir Müller, chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Desenvolvimento Agrário, que participa das negociações do tratado de livre comércio do bloco sul-americano com a União Européia. Entre as concessões, o governo brasileiro aceita zerar a tarifa de importação do leite europeu, sendo que os produtores da UE recebem subsídios de 1,7 bilhão de euros. A oferta prejudica mais de 1,8 milhão de produtores brasileiros. Parlamentares, a CUT e a Via Campesina criticaram o governo brasileiro por não discutir com a sociedade os impactos desse tratado. “Se esse acordo vier para o Congresso, eu vou trabalhar contra a sua assinatura”, promete o deputado federal dr. Rosinha. Pág. 9

Dudu Cavalcanti/ Greeenpeace

Ministério do Desenvolvimento Agrário denuncia: proposta do Mercosul prejudica milhões de pequenos agricultores

Manifestação do Greenpeace em Brasília contra possível medida provisória do presidente Lula liberando transgênicos no país

Aumenta tensão entre Venezuela e Colômbia

O Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima) que permitiu à empresa Baesa iniciar a construção, em 1999, da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, na divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina, ignorou a

existência de dois mil hectares de florestas virgens de araucária e outros quatro mil hectares de florestas em estágio avançado de regeneração. Além de causar enormes danos ambientais, a barragem está expulsando pe-

quenos agricultores de suas terras. Para o advogado Raul Silva T. do Valle, do Instituto Sócio Ambiental, “não há dúvidas de que o relatório apresenta informações inverídicas”. Pág. 12

Jaafar Ashtiyeh/AFP

O presidente venezuelano Hugo Chávez convocou as Forças Armadas para ampliar a proteção na fronteira com a Colômbia, depois do assassinato de 14 pessoas no Estado de Apure. Há fortes suspeitas de que as mortes tenham sido provocadas por paramilitares colombianos. Para o economista Hector Mondragon, faz parte da estratégia do presidente colombiano Álvaro Uribe transferir o problema dos paramilitares para os países vizinhos, como Venezuela e Equador. Pág. 10

Licença fraudulenta libera barragem

Transgênicos: ainda o jogo do empurra-empurra Às vésperas do início do plantio da safra da soja, aparentemente o governo estaria indeciso em relação à liberação dos transgênicos via medida provisória (MP). A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, afirma que o presidente Lula lhe disse que não vai editar uma MP para autorizar o plantio da soja modificada. Ao mesmo tempo, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, diz a empresários exatamente o contrário, isto é, que a decisão seria via MP. Pág. 6

Apenas oito homens mandam na economia

Eleições deviam servir para ampliar debates

Escolhidos pela Fazenda, com beneplácito da Presidência da República, os diretores do Banco Central, que formam o Comitê de Política Monetária (Copom), vêm dos bancos e da academia. Eles decidem a política de juros, cujos efeitos ditam a sobrevivência, ou não, das empresas e de seus trabalhadores. Vivem no mundo dos jargões econômicos, passam ao largo do mundo real e não prestam contas à sociedade. Pág. 8

Dia 3 de outubro, os eleitores voltam às urnas para definir uma disputa esfriada pela pouca capacidade de trazer mudanças e pela ausência de debates relevantes sobre os temas de interesse da população. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o juiz Marlon Reis, que luta pela efetiva participação democrática dos cidadãos, fala de seu esforço pelo cumprimento da lei de combate à corrupção eleitoral. Pág. 5

Foi uma farsa o anúncio do novo aumento do superávit fiscal para 2004, de 4,25% para 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Farsa porque, desde julho, o enxugamento de gastos já era o equivalente a 5,59% do Produto. E, até agosto, a asfixia acumulada no ano, de R$ 64 bilhões, representava 5,82% do PIB. Mas nem essa camisa de força na economia é suficiente para cobrir o gasto com os juros da dívida, de R$ 84 bilhões, até agosto – um buraco de R$ 20 bilhões. Pág. 3

E mais: GREVES – Boicotada pela OAB, termina a maior paralisação do Judiciário paulista. Mas servidores, descontentes com o acordo, se mantêm em estado de greve. Pág. 3 SEM-TERRA – Trabalhadores rurais protestam em frente ao Incra do Maranhão e contestam reintegração de posse que ameaça de despejo assentados do MST. Pág. 12 MÍDIA – Documentário exibe os bastidores promíscuos da emissora de TV estadunidense Fox News, que compromete a ética jornalística em defesa do Partido Republicano. Pág. 16

Medida favorece empresários do ensino privado Pág. 4 Maringoni

BC insiste em estrangular o crescimento

Criança palestina protesta em Nablus, contra o assassinato do líder do Hamas, Ezzeddine Sobhi Sheikh Khalil

Ministério público aciona poluidores Pág. 13

A inflação baixa, mas os juros sobem outra vez Alegando a necessidade de conter alta da inflação, o BC voltou a elevar a taxa de juros. Mas o BC faltou com a verdade: porque a alta de preços está em declínio e porque o objetivo real do aumento dos juros é remunerar ainda melhor bancos e investidores que compram títulos do governo federal. Com o aumento, o governo gastará mais R$ 1 bilhão para pagar os juros sobre sua dívida, diminuindo os recursos disponíveis para outros setores. Pág. 7


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De 30 de setembro a 6 de outubro de 2004

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 5555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre 5555 Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Valter Oliveira Silva • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Dafne Melo e Fernanda Campagnucci 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Paulo Ylles 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

NOSSA OPINIÃO

Ataques à soberania e aos interesses

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stamos chegando à reta final das eleições municipais, marcadas por uma das mais despolitizadas e caras campanhas dos últimos anos. Reflexo da crise ideológica dos partidos e do refluxo do movimento de massas. Com raras exceções em algumas capitais, onde houve de fato debate político e em torno de projetos, a regra foi uma tragédia. Esperemos que, pelo menos, os candidatos mais sérios, mais progressistas e com um mínimo de compromisso popular se elejam, em maioria, em todo o país. Mas enquanto o povo se distrai com milhões de reais mal gastos com cabos eleitorais, com propagandas de plástico e com idéias fajutas na televisão, que distorcem o verdadeiro sentido de uma campanha política, o capital internacional se diverte. Nos últimos dias, vimos as articulações e a verdadeira ofensiva que o capital internacional fez na área de transgênicos, no acordo MercosulUnião Européia e na política econômica. Ou seja, enquanto o povo se distrai, o capital vai fazendo sua verdadeira política, que é de consolidar um projeto neoliberal, antinacional. Assim, um grupo de “negociadores” brasileiros se reuniu em Bruxelas (Bélgica), sob a coordenação do

Ministério da Indústria e Comércio, para apresentar aos europeus propostas que afetam diretamente nossos interesses nacionais, nossa agricultura, nossa indústria e nosso povo. O entreguismo foi tamanho que diversos diplomatas do Itamaraty, que até então tinham se mantido firmes em relação à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), se sentiram envergonhados. O representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) chegou a se retirar da mesa de negociações. Agora, as propostas vão ser discutidas em uma reunião ministerial, prevista para outubro. Esperamos que até lá o povo acorde, e o governo brasileiro crie vergonha. A segunda ofensiva diz respeito aos transgênicos. O senador Ney Suassuna, conhecido entreguista e bajulador dos Estados Unidos, apresentou um relatório da Lei de Biossegurança que constrangeu até os senadores do PT – os quais preferiram não dar quórum à votação, paralisando o encaminhamento da lei. A proposta é uma ofensa à inteligência brasileira. Libera totalmente os transgênicos sem nenhuma precaução, elimina a exigência de rótulo nos produtos, libera a necessidade de estudos de impacto

no ambiente, na saúde etc. E ainda outorga todo poder a uma comissão de 15 técnicos da CTNBio, escolhidos sabe-se lá por quem. Para completar, o ministro da Fazenda disse à imprensa que não está satisfeito com os atuais níveis de superávit primário e que o governo pretende superar a meta do FMI, chegando a 4,5% do PIB. Como todos sabem, o superávit primário é, na verdade, o compromisso do governo de pegar quase a metade da poupança nacional, recolhida na forma de impostos, e em vez de devolver ao povo como serviços públicos, entregar aos bancos detentores dos títulos da dívida pública. Este ano, o governo vai recolher R$ 76 bilhões e entregá-los aos bancos apenas a título de juros – e mesmo assim não vai bastar, obrigando a emissão de mais papéis da dívida. Já os ministérios da área social receberão, no mesmo período, apenas R$ 66 bilhões. Realmente, o país está precisando de um grande mutirão, que recoloque os verdadeiros temas da política e que discuta um verdadeiro projeto nacional. Caso contrário, continuaremos assistindo, estarrecidos, a televisão enganar o povo e o capital estrangeiro e financeiro fazer a festa em Brasília. OHI

FALA ZÉ

CARTAS DOS LEITORES SAUDAÇÕES Sou estudante, tenho 20 anos e sou recém-assinante do jornal Brasil de Fato. Queria agradecer a vocês, pois acredito que com as poucas leituras que fiz, o semanário já acrescentou muito à minha formação. Acredito que em breve será ainda maior seu sucesso, uma vez que é o único jornal que luta pelos interesses verdadeiros de nosso país. Sou um grande divulgador do nosso jornal. Temos que lutar contra a grande imprensa manipuladora, que emburrece o povo e defende a elite capitalista. Continuem assim! Sem um veículo como esse, não haverá mudança jamais neste país. Thiago Batista Pedroso por correio eletrônico VEJA QUE PORCARIA Sou assinante desse jornal desde o início e cada vez tenho mais orgulho pelo seu conteúdo. Acabo de receber o último número e nele ver o artigo do nobre jornalista Arbex. De tanto nojo, me senti com dificuldades de responder a tal “revista”. Prefiro compartilhar a minha manifestação com os parceiros do Brasil de Fato. Aos meus quase 63 anos, divididos por igual entre o Egito e o Brasil, e como muçulmano, gostaria de expressar alguns comentários como professor universitário. A pessoa que assinou o artigo como Monica Weinberg teve uma grande oportunidade para se revelar perante a opinião pública brasileira por meio de duas atitudes. Revelou-se totalmente ignorante na história dos povos e das religiões. Mas, isso não é crime; ninguém nasce saben-

do das coisas. O crime que de fato ela cometeu é um crime de preconceito racial pelo qual ela com certeza será processada. É um artigo de uma pessoa racista e preconceituosa, que ofendeu os povos muçulmanos no mundo inteiro; além de ofender a comunidade do maior movimento popular que hoje representa os oprimidos no mundo todo. Sobre o MST, o ilustre Arbex respondeu à altura. As madraças (e não madraçais) são escolas. É a palavra em árabe para dizer escola em português. Essas escolas começaram de fato com o início da religião islâmica, e sempre, além de transmitir o conhecimento, ensinavam a religião, a ética, a honestidade, a solidariedade e a tolerância. São valores de que a assinante do artigo da Veja não deve ter idéia. E, a partir dessas madraças, os muçulmanos levaram à Europa o conhecimento e a sabedoria durante mais de 700 anos. Quando os muçulmanos saíram da Europa, Espanha e Portugal já eram grandes potências, capazes de descobrir, inclusive o chamado Novo Mundo. Essa foi a herança dos árabes na Europa. A Universidade de Córdoba, na Andaluzia, no Século 8, contava com acervo de mais de 400 mil obras, na sua biblioteca. Assim que as madraças contribuíram para a humanidade. O que é que a presença dos impérios europeus deixaram de herança na África; e o que é que o império estadunidense está deixando de herança no Oriente Médio. Cada grupo tem a Mônica que merece. Mohamed Habib Campinas (SP)

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

CRÔNICA

As duas faces do cinema nacional Luiz Ricardo Leitão Entre as décadas de 60 e 70, o cinema se tornou um veículo privilegiado de discussão dos problemas sociais de nosso país e de sugestivas reflexões acerca do velho fantasma da identidade nacional. Para tanto, além da criativa obra de Glauber Rocha, muito contribuiu a arte de cineastas como Nélson Pereira dos Santos, Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade. Era uma produção de forte cunho ideológico e que promoveu uma valiosa revisão de alguns clássicos da literatura brasileira, tais como Vidas Secas (1963), São Bernardo (1972) e Macunaíma (1969). A ditadura, sobretudo após o AI-5, buscou de todas as formas censurar esse trabalho mais crítico e provocador, valendo-se não só da força coercitiva da censura, como também de uma cúmplice tolerância com a “pornochanchada”, que invadiu o escurinho dos cinemas no auge dos anos de chumbo, enquanto milhares de combatentes do nosso povo eram torturados em outras salas ainda mais sombrias. Desde o final dos 80 até 1990, com o advento da ordem neoliberal, todo esse imenso patrimônio quase foi dilapidado. Collor fechou a Embrafilme e os nossos talentosos diretores ficaram de pires na mão, a mendigar cotas de patrocínio aos senhores do “mercado”. O padrão Hollywood impôs-se no circuito exibidor e mo-

delou livremente o gosto do grande público. O sonho de muita gente boa era a indicação para o “Oscar” e uma chance de filmar nos EUA. Como se a “estética da fome”, que consagrara Glauber, terminasse por converterse na “estética da fama” dentro da aldeia global glamurizada. De O Quatrilho até o recente Cidade de Deus, era esse o mote hegemônico nos estúdios de Pindorama. Há, porém, auspiciosos sinais de mudança no ar. A exibição de Olga, de Jayme Monjardim, é uma prova disso. Parece que alguns diretores e o próprio público exigem um retorno às nossas origens, buscando nos grandes escritores uma fonte segura de inspiração. A grande imprensa, porém, sentiu-se bastante incomodada com essa comovente adaptação do texto de Fernando Morais. Por que a mídia e certos “intelectuais” não gostaram de Olga, mas acolheram com indisfarçável simpatia a estréia de Redentor, dirigido por Cláudio Torres e estrelado por Pedro Cardoso, Miguel Falabella, Camila Pitanga e outros astros da telinha? Emir Sader já nos deu boas dicas sobre o tema. Afinal de contas, Olga insiste em narrar, sem “fragmentação de subjetividades”, a odisséia de dois revolucionários. E com uma narrativa, aliás, bastante convencional, sem nenhum artifício pós-moderno, avessa a pastiches e citações. Ninguém sequer poderia

tachá-la de ortodoxia: episódios como a insurreição de 1935, por exemplo, frustrada iniciativa de Prestes e seus aliados, mesmo sem uma análise histórica mais aguda, expõem a todas as contradições dos comunistas na Era Vargas, algo que o refinado Leandro Konder um dia apelidou de “a derrota da dialética”. O que mais impressiona, contudo, é a dimensão ética da personagem. Sempre se dedicou à sua causa. Depois, humanizou-se com a paixão e a maternidade. Até no campo de concentração Olga foi generosa e resistente. Isso também incomodou muita gente, já que os vermelhos ganharam outras tonalidades com esse reconhecimento de sua cordura e sensibilidade. É essa retidão moral que inquieta os “pós-modernos”, eternos súditos do “mercado”: para eles, tudo é moeda de troca, até mesmo as idéias e as utopias que movem mulheres valorosas como Olga Benário Prestes. E, por isso, preferem Redentor, onde todos os destinos se guiam pelos dólares da corrupção tupiniquim.

Luiz Ricardo Leitão é editor e escritor. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana, é também professor adjunto da Universidade Estadual do RJ

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De 30 de setembro a 6 de outubro de 2004

NACIONAL GREVES

Acaba maior paralisação da Justiça de SP da Redação

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pós 91 dias, os servidores do Judiciário paulista suspenderam a maior paralisação da história da categoria. Contrariados, os funcionários voltaram a trabalhar dia 28 de setembro, mas mantêm-se em estado de greve, segundo decisão tomada em assembléia estadual, dia 27, após reunião do Tribunal de Justiça (TJ) com o comando de greve. De acordo com os servidores, a reunião foi “ruim”, pois o presidente do tribunal manteve a mesma proposta da semana anterior. Entre os pontos principais do acordo estão: reajuste salarial de 14% e desconto dos dias parados por meio de créditos como férias, licença-prêmio e Fundo de Atualização Monetária. Os grevistas não queriam o desconto e se dispunham a fazer a reposição por meio de mutirões. Insatisfeitos com o acordo, os servidores suspenderam a greve por conta das punições determinadas pelo TJ. Segundo Edson Savarego, do comando de greve, o presidente do TJ foi o responsável pela confusão da negociação salarial: “No início ele ofereceu um reajuste de 26,39% e fechamos o acordo. Mas em seguida ele voltou atrás, oferecendo 10% sem mais negociações. Então decidimos pela greve”, diz Savarego.

Sérgio Lima/ Folha Imagem

Insatisfeitos com o acordo, servidores voltam ao trabalho mas decidem se manter em estado de greve

Bancários em greve fazem passeata na Esplanada dos Ministérios, em Brasília

O presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo, Ricardo Gebrim, diz que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que sempre teve uma posição de “intermediadora” nas greves do Judiciário, posicionou-se contra a greve, adotando uma postura “ideológica” e enfraquecendo a greve”. Gebrim lembra que o Sindicato dos Advogados esteve todo o tempo solidário à greve e acredita que,

apesar dos servidores terem sido derrotados, “a greve foi valorosa”. “Se não tivessem ido à luta, não teriam conseguido os 14%”, afirma o presidente do sindicato. Essa foi a maior paralisação da história do Judiciário. O saldo geral ainda não foi contabilizado, mas estima-se que cerca de 12 milhões de processos ficaram parados, 400 mil audiências deixaram de ser feitas, 600 mil sentenças não foram regis-

tradas e 1,2 milhão de novos feitos deixaram de ser distribuídos.

BANCÁRIOS CONTINUAM A Executiva Nacional dos Bancários quer reabrir o processo de negociação com os patrões para resolver o impasse desta campanha salarial. Os bancários vão enviar uma carta ao presidente da Federação Nacional dos Bancos, Márcio Cypriano, e solicitarão ainda que a

VIOLÊNCIA NO CAMPO

ARROCHO

Entidades denunciam perseguição Fernanda Campagnucci da Redação

Grito dos Excluídos) e um dossiê com os nomes das pessoas que militam em defesa dos direitos humanos no Estado. Cada um portava um revólver de calibre 38, registrados em seus nomes – armas não oficiais da polícia militar. Dominici acredita que as perseguições tenham relação com seu envolvimento em um caso de corrupção eleitoral na cidade de Brasília Teimosa (PE). A artesã Maria Socorro dos Santos, que depôs contra o atual prefeito dessa cidade, teria sido subornada pelo candidato à prefeitura Carlos Eduardo Cadoca (PMDB). Três dias depois, Maria Socorro revelou à imprensa que havia mentido

O Advogado Dominici Mororó, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Pernambuco, foi perseguido por quatro policiais militares, dia 16 de setembro, ao sair de casa em seu carro, em Recife. “Liguei para um delegado, que me orientou a desviar o caminho para um lugar onde sua equipe deteria os perseguidores”, conta o advogado. Três policiais foram detidos e um conseguiu fugir. Eles tinham uma filmadora com imagens do despejo de Engenho Prado (PE), um gravador (onde constavam gravações do

durante o depoimento, a pedido da produção do programa eleitoral de Cadoca. Após duas semanas, ela foi seqüestrada e espancada. Os policiais militares permaneceram calados durante o interrogatório, recusando-se a responder qualquer pergunta. Nem os oficiais da Casa Militar, ou o coronel corregedor da Secretaria de Defesa Social ou o diretor de polícia da capital souberam dizer para qual missão os policiais estavam designados na ocasião da perseguição. O Grupo de Operações Especiais (GOE) afirmou, horas depois, que os oficiais estavam trabalhando na investigação do caso Maria Socorro.

Uma carta foi divulgada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos em repúdio à ação do Estado contra a atuação dos defensores e defensoras de direitos humanos, qualificando como “grave” a elaboração de um dossiê sobre a vida pessoal, as relações profissionais e a atuação profissional do advogado. A carta constata, ainda, a inversão do papel do Estado, que em vez de garantir proteção aos cidadãos e responsabilizar os violadores dos direitos, “persegue a vítima e seu defensor”. O documento foi assinado por outras 32 entidades, sindicatos e movimentos sociais.

ENCONTRO

“Juventude consciente, lutando pelo futuro, vivendo o presente”. Essas foram as palavras durante o 1º Encontro Estadual da Juventude do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), realizado de 23 a 26 de setembro, no município de Campos Novos. Cerca de 200 jovens dos assentamentos e acampamentos de Santa Catarina se reuniram para debater temas como conjuntura, sexualidade e relações de gênero, consumismo em época de globalização, cultura popular, e as tarefas da juventude na construção de uma nova sociedade. O jovem Sadi dos Santos, do assentamento 30 de outubro, em Campos Novos, falou da importância da organização social: “Hoje estou assentado e, se não fosse o MST, com certeza eu estaria morando numa favela”. Gilmar Mauro, da coordenação nacional do movimento, lembrou as principais tarefas da juventude. Ele destacou a importância da comunicação, do estudo, da formação de quadros, das alianças respeitando as diferenças, das lutas e da mística da transformação. “Nosso inimigo não está na organização

Dirceu Pelegrino Vieira

Jovens do MST discutem futuro melhor Dirceu Pelegrino Vieira de Chapecó (SC)

comissão de negociação da Fenaban – composta por Itaú, Bradesco, ABN/Real, HSBC e Unibanco – tenha a participação do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Em 29 de setembro, considerado o dia nacional de luta dos bancários, foram previstas passeatas nas 24 capitais em greve e nas principais cidades do interior do país. “O objetivo das passeatas é chamar a atenção para a truculência dos banqueiros e da Justiça, que por meio de interditos estão tentando barrar o movimento”, afirma a Confederação Nacional dos Bancários (CNB). “A greve continua forte e já demos o recado aos banqueiros de que a proposta apresentada não contempla a categoria. Agora vamos pedir a reabertura das negociações e esperamos que os banqueiros também queiram resolver o impasse de maneira negociada”, explicou o presidente da CNB/CUT, Vagner Freitas. Na última rodada de negociações, os banqueiros alegaram que 8,5% de reajuste e mais R$ 30 para quem ganha até R$ 1.500 é o máximo que podem oferecer. De lá para cá, a greve se espalhou e cerca de 200 mil bancários cruzaram os braços. “Até agora os banqueiros não se manifestaram. Vamos aguardar a resposta para o nosso chamado e, se a proposta não for melhorada, a greve continuará”, destacou Freitas.

Governo continua cortando na carne Anamárcia Vainsencher da Redação Não fosse trágica, seria cômica a farsa do governo em anunciar, dia 22 de setembro, o aumento da meta do superávit primário de 4,25% para 4,50% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2004. Farsa porque desde julho, o enxugamento de gastos já representava 5,59% do PIB. O aumento, então, segundo analistas, teria o objetivo de preparar os espíritos para elevar a meta de 2005 novamente para 4,50% do Produto, ou mais. Além disso, a justificativa oficial para a elevação, mais uma vez voluntária, do superávit, sem a exigência dos credores ou do Fundo Monetário Internacional, foi que com encolhimento de gastos ainda maior, seria menor a necessidade de elevar os juros para controlar a inflação – outro argumento falso (veja página 7). De mais a mais, o aumento do superávit para vigorar só em 2004 não terá qualquer efeito sobre a inflação.

TRISTES RECORDES

Jovens sem-terra analisam a conjuntura política e debatem temas relacionados à sexualidade e relações de gênero

do lado. O nosso inimigo é o capital financeiro. Devemos admitir as diferenças, pois elas mostram a beleza cultural de cada um de nós”, disse. Gilmar lembrou ainda que a

liberdade não virá de cima para baixo. “Liberdade só é liberdade quando conquistada. E a revolução é uma grande e bela poesia feita por muitos. Ficaremos agradecidos ao ver as crianças brincar livremente

neste nosso país”, acrescentou. Ao final do encontro, os jovens assumiram o compromisso de continuar lutando por uma sociedade baseada nos valores humanistas e socialistas.

A farsa se comprovaria em agosto, mês em que o setor público nãofinanceiro registrou superávit de R$ 10,9 bilhões, 65% a mais do que os R$ 6,6 bilhões apurados em julho. Recorde asfixiante: o resultado de agosto foi o segundo maior da história, apenas atrás do resultado de abril, que foi de R$ 11,9 bilhões. O enxugamento de gastos acumulado nos oito primeiros meses de 2004 chegou a R$ 63,7 bilhões, ou 5,82% do PIB. Ou seja, já deixou para trás em 1,32 ponto percentual em relação a nova meta de 4,50%. Nem toda essa camisa de força, porém, gera recursos suficientes para cobrir o elevado gasto com pagamentos de juros – gasto esse, é bom lembrar, que aumenta cada vez que os juros sobem, como há pouco. De janeiro a agosto, a despesa com juros nominais (encargos da dívida) estava em R$ 83,8 bilhões, valor equivalente a 7,66% do Produto. Encargos da dívida menos o dinheiro para pagá-la significavam um déficit nominal de R$ 20,1 bilhões em agosto.


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De 30 de setembro a 6 de outubro de 2004

UNIVERSIDADE

Uma amostra da “reforma”

Dioclécio Luz DOCTV abre inscrições A Radiobrás lançou a segunda edição do Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro (DOCTV). Inscrições até dia 29 de outubro. Informações nos telefones (61) 327-4132/4329 ou pela internet: www.radiobras.gov.br Mudanças no CCS Órgão consultivo do Congresso Nacional, o Conselho de Comunicação Social (CCS) está mudando seu colegiado e, para isso, recebe indicações de novos nomes. Um dos candidatos à vaga da sociedade civil é um empresário do setor, Paulo Marinho, vice-presidente do Jornal do Brasil. Por isso o CCS não é levado a sério. TV Globo julgada em SP Acaba de ser concluído em cartório e está pronto para ser julgado pela juíza da 42ª Vara Cível, Maria Helena Pinto Machado Martins, o processo movido contra o espólio do jornalista Roberto Marinho e contra a TV Globo Ltda. pelos herdeiros da família Ortiz Monteiro, antigos controladores da ex-Rádio Televisão Paulista S/A (hoje, TV Globo de São Paulo). Pede-se a anulação da venda da TV Globo-SP a Roberto Marinho, sob argumento de que a transação teria se efetivado com amparo em recibos e procurações já declarados grosseiramente falsos. As informações são da Tribuna da Imprensa (www.tribuna.inf.br), o único jornal do país a cobrir o caso semanalmente. Nós, piratas 1 Representação estadunidense esteve no Brasil para puxar as orelhas do governo. Vieram reclamar da pirataria. Como são donos das nossas telas de cinema, da roupa de grife, dos CDs e DVDs, do uísque e da água mineral, não admitem perder dinheiro aqui. Nós somos os piratas porque pagamos R$ 5 por um CD, quando o deles custa R$ 35. Os gringos ameaçaram punir o Brasil se o governo não botar na cadeia os brasileiros piratas. Nós, piratas 2 Estima-se que 50% da população economicamente ativa esteja no mercado informal. Isto é, não fornece nota fiscal e pode estar vendendo produto não oficial. Isso dá mais de 50 milhões de piratas. Nós, piratas 3 Os brasileiros que ousam botar no ar uma rádio comunitária (RC) sem autorização oficial também são chamados de piratas. Mas aí não tem conversa: a Polícia Federal chega de fuzil e metralhadora. Como apenas sete famílias dominam os meios de comunicação no Brasil, e são apenas 2 mil RCs autorizadas, estima-se que existam mais de 100 milhões de piratas envolvidos nessa atividade. TVs públicas não têm baixaria A Campanha contra a baixaria na TV revelou o que muitos já sabiam: a programação das emissoras estatais não contém baixarias. Até hoje não foi feita nenhuma denúncia sobre abuso às leis existentes cometidas pelas estatais, como ocorre com regularidade nas TVs comercias. Encontro de rádios comunitárias Dias 13 e 14 de novembro, com o apoio das entidades do setor, o governo federal vai promover um encontro de radiodifusão comunitária. Será um ensaio para a 1ª Conferência Nacional de Radiodifusão Comunitária, que deve acontecer em março de 2005. Semana pela comunicação De 11 a 17 de outubro, Recife vai ferver. Um grupo de entidades realiza a 2ª Semana Nacional pela Democratização da Comunicação e a 1ª Mobilização Nacional contra a Baixaria na Televisão, com cursos, oficinas, debates, projeções de vídeos.

Governo cria programa por medida provisória e beneficia instituições de ensino particulares Dafne Melo da Redação

Agência Brasil

da mídia

NACIONAL

“A

necessidade de editar uma Medida Provisória (MP) mostra que o projeto não tem apoio de setores importantes no âmbito educacional”, avalia Roberto Leher, diretor do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Ande-SN). Leher se refere à MP 213, publicada em 13 de setembro, no Diário Oficial da União, que cria o Programa Universidade Para Todos (ProUni). O texto da MP, no entanto, é diferente do projeto original. A medida flexibiliza as regras de concessão de bolsas integrais e parciais por parte das universidades privadas sem fins lucrativos e beneficentes, categoria que engloba as instituições filantrópicas, comunitárias e confessionais. Esse segmento abrange 85% dos estudantes do ensino privado no país. Determina que, em troca da isenção fiscal integral do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e da Contribuição para o Programa de Integração Social (Pis/PASEP), as instituições com fins lucrativos ofereçam apenas 10% de suas vagas. Já as instituições sem fins lucrativos devem fornecer 5% de bolsas integrais e podem converter a outra metade em bolsas parciais que correspondam a 10% de sua receita anual. As instituições beneficentes não terão mais que fornecer 20% de bolsas gratuitas, como previa o projeto original, mas apenas 10% de bolsas integrais. As outras contrapartidas para que essas instituições alcancem suas metas de 20% da renda anual bruta será a concessão de bolsas parciais e a inclusão de gastos com programas de assistência social. Para Uelton Gomes, da direção executiva da União Estadual dos Estudantes (UEE), de São Paulo, a MP evidencia ainda mais o auto-

A meta do programa é a criação de 180 mil vagas gratuitas até o final de 2006, menos que o projeto inicial, de 300 mil

ritarismo com que o Ministério da Educação vem tratando a questão. “Está havendo uma simulação de processos democráticos, pois as reuniões e debates não têm participação de pessoas que realmente discordam do governo”, diz o estudante. Como exemplo, Gomes cita o episódio em que o ministro da Educação Tarso Genro chamou estudantes de “fascistas”, durante o debate “Democratização do Acesso à Universidade”, realizado em São Paulo, dia 11 de agosto. Na ocasião, os estudantes protestavam contra a falta de diálogo e por não terem representantes na mesa do debate.

MENOS VAGA, MESMA ISENÇÃO O projeto inicial do ProUni previa a criação, até 2006, de 300 mil vagas gratuitas para alunos de baixa renda. Depois da MP, o MEC passou a trabalhar com metas ainda menores. O ministro interino da Educação, Fernando Haddad, declarou que agora a meta é de 180 mil vagas até o final de 2006.

Leher considera esse número irrisório. “Segundo cálculos do Andes, a renúncia fiscal do governo com as instituições de ensino privado pode chegar, por ano, a R$ 3,5 bilhões. Com esse mesmo dinheiro investido anualmente, poderíamos criar 1,2 milhão de vagas no ensino público em três anos”, alerta o professor. “Esse programa não vai resolver problema da democratização do acesso à universidade, mas vai beneficiar as instituições privadas de ensino. A medida mostra que a expansão do ensino superior, para o governo, se dá no setor privado, e não público”, acrescenta. Para Uelton Gomes, essa escolha acaba por colocar o estudante carente em qualquer universidade privada, muitas vezes sem qualidade. “Esse aluno também merece estudar em uma universidade pública, gratuita e de qualidade”, rebate.

MOBILIZAÇÕES Dois dias antes da edição da MP, foi realizado em Brasília o Fó-

rum em Defesa da Escola Pública, onde se estabeleceu um calendário de mobilizações que contará com três principais eventos. De 10 a 15 de outubro, haverá plenárias em todos os Estados para unificar a luta contra a reforma universitária; dia 11 de novembro está marcado o Dia Nacional de Paralisação nas Universidades e de Luta contra a Mercantilização da Educação. As atividades culminarão com uma grande marcha a Brasília, marcada para 15 de novembro. Ueltom Gomes ressalta a necessidade dos setores estudantis se mobilizarem e se unirem a outros movimentos sociais. “Os estudantes vão ter que ir para as ruas. É o momento de unificar a luta com outros movimentos sociais contra outras reformas como a trabalhista e a sindical e a favor da reforma agrária”. Para Leher, a MP não enfraquece o movimento: “Agora, muitos sindicatos, por exemplo, que estavam acreditando no debate do governo caíram na real. Essa reforma mostrou a que veio”.

MÍDIA

Observatório faz controle público da imprensa Bia Barbosa de São Paulo (SP) Com a divulgação de sua primeira pesquisa, sobre as eleições municipais em São Paulo (SP), foi lançado, dia 22 de setembro, na Universidade de São Paulo (USP), o Observatório Brasileiro de Mídia. A iniciativa, que surgiu em 2002, de uma parceria entre o Núcleo de Jornalismo Comparado da Escola de Comunicações e Artes da USP, o Observatório Social e o Media Watch Global, tem como meta o acompanhamento crítico das coberturas da imprensa. Para Sérgio Miletto, um dos coordenadores da Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania (Cives), o monitoramento público da mídia é essencial para trazer o jornalismo de volta à sua função cidadã. “Muitas vezes acontecem desastres por determinadas informações publicadas e tudo fica por isso mesmo. Pesquisas como essas são importantes para que outros profissionais, como os antropólogos, façam uma análise dos valores que a mídia imprime na sociedade. Em nome da liberdade de imprensa, da liberdade de opinião, o impacto do que é publicado nunca é medido”, lembra Miletto. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também apóia o controle público da imprensa. “Isso não tem nada a ver com censura ou com controle dos jornais – que já são controlados por grandes em-

Paulo Pereira Lima

Espelho

Além das eleições brasileiras, a cobertura das eleições estadunidenses e da guerra do Iraque também serão analisadas

presas, pelo sistema capitalista. O que o Observatório faz é analisar o jornalismo para ajudar na conscientização da sociedade. Na medida em que isso acontecer, a própria sociedade vai poder se organizar para separar o joio do trigo”, acredita o jornalista Jesus Antunes, presidente do Conselho Fiscal da ABI. Além das eleições brasileiras, outros temas que devem passar pelo monitoramento do Observatório

até o final do ano são a cobertura que a imprensa brasileira faz das eleições estadunidenses e da guerra no Iraque. Em janeiro, será feito o acompanhamento do 5º Fórum Social Mundial. A metodologia aplicada nos estudos do Observatório Brasileiro de Mídia deverá estar à disposição de todas as 320 escolas de comunicação social do Brasil. “Gostaríamos que todas fossem

parceiras nossas, para que esse monitoramento atingisse todos os jornais do país”, disse o coordenador da primeira pesquisa, José Coelho Sobrinho, diretor do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP. Para saber mais sobre o Observatório Brasileiro de Mídia, visite a página da internet www.mediawatchgl obal.org.br. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br)


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De 30 de setembro a 6 de outubro de 2004

NACIONAL ELEIÇÕES 2004

Uma disputa feita para esquentar debates Luís Brasilino da Redação

José Cruz/ABR

Despolitizado, o pleito mostra que a democracia ainda engatinha no país; os brasileiros vão às urnas e nada vai mudar cair no engodo dessas lutas. A pauta original de cada um deles deve ser mantida”, argumenta Romano. Mesmo porque, chama atenção o filósofo, o país atravessa um momento importante. “Assistimos um divórcio entre o PT e os movimentos sociais. A cada aumento na meta de superávit, ou a cada elevação dos juros, por exemplo, ocorre um distanciamento entre eles”, diz. Por isso, é importante os movimentos marcarem sua posição.

D

ia 3, mais uma eleição despolitizada no país, centrada na imagem pessoal de cada candidato e sem propostas de mudança. Péssimas características daquela que é a principal manifestação democrática da qual pode participar a maioria dos 121 milhões de eleitores brasileiros que devem ir às urnas escolher prefeitos e vereadores. “É uma eleição despolitizada, principalmente no interior e nas pequenas cidades, e ainda decidida por quem tem mais capital. Não dá para chamar o que temos hoje de democracia”, afirma João Paulo Rodrigues, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No entanto, pondera, as eleições devem ser utilizadas e valorizadas pois são um instrumento de contato direto com o povo, permitem o debate e a politização das disputas, aprimorando a democracia. “Devemos usá-las para discutir os problemas e os rumos do Brasil, o modelo econômico, Alca, OMC etc. Não temos a ilusão de

RECOMENDAÇÃO Debate para conscientizar os eleitores quanto a importância do voto nas eleições

que as eleições vão trazer alguma mudança, porque mudança só vem com luta organizada”, acrescenta Rodrigues.

PENSAR ALÉM Além da despolitização, o filósofo Roberto Romano, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), chama a atenção para uma ameaça que os políticos lembram com freqüência ao eleitor: se esse ou aquele candidato à prefeitura não for eleito, a cidade não

terá recursos, sejam eles dos cofres estaduais, ou federais. “Se ocorrer mesmo essa retaliação, a população pode esquecer investimento em saúde, educação, segurança etc. O brasileiro não vive no Palácio do Planalto, nem no dos Bandeirantes (sede do governo paulista). Vive em suas cidades e, de lá, não tem poder sobre o destino dos recursos. Por isso, os movimentos sociais precisam pensar além desse jogo partidário, tendo em mente as questões nacionais e não podem

Assim como Rodrigues, Romano acredita que a ordem institucional do país não está ameaçada pelas eleições, já que nenhum dos possíveis vitoriosos ameaça o status quo. “O fracasso em oferecer melhores condições à população não é do sistema político, sim dos partidos. Os principais do país – PSDB e PT – têm uma matriz socialista e, de forma mais ou menos intensa, trouxeram de lá essa preocupação com o social. Porém, quando se tornaram governo, abandonaram as causas populares e viraram partidos de Estado. E quais as forças hegemônicas no Estado? Os grandes

bancos, agricultores e empresários”, analisa Romano. Na polarização PSDB-PT, Luiz Marinho, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), sustenta que as pessoas comprometidas com um projeto popular para o Brasil devem apoiar os candidatos vinculados ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Se a sociedade não o fizer”, completa, “o projeto alternativo que vence é o da elite. Romper com o governo é um grande equívoco”. O cenário não é dos mais animadores. Ainda assim, José Éden Magalhães, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), faz uma recomendação: “As pessoas precisam atuar com clareza na escolha de candidatos comprometidos com as causas populares. Não pode ser alguém que queira substituir o movimento quando chegar ao cargo. Deve ser um representante que os ouça e dê vazão e dialogue com as manifestações. Muitos que vêm de movimentos populares querem ser o movimento”, resume. A vitória de Lula já mostrou que isso não dá certo.

Paulo Pereira Lima da Redação No Maranhão, juízes e promotores disputaram eleitores com os candidatos em praça pública. Dia 24 de setembro, na cidade de Santa Quitéria, por exemplo, os juízes Marlon Jacinto Reis e Jorge Moreno reuniram mais de 5 mil pessoas no Comício contra a Corrupção Eleitoral. A iniciativa é para esclarecer a população sobre a Lei 9.840, contra a corrupção eleitoral. O juiz Marlon Jacinto Reis é um dos integrantes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que reúne cerca de 90 instituições, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), entre outras. Por causa da defesa do voto consciente, Reis vem sofrendo ameaças de morte. As mais recentes partiram do prefeito de Riachão, ao sul do Estado, quando participava de comício na cidade, na semana passada. O caso é tão grave que o presidente da Comissão Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, Delosmar Domingos, encaminhou, dia 20, denúncia ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Sepúlveda Pertence. Em entrevista ao Brasil de Fato, Reis afirma que não se intimida com ameaças. Ele lembra que o movimento surgiu a partir do projeto “Combate à Corrupção Eleitoral”, lançado em 1997, que tinha o desafio de coletar 1 milhão de assinaturas, o mínimo necessário para o Congresso acolher e aprovar um projeto de lei de iniciativa popular. Reunidas as assinaturas e aprovado no Congresso, o projeto virou a Lei 9.840, em 1999, e pôde ser aplicada já nas eleições de 2000. Brasil de Fato – Houve avanços no combate da corrupção eleitoral? Marlon Jacinto Reis – Sim, pois tenho observado um grande número de cassações acontecendo em todo o país. Mesmo antes das eleições, já existem várias sentenças judiciais. BF – Há casos específicos no Maranhão? Reis – Conhecemos vários processos em andamento, sendo que

Divulgação

Juiz é ameaçado por combater corrupção Quem é Formado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Marlon Jacinto Reis, 34 anos, é juiz há sete. Integrante da Associação de Juízes para a Democracia e do comitê nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, Reis é juiz de direito de Itapecuru-Mirim (MA). um deles foi julgado. É o caso de São José de Ribamar, onde foi determinada a cassação de um candidato a prefeito. Ele conseguiu uma liminar que permite sua permanência na disputa, mas ao primeiro pronunciamento da Justiça será feita a cassação por uso eleitoral da máquina administrativa. Existem também representações correndo nas cidades de Açailândia, Presidente Vargas, Pastos Bons, São Domingos do Azeitão, Nova Iorque e outras. BF – Como o senhor avalia as ameaças que vem sofrendo por causa de seu trabalho de conscientização sobre a Lei 9.840? Reis – Essas ameaças surgiram quando começamos a promover os comícios eleitorais em todo o Maranhão. Hoje, estou meio que acostumado, mas o que ainda me impressiona é que não entendo reações tão descabidas ao fato de que estou simplesmente defendendo a execução da lei, não estou pregando uma revolução. BF – Apesar das ameaças, o balanço é positivo? Reis – Sim. Inclusive aumentou também o número de comitês populares da Lei 9.840 que têm se formado nas comunidades para conscientizar sobre as questões eleitorais, apoiar o trabalho de fiscalização e a execução da lei. BF – E quem participa desses comitês? Reis – Eles são formados por pessoas da própria comunidade, representantes de entidades da sociedade civil interessadas em contribuir para o fortalecimento da democracia no âmbito local. Estas pessoas não têm qualquer vínculo partidário com o poder judiciário. Elas não formam uma nova ONG, mas uma rede envolvida com o combate à corrupção eleitoral.

BF – Esses comitês estão presentes também em outros Estados? Reis – Eles estão espalhados por todo o país. Nas eleições de 2002, não havíamos conseguido atingir Estados como Pernambuco, Amazonas e Rio Grande do Sul. Neste ano, o movimento se ampliou para esses lugares. BF – Como eles estão estruturados? Reis – Existem os comitês locais, estaduais e o nacional. Não temos mais como saber o número exato de comitês. O que nos surpreendeu, recentemente, foi descobrir a existência de um em Benjamim Constant, na divisa com a Colômbia. Eles entraram em contato conosco para pedir orientação para uns casos locais de corrupção. Ao serem questionados sobre como souberam do comitê, disseram que pegaram todo o material na internet, e resolveram se organizar e criar um comitê próprio da comunidade. Por isso, pretendemos aperfeiçoar nossa página (www.lei9840.org.br), para que novos comitês possam se cadastrar. BF – O que é o voto consciente que esses comitês pregam? Reis – Voto consciente é o voto livre. A pessoa tem o direito de formar livremente a sua opinião e deixar sua casa no dia da votação sem ser importunada por ninguém que o ameace, ponha em risco seu emprego. BF – No que consiste exatamente a corrupção eleitoral e quais foram os ganhos da Lei 9.840 em relação a isso? Reis – A Lei 9.840 direciona mais o movimento de combate à corrupção eleitoral, que pode ocorrer de várias formas. Os dois modos que consideramos básicos, pontos de partida para o embate, é a compra de votos e

o uso eleitoral da máquina administrativa. BF – Quais são as punições para aqueles que cometem essas infrações? Reis – Na Lei 9.840 foram previstas medidas administrativas de cassação do registro, ou do diploma, e multa. São medidas aparentemente simples, já que as pessoas associam logo punição à cadeia. A lei é eficiente. Desde 2000, 154 prefeitos perderam seus mandatos. BF – Como é essa parceria entre a sociedade civil e o judiciário para moralizar a política? Reis – A sociedade civil se mobilizou para entrar nesse debate sobre corrupção eleitoral, que nunca havia sido feito fora das elites. Em 1998, quando se começou a coleta de assinaturas para o projeto de lei que resultou na Lei 9.840, esse trabalho se democratizou, chegou aos cidadãos. Há juízes e promotores contrários à participação da sociedade, mas são minoria. Os magistrados têm acompanhado bem os trabalhos dos comitês, têm ouvido as denúncias apresentadas. Um exemplo é o de Presidente Vargas, no interior do Maranhão, onde há um processo bem típico. Ali, o comitê municipal da Lei 9.840 se organizou, fotografou materiais de construção doados por um candidato a prefeito em troca de votos; depois, apresentou detalhes ao promotor, nomes de testemunhas para depor, inclusive de alguns dos beneficiários que resolveram falar, acelerando, assim, o processo. BF – A Lei 9.840, portanto, agiliza o processo? Reis – Certamente. Mas devemos ir adiante. Há um início de debate sobre outros temas relacionados à corrupção eleitoral. Um deles é a rejeição das contas de um candidato que, mesmo tendo questões não resolvidas sobre a prestação de contas de seu mandato anterior, pode concorrer a novas eleições. Isso precisa mudar. Se já há registro de que a pessoa praticou corrupção, no mínimo deveria haver regras mais rigorosas para sua candidatura. BF – A lei 9.840 não contempla essa questão? Reis – Não. Essa questão diz

respeito à rejeição das contas daqueles que já foram titulares de mandatos, assunto que é tratado pela Lei das Inelegibilidades, mas de maneira errônea, pois diz que basta o ajuizamento de uma ação para a pessoa suspender. Nós queremos, pelo menos, a necessidade de uma liminar. BF – Concretamente, como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral pensa em mobilizar a população? Reis – Uma das idéias é criar um novo projeto de lei de iniciativa popular, como fizemos com a 9.840. Nesse projeto há, por exemplo, a intenção de colocar a execução imediata da cassação como uma regra sem exceções na Justiça Eleitoral. Queremos, também, criar um processo eleitoral extremamente rápido, por meio da unificação do rito das diversas ações judiciais eleitorais, pois para cada uma há prazos e procedimentos diferentes. Mesmo permitindo a ampla defesa, o processo seria julgado logo, de tal maneira que até o início do mandato já teria sido julgado ao menos pelo TSE. Isso é plenamente possível e acontece em vários processos, como os dos deputados estaduais José Carlos Gratz, do Espírito Santo, e Franz Júnior, do Amapá, julgados pelo TSE antes da diplomação. Isso prova que a Justiça pode julgar em poucos meses, em todas as instâncias, o que interessa não só à sociedade, como ao candidato, que saberá que pode exercer seu mandato sem correr o risco de perdê-lo pelo caminho. BF – Existe uma previsão para a coleta de assinaturas dessa nova iniciativa? Reis – Não há data, embora 2005 seja propício, por não ser um ano eleitoral. Eu estou propondo a realização de um congresso de juristas da área eleitoral, que planejará o projeto de iniciativa popular. Iremos discutir com a sociedade civil, encontrando interesses em comum para que os juristas o elaborem. Os juízes e promotores também estão se organizando em torno do combate à corrupção eleitoral. Para isso, provavelmente ainda neste ano, eles vão criar a Associação Brasileira de Magistrados e Membros do Ministério Público Eleitoral.


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NACIONAL SEGURANÇA ALIMENTAR

Venceu o fato consumado

Fatos em foco

Plantio está aí, não há decisão sobre transgênicos e Marina Silva diz que MP não sai

Hamilton Octavio de Souza

Voto útil Setores da esquerda petista enfrentam crise existencial nas cidades dominadas por candidaturas conservadoras ou fisiológicas. Não sabem se votam nulo ou se votam contra o fortalecimento do PSDB. Só pensar no possível retorno do tucano Fernando Henrique Cardoso, em 2006, já leva muita gente para o voto útil agora. Exclusão superior Mais de 217 mil estudantes matriculados no ensino superior privado solicitaram o financiamento do governo federal (FIES) para o segundo semestre de 2004, mas o Ministério da Educação só tem recursos para 50 mil inscritos. Boa parte dos não aprovados acaba entrando nas listas dos inadimplentes e, em seguida, na lista dos sem recursos para estudar. Essa exclusão, que se repete todos os anos, mata o sonho da juventude brasileira. Jogo sujo A empresa estadunidense Monsanto, que há anos estimula o contrabando de sementes de soja transgênica da Argentina para o Brasil, está jogando pesado na liberação do plantio, este ano. A empresa estima um faturamento de aproximadamente R$ 400 milhões, em 2005, com o pagamento de royalties pelos produtores brasileiros sobre a semente patenteada por ela lá nos Estados Unidos. Carniceiro chileno Interrogado por um juiz, na última semana, sobre o seu envolvimento com detenção, tortura e assassinato de adversários políticos em 1973, o ex-ditador chileno Augusto Pinochet respondeu: “Eu era presidente, não iriam me informar de coisas pequenas”. Essas “coisas pequenas” custaram mais de 30 mil vidas, sem contar todos aqueles que foram obrigados a se exilar e nunca mais voltaram para o seu país natal. Trabalho precário O repórter da EPTV de Ribeirão Preto, Bruno Kauffmann Abud, de 31 anos, morreu sábado passado em um acidente ocorrido por volta das 19h30, no quilômetro 325 do Anel Viário Norte, quando retornava de uma cobertura jornalística na cidade de Barretos. O repórter dirigia o carro da empresa Rede Globo, dona da emissora, que havia demitido dias antes os motoristas da empresa por medida de economia. Movimento grevista Petroleiros e químicos também se mobilizam para repor perdas salariais e melhores condições de trabalho, na mesma linha dos bancários e dos metalúrgicos do ABC que estão em greve há mais de uma semana. Nos últimos dez anos, as classes trabalhadoras perderam remuneração e muitas conquistas obtidas nas lutas históricas do século 20. Neocolonialismo Produtores de queijo, cuidado! Entre as inúmeras concessões que o Mercosul faz aos europeus na negociação do acordo de livre comércio, está o acordo de identificação geográfica. Em suma, produtores brasileiros estariam proibidos de usar nomes de produtos originários de regiões européias, como queijo “gorgonzola”, “parmesão” ou até mesmo “mortadela”. Se o acordo for assinado, o nome “mortadela”, por exemplo, será exclusividade dos produtores europeus e teremos de inventar uma nova designação para o derivado da carne de porco. Cabe a pergunta: há limites para a submissão do governo?

ticando a possibilidade de edição de mais uma MP liberando os transgênicos. A entidade quer que o governo e o Congresso garantam uma legislação de biossegurança que assegure o licenciamento ambiental e avaliação dos produtos contendo organismo geneticamente modificados pelo Ministério da Saúde. De acordo com Gabriela Couto, integrante da Campanha de Engenharia Genética da organização, a edição de uma MP sem estudos de impacto ambiental é “inaceitável”. Além disso, “O Brasil é o maior produtor de soja convencional do mundo, e com a MP, o mercado brasileiro iria perder vantagens comerciais”, diz.

Agência Brasil

Tatiana Merlino da Redação

O

presidente Luiz Inácio Lula da Silva não pretende assinar uma medida provisória (MP) para autorizar o plantio da soja transgênica no Brasil. Quem garantiu foi a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, após se reunir com ele, dia 26 de setembro. “O presidente me disse que não vai editar uma medida provisória e que pretende esperar a votação (da lei de Biossegurança) no Congresso, depois das eleições”. Ela se declarou empenhada na retomada do substituto aprovado pela Câmara, que submete a autorização para pesquisa e comercialização dos transgênicos a um grupo interministerial. A declaração da ministra endossa a carta enviada, dia 20 ao presidente Lula, por movimentos sociais e ambientalistas, que se declaram “estarrecidos e chocados” em relação às negociações no Senado Federal para votar o projeto de lei de Biossegurança. Na carta, as organizações se dizem “estarrecidas” com as negociações no Congresso envolvendo o ministro Aldo Rebelo, líder do governo, o senador Aloísio Mercadante, e as bancadas da base governista e da oposição para a aprovação do projeto. Segundo o texto, os representantes do governo fizeram aprovar nas comissões do Senado um substituto que contraria os projeto de lei enviado pela Presidência, e que viola diversos preceitos constitucionais. As organizações afirmam, ainda, estar “chocadas” com as notícias veiculadas pela imprensa, segundo as quais a presidência estaria prestes a enviar ao Congresso uma nova MP liberando o plantio de transgênicos. A carta reitera que a nova MP prevê a liberação de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) sem qualquer estudo prévio de impacto ambiental e de risco para a saúde dos consumidores.

RECUO?

Marina Silva garante: “o Lula disse que não assina MP dos transgênicos”

das entidades signatárias da carta, a possibilidade de edição de mais uma MP seria uma “traição do governo, e péssimo exemplo nacional e internacional”. Na sua opinião, as entidades estão muito decepcionadas, e a atitude do governo é um desrespeito à ministra Marina Silva, “que sempre esteve contra a liberação dos transgênicos. Se a MP for editada, a CTNBio terá poderes acima de todos os ministérios e aí é a questão de se perguntar o que a ministra continuará fazendo lá”.

DESILUSÃO Na carta, as entidades lamentam que Lula tenha aceitado, sem ouvir opiniões contraditórias, “a propaganda pró-transgênicos de alguns cientistas da Embrapa, das empresas multinacionais de biotecnologia e dos produtores de soja do Rio Grande do Sul, estes últimos iludidos por resultados aparentes de curto prazo”. “As espantosas incorreções e equívocos do governo neste tema

TRAIÇÃO Para Sizefredo Paz, diretor executivo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), uma

colocam a sociedade civil organizada em posição de profunda frustração com o seu governo e desiludem os que, no Brasil e no exterior, aplaudiram a nomeação da ministra Marina Silva como uma garantia de que, finalmente, as questões ambientais e de sustentabilidade do desenvolvimento seriam assumidas por um governo brasileiro”, conclui a carta.

PROTESTO Entre os signatários estão as entidades: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor, Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, Inesc/Esplar - Centro de Pesquisa e Assessoria, Rede Ecovida de Agroecologia, ActionAid Brasil, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) O Greenpeace também está cri-

Um possível recuo do presidente em relação à MP joga água fria nas especulações até então correntes, segundo as quais a MP sairia assim que Lula voltasse da reunião da ONU, nos Estados Unidos. Além disso, o presidente tem conversado bastante com parlamentares e governadores, como Germano Rigotto (PMDB-RS) e o ministro Roberto Rodrigues, que são favoráveis à edição da MP. O presidente declarou ainda, semana passada que poderia assinar uma medida provisória, se não houvesse outra saída. Na sua avaliação, é importante evitar que os produtores agrícolas que utilizam sementes transgênicas sejam prejudicados e possam iniciar o plantio da safra no começo de outubro. “Se for importante, tiver acordo, eu posso fazer isso”, disse Lula. De seu lado, o ministro da Agricultura, afirmou, dia 26, a um grupo de empresários, que a solução para o plantio da soja geneticamente modificada na safra 2005 deveria sair por meio de uma MP. Segundo ele, o governo não deixará um espaço legal vazio nesse processo, e tomará a decisão que for mais ágil, “atendendo à demanda óbvia dos produtores do Brasil inteiro sobre o assunto”. A decisão do presidente quanto à edição ou não da MP deve ser anunciada essa semana.

FINANCIAMENTOS

Banco Mundial pode prejudicar a Amazônia Rogério Almeida De Belém (PA) O conselho diretor do International Finance Corporation (IFC), órgão do Banco Mundial (BM) que financia o setor privado, aprovou, dia 23 de setembro, um empréstimo de 30 milhões de dólares ao grupo Amaggi (do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, do PPS), dispensando os procedimentos de avaliação previstos pela própria instituição. A decisão foi tomada apesar de o presidente do Banco, James Wolfensohn, dois dias antes, ter se comprometido a responder às cartas da sociedade civil brasileira, que questionara o processo desde maio. Em particular, o IFC se recusou a fazer as avaliações de impacto previstas na categoria “A” de seus investimentos, que incluem o agronegócio de grande escala. A decisão favorável é o resultado de um forte conflito interno no BM, que pode se agravar na próxima consulta mundial da instituição sobre a revisão dos procedimentos operacionais para o setor privado, no Rio de Janeiro. A proposta do IFC é reduzir drasticamente os cuidados com aspectos sociais e meio ambiente, que permaneceriam apenas para os casos de empréstimo a governos. Por isso, no âmbito do Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD (o braço

legas, mas eu asseguro a vocês que farei isso e lhes darei retorno”. Menos de 48 horas depois, o Conselho do IFC votou a favor do empréstimo, sem qualquer aprofundamento da discussão e qualquer resposta.

Dudu Cavalcanti/Greenpeace

Perfil popular A última pesquisa eleitoral Datafolha deixa claro que a disputa em São Paulo está acirrada entre os setores populares do PT (mais jovens, menor renda e menor escolaridade superior) e os setores de classe média do PSDB (mais velhos, maior renda e maior escolaridade superior). A experiência de eleições anteriores indica que o povão da periferia sempre decide a eleição na capital paulista.

PROBLEMAS

Instituição quebrou suas regras para financiar agressão ao ambiente

do Banco Mundial que empresta para governos), há fortes resistências em adotar um duplo padrão, dependendo de o cliente ser, ou não, governamental.

CONTRADIÇÕES O departamento legal do Banco tem se oposto duramente às mudanças propostas. O empréstimo ao grupo Amaggi visa expandir a cultura da soja no leste de Mato Grosso, razão pela qual os ambientalistas temem que, dessa forma, entre outras coisas, sejam deslocados pecuaristas que vão abrir

novas áreas de floresta de transição, a mais ameaçada hoje em toda a Amazônia. Dia 21 de setembro, o presidente Wolfensohn havia declarado, em videoconferência transmitida aos continentes, que estava prestes a “discutir a categorização desse projeto” e que estava “muito preocupado com a introdução da soja” na Amazônia. Ao se dirigir, na mesma conferência, à representante das ONGs brasileiras, Ana Cristina Barros, Wolfensohn acrescentou: “Não tive chance de discutir o assunto com meus co-

De acordo com Roberto Smeraldi, de Amigos da Terra, “quando uma instituição desmoraliza suas regras, e ainda desautoriza seu presidente, já assume a crise abertamente”. Para o ambientalista, há risco de o grupo Amaggi passar a ser mais vítima do que beneficiário do empréstimo: “Essa decisão tenderá a ser estigmatizada e se tornar um marco internacional, com o qual nenhuma empresa gostaria de ser identificada”. A Amazônia mantém assim seu histórico de “região-problema” para o Banco Mundial. Foi com base no fracasso do Polonoroeste, nos anos 80, que o Banco teve de criar, às pressas, seu departamento de meio ambiente. Em 1988, a recusa do empréstimo das barragens do Xingu foi o primeiro caso de rejeição de um grande projeto do BIRD no conselho diretor. Em 1996, irregularidades no projeto Planafloro, em Rondônia, geraram a primeira investigação do painel de inspeção do BM no mundo inteiro. Hoje, a expansão da soja na Amazônia parece destinada a desencadear uma nova fase de divisão interna.


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De 30 de setembro a 6 de outubro de 2004

NACIONAL JUROS X INFLAÇÃO

Mais R$ 1 bilhão no cassino financeiro... D

ois insuspeitos institutos de pesquisas forneceram, logo após o novo aumento dos juros, dia 16 de setembro, a confirmação de que a decisão de retomar a política de elevação dos juros – cartilha única que pauta a política econômica desde os anos 90 – carece de fundamentos lógicos. Os dados da realidade concreta, solenemente ignorada na recente decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) (veja página 8), órgão formado por diretores e pelo presidente do Banco Central (BC), encarregado de fixar a política de juros no país, mostram que o aumento era desnecessário, e vai servir exclusivamente para engordar o lucro de bancos e investidores no cassino financeiro. O BC, claramente, superdimensionou as previsões de alta da inflação para justificar o aumento dos juros básicos, que servem para remunerar bancos e investidores que compram títulos do governo federal no mercado financeiro. A taxa passou de 16% para 16,25% – uma correção modesta, diante do tamanho dos juros já impostos a empresas e pessoas físicas. O importante, no entanto, é que o Copom antecipou, como vinha fazendo desde julho, que os juros continuarão subindo até o final do ano, pelo menos. Com o aumento, o governo vai torrar mais R$ 1 bilhão, nos próximos 12 meses, para pagar juros sobre sua dívida, reduzindo, proporcionalmente, os recursos disponíveis para outros setores da economia. Pode-se antecipar um novo freio aos investimentos públicos, especialmente porque o Copom avisou que deve realizar novos aumentos dos juros antes do fim do ano. O governo vem, literalmente, enxugando gelo com sua política econômica: corta despesas para poupar recursos para pagar juros, de um lado, aprofundando o desmonte do setor público; e, de outro, aumenta os juros, criando mais dívidas. Entre janeiro de 2003 e julho deste ano, o governo economizou R$ 98,4 bilhões para fazer frente às despesas com juros, que consumiram R$ 217,4 bilhões no período. Resultado: a dívida expressa em títulos públicos aumentou de R$ 623,2 bilhões para R$ 759,2 bilhões no período – um salto de 22% em 19 meses, o que corresponde à “criação” de uma dívida adicional de R$ 136 bilhões. Ou seja, a política de juros comeu toda a “economia” realizada e obrigou o governo a se endividar ainda mais para pagar o restante da conta.

CONTRA-ARTILHARIA Os tiros contra a trincheira armada pela tecnocracia do BC partiram, na verdade, de duas instituições de renome e credibilidade na apuração de preços. O primeiro deles saiu da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), ligada à Universidade de São Paulo (USP). Sua pesquisa, realizada semanalmente, mostra que o ritmo de alta dos preços entrou em forte desaceleração desde meados de agosto na capital paulista, saindo de uma variação mensal de 1,03% até a terceira semana de agosto, para 0,56% na segunda semana de setembro. A munição fornecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também serviu para reforçar os argumentos contrários à alta dos juros, ao comprovar que as taxas de inflação não representam uma ameaça à estabilidade econômica.

Institutos afirmam que inflação foi superdimensionada; alta de juros cria um novo fator de turbulência, gerando obstáculos ao crescimento da economia Agência Brasil

Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

Evelson de Freitas/Folha Imagem

...vão engordar lucro dos bancos, pois inflação, pretexto para o aumento dos juros, vem em baixa desde julho

FORA DA REALIDADE (Inflação já estava em queda, antes da elevação dos juros) A decisão de aumentar os juros apenas engorda o lucro de investidores e dos cassinos financeiros

Entre os indicadores que o Instituto utiliza para apurar o comportamento dos preços, um é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a variação mensal da carestia para famílias com renda entre um a 40 salários mínimos em dez capitais e Brasília. Outro, é o IPCA-15, que pesquisa entre os dias 15 de um mês e o dia 15 do mês seguinte, comparando os preços obtidos com idêntico período anterior. De uma certa forma, o IPCA-15 consegue “antecipar” o resultado do IPCA mensal. As pesquisas mais recentes do IBGE apontam a mesma tendência

Período

Inflação (%)*

Período

Juros (%)**

15 de abril a 15 de maio

0,54

Jan/04

16,5

1º a 31 de maio

0,51

Fev

16,5

15 de maio a 15 de junho

0,56

Mar

16,2

1º a 30 de junho

0,71

Abr

16,0

15 de junho a 15 de julho

0,93

Mai

16,0

1º a 31 de julho

0,91

Jun

16,0

15 de julho a 15 de agosto

0,79

Jul

16,0

1º a 31 de agosto

0,69

Ago

16,0

13 de agosto a 13 de setembro

0,49

Set

16,2

(*) Índice de Preços ao Consumidor Amplo e IPCA-15 (**) Taxa básica de juros, usada para remunerar instituições financeiras e investidores. Fontes: IBGE e Banco Central

observada pela Fipe, confirmando uma forte tendência de desaceleração depois de absorvida a “bolha” inflacionária criada pelos aumentos

dos preços administrados – telefone, energia elétrica, combustíveis e, em algumas capitais, tarifas de ônibus urbanos.

O IPCA-15 de julho (15 de junho a 15 de julho) havia acusado uma variação de 0,93% – puxada, principalmente, por um salto de quase 6% no custo dos combustíveis (alta de 5,6% para a gasolina e de 7,1% para o álcool). Nas duas semanas seguintes, conforme apontaria o IPCA de julho, os preços já haviam iniciado uma ainda tímida reversão, já que a taxa para o mês “cheio” (ou seja, entre 1º e 31) havia recuado para 0,91%. Coincidentemente, neste mesmo período, a equipe do BC e seus porta-vozes na chamada grande imprensa abriram uma campanha surda para preparar a sociedade para a nova rodada de aumento de juros, que acabou ocorrendo no dia 15 de setembro. A campanha ignorava a mudança de rumo dos preços indicada pelo IPCA-15 de agosto, que baixou, mais uma vez, para 0,79%, graças aos menores aumentos dos preços dos alimentos e dos combustíveis. A inflação encerrou agosto em 0,69%, e desabou para 0,49% nos 30 dias encerrados em 13 de setembro, o que sugere uma inflação baixa para este mês – antes mesmo que a elevação dos juros pudesse ter qualquer efeito sobre a economia. Mais claramente, os preços já estavam subindo menos, derrubando a inflação, e a alta dos juros serve apenas para criar um novo fator de turbulência na economia, ao acirrar as expectativas negativas das empresas e retardar decisões de investimento, criando obstáculos ao crescimento futuro da economia.

A nova tendência para os preços A queda da taxa de inflação, em setembro, tem sido influenciada, entre outros fatores, pela menor pressão altista dos preços dos alimentos em plena entressafra – o que significa dizer que o cenário tende a ser ainda mais favorável quando começarem as colheitas da safra 2004-05, no começo do próximo ano. Basicamente, a menor elevação dos preços dos alimentos (apenas 0,42% ou menos da metade da taxa observada em agosto) foi ditada pela queda dos preços do arroz, feijão e óleo de soja, sendo que os preços do óleo de soja registram taxas negativas, mês após mês, desde julho, pelo menos. Os preços dos combustíveis sofreram redução média de 0,64%, enquanto as tarifas de energia, passado

o pico de alta, em agosto, indicam estabilidade virtual, com ligeiro recuo de 0,03%. Mesmo o custo dos aluguéis registra variação negativa (-0,06%). A série de dados do IBGE mostra, ainda, que os principais focos de alta estiveram concentrados, nas últimas semanas, nas tarifas e preços administrados pelo próprio governo, ou que sofrem correção automática por conta dos contratos firmados à época da privatização dos setores de telefonia e energia elétrica. Esses setores não são afetados pela política de juros. O governo teria sucesso mais rápido e menos doloroso no combate à carestia se decidisse rever aqueles contratos, pondo fim às correções automáticas com base em indicadores que não refletem os custos reais incorridos por empresas

de telecomunicações e de energia. Além desse recurso, sempre haverá a possibilidade de facilitar importações pontuais de alguns produtos, por curtos períodos de tempo, para ampliar a oferta interna e combater altas localizadas de preços. Um tipo de medida que parece fora do receituário único adotado em Brasília – até porque, aumentar os juros não exige qualquer esforço intelectual relevante. Para reforçar seus argumentos, a equipe do BC diz temer que a recente (e tímida, ainda) reação da economia provoque aumentos de salários que, por sua vez, tenderiam a levar as empresas a rever para cima os preços finais de seus produtos, gerando inflação. O raciocínio não procede, como mostra estudo recente do Instituto

de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). O levantamento mostra que a indústria tem conseguido produzir mais televisores, videocassetes, geladeiras, carros, celulares, alimentos e bebidas e mesmo máquinas e equipamentos, despendendo um total de horas trabalhadas proporcionalmente menor. Isso significa que o setor industrial voltou a acumular ganhos de produtividade no primeiro semestre deste ano (alta de 7% em relação à primeira metade de 2003), abrindo espaço para aumentos de salários sem que isso represente pressões adicionais sobre os custos de produção. Vale dizer, sem que o lucro da empresa seja afetado e sem a necessidade de novos aumentos de preços para compensar a correção dos salários. (LVF)


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NACIONAL JUROS X INFLAÇÃO

Mais R$ 1 bilhão no cassino financeiro... D

ois insuspeitos institutos de pesquisas forneceram, logo após o novo aumento dos juros, dia 16 de setembro, a confirmação de que a decisão de retomar a política de elevação dos juros – cartilha única que pauta a política econômica desde os anos 90 – carece de fundamentos lógicos. Os dados da realidade concreta, solenemente ignorada na recente decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) (veja página 8), órgão formado por diretores e pelo presidente do Banco Central (BC), encarregado de fixar a política de juros no país, mostram que o aumento era desnecessário, e vai servir exclusivamente para engordar o lucro de bancos e investidores no cassino financeiro. O BC, claramente, superdimensionou as previsões de alta da inflação para justificar o aumento dos juros básicos, que servem para remunerar bancos e investidores que compram títulos do governo federal no mercado financeiro. A taxa passou de 16% para 16,25% – uma correção modesta, diante do tamanho dos juros já impostos a empresas e pessoas físicas. O importante, no entanto, é que o Copom antecipou, como vinha fazendo desde julho, que os juros continuarão subindo até o final do ano, pelo menos. Com o aumento, o governo vai torrar mais R$ 1 bilhão, nos próximos 12 meses, para pagar juros sobre sua dívida, reduzindo, proporcionalmente, os recursos disponíveis para outros setores da economia. Pode-se antecipar um novo freio aos investimentos públicos, especialmente porque o Copom avisou que deve realizar novos aumentos dos juros antes do fim do ano. O governo vem, literalmente, enxugando gelo com sua política econômica: corta despesas para poupar recursos para pagar juros, de um lado, aprofundando o desmonte do setor público; e, de outro, aumenta os juros, criando mais dívidas. Entre janeiro de 2003 e julho deste ano, o governo economizou R$ 98,4 bilhões para fazer frente às despesas com juros, que consumiram R$ 217,4 bilhões no período. Resultado: a dívida expressa em títulos públicos aumentou de R$ 623,2 bilhões para R$ 759,2 bilhões no período – um salto de 22% em 19 meses, o que corresponde à “criação” de uma dívida adicional de R$ 136 bilhões. Ou seja, a política de juros comeu toda a “economia” realizada e obrigou o governo a se endividar ainda mais para pagar o restante da conta.

CONTRA-ARTILHARIA Os tiros contra a trincheira armada pela tecnocracia do BC partiram, na verdade, de duas instituições de renome e credibilidade na apuração de preços. O primeiro deles saiu da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), ligada à Universidade de São Paulo (USP). Sua pesquisa, realizada semanalmente, mostra que o ritmo de alta dos preços entrou em forte desaceleração desde meados de agosto na capital paulista, saindo de uma variação mensal de 1,03% até a terceira semana de agosto, para 0,56% na segunda semana de setembro. A munição fornecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também serviu para reforçar os argumentos contrários à alta dos juros, ao comprovar que as taxas de inflação não representam uma ameaça à estabilidade econômica.

Institutos afirmam que inflação foi superdimensionada; alta de juros cria um novo fator de turbulência, gerando obstáculos ao crescimento da economia Agência Brasil

Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

Evelson de Freitas/Folha Imagem

...vão engordar lucro dos bancos, pois inflação, pretexto para o aumento dos juros, vem em baixa desde julho

FORA DA REALIDADE (Inflação já estava em queda, antes da elevação dos juros) A decisão de aumentar os juros apenas engorda o lucro de investidores e dos cassinos financeiros

Entre os indicadores que o Instituto utiliza para apurar o comportamento dos preços, um é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a variação mensal da carestia para famílias com renda entre um a 40 salários mínimos em dez capitais e Brasília. Outro, é o IPCA-15, que pesquisa entre os dias 15 de um mês e o dia 15 do mês seguinte, comparando os preços obtidos com idêntico período anterior. De uma certa forma, o IPCA-15 consegue “antecipar” o resultado do IPCA mensal. As pesquisas mais recentes do IBGE apontam a mesma tendência

Período

Inflação (%)*

Período

Juros (%)**

15 de abril a 15 de maio

0,54

Jan/04

16,5

1º a 31 de maio

0,51

Fev

16,5

15 de maio a 15 de junho

0,56

Mar

16,2

1º a 30 de junho

0,71

Abr

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15 de junho a 15 de julho

0,93

Mai

16,0

1º a 31 de julho

0,91

Jun

16,0

15 de julho a 15 de agosto

0,79

Jul

16,0

1º a 31 de agosto

0,69

Ago

16,0

13 de agosto a 13 de setembro

0,49

Set

16,2

(*) Índice de Preços ao Consumidor Amplo e IPCA-15 (**) Taxa básica de juros, usada para remunerar instituições financeiras e investidores. Fontes: IBGE e Banco Central

observada pela Fipe, confirmando uma forte tendência de desaceleração depois de absorvida a “bolha” inflacionária criada pelos aumentos

dos preços administrados – telefone, energia elétrica, combustíveis e, em algumas capitais, tarifas de ônibus urbanos.

O IPCA-15 de julho (15 de junho a 15 de julho) havia acusado uma variação de 0,93% – puxada, principalmente, por um salto de quase 6% no custo dos combustíveis (alta de 5,6% para a gasolina e de 7,1% para o álcool). Nas duas semanas seguintes, conforme apontaria o IPCA de julho, os preços já haviam iniciado uma ainda tímida reversão, já que a taxa para o mês “cheio” (ou seja, entre 1º e 31) havia recuado para 0,91%. Coincidentemente, neste mesmo período, a equipe do BC e seus porta-vozes na chamada grande imprensa abriram uma campanha surda para preparar a sociedade para a nova rodada de aumento de juros, que acabou ocorrendo no dia 15 de setembro. A campanha ignorava a mudança de rumo dos preços indicada pelo IPCA-15 de agosto, que baixou, mais uma vez, para 0,79%, graças aos menores aumentos dos preços dos alimentos e dos combustíveis. A inflação encerrou agosto em 0,69%, e desabou para 0,49% nos 30 dias encerrados em 13 de setembro, o que sugere uma inflação baixa para este mês – antes mesmo que a elevação dos juros pudesse ter qualquer efeito sobre a economia. Mais claramente, os preços já estavam subindo menos, derrubando a inflação, e a alta dos juros serve apenas para criar um novo fator de turbulência na economia, ao acirrar as expectativas negativas das empresas e retardar decisões de investimento, criando obstáculos ao crescimento futuro da economia.

A nova tendência para os preços A queda da taxa de inflação, em setembro, tem sido influenciada, entre outros fatores, pela menor pressão altista dos preços dos alimentos em plena entressafra – o que significa dizer que o cenário tende a ser ainda mais favorável quando começarem as colheitas da safra 2004-05, no começo do próximo ano. Basicamente, a menor elevação dos preços dos alimentos (apenas 0,42% ou menos da metade da taxa observada em agosto) foi ditada pela queda dos preços do arroz, feijão e óleo de soja, sendo que os preços do óleo de soja registram taxas negativas, mês após mês, desde julho, pelo menos. Os preços dos combustíveis sofreram redução média de 0,64%, enquanto as tarifas de energia, passado

o pico de alta, em agosto, indicam estabilidade virtual, com ligeiro recuo de 0,03%. Mesmo o custo dos aluguéis registra variação negativa (-0,06%). A série de dados do IBGE mostra, ainda, que os principais focos de alta estiveram concentrados, nas últimas semanas, nas tarifas e preços administrados pelo próprio governo, ou que sofrem correção automática por conta dos contratos firmados à época da privatização dos setores de telefonia e energia elétrica. Esses setores não são afetados pela política de juros. O governo teria sucesso mais rápido e menos doloroso no combate à carestia se decidisse rever aqueles contratos, pondo fim às correções automáticas com base em indicadores que não refletem os custos reais incorridos por empresas

de telecomunicações e de energia. Além desse recurso, sempre haverá a possibilidade de facilitar importações pontuais de alguns produtos, por curtos períodos de tempo, para ampliar a oferta interna e combater altas localizadas de preços. Um tipo de medida que parece fora do receituário único adotado em Brasília – até porque, aumentar os juros não exige qualquer esforço intelectual relevante. Para reforçar seus argumentos, a equipe do BC diz temer que a recente (e tímida, ainda) reação da economia provoque aumentos de salários que, por sua vez, tenderiam a levar as empresas a rever para cima os preços finais de seus produtos, gerando inflação. O raciocínio não procede, como mostra estudo recente do Instituto

de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). O levantamento mostra que a indústria tem conseguido produzir mais televisores, videocassetes, geladeiras, carros, celulares, alimentos e bebidas e mesmo máquinas e equipamentos, despendendo um total de horas trabalhadas proporcionalmente menor. Isso significa que o setor industrial voltou a acumular ganhos de produtividade no primeiro semestre deste ano (alta de 7% em relação à primeira metade de 2003), abrindo espaço para aumentos de salários sem que isso represente pressões adicionais sobre os custos de produção. Vale dizer, sem que o lucro da empresa seja afetado e sem a necessidade de novos aumentos de preços para compensar a correção dos salários. (LVF)


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De 30 de setembro a 6 de outubro de 2004

NACIONAL OS HOMENS DO COPOM

Toda a economia nas mãos de poucos Diretoria do BC, que forma o Comitê de Política Monetária, escolhida pela Fazenda, não presta contas a ninguém A ESCALAÇÃO

Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

Da esquerda para a direita: Presidente Henrique de Campos Meirelles Administração - Dirad João Antônio Fleury Teixeira Assuntos Internacionais - Direx Alexandre Schwartsman Fiscalização - Difis Paulo Sérgio Cavalheiro

O

que têm poder de decisão no ainda mais temido Comitê de Política Monetária (Copom), criado em junho de 1996 para estabelecer as diretrizes da política monetária (ou seja, da política de controle da oferta de moeda e crédito na economia) e definir as taxas de juros. O mandato deles no Copom dura enquanto ocuparem o cargo de diretores. Dentre os oito, metade veio do mercado financeiro e do meio acadêmico, com nítida predominância da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), que deu ao país nomes como Pedro Malan (ex-presidente do BC e ex-ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso) e Gustavo Franco (que sucedeu Malan à frente do BC, ainda na gestão FHC). A contribuição desses acadêmicos é reconhecida, hoje: levaram o país à quebradeira, produzindo uma escalada de endividamento interno e externo sem precedentes.

QUEM ESCOLHE

PRATA DA CASA

Pois esse tipo de decisão está concentrado nas mãos de oito pessoas — o presidente do BC e seus sete diretores — que formam a temida (por muitos) e amada (por poucos) diretoria colegiada da instituição. Eles são escolhidos, formalmente, pelo ministro da Fazenda e indicados por este, em acerto com a Presidência da República, e os nomes são enviados ao Senado Federal, onde são submetidos a uma sabatina meramente formal, antes de terem seus nomes ratificados. Não há notícia da recusa de uma única indicação feita pela Presidência. São aqueles mesmos homens

Quatro diretores trabalham há anos no BC. João Antônio Fleury Teixeira comanda a diretoria de Administração, é pós-graduado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em formação gerencial e análise de sistemas; Paulo Sérgio Cavalheiro, à frente da diretoria de Fiscalização, é especializado em auditoria pela Universidade de São Paulo (USP); titular da diretoria de Liquidações e Desestatização, Antônio Gustavo Matos do Vale, saiu do antigo Banco Mercantil do Brasil, em 1984, para ocupar um cargo na área federal; e o diretor de Normas e Organização, Sérgio Darcy da Silva Alves, é bacharel em Economia

Fotos: Divulgação

s homens que decidem a política de juros do governo, com poder de vida e de morte sobre a sobrevivência de centenas de milhares de empresas e de seus trabalhadores, são originários do mercado financeiro, ou da academia, e foram escolhidos para a diretoria do Banco Central (BC) exatamente por sua identificação com o que há de mais conservador no pensamento econômico. Na verdade, a base teórica que fundamenta esse pensamento foi toda importada de tradicionalistas e ortodoxas universidades estadunidenses e quase nada tem que se possa chamar de “brasileiro”. Produziu uma receita única: qualquer que seja o problema enfrentado pela economia, os juros devem subir. E eles prosseguem nas alturas desde a segunda metade dos anos 80. Transitam pelas cabeças desses economistas, tecnocratas por formação, termos como “agregados monetários”, “estabilidade macroeconômica”, “metas inflacionárias” e outros clichês da moda, pouco inteligíveis para o cidadão comum. O lado real da economia, com seus milhões de desempregados, deixou de freqüentar a lista de prioridades desses economistas há muito tempo. Depois de passar pelo BC, o destino desses tecnocratas será, como sempre, o mercado financeiro — não por coincidência, o grande favorecido pela política de juros altos.

Embaixo, da esquerda para a direita: Liquidações e Desestatização - Dilid Antonio Gustavo Matos do Vale Normas e Organização do Sistema Financeiro - Dinor Sérgio Darcy da Silva Alves Política Econômica e Estudos Especiais - Dipec/Diesp Eduardo Henrique de Mello Motta Loyo

pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os demais são “estrangeiros”, ou seja, aterrissaram há pouco tempo no banco, trazidos pelo atual presidente, Henrique Meirelles. Engenheiro por formação, Meirelles entrou para a empresa de leasing do BankBoston em 1975 e chegou à presidência mundial da corporação, nos Estados Unidos, em 1996. Quando aceitou renunciar ao mandato de deputado federal, eleito por Goiás em 2002, para assumir a presidência do BC, Meirelles já não era mais o presidente mundial do BankBoston, mas respondia pelo comando das operações do Global Banking no FleetBoston Financial, em Boston (EUA).

ANTES, ERA SERRA... Um dos atuais diretores do Banco Central, que ocupa um posto chave na definição da política monetária, chegou a prever, em artigo assinado e publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, em 25 de maio de 2002, que o então candidato tucano José Serra tinha “60% a 65% de probabilidade de chegar à Presidência”, derrotando o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Quase sete meses mais tarde, no mesmo jornal, este mesmo perso-

nagem, então economista-chefe de uma corretora badalada, escreveu novo artigo, afirmando, desta vez, que o ex-banqueiro e deputado federal eleito Henrique Meirelles não era o nome indicado para presidir o BC. Meirelles, escrevia ele, “está longe de ser o melhor (nome) que poderia ser escolhido no momento”. Ph.D em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley/ EUA), a figura em questão acreditava que Meirelles, a despeito de ter sido presidente mundial do BankBoston, um dos maiores dos Estados Unidos, não tinha estofo técnico para presidir o BC brasileiro. E escreveu, sem medo de ser feliz: “Meirelles pode se cercar de bons economistas nas posições essenciais do Banco Central, mas, hoje em dia, é preciso que, em determinadas ocasiões, o presidente de qualquer banco central decida entre diferentes opções, e conhecimento técnico. Isso é essencial nesses momentos”.

...DEPOIS, ADERIU Pois um dos economistas mais procurados pela imprensa enquanto ocupava alta posição num dos maiores bancos privados brasileiros parece ter mudado de idéia. Tanto é assim que deixou o

bem remunerado cargo de economista-chefe do Unibanco, em novembro do ano passado, para assumir a estratégica Diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central. Aos 41 anos, Alexandre Schwartsman repete uma trajetória mais ou menos rotineira entre os mais requisitados economistas do mercado financeiro. É mestre em Economia pela Universidade de São Paulo, formou-se em administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), passou por Berkeley, onde conseguiu seu Ph.D em 2000. Berkeley foi a mesma universidade freqüentada por Afonso Sant’Anna Bevilaqua, diretor de Política Monetária do BC desde agosto de 2003. Formado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Bevilaqua — assim como Eduardo Henrique de Mello Motta Loyo, hoje diretor de Estudos Especiais do BC — trocou o Departamento de Economia da instituição pelo cargo federal. Dos três, no entanto, só Schwartsman tem experiência de mercado: passou pelas distribuidoras de títulos e valores mobiliários dos bancos franceses Crédit Agricole e Indosuez e pela corretora do banco holandês BBA. Depois da temporada pelo BC, o destino desses homens é conhecido de antemão: bem remuneradas posições em instituições financeiras, como se tem visto.

Sinal amarelo: emprego e renda voltam a cair Depois de avisar que a inflação está em queda, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) emite um novo sinal de alerta aos diretores do Banco Central (BC) e membros do Comitê de Política Monetária (Copom). A taxa de desemprego, que vinha em queda desde abril, voltou a subir em agosto, saindo de 11,2% em julho para 11,4% com a inclusão de mais 48 mil pessoas entre os desempregados, segundo pesquisa do IBGE em seis regiões metropolitanas. Agravando o cenário, o rendimento médio voltou a cair, encurtando a renda disponível da população e lançando sombras sobre a perspectiva de manutenção da recuperação da atividade econômica.

MENOS VAGAS Como pessoas e desempregados deixaram de fazer parte da agenda econômica dos “homens do Copom”, arrisca-se quem apostar que o tema chegue a ser discutido na próxima reunião do Comitê, em outubro. Mas aqueles indicadores mostram que a recente tendência de reação da economia não parece consolidada e ainda está sujeita a altos e baixos. Note-se, por exemplo, que o número de desempregados voltou a crescer, ainda que modestamente,

em agosto, mês anterior à decisão do Copom de arrochar mais um pouco a economia com a política de juros altos. Ou seja, a insistência em novos aumentos dos juros poderá jogar por terra a incipiente recuperação econômica. Na comparação com julho, o total de desempregados avançou 2% em agosto, resultado de uma variação de apenas 0,3% no total de pessoas ocupadas, diante de um incremento de 0,5% para o número de pessoas em busca de emprego. Em agosto, a economia conseguiu gerar apenas 53 mil empregos a mais do que em julho, insuficientes para abrigar as 101 mil pessoas que passaram a fazer parte da população economicamente ativa. Resultado: 48 mil ficaram sem colocação.

vagas) foram preenchidas por empregados sem carteira, por conta própria e sem remuneração. Mais grave: 522 mil pessoas, ou 75% dos novos empregados, passaram a exercer funções com remuneração inferior a um salário-mínimo/hora, ou estavam subocupadas.

TAXA DE DESOCUPAÇÃO TOTAL (%) 14,0

13,2

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MENOS RENDA

11,6

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RENDIMENTO MÉDIO REAL HABITUAL DA PESSOAS OCUPADAS (a preços de agosto de 2004) 910

MENOS DIREITOS O mais grave é que não foram criados empregos com carteira assinada; todas as vagas abertas em agosto foram ocupadas por trabalhadores sem registro e/ou por conta própria (autônomos, ambulantes, camelôs etc). A situação só é melhor do que em agosto de 2003, quando a economia batia no fundo do poço e o desemprego ainda rondava a casa dos 13%. Na comparação entre

898 886 874 862 850

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Fonte: IBGE

agosto deste ano e o mesmo período de 2003, o total de desempregados caiu 11,2%.

Foram criados 697 mil empregos desde então – porém, mais de 62,3% dessas ocupações (434 mil

O rendimento médio real habitualmente recebido pelas pessoas com alguma ocupação, depois de experimentar dois curtos meses de recuperação, voltou a cair em agosto, sugerindo novo enfraquecimento da demanda – antes da alta dos juros, frise-se. A renda média dos ocupados caiu 1,4% em relação a julho, e 0,9% diante de agosto de 2003. Em relação a julho, os trabalhadores por conta própria foram os mais atingidos, com perda de 1,8%, seguida de uma queda de 1,6% para os rendimentos médios dos empregados com carteira do setor privado. Apenas os empregados sem registro conseguiram algum fôlego, com um aumento real (depois de descontada a inflação) de 0,9% sobre julho. Em relação a agosto de 2003, todas as categorias tiveram perdas e, desta vez, o prejuízo maior ficou para os empregados sem carteira assinada: um tombo de 2,9% no rendimento médio. (LVF)


Ano 2 • número 83 • De 30 de setembro a 6 de outubro de 2004 – 9

SEGUNDO CADERNO LIVRE COMÉRCIO

Brasil capitula também frente aos europeus Mercosul cede na negociação com a União Européia e aceita acordos em temas que rejeita discutir na Alca e na OMC Jorge Pereira Filho da Redação

O

Mercosul está colocando em xeque a segurança alimentar e o desenvolvimento do Brasil na negociação de um tratado de livre comércio com a União Européia (UE). E, desta vez, os movimentos sociais e as Organizações Não-Governamentais (ONGs) não estão sozinhos na denúncia desse acordo. Agora, o próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) alerta para os riscos da oferta entregue aos europeus, dia 24 de setembro. A posição do MDA de criticar abertamente a proposta do Mercosul reflete o clima de divergências dentro do governo sobre o conteúdo do acordo. Antes de o bloco sulamericano fechar sua proposta, em uma reunião com técnicos de vários ministérios, o representante do MDA abandonou as negociações depois de ouvir do Itamaraty que o Brasil aceitaria reduzir para zero a tarifa de importação para o leite europeu, em dez anos. Hoje, o imposto é de 27%. Para o ministério, a medida ameaça a produção alimentar no Brasil. “O Mercosul está cedendo em setores estratégicos para o nosso desenvolvimento. Esse acordo está muito desequilibrado, principalmente em agricultura”, critica Laudemir Müller, chefe da Assessoria Internacional do MDA. Hoje, existem 1,8 milhão de produtores de leite no país, dos quais 80% de porte familiar. São trabalhadores rurais como o gaúcho Leandro Noronha que, com a produção de oito vacas consegue, com sorte, renda mensal líquida de R$ 200 para sustentar a família, em Encruzilhada do Sul. Se o acordo com os europeus for assinado, a família de Noronha corre o risco de ficar sem esse rendimento, que hoje está abaixo do salário mínimo. “A eliminação das tarifas forçará o preço pago aos produtores para baixo. Os pequenos e médios perderiam demais e não teriam como competir com o leite produzido na União Européia, altamente subsidiado”, explica Altacir Bunde, da direção nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Os europeus reservaram, neste ano, 1,7 bilhão de euros para subsidiar a exportação do produto. O caso do leite é apenas um exemplo do impacto das concessões que os governos da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai estão fazendo. O Itamaraty aceita, ainda, acordos em áreas tidas anteriormente como inegociáveis, como investimentos, compras governamentais, serviços e propriedade intelectual (veja quadro ao lado). “As condições desse acordo são piores que as da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e da Organização Mundial do Comércio (OMC). O Mercosul está muito mais generoso e entrega áreas estratégicas sem ganhar nada”, acusa Fátima Mello, da secretaria da Rede Brasileira de Integração dos Povos (Rebrip), articulação política de ONGs e movimentos sociais. “Os europeus querem ampliar mercados para produtos de alto valor agregado, enquanto nossa pauta primária-exportadora consolida uma situação já vivida em vários momentos da história brasileira”, avalia Laudemir Müller, do MDA.

PERDAS Sem mesmo conhecer a oferta dos europeus, o Mercosul enviou com antecedência de dias suas concessões – abrindo mão de uma regra previamente combinada, a troca simultânea de ofertas. Quando as

ANATOMIA DE UM ACORDO DESIGUAL

BLOCOS COMERCIAIS*

INTERESSES EM JOGO > O Mercosul oferece aberturas em vários setores socioeconômicos, aceitando acordods que não negocia na Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Na negociação, o bloco sulamericano se limita a buscar aumento de exportações agrícolas. >A União Européia (UE) quer o mesmo o que os Estados Unidos desejam com a Alca. Os europeus anseiam garantir mercados para suas transnacionais e impor alterações jurídicas e institucionais nos outros países para privilegiar o capital europeu. ALGUMAS PROPOSTAS Agricultura > Mercosul propõe a eliminação das tarifas de importação do leite europeu em um prazo de dez anos. Atualmente, a tarifa está em 27%. Exige uma proposta européia que possibilite ganhos imediatos com a exportação agrícola; > UE oferece reduzir impostos de parte da exportação do Mercosul. Exemplo: cortar impostos de 160 mil das 275 mil toneladas de carne bovina vendidas para o Velho Mundo. Conseqüências: Os ganhadores dessa negociação seriam, apenas, os atuais agroexportadores, já que aumentariam seus lucros, pagando menos impostos, sem que os países do Mercosul ampliassem suas exportações. Perdem os pequenos produtores, que terão de concorrer com o leite europeu subsidiado e todos que defendem um país com soberania alimentar. Acesso a mercados (bens industriais) > UE propõe abaixar as tarifas para quase 100% que compra, hoje, dos países sul-americanos. Hoje, a taxa média está em 4%; > Mercosul oferece redução ou eliminação de impostos de 90% dos produtos importados da Europa. Hoje, a taxa média está em 12%; Conseqüências: O Mercosul vai abrir mais seu mercado, reduzindo suas tarifas de 12% para zero, enquanto os europeus abaixariam de 4% para zero. Além disso, boa parte do que o Brasil já exporta aos europeus não é tarifado por ser um bem primário. Como nossa indústria é inferior tecnologicamente, a conseqüência será menos fábricas, menos empregos, menores salários, maior desemprego. Ganham as empresas exportadoras da Europa. Perdem os trabalhadores e os defensores de um projeto de desenvolvimento nacional. Compras governamentais > Mercosul abre as compras do governo federal para a concorrência de empresas européias; > União Européia pressiona para que suas empresas possam participar de concorrências nos estados e municípios Conseqüências: O acordo pode comprometer um instrumento de políticas públicas poderoso, o poder de fogo das compras governamentais. Um governo pode estimular, por exemplo, a produção dos pequenos agricultores brasileiros comprando deles alimentos para o Fome Zero. Perde quem defende o fortalecimento do papel do Estado em reduzir desigualdades sociais. Ganham as transnacionais européias. Propriedade Intelectual > União Européia quer obter aquilo que não conseguiu na Organização Mundial do Comércio (OMC), um acordo de denominação geográfica. Exige que alguns vinhos, queijos e embutidos sejam exclusivamente europeus; > Mercosul aceita negociar o tema e diz que concessões dependem da oferta dos europeus sobre exportações; Conseqüências: Se assinado, um pequeno produtor brasileiro seria proibido de vender queijo tipo “parmesão” ou a simples mortadela, pois seriam patentes européias. Investimentos > União Européia quer garantias jurídicas e institucionais para investidores europeus; > Mercosul aceita negociar o tema, mas tenta preservar algumas áreas, como impor restrições à compra de terra por europeus; Conseqüências: Maior dependência brasileira pelo capital europeu, aumentando nossa vulnerabilidade externa.

receberam, os europeus se disseram insatisfeitos. Nem fizeram uma oferta oficial, mas já pediram que o Mercosul amplie suas concessões. “Em troca disso, o Mercosul está conseguindo algumas cotas em produtos que já exportamos. Nosso ganho, em carne bovina, por exemplo, não daria um navio de carne por ano”, relata Müller. A União Européia só aceita reduzir tarifas para apenas uma cota do volume das atuais exportações do Mercosul. No caso da carne, os europeus propõem diminuir – em dez anos – os impostos de 160 mil das 275 mil toneladas exportadas. Isso com a ressalva de que, no primeiro ano do acordo, a redução seria de 10% da cota, dividida pelos quatro países. Assim, o Brasil teria desconto em apenas 4 mil toneladas de carne vendidas. “A posição do governo é tomada de acordo com as políticas propostas pelo agronegócio. Corremos o risco de inviabilizar a produção de milhares de pequenos produtores em troca de vender alguns produtos

para o mercado europeu”, acusa Altacir Bunde, do MPA. Atualmente, Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura e empresário do agronegócio, e Luiz Fernando Furlan, ministro do Desenvolvimento e ex-presidente da Sadia, são os que definem, ao lado do Itamaraty, a posição brasileira na negociação com os europeus. As propostas não são discutidas com a sociedade brasileira e até mesmo o Congresso Nacional desconhece o que está sendo acordado (veja reportagem ao lado). “Esses dois ministros são os grandes responsáveis pelo tratado com os europeus. Eles representam uma elite, com seus oligopólios, e não se importam que os pequenos quebrem. É a velha visão da política. O governo é Lula, mas infelizmente, isso permanece”, lamenta o deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), presidente da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul. O Ministério das Relações Exteriores foi procurado por diversas ocasiões pela reportagem do Brasil de Fato, mas não quis se pronunciar.

UNIÃO EUROPÉIA Países membros: 25 Área: 3 milhões de Km População: 456,6 milhões PIB: 10,9 trilhões MERCOSUL Mercado Comum do Cone Sul Países membros: 4 (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) Área: 11,8 milhões de km População: 225 milhões de pessoas (BRA=79%) PIB Total: 642 bilhões de dólares (BRA=77%) * Dados de 2003.

Trabalhadores denunciam “entreguismo” Se depender da disposição do governo brasileiro, os movimentos sociais terão um prazo curto para barrar o tratado de livre comércio do Mercosul com a União Européia. Diplomatas dos dois blocos comerciais querem concluir as negociações até 31 de outubro. No final do mês, uma reunião ministerial no Brasil ratificaria o tratado. O prazo foi estipulado porque, em outubro, vence o mandato dos negociadores europeus, que serão substituídos. Se não houver acerto até essa data, será necessário reiniciar toda a negociação. Poucos dias após a entrega da proposta do Mercosul, os movimentos sociais demostraram agilidade para manifestar repúdio ao fechamento do acordo. Em declaração oficial, a Vía Campesina classificou de “traidores”, “mercadores de segunda categoria” e “vende pátria” os diplomatas brasileiros. O texto é assinado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento das Mulheres Camponesas e Comissão Pastoral da Terra (CPT). Já a Central Única dos Trabalhadores (CUT) enviou uma carta aos ministros Celso Amorim (Relações Exteriores), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e Roberto Rodrigues (Agricultura) exigindo que nenhum acordo seja assinado sem que a sociedade participe das discussões sobre os impactos dessa negociação.

Na carta enviada aos ministérios, a CUT avalia que o acordo com os europeus poderá desestruturar cadeias produtivas, como a do setor automobilístico, com empresas de autopeças indo à falência. “Como podemos, produtores, trabalhadores e consumidores avaliar os impactos de uma proposta que não conhecemos em sua extensão?”, pergunta a direção nacional da Central. Já a Via Campesina denuncia que o acordo forçaria milhões de agricultores a engrossar as “fileiras do êxodo rural”. Se o acordo for assinado, os produtores de leite, vinho, cebola, alho e pêssego serão prejudicados, afirmam as organizações. Os camponeses criticam também as concessões feitas nas áreas de compras governamentais, investimentos, bens industriais e serviços (leia a íntegra na página www.jubileubrasil.org.br).

SUBORDINAÇÃO “Não podemos nos calar diante dessa vergonhosa submissão dos interesses do povo brasileiro ao capital europeu, levada adiante por negociadores, que deveriam se chamar de ‘entregadores’, que não têm qualquer legitimidade para nos representar. Esperamos que o governo brasileiro, honre seus compromissos de campanha com o povo brasileiro e defenda pelo menos nosso trabalho. O que está em jogo são a nossa soberania e o nosso futuro como país. Está em jogo um projeto de desenvolvimento nacional”, conclui a Via Campesina. (JPF)

Parlamentares criticam falta de transparência “É um processo de negociação sem transparência, sem democracia. Se esse acordo vier para o Congresso, eu vou trabalhar contra a sua assinatura”, promete o deputado federal dr. Rosinha (PT-PR), presidente da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul. A ameaça reflete o clima entre os parlamentares em relação à negociação do acordo de livre comércio do bloco sul-americano com a União Européia (UE). Sem acesso a quaisquer das propostas, os deputados e senadores se limitam a acompanhar pelos jornais o que o Ministério de Relações Exteriores está oferecendo aos europeus. “Essa situação é insustentável. O Parlamento não pode ficar restrito a referendar um acordo sem acompanhar o processo negociador”, critica a deputada

federal Maria José Maninha (PTDF), vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores e presidente da Comissão Parlamentar das Américas (Copa). Por duas vezes, os deputados já solicitaram, oficialmente, explicações ao Itamaraty, mas não foram atendidos. “O processo está sendo diferente do que ocorre nas negociações da Área de livre Comércio das Américas (Alca), quando os negociadores informavam o que estava em negociação”, diz a deputada. Para Dr. Rosinha, o acordo com a União Européia abre um precedente perigoso. “É um erro estratégico no enfrentamento da Alca e da OMC. Depois disso, o governo não encontrará mais razão para se opor a essas negociações”, conclui o parlamentar. (JPF)


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AMÉRICA LATINA VENEZUELA

Mais segurança após mortes na fronteira Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)

Jonah Gindin

Chávez manda reforçar vigilância na divisa com a Colômbia e especialista alerta para ofensiva estadunidense

O

conflito armado na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela se acirrou nos últimos dias. Pelo menos 14 pessoas foram assassinadas em diferentes emboscadas no Estado venezuelano de Apure. O presidente Hugo Chávez anunciou a compra de um helicóptero russo para reforçar a vigilância e convocou as Forças Armadas para ampliar a proteção da região. “Foram dadas instruções para aprofundar as patrulhas por água, terra e ar. Isso não pode ficar impune, seja quem for o agressor”, disse Chávez, dia 26 de setembro, no programa dominical de rádio e televisão Alô Presidente. Ainda não se sabe se os crimes foram cometidos pela guerrilha, por paramilitares ou por traficantes de drogas. O clima de tensão na extensa fronteira de 2.219 quilômetros não é fato novo. A área é marcada por conflitos entre grupos armados e os camponeses locais que, constantemente, são ameaçados e mortos. Em visita à região, onde cinco militares e uma engenheira da estatal petroleira PDVSA foram assassinados, Chávez disse que, enquanto os soldados estadunidenses estiverem no país vizinho, a violência seguirá crescendo e afetará cada vez mais a Venezuela. “Esse não é um problema dos venezuelanos e, portanto, o Estado colombiano deve assumir sua responsabilidade. É de lá para cá que vêm os guerrilheiros, os paramilitares e os narcotraficantes”, afirmou Chávez. Em tom diplomático, o presidente colombiano Alvaro Uribe disse contar com a ajuda de Chávez: “Temos tido esses problemas há muito tempo. Acreditamos que poderemos superá-los na medida em que o governo da Venezuela nos ajudar”. Especialistas avaliam que fatos como esses assassinatos fazem parte da estratégia do Plano Colômbia, financiado pelos Estados Unidos sob o pretexto de combater o tráfico de drogas na região. Para o economista e ativista político Hector Mondragon, a estratégia é de transferir o problema dos paramilitares para os países vizinhos, como Venezuela e Equador. “O objetivo é justificar uma intervenção estadunidense, seguindo os mesmos moldes do que é praticado na Colômbia hoje: assassinatos de camponeses, de ativistas políticos e seqüestros, sob a tutela do Estado”, analisa Mondragon, para quem os paramilitares colombianos estão formando grupos armados do lado venezuelano da fronteira, o que seriam as Autodefesas Unidas da Venezuela (AUV). (Com informações de Venpres, www.venpres.gov.ve)

O conflito armado justifica uma intervenção estadunidense nos moldes do que é praticado na Colômbia hoje, segundo o economista Hector Mondragon

AMÉRICA DO SUL

EUA insistem em imunidade para manobras Fernando Oz de Buenos Aires (Argentina) O subsecretário estadunidense para o Controle de Armamentos, John Bolton, voltou a pedir ao secretário de Relações Exteriores da Argentina, Jorge Taiana, que o governo do presidente Néstor Kirchner conceda imunidade judicial às tropas dos EUA que vão realizar manobras conjuntas com tropas argentinas, em território argentino. Bolton assinalou que a Tríplice Fronteira (entre Brasil, Argentina e Paraguai, área que o governo dos EUA aponta como freqüentada por terroristas árabes) é uma região “sensível para a segurança mundial”. O novo pedido, feito dia 23 de setembro, foi transmitido também ao governo argentino pelo embaixador estadunidense em Buenos Aires, Lino Gutiérrez. O governo de Kirchner, entretanto, mantém a sua postura de não outorgar imunidade judicial aos soldados de quaisquer países. Segundo a agência de notícias Télam, Bolton enfatizou o interesse de seu país em abrir uma exceção ao artigo 98 do chamado Estatuto de

Roma, tratado pelo qual foi criado o Tribunal Penal Internacional, ao qual a Argentina aderiu. No mesmo dia, em Buenos Aires, o embaixador estadunidense Gutiérrez se declarou “confiante” de que vá haver um acordo para garantir a imunidade dos soldados de seu país que venham para manobras em território

argentino. Gutiérrez falou em reunião com os empresários de imprensa, na Associação de Empresários de Imprensa da Argentina (Adepa). O Congresso argentino votou, há meses, nova lei sobre a entrada de tropas estrangeiras, que não permite abrir exceções para conceder imunidades. Desde 2003 houve

vários desentendimentos entre os governos dos EUA e da Argentina, tendo sido manobras em San Luis e Mendoza e também em Misiones, Salta e Entre Ríos. Agora, novamente o governo argentino, por meio do secretário Taiana, rejeitou a outorga de imunidades aos soldados estadunidenses.

Jovens se reúnem nos Andes argentinos Maciel Cover de Porto Alegre (RS) Cerca de mil jovens se reuniram no 4° Acampamento LatinoAmericano de Jovens em Jocoli, na província andina de Mendoza, na Argentina, entre os dias 23 e 26 de setembro, numa promoção da Mesa Nacional de Organizações de Produtores Familiares da Argentina. Este ano estiveram representadas diversas organizações do campo e da cidade, articuladas pela Via Campesina, para discutirem as lutas pelo direito a saúde, identidade, trabalho, água, terras. Apesar do clima semidesértico e das dificuldades com

a falta de água, os jovens ficaram entusiasmados com o encontro. Houve atividades de expressão mística e cultural. Ao som dos tambores dos piqueteiros, os jovens reafirmavam suas convicções de luta por um mundo melhor, por terra, trabalho e justiça. No dia 24 de setembro, pela manhã, os participantes fizeram uma marcha que paralisou a rodovia Rota 40 durante meia hora e, em seguida, abriram as comportas da barragem de Mairinque, que concentra mais da metade das águas da região mas tem seu uso restrito aos latifundiários e proibido aos camponeses. Em Mendoza, a privatização da água data de 1861. As águas que des-

cem da Cordilheira dos Andes são na sua maior parte canalizadas para barragens construídas por latifundiários e, para usá-las, os camponeses têm de pagar por elas. Isso explica as dificuldades que houve com o abastecimento de água durante o encontro. Do Brasil participaram jovens do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Movimento dos Atingidos por Bar-ragens (MAB) e Movimento dos Moradores do Centro (MMC). O encontro se inseriu no processo de consolidação da articulação de jovens pela Via Campesina Sul-Americana.

INTEGRAÇÃO

Países da região amazônica criam plano estratégico Adilson Vieira de Manaus (AM) Os chanceleres de oito países que abrigam áreas da floresta amazônica reuniram-se a portas fechadas, na semana passada, em Manaus (AM), para aprovar o plano estratégico da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). A meta de desenvolvimento sustentável, incluindo populações e ecossistemas da maior e mais biodiversificada bacia de águas do mundo, conflita com as pressões do mercado internacional de commodities – minerais, vegetais, animais ou fósseis. A biopirataria foi um dos temas destacados na entrevista coletiva do ministro Celso Amorim (Brasil), da secretária-geral Rosalia Arteaga (Equador) e do ministro Manoel Rodriguez (Peru). Rosalia afirmou que a orga-

nização defende a precaução em acordos de propriedade intelectual que envolvam recursos genéticos e conhecimentos tradicionais, ancestrais ou populares. Porém, esses recursos e conhecimentos estão presentes em diversas negociações de livre comércio que os Estados Unidos discutem na região, como na Colômbia. A entrevista coletiva não tratou do polêmico megaprojeto Integração de Infra-estrutura Regional Sul Americana (IIRSA), que propõe uma série de grandes projetos. Enquanto os chanceleres assumiam compromissos em Manaus, outros delegados discutiam em Porto Rico a nova rodada de negociações de acordos de livre comércio com os Estados Unidos – acordos que contêm graves ameaças para a soberania dos conhecimentos tradicionais e da biodiversidade da

região, defendida pela nova organização. Participaram da reunião de Porto Rico representantes dos governos da Bolívia, da Colômbia, do Equador, do Peru, todos membros da OTCA.

FOCO NA BIOPIRATARIA O chanceler Celso Amorim afirmou que uma questão central da OTCA será a propriedade intelectual, alvo de ação conjunta do Brasil com outros países na Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI). Para ele, as queixas dos países ricos sobre pirataria se invertem quando entra em cena a biopirataria. “Bilhões de dólares circulam anualmente na indústria biotecnológica, mas tanto a população como os países de origem dos conhecimentos tradicionais que orientam essa indústria não são beneficiados. Nossa meta será lutar

pelo equilíbrio dessa situação para os países e para os moradores da Amazônia”, disse. A participação da sociedade civil no processo da OTCA ainda não está clara. Como é uma organização de governos, depende de cada comissão nacional a criação desses mecanismos democráticos. Para Amorim, parece evidente que, diante dos temas envolvidos, essa participação seja prevista. “Ainda não temos o momento exato, mas é indispensável que essa articulação ocorra porque não dá para definir nada sobre a questão dos conhecimentos, por exemplo, sem a presença das comunidades indígenas e tradicionais.” O Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) foi outro tema discutido, assim como a passagem da reunião de bienal para anual. Outros pontos abordados foram a

realização de encontros legislativos, com apoio do Parlatino, para buscar a adequação das leis entre os diversos países. No caso da segurança, os porta-vozes da OTCA afirmaram que as atividades ilegais já ameaçam suficientemente a região, não tendo sido discutida qualquer ameaça imediata de agressão territorial à região amazônica. Amorim resumiu o consenso do encontro: “Teremos uma grande prioridade para os povos indígenas”. Para a secretária-geral Rosalia, não haverá problemas em buscar recursos junto aos países desenvolvidos – inclusive com a negociação dos serviços ambientais. “Sem hipotecar nossa soberania, valorizando o que os antepassados nos legaram, é preciso buscar recursos junto aos que têm uma preocupação legítima com a conservação da floresta”, analisou.


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INTERNACIONAL ÁFRICA

Livro analisa loucura entre negro-africanos Marilene Felinto da Redação

E

ntender as formas pelas quais os conhecimentos e os sentidos atribuídos à loucura são organizados na sociedade dogon, povo do Mali (África do Oeste), foi o objetivo deste trabalho da terapeuta ocupacional e professora da Universidade de São Paulo (USP), Denise Dias Barros. O estudo, agora publicado em livro – Itinerários da Loucura em Território Dogon (Casa das Áfricas/Editora Fiocruz) –, foi, inicialmente, material da tese de doutorado apresentada por ela à faculdade de Ciências Sociais da USP. Denise Barros passou dois anos (1994-1996) em território dogon pesquisando as possibilidades de tratamento ou de abandono abertas à pessoa considerada louca naquele grupo negro-africano, bem como as inter-relações entre as manifestações da loucura (chamadas wedewede e yapilu em língua dogon) e práticas sociais dessa sociedade. A pesquisa de campo consistiu na coleta de narrativas orais cujos temas são vinculados à loucura, na observação, no convívio e em entrevistas com especialistas da medicina tradicionista dogon no tratamento da problemática psíquica, com adivinhos, familiares e doentes. “Tradicionista” é o termo preferido hoje pelos estudiosos para designar o que se conhecia por “tradicional” (como em “medicina tradicional”). A região onde os Dogon vivem encontra-se na 5ª Região Administrativa da República do Mali e é conhecida pelo nome de Mopti, sua capital, e dividida em várias sub-regiões. Uma das cidades importantes é Bandiagara, sede da administração da sub-região de mesmo nome. A população, eminentemente rural, é de 1 milhão e 268 mil habitantes, composta pelas etnias Fula, Bozo, Dogon e Songai, dedicadas respectivamente a pecuária, pesca, agricultura e comércio de artesanato. Para os Dogon, o adoecimento, incluindo o sofrimento mental, é processo pessoal bastante complexo, e não se separa da noção de pessoa característica do grupo, noção esta que envolve múltiplos planos: físico, psíquico, ancestral, espiritual e totêmico (baseado num “totem”, animal, planta ou objeto que serve como símbolo sagrado de um grupo social e é considerado como seu ancestral ou divindade protetora). “O pensamento negro-africano desconhece a separação corpo/ espírito da psiquiatria européia”, diz Denise Dias Barros. Na sociedade dogon, a loucura é freqüentemente associada à transgressão de proibições, por exemplo. Desse modo, o conhecimento a respeito da doença abrange aspectos da biologia mas também significados atribuídos a práticas sociais. “O adoecer se configura como momento existencial no qual tanto os adivinhos quanto os terapeutas agem como delegados da sociedade, de maneira a reencontrar o equilíbrio da relação entre os diferentes elementos pessoais, sociais e ancestrais”, completa Denise. Segundo a pesquisadora, entre os Dogon, é possível distinguir, como especialistas da saúde, os adivinhos, os terapeutas, os vendedores de plantas medicinais e objetos destinados ao tratamento e rituais terapêuticos, assim como os encarregados de cultos específicos. A maioria das pessoas é tratada em família com o auxílio de remédios provenientes da farmacopéia popular e, às vezes, com auxílio de medicamentos convencionais, principalmente nos grandes núcleos habitacionais. O conhecimento das plantas é sugerido nos contos coletados por Denise Barros, e um certo número de plantas utilizadas pelos especialistas

Fotos: Gianni Puzzo

Para os Dogon, do Mali, doença e tratamento envolvem planos físico, psíquico, ancestral e espiritual

Processo de cura de doença mental em Kunjala, 1996; para os Dogon, medicamentos acalmam, mas não libertam da doença

é de uso recorrente e está à venda no mercado. “O que caracteriza a ação do terapeuta e marca a diferença sobre os cuidados de um leigo está no conjunto de sua intervenção: ritos propiciatórios, encantamentos, uso de medicamentos vegetais, minerais e animais, bem como a autoridade e qualidade da própria presença como terapeuta, reconhecido como aquele que acolhe e que tem o poder de curar”, escreve Denise. “A terapêutica não se separa da autoridade e da pessoa daquele que cura. Toda análise que cinde esse processo em unidades separadas (ritos, plantas, sacrifícios, adivinhação, mito, relações sociais) perde a possibilidade de compreensão. As estratégias redutoras do conhecimento científico têm se mostrado pouco eficazes nestes domínios do complexo e do incerto”, afirma. A pesquisadora observou que a presença da medicina de origem européia é frágil em toda a região dogon. “O sistema é insuficiente e

precário, sendo somente acessível mediante pagamento em moeda. No campo específico da psiquiatria, um médico realiza consultas ambulatoriais no Centro Regional de Medicina Tradicional (CRMT), atendendo a casos particulares dentro de uma proposta de colóquios clássicos e controle medicamentoso (basicamente, os neurolépticos: cloropromazina, prometazina; ansiolíticos: diazepan e antdepressivos: amitriptilina)”, comenta. “Essa estratégia terapêutica, já insuficiente em nossos meios, é absolutamente inoperante nessas regiões, seja pela abordagem redutora, seja pelo pequeno alcance das intervenções, que permanecem restritas aos que procuram os consultórios. Dentre esses, poucos conseguem dar continuidade ao tratamento proposto.” Denise acrescenta. Ela afirma ainda que os especialistas dogon que encontrou reconhecem a força dos medicamentos da chamada biomedicina européia, mas acreditam

Ingre Dara, terapeuta dogon

que esta não trata a loucura. “Para eles, esses medicamentos podem acalmar uma pessoa agressiva, mas não a libertam da doença. Alguns terapeutas, como Allaye Sagara, solicitavam tranqüilizantes ‘para não ter de amarrar seus doentes’, mas ele é enfático em dizer que acalmar não é tratar.” Ao abordar a mediação entre o conhecimento chamado “científico” da psiquiatria ocidental e as proposições das medicinas locais, o trabalho de Denise Dias Barros vai na direção do interesse pela medicina africana, que aumentou no período pós-colonial (o Mali tornou-se independente da França em

1960). “Os primeiros psiquiatras africanos formados na Europa”, relata Denise, “realizaram uma espécie de sincretismo psiquiátrico, produzido pela formação européia e a tradição interpretativa e terapêutica africana, nunca completamente negada ou cancelada. Isso produziu formulações originais do problema da desordem psíquica na África. Estados africanos perceberam a necessidade de oferecer assistência psiquiátrica mantendo uma atitude de respeito ao sistema terapêutico de origem local.” Importante ponto de vista não só porque atualmente o campo da saúde mental deixou de ser uma prerrogativa do saber médico, conforme também aponta Denise Barros, tornando-se um espaço de saberes múltiplos (de diferentes atores sociais) e interdisciplinares (psicologia, antropologia, sociologia, política, medicina, artes), como também por se tratar de enfoque que fortalece a África e seus atuais processos de luta pela independência e pela descolonização política, econômica e de mentalidades. O acervo fotográfico do livro Itinerários da Loucura em Território Dogon é trabalho do fotógrafo Gianni Puzzo, que acompanhou a pesquisa de campo no Mali.

Tropas francesas repudiadas na Costa do Marfim da Redação Um forte repúdio à presença de tropas francesas na Costa do Marfim foi manifestado em 23 de setembro por forças políticas locais depois do roubo cometido por 12 soldados franceses a uma agência bancária da cidade de Man, no oeste do país. Rádios da África do Oeste divulgaram declarações de grupos leais ao presidente Laurent Gbagbo em que exigem a retirada da tropa estrangeira antes de 2 de outubro. Caso essa solicitação não seja atendida, haverá represálias, afirmou o chefe dos Jovens Patriotas, Charles Ble Goude, e indicou um

aumento da rejeição ao contingente francês. Ble Goude, que chamou os franceses de “tropas de ocupação”, disse que sua organização utilizará todos os meios a seu alcance para exigir a saída total do grupamento estrangeiro. A maior parte desses efetivos estão colocados em zonas intermediárias entre o exército de Gbagbo e seus rivais, os milicianos das Forças Novas. Dezenas de membros dos Jovens Patriotas realizaram uma manifestação pacífica perto do quartel do 43º Batalhão de Infantaria da Marinha em Abidjan (capital). Na semana anterior, 12 soldados

franceses roubaram cerca de 100 mil euros (perto de R$ 400 mil) da agência do Banco Central dos Estados da África do Oeste (BCEAO) na localidade de Man. Ble Goude relacionou o delito com uma cumplicidade entre os soldados franceses e as Forças Novas, que controlam a metade norte da Costa do Marfim. As Forças Novas, ex-membros da rebelião, negaram envolvimento com o ato e pediram a formação de uma comissão mista (nacional e internacional) para investigar outros roubos milionários realizados no ano passado nas agências do BCEAO nas vilas de Bouake e Korhogo.

Como essas ações recentes foram atribuídas a combatentes de suas fileiras, solicitam esclarecimento da situação. Segundo esse grupo de oposição ao governo, o que ocorre hoje é uma campanha midiática e diplomática para prejudicar sua imagem. Desde o ano de 2002, a Costa do Marfim sofre uma crise política resultante do conflito entre militares sublevados do exército nacional e as forças fiéis ao governo. Paris facilitou o diálogo entre as partes, mas a aplicação do acordo feito no ano passado não conseguiu solucionar os problemas do país. (Com Prensa Latina, www.prensa-latina.cu)


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AMBIENTE RIO GRANDE DO SUL

Fraude garante licença para hidrelétrica

FISCALIZAÇÃO OMISSA A constatação da existência de uma das últimas áreas primárias de araucária no Brasil só foi feita com o muro da represa praticamente concluído, quando a Baesa – consórcio formado pelo grupo Votorantin, Bradesco, Camargo Corrêa, Alcoa e CPFL – pediu ao Ibama a emissão da Licença de Operação (LO), para o enchimento do reservatório. O Ibama solicitou, então, a apresentação de um programa de remoção da vegetação da área a ser alagada. Uma equipe especializada foi contratada para realizar o trabalho, que, de acordo com o EIA, seria razoavelmente simples, por se tratar de área coberta por “capoeirões”. Em maio de 2003, após ir a campo, a equipe apresentou o planejamento da remoção, onde consta que 25% da área do futuro reservatório é composto de vegetação primária, ou seja, de Mata Atlântica, principalmente de florestas de araucárias

Marcelo Sá Corrêa

Acima, à esquerda, Barragem de Barra Grande (em construção), tendo ao fundo, o Rio Pelotas (área que será alagada)

Rio Tigre (afluente do Rio Pelotas), área que será alagada na localidade de São Roque, Pinhal da Serra (RS), acima à direita, área de araucárias

em ótimo estado de preservação. Já 45% da área a ser inundada é composta por vegetação secundária em estágio avançado e médio de regeneração e riquíssima em biodiversidade. Para o advogado Raul Silva Telles do Valle, do Instituto Sócio Ambiental, o EIA/Rima do projeto de construção da UHE Barra Grande é uma fraude criminosa: “Não há dúvidas, o relatório apresenta informações inverídicas e totalmente equivocadas que foram utilizadas como subsídio para o licenciamento ambiental. Todo o processo está absolutamente viciado”. A Rede de ONGs da Mata Atlântica e a Federação das Entidades Ecologistas Catarinenses (Feec) ingressaram com ação civil pública contra o Ibama e a Baesa, pedindo anulação do processo de licenciamento ambiental.

Rio Pelotas

Júlio Penz

M

ais uma vez grandes empresas tentam impor a política do fato consumado para burlar a legislação e lucrar às custas da destruição do ambiente. É o que está ocorrendo na Usina Hidrelétrica de Barra Grande, em estágio final de construção no Rio Pelotas, na divisa entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Para obter a licença prévia que permitiu o início da construção da barragem em 1999, a empresa construtora Baesa – Energética Barra Grande S.A. baseou-se em um Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima) fraudulento, elaborado pela empresa de consultoria Engevix. A existência de dois mil hectares de florestas virgens de araucária e outros quatro mil hectares de florestas em estágio avançado de regeneração, o que representa 2/3 da área total do reservatório, foi completamente ignorada pelo relatório. No estudo, a área a ser alagada seria constituída por “pequenas culturas, capoeiras ciliares baixas e campos com arvoredos esparsos”. O EIA/Rima afirmava, ainda, que “a formação dominante na área a ser inundada pelo empreendimento é a de capoeirões que representam níveis iniciais e, ocasionalmente, intermediários de regeneração”. E, o que é pior, garantia que no local não é comum a ocorrência da Araucaria angustifolia, espécie ameaçada de extinção e protegida por lei. Baseado nessas informações, o Ibama considerou ambientalmente viável a construção da barragem de Barra Grande, alegando que a área a ser inundada não tem grande significância quanto à sua cobertura vegetal e que a obra não traria graves prejuízos a bens ambientais importantes ou protegidos pela legislação.

Júlio Penz

Eduardo Luiz Zen de Porto Alegre (RS)

Miriam Prochnow

Estudo de impacto ambiental escondeu a existência de uma das últimas áreas primárias de araucárias do país

O Ibama, por meio de sua assessoria de imprensa, declarou serem graves as omissões do EIA-Rima que acabaram comprometendo o licenciamento, mas se limitou a anunciar a abertura de uma sindicância para apurar as responsabilidades.

INDULTO PÚBLICO Apesar da fraude, o Ibama autorizou, dia 17 de setembro, o desmatamento da floresta, alegando que não é de interesse público paralisar uma obra em estágio final de conclusão. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado com a Baesa e representantes do Ministério Público e dos ministérios do Meio Ambiente e das Minas e Energia. No termo, a empresa fica comprometida a comprar uma área de 5.700 hectares para constituição de uma reserva ambiental, além de

formar um banco de germoplasma para a preservação dos recursos genéticos específicos da floresta nativa que será alagada. André Sartori, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), ironizou a assinatura do Termo. “Um acordo entre a Baesa e o Ibama só pode ser brincadeira. A empresa não cumpre com suas obrigações sociais e frauda o estudo de impacto ambiental. E o Ibama, em cinco anos, não conseguiu ver que na região existe araucária ao invés de capoeira”. Sartori lembra ainda que além dos graves danos ambientais, a construção da UHE de Barra Grande está expulsando centenas de agricultores de suas terras: “Mesmo com a barragem praticamente pronta, inúmeros problemas sociais ainda não foram resolvidos e muitas famílias esperam pelo reassentamento”. Várias mobilizações e ocupações da obra foram realizadas nos últimos anos pelos atingidos, na esperança de forçar a Baesa e solucionar os problemas.

DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS O anúncio da autorização do Ibama para a Baesa remover as araucárias está causando revolta entre os pequenos agricultores dos

municípios atingidos pela UHE de Barra Grande. Segundo o agricultor Marciano Santos da Silva, morador da comunidade de São Roque, em Pinhal da Serra (RS), o sentimento de todos é de humilhação. “As vezes a gente precisa de uma madeira para reformar a própria casa e, se busca na mata, mesmo uma madeira que já está caída, o Ibama vem e multa, e até há ameaças de levar os colonos para a cadeia”, relata o agricultor. João Orli Melo da Silva, morador da comunidade Conceição, também em Pinhal da Serra, questiona o tratamento que a Baesa está recebendo dos órgãos públicos: “O que nos perguntamos agora é se esses criminosos vão para a cadeia, ou se a lei só vale para os pobres”. Segundo o advogado Alvenir de Almeida, do MAB, a situação em Barra Grande não é um caso isolado e reflete a pressão política que o Estado brasileiro tem recebido dos grandes grupos econômicos para flexibilizar a legislação ambiental e distribuir licenças sem critérios: “A preservação do ambiente é considerada pela área econômica do governo federal um entrave para a expansão do capital. Essa mentalidade está trazendo graves prejuízos para o país”. (Colaborou Fernando Alves)

MARANHÃO

Assentados recebem ameaça de despejo Rafael Bavaresco de São Luís (MA) Uma grande manifestação em frente ao prédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em São Luís, no Maranhão, foi realizada, dia 23 de setembro, por cerca de 160 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) oriundos dos municípios de Itapecuru, Presidente Vargas, Nina Rodrigues e Vargem Grande. O protesto aconteceu em solidariedade aos agricultores ameaçados de despejo do assentamento Cabanagem (ex-Fazenda Santa Catarina Formiga), localizado no município de Matões do Norte, a 120 km da capital. No dia 1º de se-

tembro, o juiz da 3ª vara federal, Roberto Veloso, concedeu reintegração de posse à ex-proprietária da área, Nadja Langue Cauás, aceitando a alegação da proprietária de que o laudo do Incra era falho. O superintendente do Incra no Maranhão, Raimundo Monteiro, reconheceu o interesse do órgão com relação à área e declarou que o cumprimento da liminar de despejo representará uma derrota para o Incra. Segundo o superintendente, o órgão entrará com recurso para não perder definitivamente a posse da fazenda. Pressionado pelos agricultores, que buscam uma definição para o impasse, Monteiro entrou em contato com o superintendente para a região Nordeste do Incra, Marcos Kowarick.

Dia 28 de setembro, Kowarick, Monteiro, a deputada estadual Helena Heluy, representantes dos assentados, um advogado e um integrante da coordenação do MST estiveram reunidos com o juiz Veloso. Ficou acertada uma nova perícia, agora judicial, para averiguar a produtividade da área. A proprietária aceitaria negociar com o Incra a venda do total de suas terras (8.611 hectares) – o que inclui a Fazenda Boa União –, mas o valor ainda não foi estipulado. Segundo o superintendente do Incra no Maranhão, Nadja fez uma proposta não oficial de R$ 8 milhões. Como a perícia judicial não impede o despejo, Eduardo Corrêa, advogado do MST e integrante

da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap), pediu, além da contestação de reintegração de posse, a suspensão da liminar de despejo – que somente terá um posicionamento do juiz Veloso após a defesa de Nadja

FAZENDA IMPRODUTIVA A Fazenda Santa Catarina Formiga, considerada improdutiva pelo Incra, foi desapropriada em maio de 2002. Com posse da área, as cerca de 80 famílias de agricultores começaram a trabalhar e têm obtido resultados significativos: somente este ano, foram produzidas 160 toneladas de arroz, 10 toneladas de milho, além de fava, feijão e mandioca cultivada numa área de

15 hectares. Os agricultores do Cabanagem já sofreram dois despejos, tendo várias casas e plantações destruídas pela Polícia Militar. Segundo o assentado José Augusto Magalhães, a área utilizada para o plantio não ultrapassa 40% do total. “Os 60% restantes estão preservados, o que demonstra que não destruímos a fazenda, apenas queremos um lugar para produzir e viver”, diz o agricultor. O assentamento tem também uma escola que atende 50 crianças. Para o agricultor Geraldo de Matos Barbosa, pai de cinco filhos, o despejo, além de acabar com toda a produção, deixará as famílias sem moradia e as crianças sem perspectivas de educação.


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INTERNACIONAL ÁGUA

Empresas vão responder por contaminação Nelson Breve de Brasília (DF)

Erick Schunig

Começam a ser instaurados inquéritos para apurar responsabilidades de empresas nacionais e internacionais

As mais denunciadas

G

randes corporações industriais despejam seus dejetos em local impróprio, contaminando a água que abastece uma comunidade. Com o passar dos anos, as pessoas vão tendo problemas graves de saúde e algumas morrem prematuramente em conseqüência da irresponsabilidade empresarial com o meio ambiente. Parece o enredo do filme Erin Brockovich, no qual Julia Roberts representa a assistente de um pequeno escritório de advocacia que consegue arrancar de uma multinacional uma polpuda indenização para as famílias contaminadas. Mas trata-se de um drama real, vivido por uma comunidade de agricultores familiares do município de Santo Antônio de Posse, que fica na periferia da Região Metropolitana de Campinas (SP). Há 30 anos, mais de 50 indústrias multinacionais (entre elas Cargill, Monsanto, Philips, Petrobras, Du Pont, Chrysler, Bosch, Johnson&Johnson), alugaram um terreno para despejar o material tóxico que sobra do processo de produção. Até hoje, foram depositadas mais de 500 mil toneladas de dejetos químicos no local chamado Aterro Mantovani, contaminando rios e pessoas da região, sem que as autoridades da área ambiental tomassem providências. Esse é um dos casos mais emblemáticos apontados no primeiro relatório da Defensoria da Água, uma organização não-governamental, vinculada à Igreja Católica, criada há seis meses para defender a sociedade em relação ao uso, acesso e contaminação das águas no Brasil. O estudo denominado “O Estado Real das Águas do Brasil 2003-

Cargill – Depósito de resíduos tóxicos no Aterro Mantovani (SP); contaminação de área em Cubatão (SP); emissão de poluentes na atmosfera; falta de controle de resíduos em Uberlândia (MG). Chrysler – Depósito de resíduos tóxicos no Aterro Mantovani (SP); contaminação de áreas em São Bernardo do Campo e Campinas (SP).

Vazamento de óleo na Baia da Guanabara (RJ), causado pela Petrobras, em 2000

2004”, divulgado dia 22 de setembro na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, apresenta um diagnóstico dos recursos hídricos nacionais e aponta os principais problemas registrados no período de 2003 a 2004 e as iniciativas da sociedade e das instituições para defender a preservação das águas. De acordo com o relatório, a contaminação das águas dos rios, lagos e lagoas brasileiras aumentou cinco vezes nos últimos dez anos. Como resultado disso, mais de 20 mil áreas estão contaminadas (15.237 oficialmente identificadas pela Fundação Nacional de Saúde), com a população exposta a riscos de saúde, como em Santo Antônio de Posse, onde o Ministério Público Federal acaba de instaurar inquérito civil público para apurar as responsabilidades.

DEJETOS TÓXICOS A principal fonte de contaminação, conforme o estudo da Defen-

soria da Água, é o despejo de material tóxico proveniente de atividades agroindustriais e industriais, que utilizam 90% da água consumida no país e a devolvem à natureza completamente contaminada. É o que acontece em Três Marias (MG), onde uma unidade do Grupo Votorantim mantém milhões de toneladas de rejeitos nas margens do Rio São Francisco, ajudando a deteriorar ainda mais suas águas. Em Joinville (SC), a Fundição Tupi (cujos principais sócios são o Bradesco e a Previ) e a Indústria Schultz (um dos maiores produtores mundiais de compressores) mantêm, nas proximidades da Baía de Babitinga (uma das últimas reservas de Mata Atlântica do Sul do país), milhões de toneladas de areias de fundição, que libera Fenol (rejeito químico cancerígeno), contaminando as águas oceânicas e animais marinhos. O despejo de esgotos urbanos e rurais e a existência de lixões nas

CSN – Depósito irregular de resíduos, vazamento de benzeno e diversos casos de contaminação das águas em Volta Redonda (RJ). Fundição Tupi – Contaminação das águas nas margens da Baía da Babitonga, em Joinville (SC); falta de controle na geração, no tratamento e na destinação final de resíduos. Grupo Gerdau – Depósito irregular de resíduos em Sapucaia do Sul (RS), Araucária (PR), Santa Cruz (RJ), Cotia (SP), São José dos Campos (SP); privatização de praias no sul do Estado de Santa Catarina (SC).

margens de cursos de água são outras causas da contaminação das águas. O esgoto aumenta o nível de matéria orgânica na água e acaba sedimentando nos leitos e margens, aprofundando os efeitos nocivos da contaminação. Os lixões – onde as prefeituras despejam diariamente material infectante, proveniente dos serviços de saúde, misturado com resíduos urbanos, inclusive indus-

Petrobras – Vazamento de mercúrio e arsênio no Rio Iguaçu, contaminação por resíduos e vazamentos na refinaria de Araucária (PR); depósito de material tóxico no Aterro Mantovani (SP); falta de licenciamento ambiental para construção do Gasoduto Paulínia-Rio (RJ). Rhodia – Contaminação de solo e das águas em Santo André, Itanhaém e São Vicente (SP). Schultz Compressores – Contaminação das águas em sua unidade em Joinville (SC); falta de controle na geração, no tratamento e na destinação final de resíduos. Shell – Contaminação por vazamento de material tóxico em Recanto dos Pássaros (Campinas) e Vila Carioca, em São Paulo (SP), em Manaus (AM) e diversas unidades industriais no país. Votorantim – Contaminação das águas em diversas unidades; falta de controle na geração, no tratamento e na destinação final de resíduos.

triais – produzem bilhões de litros de chorume, que provocam sérios danos á saúde pública. A Defensoria da Água está trabalhando em conjunto com o Ministério da Saúde para definir as regiões prioritárias com vistas à erradicação das áreas contaminadas. Isso deverá ser feito em março do ano que vem, após a realização da 1ª Conferência Nacional de Áreas Contaminadas.

DESERTO VERDE

Erick Schunig de Vitória (ES) Manifestações nos municípios capixabas de Montanha e Aracruz contra os impactos causados pela monocultura do eucalipto marcaram o dia 21 de setembro, que foi considerado por ambientalistas o Dia Nacional de Luta contra a Monocultura do Eucalipto. Movimentos sociais, ONGs, sindicatos, igrejas, indígenas, quilombolas e moradores de comunidades atingidas, protestaram contra a expansão do deserto verde e seus impactos socioambientais no Espírito Santo. As manifestações — organizadas pela Rede Alerta Contra o Deserto Verde, por religiosos e pela comunidade de Vila do Riacho, situada próximo ao complexo industrial da multinacional Aracruz Celulose — teve o propósito de chamar a atenção para os impactos causados pela monocultura de eucalipto, destinado à produção de celulose. Na cidade de Montanha, o protesto reuniu mais de mil manifestantes e chegou a ocupar uma área 370 alqueires, onde está sendo iniciado mais um plantio de eucalipto na região. Em Vila do Riacho, distrito de Aracruz, os protestos reuniram cerca de 700 pessoas que bloquearam a estrada de acesso ao complexo industrial da Aracruz Celulose, impedindo a circulação de caminhões da empresa. A população cortou toras de eucalipto e destruiu mudas destinadas a novas áreas de plantio da empresa. Os manifestantes fizeram ainda um protesto em frente ao complexo industrial da Aracruz Celulose, chamando a atenção dos trabalhadores da empresa para o problema. A população de Vila do Riacho

Arquivo Brasil de Fato

Protesto marca dia de luta contra eucalipto

Manifestantes bloqueiam estrada que dá acesso ao complexo industrial da transnacional Aracruz Celulose

vem sofrendo com impactos ambientais e violações de direitos humanos. Os moradores denunciam a contaminação da água, devido à transposição do Rio Doce, com o objetivo de abastecer o complexo industrial da empresa Aracruz Ce-

lulose. A comunidade também vem denunciando sistematicamente a ação truculenta da Polícia Militar e da Visel, empresa que faz serviços de segurança para a Aracruz Celulose. Já foram realizadas reuniões e

uma audiência pública com autoridades estaduais e de órgãos federais, mas segundo os moradores a situação permanece a mesma na região. Morador de Vila do Riacho há 17 anos, Francisco Ferreira de Souza afirma que a água é im-

própria para beber. Segundo ele, o problema começou depois da transposição do Rio Doce e apesar de ser do conhecimento das autoridades municipais e estaduais, até hoje o problema não foi solucionado. Vanusa da Vitória, moradora há 30 anos em Vila do Riacho, confirma que a água tem uma coloração amarelada e não pode ser consumida. A violência da Polícia Militar e da Visel sobre os coletores de resíduo de eucalipto continua. Segundo um dos trabalhadores que sobrevivem dessa atividade, Jorge Gramelich, apesar de o secretário de Segurança do Espírito Santo, Rodney Miranda, ter garantido que os policiais seriam substituídos, isso não aconteceu. De acordo com Gramelich, os trabalhadores ainda sofrem represálias e ameaças. “Estamos fazendo este protesto para ver se as autoridades tomam alguma providência. Não temos emprego e nas poucas terras de onde podemos tirar o resíduo, que não são da Aracruz, a polícia prende a nossa carga e nos acusa de estar roubando a empresa”, diz Jorge Gramelich.

Índios e sem-terra unidos contra monocultura Índios guarani e tupinikim também participaram das manifestações, dia 21 de setembro, no Dia Nacional de Luta contra a Monocultura do Eucalipto. Eles querem a devolução das terras invadidas pela empresa Aracruz nos anos 60 e 70. Para o cacique guarani Werá Kwaray, da aldeia de Boa Esperança, localizada no município de Aracruz, a população indígena vem sofrendo desde a instalação da empresa. O

cacique acredita que as propagandas da empresa iludiram tanto os índios quanto o restante da população do município de Aracruz. Existe uma comissão de caciques guarani e tupinikim discutindo a possibilidade de reaver uma área de 10 mil hectares, considerada território indígena, e que está em posse da Aracruz Celulose. Para uma das lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) no Espírito Santo, Ronaldo Alves de Jesus, o avanço da reforma agrária só será possível se houver um enfrentamento em relação à expansão do agronegócio, principalmente de empreendimentos como o da empresa Aracruz Celulose. Ele explica que cada vez mais empresas ligadas ao setor de agronegócios concentram terras e não produzem alimentos. A participação do MST no evento, segundo

ele, está ligada ao fato de que latifúndios como o da Aracruz Celulose se fortaleceram com a invasão de terras de índios, quilombolas e pequenos agricultores, aumentando ainda mais a desigualdade social. Segundo Alves de Jesus, a empresa Aracruz Celulose tem atualmente 70% das terras no município de Aracruz, além de estar em plena expansão no restante do Espírito Santo e do Brasil. (ES)


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DEBATE IDENTIDADE CULTURAL

Vulnerabilidade ideológica e hegemonia II Samuel Pinheiro Guimarães maior parte dos produtos de consumo, tais como geladeiras, sapatos e automóveis, tem efeito político e social diminuto sobre o consumidor e seu valor social corresponde ao de seu suporte físico, que resulta do seu processo produtivo, que empregou fatores de produção e gerou renda. O suporte físico do produto cultural, ao contrário, tem um valor infinitamente inferior ao seu valor cultural e a seu valor econômico. Basta comparar o valor do papel em que está impressa uma obra literária, o valor da película onde está registrado um filme ou o valor do mármore de uma escultura para se constatar esta divergência. O valor social do produto cultural não se esgota com o seu consumo individual, mas se reproduz no tempo, enquanto o valor social de um produto comum se esgota com o seu consumo. A manifestação cultural transformada em produto cultural tem um custo de produção e, portanto, gera emprego e renda, e tem um mercado onde se confrontam as empresas que o comercializam e onde se encontra com o seu público. Os mercados para os diversos produtos culturais têm características muito distintas e podem vir a ser, com maior ou menor intensidade, oligopolizados, e a sofrer distorções decorrentes de práticas de concorrência desleal e assim a permitir margens de lucro extremas. Sem a compreensão do produto cultural como um fenômeno cultural /econômico / político complexo não é possível a definição de uma política cultural que leve em consideração o extraordinário potencial de geração de emprego, de lucro e de divisas da produção e da distribuição cultural, mas também seu papel político fundamental de formação do imaginário social, da vitalidade da nação e do poder do Estado. A produção cultural tem importância fundamental na política internacional. Nem mesmo os principais dirigentes e intelectuais da nação mais poderosa do mundo têm conhecimento direto de mais do que uma parcela ínfima da miríade de eventos que ocorrem a cada dia em cada sociedade. Todas as decisões desses dirigentes que afetam profundamente a realidade são tomadas a partir de informações e de elaborações culturais que interpretam eventos e que os transmitem por meio de manifestações culturais sob a forma de livros, filmes, notícias, relatos, fotografias e que vão formar o seu imaginário em confronto com sua experiência pessoal limitada e sua capacidade teórica de processar informações e de encaixá-las em uma visão de mundo. Assim, as imagens dos países, inclusive de seu próprio, das sociedades, dos Estados e de seu poder são formadas por um vasto e contínuo processo multifacetado de elaboração cultural que gera nos diferentes setores sociais essas imagens. A própria ausência de imagem própria ou a existência de imagem distorcida, fragmentada ou incompleta afeta não somente as decisões de dirigentes de terceiros Estados em suas relações com o Estado cuja imagem é fraca, mas também a própria sociedade desse Estado, com efeitos sobre sua auto-estima, sua capacidade de apoiar seus dirigentes e a capacidade desses dirigentes de agir para enfrentar os seus desafios internos e externos. Daí a importância que as grandes potências, e em especial os Estados Unidos, conferem à sua indústria cultural lato sensu

A

e a prioridade que atribuem ao objetivo de garantir o livre acesso de seus produtos culturais aos mercados culturais de todos os países — ou seja, ao acesso a todas as estruturas e meios de produção e de difusão de produtos culturais e de formação do imaginário das sociedades de terceiros países, com objetivos de natureza cultural, econômica e também política. FINS POLÍTICOS

Nos mercados culturais, a estrutura dos mercados e suas características específicas de produção e distribuição fazem com que as dimensões das empresas tenham, como em mercados de produtos normais, enorme importância. Assim como nos mercados de produtos de consumo cabe ao Estado impedir a monopolização, a oligopolização, a formação de cartéis e a prática de concorrência desleal, no interesse de proteger o consumidor individual de preços abusivos e a sociedade da geração de lucros excessivos. Com maior razão cabe a ação do Estado nos mercados culturais onde os produtos, além de sua importância econômica, têm uma importância política fundamental. Cabe ao Estado garantir a livre competição em cada mercado cultural com muito mais rigor do que nos mercados de produtos comuns de consumo, tendo em vista os efeitos sociais e políticos dos produtos culturais sobre a sociedade, com os objetivos de evitar a hegemonia cultural de outras sociedades; de estimular a mais ampla e diversificada troca de informações culturais com o exterior; de promover a produção cultural doméstica, única capaz de fortalecer e articular o conhecimento da sociedade de si mesma, o qual é indispensável para a formulação de um projeto de futuro e para definir a estratégia e os meios físicos e políticos para implementá-lo, em especial em grandes Estados da periferia como o Brasil. A sociedade brasileira se encontra hoje sob a hegemonia cultural estrangeira, em especial da produção cultural estadunidense, que decorre das estruturas de mercado que se criaram ao longo do tempo, devido à incompreensão, à miopia e à omissão dos governos em relação à política cultural, de comunicação e de educação. Essa omissão de política cultural, ou melhor, essa miopia em relação à função política da cultura e às inter-relações entre produção cultural, estruturas econômicas de produção e de comercialização cultural, fizeram que, em nome da liberdade de expressão e de manifestação cultural se condenasse a ação corretora do Estado e se permitisse a formação e a ação de estruturas oligopolísticas. Ao mesmo tempo se mantinha viva, porém em estado de asfixia, a produção cultural brasileira, sem criar os instrumen-

tos que permitissem sua competição com a produção cultural estrangeira que, ao se realizar e se difundir pelas megaempresas multinacionais, oligopoliza o mercado consumidor pelo exercício de controle e influência sobre as estruturas de difusão cultural, tais como editoras, gravadoras, exibidoras e redes de televisão. O Estado brasileiro tem limitado sua ação a um modesto apoio assistencialista, colonizado e envergonhado à produção cultural de elite ou de pequeno impacto social por meio de isenções fiscais, sem se preocupar em promover e garantir a livre competição nos mercados culturais de massa, onde se forma o imaginário social, essência da própria existência da Nação brasileira e da possibilidade desta se organizar para enfrentar seus extraordinários desafios e realizar seu potencial. QUESTÃO DE EDUCAÇÃO

A questão do imaginário social e, portanto, da política cultural e de comunicação está profundamente vinculada à questão do sistema educacional. Esse sistema tem sido articulado pelo governo como um processo de formação de indivíduos como produtores de maior ou menor qualificação técnica e não como um processo de formação de cidadãos. Os valores transmitidos pelo sistema educacional são os valores da produção material e da maximização do consumo individual, do ser humano como unidade de trabalho e não como cidadão político solidário, digno de uma vida espiritual superior, para além dos programas degradantes e idiotizantes de televisão, atividade que consome em média mais de quatro horas diárias do cidadão brasileiro. Se deduzirmos o tempo médio de trabalho, de transporte, de alimentação e de repouso quatro horas significam mais de 80% de seu tempo diário, digamos livre. Este é o tempo de que pode dis-

os esforços utilizados para aperfeiçoar o sistema educacional formal, são eles frustrados, pois as crianças e os jovens utilizam grande parte de seu tempo fora das salas de aula em frente à TV de programação mais ou menos comercial, mas onde há um permanente ainda que difuso processo de transmissão de um imaginário estrangeiro, além de estímulos ao consumo conspícuo, ao individualismo, à violência, à banalidade e ao culto do corpo. Assim, a escola tem de ser reconstruída como o veículo de transmissão de valores culturais brasileiros enquanto a televisão e os meios de comunicação em geral podem e devem ser estimulados a diversificar sua programação de modo a ampliar a gama de influências culturais brasileiras e estrangeiras a que deve ter acesso a sociedade brasileira, e assim ampliar sua margem de escolha e de reflexão sobre os valores sociais. Os recursos da coletividade, que são arrecadados por meio de impostos, devem estar a serviço de uma política cultural que amplie a competição entre produtos culturais de diferentes origens, estimule a produção cultural brasileira e diversifique as influências culturais. Aquelas empresas de produção e difusão cultural que não desejem diversificar a origem dos produtos culturais com que trabalham e que desejem privilegiar a produção cultural estrangeira podem e têm o direito de fazê-lo, mas com seus próprios recursos e não com os recursos da coletividade. PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO

É necessário distinguir, na elaboração de uma política cultural, os aspectos de preservação do patrimônio material e imaterial, de apoio e estímulo à produção cultural dos artistas da ação junto às empresas de produção e difusão cultural de massa para estimular a diversidade cultural e impedir a hegemonia de manifestações culturais de uma origem específica sobre a manifestação cultural brasileira em cada setor. Os estímulos à preservação do patrimônio e à produção cultural individual não terão impactos sociais, políticos e econômicos se não forem conjugados com a possibilidade de sua difusão pelos veículos econômicos. A atual legislação de concessão de isenções fiscais a empresas para investimentos em atividades culturais (as leis Sarney, Rouanet, a legislação audiovisual) possibilitam modestos recursos sociais à produção cultural, mas não garantem sua difusão e, portanto, o cumprimento de sua função social. A distinção entre manifestações culturais de público restrito e

No Brasil, a situação se agravou com a participação do capital estrangeiro na propriedade dos veículos de comunicação por para seu aperfeiçoamento como cidadão, como trabalhador e como ser humano. Esse tempo foi capturado pela televisão, que os Estados e os governos têm tratado como uma atividade econômica normal e não como um veículo com influência extraordinária sobre a sociedade e seu imaginário. No Brasil, a situação se agravou com a emenda constitucional que permitiu a participação do capital estrangeiro na propriedade dos veículos de comunicação e com a ausência de regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal que se refere à programação das emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, quaisquer que sejam os métodos, a qualidade e

manifestações culturais de massa não pode ser feita de forma absoluta, pois não somente as manifestações culturais se influenciam umas às outras de forma muito importante como às vezes se combinam ou servem umas de matéria-prima para outras. Assim, a manifestação cultural de público restrito, como, por exemplo, uma obra literária, pode servir de matéria-prima para manifestações culturais de massa, como o filme e a novela de televisão. Uma política cultural eficaz deve estar articulada com as políticas de comunicação e educação e deve ter como seu objetivo estratégico permanente a redução da hegemonia cultural de qualquer manifestação estrangeira

face à produção cultural brasileira e a ampliação da diversidade de oferta cultural à disposição da sociedade brasileira. Além das diversas medidas e da legislação hoje existente, que devem ser aperfeiçoadas, podem ser imaginadas diversas ações na área da difusão cultural. A legislação pode e deve estabelecer tratamento fiscal diferenciado e mais favorável às empresas produtoras e às empresas difusoras de produtos culturais que em suas atividades e programação ampliassem a participação das manifestações culturais brasileiras. O BNDES, um dos maiores bancos de investimento do mundo, pode e deve estabelecer linhas de crédito especiais para financiar investimentos e a operação de empresas que assumam o compromisso de diversificar sua atividade de produção e difusão cultural e de garantir a igualdade de participação do produto cultural brasileiro face ao produto cultural de qualquer outra origem. A legislação pode e deve estabelecer limite máximo de ocupação do mercado para produtos audiovisuais quando há situações de oligopólio e integração vertical com risco não só de hegemonia cultural como de exclusão do produto cultural brasileiro. O limite do número de cópias por lançamento de filme é um exemplo desse tipo de medida. Na área da educação, a legislação deve ampliar gradativamente o número de horas de permanência dos estudantes na escola para reduzir sua exposição à TV assim como incluir entre as atividades escolares obrigatórias a programação cultural brasileira e fornecer os meios a cada escola pública e privada de ter acesso a videotecas básicas, a discotecas básicas e a bibliotecas básicas. A instituição de concursos públicos, nos diversos níveis de ensino, sobre temas culturais brasileiros, com prêmios para professores e alunos, e a difusão por meios de comunicação de massa de seus resultados, estimulariam o uso daquele material. O ato de prestigiar de forma sistemática os produtores e difusores culturais brasileiros com a presença das mais altas autoridades brasileiras a eventos culturais significativos, assim como hoje prestigiam atletas, teria grande importância simbólica. Na esfera internacional, a organização de concursos internacionais de música e literatura, com prêmios significativos, sobre temas, autores e compositores brasileiros, teria importante impacto para o conhecimento da cultura brasileira, dentro e fora do Brasil, com conseqüências relevantes para a formação da imagem do Brasil. Finalmente, toda a atenção deve ser prestada para evitar a participação do Brasil em acordos internacionais, regionais ou multilaterais, de cunho aparente apenas econômico cuja conseqüência seja limitar ou eliminar a possibilidade do Estado de ter instrumentos de política para promover a diversidade cultural a que deve ter acesso a sociedade brasileira e estimular as manifestações culturais brasileiras e, portanto, a formação do imaginário social e a auto-estima brasileira, indispensáveis a um projeto de desenvolvimento econômico, político e social mais justo e mais duradouro. (Continuação do artigo iniciado na semana passada) Samuel Pinheiro Guimarães é secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores do Brasil


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AGENDA NACIONAL

A Era do consenso O livro é de autoria de um dos mais destacados representantes do chamado Movimento pela Justiça Global, o britânico George Monbiot. O texto obteve enorme repercussão no exterior e acabou transformando-se na “bíblia” dos movimentos pós-Seattle e Gênova. Monbiot descreve um mundo norteado precisamente pelo princípio segundo o qual os poderosos alegam governar: o princípio da democracia. O autor buscou meios de apresentar uma nova ordem na qual as instituições mundiais sejam dirigidas pelo povo, e para o povo. Além da análise e da crítica dos fenômenos econômicos, a obra mostra caminhos factíveis para combater imposições de organismos como o FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio. Lançado pela Editora Record, custa R$ 39,90. Mais informações: (21) 2585-2048

BAHIA ANGOLA, A ESPERANÇA DE UM POVO Até 24 de outubro, das 9h às 17h Mostra organizada pelos fotógrafos Vinícius Souza e Maria Eugênia Sá. A exposição revela o cotidiano de um povo que, depois de ter vivido quase 40 anos em guerra, busca suas raízes e quer ter uma vida normal. Entrada franca. Local: R. Carlos Gomes, 57, Salvador Mais informações: (71) 322-0958

RIO DE JANEIRO 1º CURSO NACIONAL DE FORMAÇÃO EM DIREITOS ECONÔMICOS SOCIAIS E CULTURAIS 15 a 19 de outubro Parte do Projeto Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (DESC), da FASE, o curso vai abordar, entre outros temas: concepção dos direitos humanos com ênfase nos DESC; tratados e convenções internacionais; trabalhando de forma mais intensa o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Ação Civil Pública como mecanismo de proteção dos DESC. Local: R. das Palmeiras, 90, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2286-1441, desc@fase.org.br. Site: www.fase.org.br

SÃO PAULO QUILOMBOS EM ORIXIMINÁ - NEGROS DA FLORESTA 30 de setembro, 20h Abertura da exposição fotográfica organizada por Carlos Penteado para mostrar quem são, onde e como vivem os quilombolas de Oriximiná. As comunidades de quilombos são constituídas pelos des-

cendentes de escravos que durante o século 19 fugiram das fazendas e das propriedades dos senhores de Óbitos, Santarém, Alenquer e mesmo de Belém. A curadoria é de Vera Albuquerque. Entrada Franca. Local: Ímã Foto Galeria, R. Fradique Coutinho, 1239, Vila Madalena, São Paulo Mais informações: (11) 3816-1290 LANÇAMENTOS DE LIVROS Capital e trabalho vivo reflexões sobre a Alca 1º de outubro, 19h O evento de lançamento terá um debate com Ricardo Antunes (professor de sociologia do trabalho da Unicamp) e com Ricardo Gebrim (presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo). O livro contém textos de Américo Masset Lacombe, Anselmo Luíz dos Santos, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Beinusz Szmukler, Bervely Keene, Brigadeiro Sérgio Xavier Ferriol, João José Sady, João Pedro Stedile, Jorge Luís Mialhe, Kjeld Jacobsen, Luís Carlos Moro, Lídia Guevara, María Julia Oliva, Mariano Laplane, Mario Elffman, Plínio de Arruda Sampaio Jr., Ricardo Antunes, Terry Collingsworth e Wilson Cano. Local: Associação dos Professores do Estado de São Paulo

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Local: Livraria Cultura, Av. Paulista, 2073, São Paulo Mais informações: (21) 2585-2048 OFICINAS CULTURAIS NA CASA DO HIP HOP 4 de outubro As oficinas envolverão os elementos básicos da cultura hip hop: o rap, que é o canto falado, a poesia rimada, a história; o break, que é a expressão corporal, a dança oficial do hip hop, e o grafitti, que é a arte visual. O espaço tem uma minibiblioteca com livros e revistas do gênero. Numa das salas da Casa está sendo montado um Museu do Hip Hop com peças e relíquias ligadas à black music (reggae, funk, soul, jazz, blues, rock, rap e sambasoul, entre outras), além de discos, revistas, pôsteres e outros objetos. No futuro, o espaço terá também um telecentro que contará com equipamentos de informática que poderão ser utilizados pelos militantes do hip hop. Local: R. Francisco Teodoro, 1050, Campinas Mais informações: (19) 3705-8019

(Apeoesp), Pça. da República, 282, São Paulo Mais informações: (11) 3105-2516 As relações perigosas: Brasil - Estados Unidos (de Collor a Lula) 3 de novembro O livro constitui o desdobramento de várias outras obras que o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira tem escrito e publicado sobre as relações entre os Estados Unidos e a América Latina, particularmente o Brasil. O autor, que há mais de 40 anos pesquisa e estuda as contradições não resolvidas entre os Estados Unidos e o Brasil, parte do princípio de que história é um processo sem fim, e que o passado se mantém vivo, como poderosa realidade, que continuamente modifica o que está para vir. Segundo ele, “os fenômenos políticos, quando se manifestam, resultam de transformações quantitativas e qualitativas de tendências históricas, razão pela qual devem ser estudados e compreendidos em seu encadeamento mediato, e sua compreensão requer o conhecimento do passado, como substância real do presente”. O livro é editado pela Editora Record.

A PERIFERIA SEGUE RIMANDO – PARTE 2 9 de outubro Noite de rap na região de Campinas, apresentada pelo raper Dr. Sinistro, que além de ser um dos idealizadores do projeto, é um

dos coordenadores da Casa do hip hop. Já confirmaram presença vários grupos, como Verbo Ilegal (de Piracicaba), A Outra Face (de Monte-Mor), Justiça Criminal (de Valinhos), Mentes Criminais, Ideologia Negra, Sistema de Periferia, Dr. Sinistro, Conceito Real, K. Pone e Max (todos de Campinas). Participação especial do grupo Sistema Negro, com músicas do seu novo CD. Local: R. Ângelo Santim, s/nº, Campinas Mais informações: (19) 3705-8019 BUÑUEL NO CINEMAM Até 12 de dezembro O Cinemam, do Museu de Arte Moderna (MAM), exibe filmes da fase mexicana do espanhol Luis Buñuel (1900-1983), dois deles inéditos em DVD e VHS no país - Escravos do Rancor (1953) e O Alucinado (1952). A organização da mostra volta a exibir filmes de Buñuel após o grande sucesso de público em 2001, quando foram projetados oito filmes da fase espanhola a cerca de 5 mil espectadores. Além dos filmes citados acima estão na grade Ensaio de um crime (1954), Veridiana (1961) e O anjo exterminador (1962). Entrada franca. Local: MAM, parque do Ibirapuera, portão 3, São Paulo Mais informações: (11) 5549-9688/ 5085-1300, www.mam.org.br

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LIVROS O Banco Mundial e a terra: ofensiva e resistência na América Latina, África e Ásia O livro, organizado por Mônica Dias Martins, e lançado pelo selo Viramundo da editora Boitempo, tem apoio da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. A obra traz uma análise das políticas do Banco Mundial (Bird) para a reforma agrária nos países pobres, feita por especialistas de ONGs, entidades de pesquisa e movimentos sociais dos países que sofrem os efeitos dessa política. Mostra, por exemplo, como o Banco Mundial “promove” a reforma agrária na retórica e na prática usa seu poder de financiamento para estabelecer as mesmas políticas em todo mundo, cooptando os estados nacionais para promover um “mercado de terras”, com privatização das áreas públicas, comunais, águas e florestas. O livro custa R$ 32. Mais Informações: (11) 3875-7285/9626-2724, imprensa@boitempo.com, www.boitempo.com

AGENDA LATINO-AMERICANA MUNDIAL 2005 “DESNUDANDO O NOVO IMPÉRIO” 8 de outubro, 19h A festa está sendo organizada pelo Grupo Solidário São Domingos, Parlamento Latino-Americano e Prelazia de São Félix do Araguaia e terá entre os participantes dom Pedro Casaldáliga, professor Chico de Oliveira, Companhia do Latão, Adital, Campanha Jubileu Sul Auditoria Cidadã da Dívida. A agenda 2005 terá a colaboração de especialistas para analisar o novo império, sua raízes, mecanismos e projetos. Local: Parlamento Latino-Americano, Av. Auro Soares Moura Andrade, 564, São Paulo Mais informações: (11) 3824-6325

Florestan Fernandes por Octavio Ianni O leitor está frente a um livro onde encontrará o labor de dois dos maiores mestres da sociologia crítica brasileira. Livro que traz uma seleção criteriosa de dimensões da obra do mestre Florestan Fernandes, recortada pelo seu melhor colaborador, amigo e discípulo, o também mestre Octavio Ianni. Nascido no seio de família pobre, Florestan Fernandes começou a trabalhar muito cedo, em atividades laborativas, tais como alfaiatarias, sapatarias etc. Desde cedo, também, iniciou sua atividade política, inicialmente junto ao trotskismo, atividade com que depois viria a romper, quando foi se dedicar plenamente ao trabalho intelectual. Na USP, tornou-se responsável por uma verdadeira escola de sociologia, sendo que seu trabalho refletia em profundidade os enormes desafios da teoria social. Conhecedor em profundidade da

obra de Marx, Weber e Durkheim, escreveu com originalidade sobre os indígenas, os negros e a questão racial no Brasil, o folclore, a dependência e o subdesenvolvimento, as classes sociais e o capitalismo brasileiro, a nossa revolução burguesa, configurando-se numa das mais abrangentes e instigantes formulações sobre dimensões multifacetadas da realidade brasileira. Sociólogo socialista, Florestan pôde, na última década de sua vida, retomar a intensidade da vida política, pela atuação como parlamentar de esquerda no Partido dos Trabalhadores. Vimos, então, o mestre se reencontrar com a política de esquerda. Com um acento teórico nitidamente maior em Marx, Florestan Fernandes oferecia uma densa e sólida explicação sobre as formas da dominação burguesa em nosso país, mostrando peculiaridades de nossa formação social, o caráter retardatário da burguesia brasileira e sua recorrência constante ao Esta-

do autocrático, ditatorial, avesso às mudanças mais profundas, bem como procurando compreender alguns dos enormes desafios para a revolução social no Brasil contemporâneo. Coube ao outro mestre, Octavio Ianni, fazer a seleção criteriosa desse volume, destacando alguns textos seminais de Florestan e, desse modo, nos auxiliar na análise crítica do Brasil, visando a desmontagem dos vários mecanismos da dominação burguesa que aqui

ainda imperam. Resenha de autoria de Ricardo Antunes CONFIRA Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante Octavio Ianni (org.) 512 páginas – R$ 15,00 Editora Expressão Popular R. Abolição, 266, Bela Vista São Paulo Tel./Fax: (11) 3112-0941 www.expressaopopular.com.br


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CULTURA

De 30 de setembro a 6 de outubro de 2004

DOCUMENTÁRIO

Nos subterrâneos da “grande” mídia Tiago Soares de São Paulo (SP)

S

entados frente a frente, o repórter e o candidato presidencial tentam quebrar o gelo antes da entrevista. “E a família?”, pergunta o político. “Ah, vão bem. Minha mulher e minha cunhada estão firmes fazendo campanha pelo senhor”, responde, casualmente, o jornalista. Entusiasmado, segue: “Elas estão rodando o Estado todo. No início, minha esposa estava meio receosa, mas, agora, está entusiasmadíssima”. O candidato ri, e ri de novo. Comenta: “Sua esposa tem uma alma muito boa. Muito boa”. E a entrevista começa. A situação, exemplo pouco recomendável de postura jornalística, é real. Aconteceu em meados de 2000. Foi protagonizada pelo analista político da rede de TV estadunidense Fox News (retransmitida no Brasil pela Net), Carl Cameron, e o então candidato à Presidência dos EUA, George W. Bush. Essa história está contada em Outfoxed, documentário do estadunidense Robert Greenwald, que analisa os subterrâneos da grande mídia corporativa. Rodado com apenas 300 mil dólares, orçamento baixíssimo para os padrões dos EUA, Outfoxed (trocadilho com o nome Fox e expressão que, em inglês, significa algo como “passado para trás”), destrincha os efeitos políticos e sociais do controle da informação pelos grandes grupos de mídia. Para isso, usa o exemplo dos mecanismos de produção da rede jornalística de TV a cabo Fox News , do magnata das comunicações – e republicano – Rupert Murdoch.

DA REDAÇÃO AO MARKETING As restrições orçamentárias enfrentadas pelo documentário aparecem com nitidez. Mas a qualidade da análise fala mais alto. Ela está embasada no trabalho de críticos de mídia, ex-funcionários da Fox, políticos e acadêmicos. Há motivos para a escolha da Fox News como caso de estudo. Apesar do viés abertamente pró-republicano, a Fox é exemplo emblemático de uma “escola” de jornalismo cada vez mais atraente às grandes corporações de mídia. Ela se define por dois fatores-chave: a crescente intimidade nas relações entre os poderes público e corporativo, e uma dificuldade geral em definir os limites que separam a informação jornalística do puro (e lucrativo) entretenimento. “Ficava abismada em perceber como as pautas migravam da sala de redação para o departamento de marketing”, afirma, no documentário, uma ex-funcionária da rede de Murdoch. E dá-lhe exemplos de re-

Spencer Platt/AFP

Documentário independente faz sucesso nos EUA ao dissecar relação promíscua entre jornalismo e poder

Ex-empregados da FOX assistem ao documentário Outfoxed, do diretor estadunidense Robert Greenwald, que critica o canal; no detalhe, o filme em DVD

portagens embaladas para presente, entrecortadas por vinhetas vibrantes e apresentadas por âncoras que, deixando de lado qualquer fiapo de objetividade e carregando no apelo emocional, atingem os telespectadores no que têm de mais vulnerável. Uma fórmula lucrativa que pode causar ainda mais estragos quando coordenada com posições políticas entusiasmadas.

REPETIR, REPETIR, REPETIR Australiano de nascimento, arquiteto de um império editorial na Austrália e no Reino Unido, Rupert Murdoch tornou-se cidadão estadunidense (e ferrenho defensor das causas do Partido Republicano) em meados da década de 80. Sua naturalização foi, em boa parte, estimulada pelo interesse em adentrar o nada desprezível mercado televisivo estadunidense. Nos EUA, tornou-se partidário de Ronald Reagan, e em pouco tempo já contava com influência política suficiente para montar sua própria rede nos EUA. Quando da fundação da Fox News, em 1996, Murdoch não foi tímido ao alinhar a linha editorial do canal à agenda Republicana. Para homem forte da

rede, o escolhido foi Roger Ailes, ex-consultor de comunicação dos ex-presidentes Richard Nixon e Ronald Reagan.

por interessados. Gratuito, o material filmado não editado (exceto pelos trechos dos noticiários da Fox News, de propriedade da Fox) foi posto à disposição sob licença Creative Commons, pela qual o detentor dos direitos permite a outros que reutilizem sua obra em outros trabalhos. Uma iniciativa que não pára por aí. Afinal, a intenção do diretor, como declarado em entrevista ao Los Angeles Times, é “criar agora um

ALÉM DA PROPAGANDA Para rastrear e analisar o conteúdo da programação do canal, Greenwald contou com o auxilio de painéis reunindo dezenas de voluntários, gente que depurou toda a informação veiculada pela Fox News 24 horas por dia ao longo de vários meses, analisando o que – e como – era veiculado. Foi desse “olhar coletivo” que o diretor pinçou o mosaico de exemplos que costura a argumentação – o que, no filme, acaba resultando numa edição mais equilibrada, algo “blindada” contra maiores tentações maniqueístas. Outfoxed ainda não tem previsão de estréia no Brasil. O barulho causado pelo documentário nos EUA transformou-o num dos azarões da temporada, levando-o a fazer caminho inverso ao normal – do DVD para os cinemas e a figurar na lista de títulos mais vendidos na internet pela gigante Amazon. Greenwald tornou disponíveis ainda as tomadas “cruas” do filme na internet para serem “remixadas”

pequeno grupo de pessoas que possa continuar a fazer documentários, curtas metragens, vídeos, coberturas de conferências, coisas que ajudem organizações que necessitem desse tipo de material. Tenho vontade de fazer isso não só nas iniciativas relacionadas com as grandes questões, mas também com aquelas ligadas às questões dos movimentos populares”. (Veja a íntegra desta reportagem em Portal Porto Alegre, www.portoalegre2003.org )

Filme sobre sem-terra ganha prêmio na Espanha O documentário Los sin tierra, por los caminos de América, que narra o nascimento, a trajetória e a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), recebeu o prêmio de público da categoria documentário, no último Festival de Cinema de Málaga (Espanha), realizado em abril. Dirigido por Miguel Barros e co-produzido pela El Deseo, da qual faz parte o premiado diretor

espanhol Pedro Almodóvar, o documentário é uma importante denúncia contra a realidade concentradora de terra e a violação dos direitos humanos no Brasil. Apresenta de forma simples e didática os objetivos na luta pela reforma agrária e o que já foi conquistado pelo movimento nos seus 20 anos de luta. Entrou em cartaz nos cinemas espanhóis em julho de 2004.

MÚSICA

Divulgação

As diversas faces da cultura marginal baiana Carlos Baumgarten de Salvador (BA) Ao contrário do que muitos pensam, as manifestações underground baianas são muito fortes. Nos últimos anos, esse cenário tem sido renovado e está se fortalecendo, como prova de que a Bahia é uma terra diversificada culturalmente, em especial quando o assunto é música. Entre ritmos africanos, nordestinos e do axé music, ouve-se, em alguns lugares da cidade de Salvador, uma guitarra distorcida acompanhada de um vocal estridente junto ao som pesado e progressivo de um baixo e uma bateria. Essa é a típica formação de um grupo de heavy metal. Por se tratar de um estilo que foge à raiz cultural baiana (e brasileira), o heavy metal é considerado um estilo ainda underground na Bahia.

prefeitura municipal de Salvador, a uma banda de heavy metal.

ROCK COM BAIÃO

O grupo baiano de heavy metal, com 13 anos de estrada, vai lançar o primeiro CD

A banda Slow, formada pelos músicos Jorge Barros, Ricardo Primata, Joel Moncorvo e Ricardo Bacellar, é um exemplo da força do metal baiano. O grupo tem 13 anos de estrada e, entre saídas e entradas de integrantes, caminha para

o lançamento de seu primeiro CD. Por quatro anos, o quarteto conquistou o primeiro lugar três vezes e o segundo lugar, uma vez, em um concurso público promovido pela prefeitura de Salvador – o grupo recebeu o maior cachê já pago, pela

Já a banda Ritmia, que tem músicos com vasta experiência, foi formada em 2002, por Gabriel Melo, Ricardo Primata (também da Slow) e Ricardo Sampaio. A Ritmia traz uma proposta diferente do heavy tradicional. “Aqui em Salvador as bandas de metal que aparecem, geralmente, são aquelas de estilo tradicional, com um som bastante pesado. Nosso som se aproxima mais do progressivo melódico, com introdução de ritmos como o baião e a salsa, entre outros”, diz o guitarrista Ricardo Primata. “Fomos compondo sem pretensão comercial nenhuma e sem definir estilos”, afirma o baixista Ricardo Sampaio. O resultado é uma riqueza de ritmos

guiados pelo metal progressivo dos músicos baianos. Além da Slow e da Ritmia, Salvador tem inúmeras bandas de heavy metal na ativa, reconhecidas pelo público brasileiro. Grupos como Malefactor e Headhunter D.C. já participaram, inclusive, de turnês fora do país. “Já estamos há 17 anos na luta”, afirma Sérgio Ballof, vocalista do Headhunter D.C. Além dessas, existem ainda as iniciantes Ungodly, Inquisição, Nomin e Draconi. As casas de espetáculos underground em Salvador, como Calypso, Idearium e o Clube de Engenharia, têm um público fiel. “Tenho notado que esse público vem crescendo. Incentivamos os festivais para apresentar bandas baianas e trazemos bandas de outros Estados”, diz Jean Claude, responsável pelo Calypso e Clube de Engenharia.


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