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De 5 a 11 de agosto de 2004

AMÉRICA LATINA FÓRUM SOCIAL DAS AMÉRICAS

Movimentos buscam hegemonia política

No Equador, marcha rejeita livre comércio; no encontro, movimentos sociais defendem modelo alternativo de sociedade

RESISTÊNCIA INDÍGENA Pouco atrás da indígena equatoriana, estava o peruano mineiro Julio Manani, presente no Fórum Social para protestar contra a exploração das transnacionais, sobretudo nas regiões andinas. “Nosso governo apóia e concede benefícios a essas empresas que só trazem miséria e fome. Para conseguir seus lucros, usam métodos que desertificam nossos terrenos e nos deixam mais pobres”, criticou Manani, sobre o apoio do presidente Alejandro Toledo às empresas de mineração. Segundo ele, as transnacionais, financiadas pelo Banco Mundial, prometem às comunidades que vão levar desenvolvimento à regiões. “Na prática, as nossas águas acabam ficando contaminadas, os solos, mais pobres e a agricultura, o nosso principal meio de vida, ficam condenados”, relatou. Experiência de resistências populares, como a da indígena Lus e a do mineiro Manani, convergiram

RIQUEZAS PARA A POPULAÇÃO

Marcha contra os tratados de livre comércio durante o 1º Fórum Social das Américas

A marcha do Fórum das Américas pode ser considerada o ponto alto de um processo de conscientização popular e da integração da luta contra o imperialismo, as transnacionais e as injustiças do modelo capitalista. Durante o Fórum, mais de 10 mil participantes, de 800 organizações, enfrentaram o desafio de refletir sobre o movimento por um outro mundo possível.

Diversas ações e alternativas foram propostas, com destaque para a estratégia sugerida por François Houtard, sociólogo belga: “Temos de convencer a maioria da sociedade que esse modelo atual é ineficaz na produção e distribuição de recursos”. Para Houtard, o momento requer acúmulo de forças com a convergência dos movimentos sociais, visando uma ação comum. “Não podemos esperar mais, as pessoas estão morrendo. Temos de lutar por um modelo de desenvolvimento humano que coloque a produção de riquezas a serviço da população”, concordou a economista equatoriana Wilma Salgado. Uma das avaliações é do filipino Walden Belo, para quem este não é um mundo de múltiplas escolhas: “Ou caminhamos para uma economia global dominada pelos Estados Unidos, por meio dos organismos multilaterais, ou lutamos por um sistema global, com pluralismo de atores, que seguem diferentes modelos de desenvolvimento regional, de acordo com suas tradições, em uma perspectiva de solidariedade e complementariedade”.

Campanha define luta contra livre comércio A Campanha Continental contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) definiu o eixo central de sua luta: tentar barrar o Tratado de Livre Comércio (TLC), que está sendo negociado pelos Estados Unidos com a Colômbia, Equador e Peru. Outra prioridade é pressionar contra o Tratado de Livre Comércio da América Central (Cafta, na sigla em inglês), já assinado por Costa Rica, Guatemala, Honduras, El Salvador e Nicarágua, mas que requer aprovação do Congresso estadunidense para entrar em vigor, a partir de 2005. Representantes da campanha consideram que os Estados Unidos impulsionaram tais negociações para driblar a resistência popular continental construída contra a Alca, já que o conteúdo dos acordos é praticamente o mesmo. “A concretização dessas negociações representaria um grande avanço do imperialismo nas Américas. Por isso, definimos, oficialmente, que nossa luta agora é contra qualquer iniciativa de livre comércio no continente”, informou Gonzalo Berrón, da secretaria continental contra a Alca e da Aliança Social Continental.

Verena Glass

M

ais de quinze mil pessoas marcharam contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alça) e contra os Tratados de Livre Comércio (TLCs), dia 29 de julho, em Quito, Equador. A passeata, uma mostra de unidade e diversidade no Fórum Social das Américas, reuniu dezenas de organizações do continente, alinhadas na rejeição ao livre comércio. A forte presença de indígenas dos Andes deu cor ao maior encontro de organizações populares do continente. Com seus enfeites coloridos e roupas típicas, os índios – sobretudo os equatorianos – tiveram presença marcante na principal mobilização do Fórum, que acabou dia 31. “Se vierem os TLCs ou a Alca, nossa situação vai piorar”, disse a indígena Lus Copre, vestida de verde e rosa, carregando seu filho de dois anos nas costas, ao lado de sua irmã. Lus cultiva batatas e cevada próximo a Quito. “Trouxe meu filho para que me veja lutando desde cedo”, explicou. Segundo ela, com a abertura do mercado, o preço da batata caiu pela metade nos últimos dez anos. “Antes, nos pagavam 5 dólares por 100 libras de batata. Hoje não consigo mais de 2 dólares. Mesmo assim, os preços dos alimentos não ficaram mais baratos”, contou Lus, enquanto caminhava os 10 quilômetros do trajeto da marcha.

no Fórum Social Mundial para a identificação de problemas comuns e as possibilidades de ações conjuntas. “Essa semana em Quito é histórica para o movimento popular. Temos a oportunidade de trocar experiências entre as diversas organizações do continente. Além disso, estamos mostrando que nós, pobres de todos os países, não estamos de acordo com o livre comércio”, avaliou Leonidas Iza, presidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). A Conaie é a organização mais popular do país. Tem se caracterizado pelas duras críticas ao governo de Lucio Gutierrez. “Esse fórum legitima nossa luta contra o neoliberalismo”, acrescentou Iza.

Verena Glass

Jorge Pereira Filho enviado especial a Quito (Equador)

A agenda prevê mobilização contra as negociações do Mercosul com a União Européia

A nova definição inclui também a rejeição às negociações do Mercado Comum do Sul com a União Européia. As decisões foram tomadas em encontros realizados pela Campanha, com secretarias nacionais e regionais, durante o Fórum

Social das Américas, em Quito, Equador, dias 25 a 31 de julho.

MOBILIZAÇÃO CONTINENTAL No calendário da campanha, a principal data é 12 de outubro, quando “se recorda o início da

colonização do nosso continente, para expressarmos nossa vontade de reconquistar a soberania de nossos povos e países”, registra uma declaração oficial, divulgada no fórum. Nesse dia, ocorrerão também o Fórum Mesoamericano e o Grito dos Excluídos. “Nossa idéia é gerar ações em frente às embaixadas dos Estados Unidos, do Equador e do Peru, em solidariedade aos povos desses países”, explica Berrón. As organizações sociais também fizeram um balanço do Mercosul, embora não tenha sido tirada qualquer posição oficial a respeito. “O que temos até agora é que o bloco não vai bem porque está restrito às questões comerciais, sem envolver temas políticos e sociais”, pontua Berrón. Movimentos sociais de quatro países que compõem o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) estudam iniciar uma série de seminários e encontros para discutir o assunto. Para Berrón, a ameaça do acordo com a União Européia uniu as organizações da região e impulsionou uma dinâmica de maior entrosamento no rechaço ao livre comércio. (JPF)

COLÔMBIA

Presidente é acusado de ligações com o narcotráfico

Um relatório até agora secreto do Departamento da Defesa dos EUA (equivalente a ministério), de 1991, recém-liberado, informa que o presidente colombiano Álvaro Uribe, que dia 7 de agosto completa dois anos de mandato, manteve ligações com o Cartel de Medellín (Colômbia), uma das maiores quadrilhas de narcotráfico do mundo. O relatório do Pentágono foi divulgado no número mais recente do semanário estadunidense Newsweek, que circulou a partir do dia 2. O documento, obtido pelo Arquivo de Segurança Nacional, organização não-governamental, coloca Uribe no 82° lugar de uma lista de mais de 106 pessoas vinculadas com o Cartel de Medellín nos anos 90, e o descreve como “político colombiano e senador que se dedica a colaborar com o Cartel de Medellín nos níveis governamentais mais elevados”. O governo

(OEA), havia condenado o Estado colombiano a pagar 6,5 milhões de dólares às famílias de dezenove comerciantes assassinados por paramilitares em 1987. A decisão abre um precedente histórico, sendo a primeira vez que um tribunal responsabiliza as autoridades de um país por causa de delitos causados por grupos de extrema direita.

France Presse

da Redação

COMERCIANTES ASSASSINADOS

Uribe é descrito num relatório estadundiense como colaborador dos narcotraficantes

colombiano desmentiu o relatório e assinalou que se trata da mesma falsa informação divulgada durante a campanha eleitoral. Mas o relatório do governo estadunidense também diz que Uribe manteve relações com uma empresa envolvida com narcotráfico nos

EUA e afirma que o atual presidente foi amigo pessoal de Pablo Escobar Gaviria, líder do cartel, assassinado pela polícia colombiana em 1993. Na semana anterior, o Tribunal Internacional de Direitos Humanos (TIHD, a sigla em inglês), da Organização dos Estados Americanos

Os crimes ocorreram em 6 de outubro de 1987, em Puerto Boyacá, no departamento (província) do mesmo nome. Membros das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) mataram os dezenove comerciantes que se negaram a pagar um “tributo” aos milicianos direitistas para poderem transportar suas mercadorias. O TIHD assinalou que, na época, os governantes colombianos permitiam o fortalecimento dos grupos paramilitares. Assim, o governo do presidente Uribe terá de indenizar os familia-

res dos mortos, localizar os restos mortais das vítimas, aceitar a responsabilidade pelos fatos num ato público de desagravo e construir um monumento aos assassinados. O tribunal da OEA assumiu o caso após ter considerado insatisfatória a investigação feita sobre o assunto pelas autoridades colombianas, que não iniciaram nenhuma ação penal contra os autores da chacina. Uribe afirmou que seu governo acatará a resolução e disse que, embora a matança não tenha ocorrido durante seu mandato, a Colômbia “é um país de leis, que respeita as decisões dos tribunais”. Atualmente, o governo colombiano prepara um diálogo de pacificação com as AUC e também com um dos grupos guerrilheiros de esquerda, o Exército de Libertação Nacional (ELN). Com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), não houve acordo para conversações. (Com agências internacionais)


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