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Ano 1 • Número 39

R$ 2,00 São Paulo • De 27 de novembro a 3 de dezembro de 2003

Palocci defende arrocho na área social B

aseado em estudo do Banco Mundial, o Ministério da Fazenda, em documento assinado por Antônio Palocci, afirma que os gastos sociais do governo Lula devem ser reduzidos. Para o ministro, a universidade pública favorece camadas privilegiadas da população. A proposta suscitou críticas generalizadas dentro e fora do governo, uniu reitores, docentes e alunos das universidades públicas, que prometem se mobilizar. “Esse estudo foi a maior ofensiva da lógica neoliberal pela mercantilização do ensino. Vamos puxar um movimento para combater essa cartilha”, promete Gustavo Petta, da União Nacional dos Estudantes. Pág. 5

João Alexandre Peschanski

Para justificar sua proposta, o ministro da Fazenda argumenta que o Brasil tem um gasto social muito elevado

Reduzir a maioridade penal não é solução Em Miami, para proteger os negociadores da Alca, a polícia estadunidense usa de muita truculência contra os milhares de manifestantes

Pesquisas sobre violência nas cidades e a opinião de especialistas em direitos humanos atestam: reduzir a idade penal não combate a violência, como defendem setores conservadores da sociedade. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, quer que menores autores de infrações sejam transferidos para presídios ao completar 18 anos. Pág. 8

Na África, continente onde a Aids mais provoca vítimas, organizações não-governamentais desempenham importante papel no tratamento de 3 milhões de infectados pelo vírus HIV, número equivalente à quantidade de mortos pela doença em 2003, em todo o mundo. No Brasil, onde no ano passado 9 mil pessoas foram infectadas, o dia mundial de combate à Aids (1º de dezembro) é marcado por um triste quadro: a distribuição dos remédios não conseguiu diminuir o preconceito nem as mortes. Págs. 6 e 12

E mais: CONFLITO – Dois anos após a invasão, os EUA não conseguem controlar o Afeganistão. O domínio se limita à capital Cabul, mas no interior soldados estadunidenses são alvos diários de ataques. Pág. 11 IGUALDADE RACIAL – O Dia da Consciência Negra foi marcado por manifestações em todo o país. O governo aproveitou a ocasião para lançar políticas de combate às desigualdades entre negros e afro-descendentes. Pág. 13 FMI – O economista João Sicsú mostra que, com o novo acordo com o Fundo, o Brasil continuará sufocado. Afinal, o FMI não mudou. Pág. 4

A Área de Livre Comércio das Américas (Alca) sobreviveu à 8ª Reunião Ministerial, realizada em Miami (EUA), nos dias 20 e 21. Apesar da pressão de 25 mil manifestantes que pediam o fim das negociações (e que foram violentamente reprimidos),

os representantes dos 34 países do continente americano, menos Cuba, chegaram a um acordo para continuar discutindo a implantação da Alca em fevereiro de 2004, no México. Desta vez, no entanto, os Estados Unidos recuaram. Temendo repetir o

fracasso da reunião da Organização Mundial do Comércio, em Cancún, os EUA fizeram um recuo tático e aceitaram a proposta brasileira de uma Alca “mínima”. Porém, mais cedo ou mais tarde, voltarão à carga. Págs. 2 e 9

Governo frustra agricultores com reforma tímida

Sem-terra ouvem discurso do presidente Lula durante Conferência da Terra pelo Plano Nacional da Reforma Agrária

O Plano Nacional de Reforma Agrária, encomendado pelo governo federal a especialistas, apresentou caminhos para o governo realizar o assentamento de 1 milhão de famílias, em quatro anos. Porém, dia 21, diante dos 4 mil trabalhadores rurais sem-terra que caminharam 190 quilômetros durante nove dias, de Goiânia a Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou uma meta bem aquém desse patamar – 400 mil famílias assentadas, em três anos. Sem explicar de onde virão as verbas para a reforma, o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Miguel Rossetto, disse que o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, está encarregado de encontrar as fontes de recursos. Para o autor do plano original, Plinio Arruda Sampaio, “ganhamos alguma coisa, não ganhamos tudo”. Veja na Seção Debate as opiniões de Sampaio e de Rossetto sobre a reforma agrária no Brasil. Págs. 7 e 14

Ameaça de morte a dom Pedro Casaldáliga

Bolivianos estão insatisfeitos com novo presidente

Por conta da tensão entre posseiros e índios xavante, em Alto da Boa Vista (MT), o bispo da Prelazia de São Félix, dom Pedro Casaldáliga, e seus agentes de pastoral estão sendo ameaçados de morte, junto com pessoas ligadas à questão indígena na região. O prefeito da cidade, Mário Barbosa, incentiva os posseiros a enfrentar os indígenas de MaraWatsédé e a buscar apoio com prefeitos de outros municípios da região. Telefonemas anônimos às rádios locais informaram que a “cabeça” de dom Pedro estaria valendo R$ 60 mil. Indígenas e posseiros disputam a posse de 160 mil hectares da reserva indígena, homologada em nome da União há quatro anos. Pág. 7

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Marcello Casal Jr./ABR

Ciência não impede avanço global da Aids

EUA recuam na Alca. Até quando?

Senado aprova reprodução de soja transgênica Pág. 3

Corre rápido o desmonte da Previdência Pág. 6


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De 27 de novembro a 3 de dezembro de 2003

NOSSA OPINIÃO

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 5555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre 5555 Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5555 Carlos, João R. Ripper, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, 5555 Natália Forcat, Nathan, Ohi • Diretor de Arte: Valter Oliveira Silva • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistentes de redação: Bruno Fiuza, Maíra Kubík Mano e 55 Tatiana Azevedo 55 Programação: André de Castro Zorzo 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: FolhaGráfica 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

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Estados Unidos recuam, mas não desistem de impor a Alca

A

rodada de negociação ministerial para a implantação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), realizada na semana passada em Miami (EUA), representou uma vitória para a diplomacia brasileira, que, sob o comando do chanceler Celso Amorim, conseguiu evitar que os Estados Unidos impusessem a agenda que pretendiam para a reunião. Por outro lado, os negociadores brasileiros ainda não conseguiram afastar de vez o fantasma de um acordo que, por mais light que se consiga promover, para usar um termo em voga após a reunião de Miami, não deixa de ser nefasto para a soberania nacional do Brasil e demais países da América Latina. De certa forma, os Estados Unidos foram forçados a um recuo tático para evitar que a rodada de Miami fracassasse, como ocorreu em Cancún (México). Seria inconcebível para os estadunidenses que os seus negociadores saíssem de mãos abanando ou, pior, tendo de explicar a derrota de suas posições nas reuniões de Miami, cidade do Estado da

Flórida, governado pelo irmão do presidente George W. Bush, e que almeja ser a sede da Alca após sua implantação. Assim, os negociadores estadunidenses preferiram aceitar a proposição brasileira para que a Alca seja negociada em patamares mínimos – regras gerais válidas para todos os países do bloco – e voltar à mesa de negociação em Puebla, no México, em fevereiro de 2004, para, justamente, debater o que significam, na prática, esses patamares mínimos. É uma ilusão imaginar que o recuo estadunidense foi definitivo. A estratégia dos EUA é perseguir a agenda ampla, o mais perto possível do que foi proposto originalmente. Desde que o presidente Lula tomou posse, porém, os negociadores de Bush sabem que a postura brasileira é a de tentar evitar a consecução desta agenda e trabalham com este horizonte. Assim, um recuo dos Estados Unidos, como o de Miami, deve ser interpretado como uma vitória da diplomacia brasileira,

sim, mas circunscrita àquela batalha da negociação. Não significa de maneira alguma que os Estados Unidos tenham aceitado o esvaziamento da Alca, tal como proposto pelo Itamaraty. O adiamento de importantes definições para a rodada de Puebla, por outro lado, deve estimular o Itamaraty a ousar ainda mais, enfrentar aqui dentro os quintacolunas que tanto o atrapalharam em Trinidad e Tobago, e propor aos parceiros preferenciais um endurecimento ainda maior nas negociações no México. E se preparar, também, para pressões muito maiores do outro lado da mesa, já que os Estados Unidos certamente voltarão à carga após o recuo de novembro. Aos movimentos sociais, cabe, mais uma vez, a tarefa de mostrar, em Puebla, no início de fevereiro, que os povos da América Latina não estão dispostos a aceitar um acordo negociado por suas chancelarias sem dar aval, via plebiscito, sobre questão tão importante.

FALA ZÉ OHI

CARTAS DOS LEITORES

SAUDAÇÕES Apoiamos totalmente a existência e a batalha do Brasil de Fato na difusão

de notícias e nas análises que se contrapõem ao noticiário veiculado pela imprensa comercial. Somos um centro de documentação comprometido com a luta operária e popular. Centro de documentação e Pesquisa Vergueiro São Paulo (SP) VERDADES PELA METADE Há alguns meses atrás, por ocasião da reforma da previdência do setor público, ainda inconclusa, o sr. presidente Lula, numa tentativa de comparar os benefícios do setor público com os do setor privado (INSS), chegou a declarar, que no setor privado existiam cerca de 500 aposentadorias/pensões na casa dos R$10 mil mensais, sem dizer se eram legais ou não. Entretanto, se omitiu em falar nos abusos do setor público onde os números são bem maiores com benefícios que vão além dos 100 salários mínimos mensais, havendo casos que chegam aos R$ 50 mil mensais. O pior de tudo é que não se sabeo governo tem a obrigação de saber e informar quantos são os milhares de funcionários públicos que nas últimas décadas acumulam aposentadorias sobre aposentadorias, com pouco tempo de trabalho e quase nenhuma contribuição. É por isso mesmo que não é de se estranhar que no chamado déficit anual da previdência social, 70% dos gastos correspondem ao setor público e apenas 30% ao setor privado, sendo que aqueles são 12,5% (3 milhões de pessoas) e estes 87,5% (21 milhões de pessoas) do universo de beneficiários. João Carlos da Luz Gomes Porto Alegre (RS)

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 3038 1432 ou mande uma mensagem eletrônica para: brasildefato@teletarget.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

CRÔNICA

De alma lavada Juarez Soares Quando o jogador Edmílson marcou o segundo gol do Palmeiras contra o Sport do Recife, no recanto agradável de Garanhuns, no Agreste de Pernambuco, transbordou por todo o Brasil uma comovente alegria alviverde. Gerações de torcedores palmeirenses lavaram a alma, enxugaram os copos, dançaram sem parar o samba e a tarantela. Afinal de contas, o time acabara de sagrar-se campeão da segunda divisão do futebol brasileiro. Mais que isso. Ganhou o título de forma honesta, justa e com sobras. Em qualquer parte do mundo o leitor poderia perguntar: afinal, qual é a novidade? Não são com essas qualidades que se ganha um campeonato? Como dizem os torcedores mais jovens: “Numas, parceiro, numas.” Até esse acontecimento de Garanhuns a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) fingia que rebaixava os times, os clubes fingiam que caíam e, depois, um convite indecente, uma determinação imoral conduzia os rebaixados de novo para a primeira divisão com repugnante cara de pau. Foi assim com o Grêmio, Fluminen-

Marcio Baraldi

AMÉRICA LATINA Leitor assíduo do semanário, li a edição número 35. Gostei muito, particularmente da reportagem sobre o Haiti e o Equador, com os títulos “Indígenas pedem avanços sociais”, de Anamárcia Vainsencher, e “Dois séculos de pobreza”, de Adailma Mendes. Solicito que se faça uma boa reportagem sobre o que houve na Bolívia, após a derrubada do chefe de Estado, por um levante popular. Segundo a imprensa, o levante popular é de caráter antiliberalismo e antiimperialista. Mas o que aconteceu? Por que a revolução ficou inacabada? Não é possível que mais de 60 pessoas tenham morrido em vão. A América Latina, ao longo de sua história, após o colonialismo espanhol e português, somente tem sido vítima da ação imperialista dos Estados Unidos. Nela, o imperialismo e o capitalismo são idéias importadas da Europa ou dos EUA. Talvez por isso mesmo a revolução cubana triunfou e continua com muito êxito na construção de um socialismo dos trabalhadores. Na Nicarágua, tem-se ensaiado alguns passos da Revolução Sandinista e até hoje se mantêm algumas conquistas revolucionárias. No México, zapatistas do Estado de Chiapas ainda mantêm a chama da revolução. Na Venezuela, o Movimento Bolivariano ensaia os primeiros passos de independência. Na Colômbia, as Farc ocupam com êxitos importantes território de sua pátria. José de Souza João Pessoa (PB)

se, São Paulo, Corinthians etc. e tal. A chamada “virada de mesa” tornou-se comum nos departamentos de justiça desportiva dos chamados órgãos competentes. Assim, no começo do atual campeonato, todos acreditavam que de novo haveria lambança. Para espanto geral, a

coisa se resolveu dentro do campo. O Botafogo do Rio, que sempre foi apadrinhado da CBF, subiu junto com o Palmeiras, ganhando na bola. Enfim, a lei foi cumprida. O que seria norma em qualquer outro país, aqui virou exceção. Todos aplaudiram comovidos porque a lei desportiva foi restabelecida. Estranha sensação essa de ter de elogiar quem não faz nada além de cumprir sua obrigação. Parece até que alguns dos dirigentes do futebol brasileiro criaram vergonha na cara. Menos mal.Ufa! Juarez Soares é comentarista esportivo e escreve uma vez por mês neste espaço

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NACIONAL SEGURANÇA ALIMENTAR

Aprovada a disseminação de transgênicos C

omo esperado pelos ruralistas, dia 20, o Senado aprovou na íntegra o texto da medida provisória (MP) 131, que autoriza o plantio da soja transgênica na safra 2004 e a sua comercialização até 31 de janeiro de 2005 (com possibilidade de prorrogação por mais 60 dias). Assim, permaneceu o artigo que mais preocupa parte dos parlamentares e do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o que prevê o registro provisório das sementes e autoriza a sua reprodução. Na prática, isso pode significar mais um fato consumado a ser comemorado pela transnacional Monsanto. “A decisão é extremamente negativa. Os senadores não poderiam ter mantido o registro provisório. Haverá a reprodução de uma nova situação a ser resolvida pelo governo, um novo impasse para o próximo ano”, critica Cláudio Langone, secretário-executivo do MMA. Para ele, as decisões tomadas tanto na Câmara (quando incluído o artigo), quanto no Senado, evidenciam, em

Dinamarca proíbe glifosato Enquanto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) faz uma consulta pública, via Internet, para saber se os brasileiros querem ou não mais herbicida glifosato nos alimentos derivados de soja transgênica, a Dinamarca proíbe o seu uso por um o motivo: as fontes de água estão sendo contaminadas. De acordo com a Instituição de Pesquisa Geológica da Dinamarca (DGGRI), foram realizados testes que identificaram o ingrediente ativo do Roundup (glifosato) da Monsanto em diversos recursos de água do país. O herbicida que se concentra no solo tem alcançado os lençóis freáticos e elevado em até cinco vezes mais o nível de resíduo permitido para a água destinada ao consumo humano. O pedido feito pela Monsanto, no Brasil, elevaria o nível de resíduos do Roundup em 50 vezes. Hoje, o percentual permitido é de 0,2 mg/kg e a proposta da transnacional é que esta quantidade aumente para 10 mg/kg.

que a proibição impediria, por exemplo, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) de registrar novas experiências genéticas e seus estudos poderiam ser pirateados por qualquer transnacional. É bom lembrar que, mesmo sem a liberação do plantio de alimentos transgênicos no país, as pesquisas continuam sendo autorizadas pelo MMA. Tanto é que, recentemente, a Embrapa foi autorizada a fazer pesquisas com mamão transgênico.

ARGUMENTOS FURADOS

Auditório do Senado durante a votação da Medida Provisória que liberou o plantio e a venda de transgênicos, dia 20

sua maioria, os interesses que estão sendo representados no Congresso. Leia-se, os dos produtores do Rio Grande do Sul e dos grupos prótransgênicos.

Apesar da aprovação, a votação não foi unânime. Os senadores do PT, exceto o relator Delcídio Amaral (PT-MS), e do PSB votaram a favor de uma emenda do senador

Descarregamento de soja no silo público do porto de Paranaguá, que, desde dia 17, não recebe mais grãos geneticamente modificados

Paraná insiste em área livre Leonardo Franklin de Curitiba (PR) A Secretaria de Estado da Agricultura do Paraná (Seab) encaminhou, dia 20, o terceiro ofício ao Ministério da Agricultura, pedindo o reconhecimento do Paraná como área livre de transgênicos, como prevê a Lei Estadual nº 14.162, aprovada em outubro passado. A lei detalha os procedimentos adotados pelo Paraná na fiscalização e monitoramento do plantio e comercialização de grãos transgênicos. O secretário da Agricultura, Orlando Pessuti (PMDB), espera uma resposta nesta semana. Caso o governo federal decida não aceitar a soliticação do Paraná, o Estado, segundo Pessuti, ainda tem autoridade para fazer cumprir a sua própria legislação estadual, que proíbe o plantio, cultivo, transporte e comercialização de organismos geneticamente modificados. Se o desfecho for esse, apenas alguns trechos seriam liberados para o escoamento “lacrado” dos grãos transgênicos vindos de outros Estados. Apesar da polêmica jurídica sobre qual é a lei que prevalece, de

Sibá Machado (PT-AC) que proibia o registro provisório das sementes. No entanto, o relator e o senador Osmar Dias (PDT-PR) foram contrários à emenda, argumentando

No entanto, desde a aprovação da MP na Câmara, a ministra Marina Silva (MMA) já havia antecipado que, mesmo com a sua aprovação no Senado, ela encaminharia ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um documento solicitando a supressão da proposta que “destoa” do texto original da MP, assinado pelo vice-presidente José Alencar. O secretário do MMA assegura que a posição da ministra se mantém e que ela deve propor à Lula a proibição da reprodução das sementes e seu registro.

Jonathan Campos/Gazeta do Povo/Folha Imagem

Claudia Jardim da Redação

Roosewelt Pinheiro/Agência Senado

Senado libera o plantio e a comercialização da soja e autoriza o registro provisório de sementes e a sua reprodução

acordo com o procurador da República, Aurélio Rios, a legislação paranaense pode se soprepor à federal, por ser mais “restritiva”.

DIFERENÇAS Por outro lado, a expectativa de Pessuti é que o ministro da Agricultura seja sensível ao interesse da maioria dos agricultores paranaenses, que preferem trabalhar com a soja convencional. Segundo a Seab, apenas 1,5% dos produtores manifestaram desejo de plantar transgênicos. Mesmo sem uma portaria especial, os agricultores que desrespeitarem a legislação estadual estarão sujeitos a multas, além da apreensão da produção, independente do local em que for encontrada, seja no solo ou colhida. O secretário acrescentou que uma resposta negativa do governo federal não significa desentendimento, justamente por estar clara a posição do ministro Roberto Rodrigues a favor da liberação do plantio de transgênicos. “Ninguém está escondendo nada”, afirmou Pessuti, acrescentando que não há impasse, mas “posições diferentes”.

Dia 17, o superintendente da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (APPA), Eduardo Requião, anunciou que o silo público onde estava depositada a soja transgênica encontrada no porto foi lacrado e não receberá novas remessas do produto. A medida, segundo a Administração, respeita o acordo entre ela e cerca de trinta operadores que atuam no porto paranaense.

CARGILL BARRADA Mas a Cargill, uma delas, deixou de recolher parte da soja no prazo estabelecido pelo acordo. Agora, a APPA deve exigir que a carga seja retirada do porto de Paranaguá de outra maneira, já que não será embarcada nos navios que estão programados. Para tanto, a transnacional precisa de autorização assinada pelo governador, ou pela Assembléia Legislativa, porque a lei determina que não se pode transportar soja transgênica no Paraná. “A partir de agora, enquanto a empresa não se livrar dessa soja, está impedida de operar no porto de Paranaguá”, informou Eduardo Requião.

Justiça manda recolher alimentos sem rótulo Três produtos que contêm transgênicos e não trazem essa informação no rótulo devem ser retirados das prateleiras dos supermercados catarinenenses. O juiz Domingos Paludo, da Vara da Fazenda da Capital, concedeu liminar em uma ação do Ministério Público de Santa Catarina, determinando a retirada do comércio da “sopa de carne com macarrão conchinha Knorr”, do leite de soja “Aptamil Soja 1” e do suplemento alimentar “Suprasoy”. Esses alimentos poderão voltar às prateleiras quando devidamente rotulados. A decisão atende a três ações civis públicas solicitando o recolhimento e a adequação dos produtos pelos fabricantes. “A importação e comercialização de qualquer produto sem a rotulagem obediente às diretrizes legais merece a repulsa do nosso sistema legislativo”, diz o parecer do juiz Domingos Paludo. Para ele, a liminar garante o direito à informação, “pois não é possível que alguém, impunemente, venda gato por lebre”, sentencia.

Os alimentos tiveram amostras recolhidas pela Vigilância Sanitária estadual no início do ano e foram testados em conjunto com outros 23 produtos encontrados no comércio de Santa Catarina, que compunham uma lista nacional de 31 alimentos suspeitos de conter organismos transgênicos. Os testes foram realizados pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. Segundo o promotor Fábio de Souza Trajano, da Promotoria de Defesa do Consumidor, os testes da Fiocruz revelaram que os três produtos tinham, entre seus componentes, a soja transgênica Roundup Ready, produzida pela Monsanto. Como no Paraná, a lei catarinense exige que todo produto que contenha transgênicos precisa registrar a informação no rótulo, independentemente da quantidade. Essa é mais uma divergência com o decreto federal, que exige a rotulagem apenas quando a presença de transgênicos ultrapassa o limite de 1%.


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NACIONAL ENTREVISTA

Bênção do FMI comprova que nada mudou A

visita de Anne Krueger, vicediretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e economista mais importante da instituição, ao Brasil, há cerca de três semanas, tinha objetivo político: dizer à classe dirigente que, apesar das dificuldades, o país voltaria a crescer. E que a política econômica do governo Lula tinha restaurado a confiança do mercado. Isso é muito duvidoso, como mostra o economista João Sicsú em entrevista ao Brasil de Fato.

Brasil de Fato – O que Anne Krueger veio fazer no Brasil? João Sicsú – Na sua recente visita, Anne Krueger enviou sua avaliação sobre a situação brasileira ao Fundo. A visita foi política, de persuasão. A conformação do acordo foi feita pelo corpo de funcionários do Fundo, chefiada por Jorge Márquez-Ruarte. Krueger fez declarações que dão pistas claras para entender o caminho tomado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não há nada de novo no acordo que será assinado, segundo a economista Eliana Cardoso, que escreveu: “Por mais que o governo deseje ver o novo acordo à meia luz, nem o ritual de negociação é diferente do que era no passado, nem o FMI de hoje é outro. Toda a propalada preocupação com crescimento com eqüidade não passa de maquiagem que não afeta a estrutura básica dos programas e acordos.” (jornal Valor Econômico, 12/10/2003). Eliana Cardoso é insuspeita para afirmar porque sempre apoiou (e apoia) as políticas do FMI, e sempre criticou duramente as teses desenvolvimentistas defendidas pelo Partido dos Trabalhadores na campanha eleitoral de 2002. Hoje, ela considera que “o Ministro Palocci dá um show no trato da macroeconomia (…)” (Valor Econômico, 12/10/2003).

Uma missão feita para reassegurar a confiança de banqueiros e empresários nas políticas do Fundo BF – O que disse Krueger? Sicsú – Disse: “O propósito da minha visita ao Brasil é encontrar os mais importantes membros da administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assim como membros das comunidades empresarial e financeira (…)”. O FMI busca no Brasil – e em todos os países com os quais assina acordos – diversas formas de garantir que as políticas econômicas e reformas estruturais sugeridas serão implementadas, e apoio político e social para as suas recomendações. O Fundo quer mais do que assinaturas de governantes nas cartas de intenção ou nos acordos. Krueger encontrou empresários e banqueiros brasileiros para convencê-los de que as recomendações do FMI asseguram que o governo será capaz de honrar suas dívidas com o sistema financeiro e de que embora as políticas sugeridas possam ser recessivas no curto prazo, pavimentam o caminho para o crescimento sustentado a médio prazo. BF – Com quem mais a economista esteve? Sicsú – Com o alto escalão do governo, para estimulá-lo a dar continuidade ao projeto liberalconservador (isto é, um conjunto de políticas econômicas e reformas antidesenvolvimentistas) que começou no “Reinado dos Fernandos” – Collor e Henrique Car-

Divulgação

Governo pode dizer que sua meta é o crescimento com distribuição de renda, mas o Fundo e seus acordos não mudaram

Quem é João Sicsú é professor-doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisador do CNPq e autor de diversos artigos em revistas especializadas no Brasil e no exterior. É co-organizador e autor de vários livros, entre os quais Macroeconomia Moderna (Ed. Campus, 1999) e Macroeconomia do Emprego e da Renda (Ed. Manole, 2003); e co-autor do livro Economia Monetária e Financeira (Ed. Campus, 2000). Recentemente, foi um dos organizadores do Agenda Brasil: Políticas Econômicas para o Crescimento com Estabilidade de Preços. doso. Reuniu-se com os ministros José Dirceu e Antônio Palocci, com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e com o vice-presidente, José Alencar. Mas não esteve com os representantes dos trabalhadores, dos sem-terra, dos sem-teto, dos sememprego. Krueger sabe que não há o que argumentar, prometer ou garantir a esses brasileiros. Os dirigentes sindicais e sociais mais esclarecidos já aprenderam que as políticas e reformas conservadoras do Fundo não resolvem os problemas mais candentes do país, que se refletem nas dificuldades de parte do empresariado, da classe média, dos pobres e dos socialmente excluídos. Mas, o importante, para o FMI, é convencer governantes. Nisso, Krueger foi bem sucedida.

Isso de conquistar o beneplácito do mercado e depois mudar seria uma tática simplória para burlar o FMI BF – O que mais ela afirmou de relevante? Sicsú – Segundo ela, “o governo confirmou que manterá as sólidas políticas que foram implementadas de forma bem sucedida neste ano. Ademais, o governo pretende continuar seu programa de reformas estruturais para auxiliar o crescimento a médio prazo”. No começo deste ano, muitos argumentavam que a opção liberal-conservadora feita pelo governo Lula era apenas uma tática politicamente hábil: o governo estaria fingindo ser algo que na verdade não é. A tática, em resumo, seria mostrar uma face conservadora (supostamente falsa) enquanto a inflação, o dólar e o risco país estivessem em queda. Depois, quando a confiança dos mercados fosse conquistada, mostraria a verdadeira face da mudança, redirecionando o modelo econômico, isto é, alterando a formulação de políticas e reformas econômicas. Isto era mera ilusão. BF – Por que ilusão? Sicsú – O FMI e os mercados financeiros não são inexperientes, não seriam enganados por uma tática tão simplória. O FMI trata diretamente com governos há mais de cinqüenta anos, os mercados financeiros capturam governos desde o início do capitalismo. Existe uma sólida cultura no Fundo e nos mercados sobre negociações com governos. Quem parecia não ter uma tática sólida e consistente são os que pensam que poderiam enganar instituições fortes e experientes com algo tão pueril. Mas as ilusões estão sendo desfeitas, e Krueger ajudou a desfazê-las. São poucos, hoje, os que acreditam que existe uma transição subterrânea, que não pode ser vista pelos chamados “ingênuos” – aqueles que, desde o início deste governo, denunciaram que a opção ortodoxa-estagnante para a economia não permitiria retorno, que era uma opção definitiva.

O superavit de 4,25% e a livre circulação de capitais vão continuar. Os juros seguirão atraentes. BF – Nada vai mudar, então? Sicsú – Como confirmou Krueger, o superavit primário de 4,25% do PIB, que sufocou a economia neste primeiro ano de governo, continuará o mesmo, a liberalização financeira será mantida e deixará, então, os capitais com total mobilidade (para entrar e sair do país) e a taxa de juros, por mais que seja reduzida, estacionará em um patamar elevado, compatível com a rentabilidade exigida pelos mercados financeiros internacional e doméstico. Ademais, o programa de reformas continuará. A próxima a ser apreciada pelo Congresso Nacional será a nova lei de falências, que retira direitos dos trabalhadores. Também voltará à tona a proposta de plena autonomia do Banco Central. Aliás, isso foi prometido pelo governo ao FMI, em carta de 28 de maio de 2003, assinada pelo ministro Palocci e pelo presidente do BC, Henrique Meirelles. Aqueles que já se desiludiram, que já perceberam que o governo seguirá o caminho conservador, mas que continuam, por ato de fé, defendendo as ações tomadas pelo governo no campo econômico, não disputam mais argumentos relativos às opções e possibilidades alternativas. Apenas afirmam que a inflação está sob controle e que o país crescerá. Afinal, dizem, esta era a proposta da campanha de 2002: “Crescer com estabilidade de preços”. Mas, o ponto central é que a economia pode até crescer, mas o crescimento será, necessariamente, medíocre e descontinuado, porque o superavit primário e a taxa de juros serão sempre sufocantes. E, além disso, mesmo um crescimento medíocre dependerá, ainda, do aval e do bom humor do mercado financeiro. Ou seja, haverá crescimento pífio se os capitais se mantiverem por aqui e não ameaçarem com uma nova fuga e, em conseqüência, com uma nova crise cambial. BF – O que representa o novo acordo para o Brasil? Sicsú – Eis as palavras de Anne Krueger: “Dada a forte recuperação na confiança do mercado, o governo expressou sua intenção de não sacar esses recursos adicionais. Os recursos, entretanto, estarão disponíveis para ser um importante seguro contra possíveis choques externos, enquanto o governo completa o processo de total restauração da confiança do mercado e consolida os fundamentos para o crescimento (…)”. Traduzindo: o Brasil recebeu um saldo adicional do FMI que estará disponível, em caso de necessidade, a partir de 2004. Recebeu um cheque especial de 6 bilhões de dólares que, somado ao crédito já disponível de 8 bilhões de dólares, totalizará 14 bilhões de dólares. O que a re-

presentante do FMI está dizendo é, simplesmente, que o país recebeu um seguro de liquidez para enfrentar possíveis choques. O Brasil, segundo Krueger, ainda não conquistou a confiança total do mercado. Portanto, ainda está sujeito a choques, ou seja, a ataques especulativos. Contudo, aqui, Krueger sugere algo impossível: o governo jamais completará, como afirma ela, o processo de total restauração da confiança do mercado, nem consolidará os fundamentos para o crescimento. BF – Confiança do mercado?! Sicsú – O processo de conquista de confiança nunca será suficiente para blindar a economia brasileira. Não bastou constituir uma equipe econômica absolutamente conservadora para dirigir o Ministério da Fazenda e o Banco Central, nem fazer um superavit maior do que o proposto pelo FMI (que sugeria 3,75% do PIB). Não bastou manter as taxas de juros em patamares que garantissem uma alta rentabilidade para o capital financeiro, nem fazer uma reforma da Previdência que agradasse ao mercado. Nada seria (ou será) suficiente. Por mais que tudo seja feito, muito ainda terá que ser feito para que o mercado confie plenamente no país e o Brasil se torne, eventualmente, isento de choques. Portanto, a conquista de confiança é um processo infinito. Os mercados são exigentes e insaciáveis em relação ao comportamento de governos. Assim, o caminho apontado pelo FMI é irreversível! A confiança do mercado financeiro está para um governo, assim como a linha do horizonte está para aqueles que caminham em sua direção sonhando um dia tocá-la. O governo jamais completará o processo de restauração total da confiança do mercado, como sugere Krueger. Mas o FMI saúda os esforços do governo brasileiro e o estimula a continuar. O país perde tempo, oportunidades e esperanças, mas, em compensação, ganha os cumprimentos do FMI.

Um modelo alternativo seria criticado pelos conservadores, mas fortaleceria o PT e seus aliados BF – A política econômica atual reduziu as vulnerabilidades do país? Sicsú – É o que disse a economista do FMI: “Quando o presidente e sua administração celebram o primeiro aniversário de sua eleição, nós, do Fundo, gostaríamos de estender nossas congratulações (…). A implementação da agenda do governo tem feito muito para reduzir as vulnerabilidades do Brasil”. Mas, diferentemente do que diz Krueger, a agenda do governo, em 2003, não reduziu as nossas vulnerabilidades. Não reduziu o desemprego, nem as chances de a inflação voltar; não

reduziu o risco de o país sofrer um novo ataque especulativo, nem garantiu a implementação de programas de investimentos públicos em infra-estrutura e programas sociais universais. BF – A gestão Lula poderia ter feito diferente? Sicsú – Sim, poderia ter definido um novo rumo para a economia brasileira. Poderia ter estabelecido uma trajetória descendente da relação dívida pública/PIB sem anular quase totalmente a sua capacidade de realizar gastos (isso é tecnicamente possível). Poderia estar montando uma arquitetura para garantir a estabilidade dos preços (desindexando a economia e estabelecendo políticas de rendas, por exemplo, em câmaras setoriais). Poderia estar implementando uma política industrial de promoção das exportações e substituição de importações. Poderia aumentar as reservas internacionais do país, ter uma política cambial responsável e restringir e/ou desestimular transações financeiras especulativas de curto prazo com o exterior. Poderia limitar o perigoso endividamento externo feito por empresas financeiras e não financeiras. Esse conjunto de ações permitiria uma queda acentuada e segura da taxa de juros ao longo dos próximos anos, e faria diminuir muito a possibilidade de o Brasil ser atingido por novos choques econômicos que se transformam em crise cambial. BF – Não haveria resistências às mudanças? Sicsú – Deve-se reconhecer que aquele modelo alternativo não seria elogiado pelo FMI. (O Fundo, diga-se, reconhece que a liberalização financeira não trouxe crescimento aos países emergentes e que algumas restrições ao livre movimento de capitais podem ser necessárias). Não seria, também, elogiado pelos formadores de opinião conservadora. Sob um modelo verdadeiramente alternativo, a base parlamentar governista seria mais volátil e menos ampla, pelo menos inicialmente, e o PSDB e o PFL estariam na oposição. Mas, certamente, o PT e seus partidos aliados estariam muito mais coesos e prontos para aumentar a sua influência nos setores sociais mais conscientes. As organizações sindicais controladas por seguidores de Lula não estariam tão tímidas e acuadas para defender o governo, assim como os formadores de opinião e a intelectualidade progressistas estariam na linha de frente da defesa do presidente. Além disso, o presidente, com seu carisma, poderia tentar manter o apoio dos pobres, dos socialmente excluídos e dos desorganizados para um caminho de realização de esperanças e mudanças. Hoje, porém, pensar em qualquer caminho alternativo, antiliberal, para o governo Lula, é mero exercício acadêmico. O que existe é o pedido de bênção ao FMI, a crença abstrata de que o mercado vai se manter bem humorado, a torcida para que haja algum crescimento em 2004, mesmo medíocre, em torno de 3%. Se isso, que é pouco, acontecer, governantes e governistas vão comemorar de forma ufanista, como faziam a equipe econômica, analistas conservadores e parlamentares do PSDB e do PFL nos tempos de Fernando Henrique Cardoso. Quando o governo Lula obtiver a sua primeira vitória (isto é, um crescimento de 2 a 3% no ano) dirá que o país mudou. Na verdade, nada terá mudado. Estará apenas provado que até o comportamento deste governo é o mesmo do seu antecessor: ufanista quando a situação é boa, e pedindo paciência quando a situação é ruim.


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NACIONAL ARROCHO

Ubirajara Dettmar/ABR

Fazenda quer cortar gasto social Associações de reitores, docentes e estudantes são contra mercantilização do ensino e redução nos investimentos sociais

U

m estudo elaborado pelo Ministério da Fazenda está conseguindo unir vozes dissonantes do governo e da sociedade, que não concordam com a orientação econômica da gestão Lula. O documento, divulgado dia 13 com o título “Gastos sociais do governo central: 2001 e 2002”, é uma coletânea de análises e conceitos defendidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial. A Fazenda defende a tese de que o gasto social do governo federal é alto e não reduz a desigualdade porque o investimento é mal feito. Como solução, propõe a focalização dos gastos sociais. No setor de educação, por exemplo, o estudo, assinado pelo ministro Antonio Palocci, sugere que a universidade pública favorece à parcela da população de renda mais elevada. A conclusão abre uma brecha para a cobrança de mensalidades, exigência antiga do Banco Mundial. “Isso é um absurdo. É um discurso arcaico que remete à gestão de Fernando Henrique Cardoso. Dessa forma, o governo só vai conseguir unificar entidades de educação, estudantes e professores contra a mercantilização do ensino”, avalia José Domingues, vicepresidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes). O Ministério da Educação, a Associação Nacional dos Diri-

gentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) criticam a avaliação e as propostas da Fazenda. “Nós, estudantes, nos sentimos traídos por esse documento. Ele repete a lógica adotada na gestão anterior, segundo a qual o ensino superior deve ficar à cargo da iniciativa privada”, avalia Gustavo Petta, presidente da UNE. Para ele, o documento retoma com maior força o discurso da privatização da universidade. “Nem Fernando Henrique e Pedro Malan (ex-ministro da Fazenda) conseguiram mexer nas instituições públicas de ensino superior. Este estudo, no entanto, foi a maior ofensiva da lógica neoliberal. Vamos puxar um movimento para combater esta cartilha”, conclui.

RACIOCÍNIO PERVERSO

ESTATÍSTICAS DISTORCIDAS Tecnicamente, coube ao economista Marcio Pochmann, secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do município de São Paulo, dar a resposta ao documento. No trabalho “Desigualdade de renda e gastos sociais no Brasil – Algumas evidências para o debate”, Pochmann rebate as principais argumentações do Ministério da Fazenda (leia quadro ao lado). “A pobreza e a desigualdade no Brasil não é um problema restrito a uma discussão sobre como se gasta recursos. A questão é que temos uma arrecadação tributária que penaliza os mais pobres e transfere renda para os mais ricos”, avalia o economista.

Dívida aumenta mesmo com cortes nos recursos em programas sociais

Os argumentos (furados) do ministro Palocci MINISTÉRIO DA FAZENDA O Brasil não tem conseguido usar os sistemas tributário e de gasto social de forma a afetar substancialmente a extrema desigualdade de renda.

O estudo de Palocci afirma, também, que o Brasil tem gastos sociais altos para o seu padrão. Em 2002, o governo teria investido R$ 182 bilhões na área social, cerca de 77% de suas despesas primárias. Tal cálculo, no entanto, ignora deliberadamente o gasto com os juros da dívida que, no mesmo período, chegaram a R$ 190 bilhões. “Raciocinando sem considerar as despesas com juros, o governo manipula grosseiramente os dados do orçamento para atribuir aos gastos sociais os males do país”, analisa Ávila. Márcio Pochmann também rebate a comparação da Fazenda. “Temos é de ampliar o gasto social. Comparando com outros países, nós não estamos no mesmo patamar da relação entre o gasto social e o Produto Interno Bruto (PIB)”, argumenta ele. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o gasto social representa 12% do PIB brasileiro. A comparação com países ricos é definitiva. A Suécia gasta 31%; a Alemanha, 27,3%; a Itália, 25%.

Dida Sampaio/AE

Jorge Pereira Filho e Bruno Fiúza da Redação

Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), 70% da arrecadação incidem sobre o consumo e são pagos pelos trabalhadores e consumidores de baixa renda. “Enquanto isso, os rentistas e as grandes empresas, principais beneficiários da política de endividamento do governo, possuem privilégios fiscais e pagam cada vez menos”, conclui Rodrigo Ávila, economista da Unafisco (leia reportagem nesta página).

MARCIO POCHMANN Ultimamente, verifica-se uma estranha inversão nos termos do debate. O gasto social transformou-se no culpado da desigualdade no Brasil. A herança escravista, a oferta estruturalmente exorbitante de mão-de-obra, a estrutura tributária regressiva, os juros altos, a ausência de crescimento econômico e o enfraquecimento do movimento sindical – é como se todos estes fatores cumprissem um papel menor para a conformação de uma sociedade profundamente injusta.

A garantia de proteção social para toda a população, especialmente para os mais pobres, passa por uma gestão macroeconômica responsável (...). Destacam-se nestas funções (...) a geração de superavit primário, que objetiva o controle do endividamento público e do processo inflacionário, e os demais tipos de gastos do Governo Central, particularmente, com investimentos em infra-estrutura.

O arrocho fiscal tem significado uma imensa transferência de recursos para o setor financeiro, tendo, aliás, parcela maior do ajuste fiscal sido subtraída da renda do trabalho. (...) O que existe na prática é um esquema monstruoso de drenagem do setor privado e da renda do trabalho para uma acumulação essencialmente financeira.

Cerca de 70% das receitas primárias do governo central são destinadas ao gasto social. (...) A possibilidade de o governo reduzir a carga tributária (...) sem comprometer o ajuste fiscal e a estabilidade econômica depende de sua capacidade de reformar o gasto social, reduzindo a proteção exagerada que atualmente provê (sic) para um pequeno segmento da sociedade, e redirecionando os recursos para o atendimento das demandas sociais mais básicas e urgentes.

Os gastos sociais necessitam crescer no Brasil, em termos absolutos ou relativos, para atenuar a desigualdade de renda. (...) A expansão dos gastos sociais no sentido da universalização aumentaria ainda mais o seu impacto distributivo. As causas da desigualdade podem ser encontradas em três diferentes planos (...): dinâmica excludente do mercado de trabalho, a financeirização da economia e a estrutura tributária regressiva.

No Brasil, o gasto médio por aluno no ensino superior é bem mais elevado do que em países em desenvolvimento e superior à media de países mais ricos (...), o que acaba beneficiando segmentos de maior renda e restringindo a aplicação de recursos na educação básica.

Os gastos do governo federal com o ensino superior no período 2001/2002 representaram apenas 0,5% do PIB. No caso de outros países, observa-se que o gasto público com o ensino superior chega a ser quase quatro vezes superior. Segundo informações da Organização Internacional do Trabalho (OIT, World Labour Report), o Chile chega a comprometer 2,1% do seu PIB com a educação superior; a Holanda, 1,8%; a Inglaterra, 1,1%; a Itália, 1,2%; a Finlândia, 2,0%.

Fontes: “Gasto Social do Governo Central”, Ministério da Fazenda (www.fazenda.gov.br). “Desigualdade de Renda e Gastos Sociais no Brasil: Algumas evidências para o debate”, Marcio Pochmann, Prefeitura Municipal de São Paulo (www.trabalhosp.prefeitura.sp.gov.br).

A dívida aumenta a desigualdade As vozes dissonantes do documento do Ministério da Fazenda concordam em um aspecto: a dívida pública aprofunda a desigualdade social no Brasil. Para Marcio Pochmann, secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade de São Paulo, “enquanto os pobres pagam juros, os ricos vivem de juros”. Ele vai além: “Os pobres, quando estão com alguma necessidade que não têm dinheiro para suprir, endividam-se nos agiotas e pagam juros, juros elevadíssimos. Os ricos têm um patrimônio elevado e transferem parte dessa riqueza para a riqueza financeira e, portanto, vivem justamente desse grande ganho. São basicamente 15 mil famílias que concentram todo o giro da dívida pública interna”. O argumento da Fazenda que diz que, se o governo Fernando Henrique tivesse produzido um superavit maior, seria possível aumentar os gastos sociais, é rebatido pelo economista Rodrigo Ávila, do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco). “Para eles, se fosse realizado um superavit maior, as despesas com juros diminuiriam, o que poderia dar margem ao aumento do gasto social. O problema é que as despesas com juros são, hoje, equivalentes

ao dobro do superavit primário”, diz o economista.

POLÍTICA SUICIDA Segundo Ávila, o governo faz uma economia recorde para pagar os juros da dívida e, mesmo assim, não conseguirá. “Cortaram recursos até do Fome Zero, fizeram um superavit maior do que o exigido pelo FMI e a dívida ainda aumentou. Onde vamos chegar com essa política suicida?”, questiona. Os números dos últimos anos da gestão Fernando Henrique mostram aonde isso pode chegar. Enquanto o gasto social direto subiu 13,5% entre os anos de 2001 e 2002, a despesa com o pagamento de juros cresceu 31,9%, segundo o Ministério da Fazenda. Mesmo assim, o governo não conseguiu pagar aos credores e teve de fazer um novo acordo com o FMI. Para Marcio Pochmann, a renda do trabalhador, por meio dos impostos, sustenta a acumulação dos investidores financeiros. “O Estado é o principal sustentáculo para manter o sistema financeiro, alimentando-o por meio do endividamento público e das privatizações. De outro lado, tem aumentado impostos. De 1994 a 2002, a carga tributária aumentou 10 pontos percentuais. Esses impostos sairam basicamente da renda do trabalho”. (JPF e BF)


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NACIONAL POLÍTICAS SOCIAIS

O desmonte da Previdência continua

Lauro Jardim de São Paulo (SP)

A

s cenas causaram tal impacto que obrigaram o ministro a recuar e levaram o governo a editar uma medida provisória prorrogando por mais cinco anos o prazo para que aposentados e pensionistas reclamem na Justiça a correção dos benefícios achatados ao longo de décadas de planos econômicos mal-sucedidos. As filas de aposentados, que se formaram, primeiro, nos guichês de atendimento do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), depois do esdrúxulo corte dos benefícios de aposentados e pensionistas com mais de 90 anos, e, mais tarde, às portas da Justiça Federal, mostraram ao país um retrato sem retoques da política de desmonte a que vem sendo submetido todo o setor público, a Previdência, em particular, desde os anos Collor. No caso do INSS, o desmanche foi ampliado, na surdina, neste ano, enquanto os porta-vozes da política econômica oficial se encarregavam de alardear a versão segundo a qual os aposentados e pensionistas contribuíram para quebrar o sistema, produzindo deficit bilionário, praticamente 50% maior do que em 2002. Nas contas da equipe econômica, que desconsideram as normas definidas na Constituição para o sistema brasileiro de seguridade social, a Previdência gastou, entre janeiro e setembro deste ano, cerca de R$ 71,1 bilhões com o pagamento de aposentadorias, pensões e outros benefícios previdenciários, mas arrecadou apenas R$ 54,9 bilhões, sob a forma de contribuições de empresas e pessoas físicas.

e despesas, já que a arrecadação líquida da Previdência (descontados os recursos transferidos ao Sesi, Senai, Senac e outras entidades) cresceu menos de 12% na comparação com 2002, diante de um salto de 18,8% no pagamento de benefícios. O governo só não diz, comodamente, que o menor aumento da arrecadação está diretamente relacionado à política econômica em vigor, que levou a atividade econômica à estagnação, e o mercado de trabalho a uma crescente tendência ao desemprego e à informalização, ou seja, a um crescimento do total de empregados sem carteira assinada (e que, portanto, não recolhem contribuições ao INSS). Mas nem mesmo aqueles resultados são reais. Os rombos, na verdade, foram convenientemente construídos a partir da manipulação das estatísticas do INSS. Desconsideram outros recolhimentos e impostos destinados, constitucionalmente, à Previdência e, mais grave, escondem o desmanche a que o setor vem sendo submetido também neste governo. Os números são oficiais e encontram-se à disposição de quem pode ter acesso ao endereço da Previdência na Internet.

Felipe Varanda/Folha Imagem

Até setembro, o INSS acumulou superavit de R$ 1,5 bilhão, desmentindo o discurso oficial para justificar o desmanche

DESMONTE DO ESTADO

MANIPULAÇÃO A diferença entre receitas e gastos previdenciários foi um suposto rombo de R$ 16,2 bilhões, nada menos do que 49,5% acima do deficit de R$ 10,8 bilhões verificados nos mesmos nove meses do ano passado. Na contabilidade oficial, há um descompasso entre receitas

CONTA ESTRANHA De fato, o INSS arrecadou diretamente, por meio de contribuições previdenciárias, aqueles mesmos R$ 54,9 bilhões. Desde a Constituição de 1988, no entanto, foram incorporadas à receita do INSS, como fontes de arrecadação, a Contribuição Financeira para a Seguridade Social (Cofins), cobrada de bancos e empresas, e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de pessoas jurídicas (CSLL). Mais tarde, seria incorporada parte da arrecadação do chamado imposto do cheque – a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Para calcular o deficit da Previdência, o governo decidiu desconsiderar as demais fontes de arrecadação, criadas a partir de 1988. Entre janeiro e setembro deste ano, as receitas somadas da Cofins,

O custeio do INSS cai 15,5% O golpe final vem a seguir, a partir de uma análise mais detida dos números do INSS. Como em todo o restante do ministério, a União (o governo federal) banca as despesas com pessoal e custeio da máquina administrativa (compras de materiais, equipamentos e outras despesas essenciais ao funcionamento do setor público). Esse tipo de gasto é pago com a arrecadação de impostos em geral. No caso da Previdência, faz-se o contrário: o dinheiro das contribuições, recolhido para financiar exclusivamente aposentadorias, pensões e outros benefícios previdenciários, tem sido sistematicamente desviado para pagar despesas correntes, quer dizer, bancar gastos com pessoal e encargos trabalhistas, compra de materiais de escritório, computadores, programas de informática e até o cafezinho consumido pelo ministro Ricardo Berzoini. Neste ano, até setembro, submetido a um emagrecimento forçado, enquanto se agravam as condições de atendimento a milhões de aposentados e pensionistas, as despesas com custeio do INSS despencaram 15,5% frente aos primeiros nove meses do ano passado, para uma taxa de inflação na casa dos 15% a 16% (ou seja, em termos reais, tomando-se valores atualizados, o

tombo pode ter chegado a mais de 30%). Saíram de R$ 936,2 milhões para R$ 791,0 milhões, em valores não corrigidos.

TRANSFERÊNCIAS CAEM O INSS desembolsou, ainda, R$ 2,581 bilhões com o pagamento de salários e encargos, apenas 6% mais do que os R$ 2,433 bilhões gastos até setembro do ano passado. Claramente, houve um achatamento dos salários no setor, já que a variação ficou quase 8% abaixo da inflação do período. Os recursos ordinários do orçamento da União transferidos para o INSS despencaram ainda mais, passando de R$ 2,268 bilhões entre janeiro e setembro de 2002 para meros R$ 943,0 milhões agora, – uma retração de 58,4%. No ano passado, aqueles repasses correspondiam a 67% das despesas de custeio e pessoal do INSS, participação que murchou drasticamente sob o governo petista, para menos de 28%. Detalhe: além de financiar grande parte de suas despesas de custeio, ao contrário do que ocorre nos demais ministérios, a Previdência devolveu ao Tesouro Nacional, até setembro deste ano, R$ 1,330 bilhão, para “compensar” receitas antecipadas pela União ao INSS no ano passado. (L.J.)

A fila na Justiça Federal, no Rio, para pedidos de revisão da aposentadoria, dava volta no quarteirão. Anorelino da Conceição Gonçalves, 74 anos, ex-pedreiro, não agüentou as dores no joelho e caiu, sendo socorrido por outros aposentados. O valor de sua aposentadoria é de R$ 250,00.

da CSLL e da CPMF atingiram R$ 71,4 bilhões, dos quais apenas R$ 21,4 bilhões (30% do total) foram repassados ao INSS. Com esse dinheiro, a receita real líquida do INSS sobe para R$ 76,3 bilhões. No mesmo período, os pagamentos totais da Previdência consumiram R$ 74,8 bilhões, incluindo o pagamento de benefícios previdenciários e não previdenciários (como despesas com assistência social e encargos previdenciários da União, que, como indica o nome, deveriam ter sido recolhidos pela União). Houve, na verdade, um saldo positivo de R$ 1,5 bilhão. Mais claramente, houve sobra de recursos e não um rombo, como alega o governo. Aquele resultado, apurado a partir dos critérios estabelecidos pela Constituição, foi nada menos do que 646% maior do que o superavit observado entre janeiro e setembro do ano passado (apenas R$ 207 milhões), porque houve um aumento de 52,4% no repasse da arrecadação da Cofins, CSLL e CPMF. As sobras, na prática, são até um pouco maiores, quando se consideram os rendimentos financeiros alcançados pelo INSS no período (cerca de R$ 298 milhões). Receitas financeiras, no entanto, não são levadas em conta pelo governo ao definir o cálculo do resultado primário de suas contas (ou seja, para calcular a diferença entre receitas e despesas são desprezados ganhos e gastos com juros).

O caixa do INSS, no azul (Valores nominais, em R$ milhões)

Os números que o governo mostra... Arrecadação líquida Benefícios previdenciários Resultado oficial

Jan-set/02

Jan-set/03

Variação (em %)

49.031 59.861 -10.830

54.899 71.095 -16.196

12,0 18,8 49,5

Jan-set/02

Jan-set/03

Variação (em %)

49.031

54.899

12,0

14.057 63.088 62.881

21.427 76.326 74.781

52,4 21,0 19,0

207

1.545

646,4

... e os dados que o governo esconde Arrecadação de contribuições (1) Demais contribuições (Cofins/CSLL/CPMF) (2) Receita líquida total (1+2) Pagamentos do INSS* Resultado final

* Inclui despesas com aposentadorias, pensões, assistência social e devolução de benefícios. Exclui gastos com custeio e pessoal. Fonte: Divisão de Programação Financeira do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS)

O desmonte (Valores nominais, em R$ milhões)

Pessoal Custeio Total (1) Recursos ordinários da União (2) União reduz sua fatia (2/1)

Jan-set/02

Jan-set/03

Variação (em %)

2.433 936 3.369 2.268 67,3%

2.581 791 3.372 943 27,9%

6,0 -15,5 0,09 -58,4

Fonte: Divisão de Programação Financeira do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS)

SAÚDE

Aids e preconceito ainda matam Luis Brasilino e Maíra Kubík Mano da Redação Em 1° de dezembro celebra-se o Dia Mundial de Combate à Aids. Vinte e três anos depois da notificação do primeiro caso e mesmo com a distribuição do coquetel de medicamentos para combater a doença, no Brasil continua-se morrendo de Aids e de preconceito. A Aids, atingiu 42 milhões de pessoas desde o primeiro caso, em 1980. A síndrome destrói as células de defesa do corpo e permite que doenças oportunistas e comuns sejam fatais. No Brasil, o combate à Aids tornou-se mais eficaz a partir

de 1996, quando começaram a ser distribuídos, gratuitamente, através da rede pública de saúde, remédios para tratamento anti-retroviral. Segundo Maria Lúcia Araújo, presidente da Sociedade Viva Cazuza, o custo do tratamento seria de R$ 1 mil por mês. “A distribuição de remédios é maravilhosa”, diz. No entanto, para Cláudio Santos de Souza, portador do vírus HIV, “faltam medicamentos”. É preciso muita luta para conseguir os remédios e os exames, diz. Apesar dos problemas, o programa de combate à Aids no Brasil ganhou destaque internacional. Segundo o Ministério da Saúde, as taxas médias de contaminação são

de 15,2 casos por 100 mil habitantes, sendo de 19,3 entre homens e de 11 entre mulheres. Os índices mostram crescimento de contaminação entre os heterossexuais, redução dos casos devido à transmissão por uso de drogas injetáveis e estabilidade na transmissão homossexual. Em setembro de 2003, o Brasil acumulava 277.141 casos registrados, desde 1980. A doença já não mata tanto, mas os soropositivos continuam sofrendo discriminação. Sinal dos tempos é a recente pesquisa da rede BBC, estatal da Inglaterra, que mostrou que 61% dos brasileiros acham que a Aids não mata. Os dados comprovam uma deficiência nas campanhas preventivas.


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NACIONAL REFORMA AGRÁRIA

A arte de transformar 1 milhão em 400 mil O

s 4 mil sem-terra que durante nove dias percorreram 190 quilômetros, de Goiânia (GO) a Brasília (DF), para participar da Conferência da Terra e reivindicar a implementação do 2º Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), ficaram frustrados. Em Brasília, no encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dia 21, no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade, esperavam o anúncio de assentamento de 1 milhão de famílias até 2006. Mas o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, ao proclamar o plano definitivo do governo, apresentou a meta de assentamento: 400 mil famílias até o fim do mandato presidencial. Depois de ouvir lideranças camponesas e o ministro Rossetto, Lula reafirmou que defende a reforma agrária, mas não falou em números. Em nome da “estabilidade, indispensável para a governabilidade”, justificou a política econômica do governo, à qual segundo ele o plano está atrelado. Apesar de assegurar com veemência que vai “morrer” lutando pela reforma agrária, Lula não explicou quais verbas serão utilizadas para tirar do papel o projeto do Ministério do Desenvolvimento Agrária (MDA). Segundo Rossetto, não faltará dinheiro. Contudo, ele foi vago e disse apenas que o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, ficou encarregado de encontrar as fontes de recursos.

VOTO DE CONFIANÇA João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), alertou o ministro da Fazenda: “Estamos confiantes que a reforma agrária vai deslanchar, viu, Palocci?!” No dia anterior, Stedile já havia atribuído a “manutenção do neoliberalismo” à orientação adotada pelo atual ministro da Fazenda.

Manifestantes sem-terra na Conferência da Terra pelo Plano Nacional da Reforma Agrária

ENTRE A ESPERANÇA E A FRUSTRAÇÃO PLANO NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA > > > > > > >

1 milhão de famílias assentadas em quatro anos 2004 – 200 mil famílias 2005 – 200 mil famílias 2006 – 200 mil famílias 2007 – 400 mil famílias gerar 3 milhões de empregos aumentar a renda dos assentados para 3,5 mínimos

Stedile disse também que o povo brasileiro esperou muito tempo para chamar o presidente da República de “companheiro” e que a nação espera mudanças, entre elas a implementação do PNRA. Mas ouviu como resposta uma defesa da política econômica - “Graças a Deus temos Palocci no ministério!” - e um elogio ao Itamaraty pelo acordo sobre a Alca celebrado em Miami.

SUSTENTAÇÃO POLÍTICA Analisando o encontro de Lula com as lideranças, Gerson Teixeira, presidente da Associação Brasileira da Reforma Agrária (Abra), afir-

TERRA INDÍGENA

Continua tenso o conflito entre posseiros e índios xavante, iniciado dia 11, na terra indígena Mara-Watsédé, município Alto da Boa Vista (MT). Na área estão 22 agentes da Polícia Federal, entre eles três delegados e quatro servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), que tentam conter os ânimos. O bispo da Prelazia de São Félix, dom Pedro Casaldáliga, e seus agentes de pastoral estão sendo ameaçados de morte, junto com pessoas ligadas à questão indígena na região. Em Alto da Boa Vista, o prefeito Mário Barbosa fechou as escolas e, junto com grandes fazendeiros da região, incentiva os posseiros a permanecerem acampados à beira da estrada, em posição de confronto. Os ocupantes da terra indígena estão buscando os prefeitos dos municípios de Serra Nova, Bom Jesus e São Félix do Araguaia para aliarem-se na disputa pela terra. Nas rádios de São Félix e de Alto Boa Vista são constantes os ataques a dom Pedro, a Edson Beriz, coordenador da Funai de Goiás, e a Franklin Machado, que há quatro anos trabalha com saúde indígena junto aos povos tapirapé, avá canoeiro, tapuia e parte dos karajá da ilha do Bananal, em Mato Grosso e Goiás. As emissoras veiculam informações de que eles são responsáveis

Paulo Pereira Lima

Vida de Casaldáliga vale R$ 60 mil no Araguaia Núbia Maria da Silva de São Félix do Araguaia (MT)

PLANO DO MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO > > > > > > >

400 mil famílias assentadas até final de 2006 2004 – 115 mil famílias 2005 – 115 mil famílias 2006 – 140 mil famílias 130 mil áreas compradas pelo crédito fundiário 500 mil famílias com posses regularizadas 30 mil assentamentos em 2003

mou que o essencial não é a quantidade da meta, mas o fato de que o assentamento não está garantido pela atual legislação. Ele lembrou que a reforma agrária continua cara e lenta, por causa do preço da terra e do prazo dado aos Títulos de Dívida Agrária (TDAs), que deveria ser de 20 anos. Para Teixeira, Lula deveria ter lançado a reforma agrária no início de seu governo. Agora, precisa de sustentação parlamentar para aprovar as reformas previstas e enfrenta a oposição da base ruralista, contrária a mudanças que façam funcionar a pesada máquina jurídica e administrativa. Já o autor do PNRA original, Plinio Arruda Sampaio, afirmou: “Ganhamos alguma coisa, não ganhamos tudo” (leia em Debate, na página 14).Tanto Teixeira quanto Sampaio insistiram na “pressão de massa” como instrumento para acelerar a reforma agrária.(Colaborou Cláudia Jardim, da Redação)

pelo retorno dos xavante para a área e que não querem o progresso da região. Telefonemas anônimos, de alguém dizendo-se ligado aos fazendeiros, revelou que as mortes estão valendo R$ 60 mil “por cabeça”. Indígenas e posseiros disputam a posse de 160 mil hectares da reserva indígena, homologada em nome da União há quatro anos. O palco da discussão já foi considerado a maior fazenda de gado do mundo, com 1 milhão de hectares, na década de 60. Nessa época, pertencia à holding italiana Lukifarma, proprietária da Agip no Brasil. A Funai e o Ministério Público Federal entraram com uma ação civil pública na Justiça, pedindo que a posse seja devolvida. A ação foi movida há oito anos e o conflito acirrado no dia 11, quando os xavantes reocuparam a área.

Edna Conceição de Oliveira, 48, acampada em Mato Grosso do Sul, marchou incansavelmente acompanhada da filha de 23 anos.”Vim porque quero uma reforma agrária, para que na velhice a gente não precise trabalhar para os outros. Agora estou no acampamento plantando arroz, feijão, temos a nossa horta. São 500 pessoas. A marcha foi boa. O pé machucou um pouco, mas valeu a pena! Tenho fé que a marcha vai me ajudar a ganhar meu pedaço de terra”.

“Como os outros, faria tudo de novo” O relógio marcava seis horas da manhã quando Divina Correa da Silva, 19 anos, acordou. Com os pertences prontos e a filha de dois anos nos braços, saiu com o marido, de Goiânia rumo a Brasília, numa peregrinação que duraria nove dias. Com poucos meses de militância, Divina afirma: “Dificuldade a gente passa no acampamento, onde temos que superar os obstáculos dia após dia”. Para ela, a marcha foi mais uma lição para dar continuidade à luta pela reforma agrária.

“Se num fazê, nóis vorta pra resolvê” Luminilson Maciel da Silva, 43 anos, vive em Tangará, próximo a Uberlândia (MG) e integra o MTL. É acampado há 4 anos. “Vim marchar pra dar uma força para companheiros.” Pai de quatro filhos, sonha em ter um pedaço de chão de onde possa tirar o fruto do seu trabalho. Depois da marcha, disse: “A perna tá bem porque é forte. Eu com certeza faria tudo de novo”. E Luminilson manda um aviso: “O Lula tem que fazer a reforma agrária. Se num fazê nóis vorta de novo pra resolver outro causo.”

No Sul, semana é de marchas Miguel Enrique Stedile de Porto Alegre (RS)

O bispo da Prelazia de São Félix, dom Pedro Casaldáliga

“O pé machucou, mas valeu a pena”

Com 10 mil pessoas, a 8ª Marcha dos Sem, em Porto Alegre (RS), dia 21, encerrou uma semana de mobilizações no Rio Grande do Sul. Convocada anualmente pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), neste ano a marcha foi organizada também pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), em torno da geração de empregos e da denúncia de repasses públicos para grandes empresas e contra a Alca. A semana de mobilizações teve início com a Marcha do MST, que começou, dia 17, no Fórum de São Jerônimo, região metropolitana de Porto Alegre. Durou três dias, denunciando a criminalização da luta pela terra e a lentidão da reforma agrária no Estado. Na chegada à capital, os manifestantes realizaram ato em frente à Secretaria de Justiça e Segurança, seguida de uma vigília no Palácio Piratini e de ocupação simultânea do pátio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). No mesmo dia, a Marcha do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), por mudanças na política econômica federal e investimentos

Leonardo Melgarejo

Sal Freire e Laura Muradi de Brasília (DF)

Fotos: Laura Muradi

Depois de andar nove dias, em Brasília sem-terra ouvem Lula anunciar tímidas e imprecisas metas de assentamentos

Marcha dos Sem reuniu 10 mil pessoas em Porto Alegre (RS)

na pequena agricultura, bloqueou o acesso ao Banco Central em Porto Alegre. Depois, ocupou a sede da Receita Federal, enquanto o MST e o Movimento de Trabalhadores Desempregados (MTD) ocupavam o Gabinete de Reforma Agrária (GRA) do governo do Estado.

MOBILIZAÇÃO Os trabalhadores de educação e servidores do Instituto de Previdência também estiveram mobilizados, em assembléia com mais de 5 mil participantes. Todas as mobilizações convergiram para a Marcha

dos Sem, mas forte aparato policial impediu o ato público, previsto para ser realizado em frente ao prédio do grupo de mídia RBS, acusada de sonegar impostos e enviar dinheiro ilegalmente ao exterior. A repressão não foi um ato isolado do governo Germano Rigotto. No último mês, três acampamentos do MST sofreram “varreduras” no Estado, com revista de todas as famílias acampadas. Onze trabalhadores rurais foram indiciados, sete estão com pedido de prisão preventiva e o agricultor Justino Vieira, o “Tino”, está preso desde dia 11.


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De 27 de novembro a 3 de dezembro de 2003

NACIONAL DIREITOS HUMANOS

Reduzir idade penal não diminui violência Tatiana Merlino da Redação

U

m sentimento de vingança está tomando conta de parte da sociedade após o homicídio do casal de namorados Liana Friedenbach e Felipe Silva Caffé, praticado por um adolescente, em Embu-Guaçu, na região da Grande São Paulo. Esse quadro de pânico social põe em alerta especialistas preocupados, por exemplo, com o surgimento de propostas simplistas – como a redução da maioridade penal, que volta a ser discutida como medida para conter a violência urbana. “Não é saudável pegar carona em crimes brutais para apresentar projetos de forma atropelada”, diz Ariel de Castro Alves, da comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ele ressalta que a redução da idade penal já ocorre, em São Paulo, há muito tempo: “Desde 1999, adolescentes de até doze anos estão sendo transferidos para presídios”. Alguns setores do Judiciário e da Igreja Católica se posicionaram a favor da redução da idade penal. O rabino Henry Sobel, representante da comunidade judaica, também defendeu a pena de morte em casos “excepcionais”, durante passeata contra a violência, realizada dia 23, em São Paulo. Do lado contrário, se manifestaram os ministros da Educação, Cristovam Buarque, e da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Para Cristovam, a redução da maioridade penal favoreceria apenas os adolescentes da elite brasileira: “Querem resolver o problema da violência diminuindo a idade com que as crianças vão para a cadeia, em vez de aumentar a idade com que elas saem da escola”.

MUDANÇAS NO ECA O governador Geraldo Alckmin, apesar de não se declarar a favor da redução da maioridade penal, entregou ao presidente da Câmara dos Deputados de São Paulo, João Paulo Cunha (PT), um projeto com propostas de alteração no Estatuto da Criança e do Ado-

Ernesto Rodrigues/AE

Especialistas em questões da infância e da adolescência condenam propostas do governador Geraldo Alckmin

Movimento Atitude pela Paz protesta contra a redução da maioridade penal

AS PROPOSTAS DE ALCKMIN MENORES NO CRIME Aumento da pena para quem induzir menor a praticar crime e/ou infração penal com menor. A pena passa de 1 ano a 4 anos para 2 anos a 8 anos além de multa.

MUDANÇAS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE PERÍODDO DE INTERNAÇÃO Fixação do prazo de internação – que deve ser reavaliado no máximo a cada seis meses e não pode exceder três anos (exceto para infrações consideradas graves, quando pode chegar a oito ano)

VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA Aumento do prazo de internação para até oito anos em caso de violência ou grave ameaça à pessoa. “NÃO HÁ ESPECIFICAÇÃO DOS TIPOS DE DELITO”

AO COMPLETAR 18 ANOS Em caso de infrações praticadas com violência ou grave ameaça caberá à Justiça a decisão, após avaliação social, psicológica e médica, de manter internado o jovem que completar 18 anos.

TRABSFERÊNCIA PARA A PRISÃO Caso a Justiça decida manter a internação, o infrator será transferido para ala especial, no sistema penitenciário comum, onde cumprirá o restante do prazo fixado de internação.

REITERAÇÃO Os adolecentes que cometeram mais de uma infração – no caso de atos infracionais praticados com violência ou grave ameaça à pessoa – poderão receber da Justiça a determinação de outra internação com prazo determinado, não podendo o período máximo de internação exceder dez anos.

lescente (ECA). O projeto propõe o aumento de três para até dez anos na pena de restrição de liberdade para o menor infrator, pena de

Pesquisa revela perfil das vítimas em SP Ruth Scharony de São Paulo Uma pesquisa realizada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) mostra que cresce a violência na periferia de São Paulo. “Mata-se e morre-se por motivos como drogas, mas também por causa de um pedaço de pizza ou até mesmo por causa de uma pipa”, conta Karina Caritá, assistente social que participou do estudo. Diferentemente de outras pesquisas que analisam dados sobre a violência coletados em órgãos públicos, nesta os pesquisadores saíram a campo e entrevistaram as famílias das vítimas. Essa metodologia comprovou um fenômeno assustador: por medo, muitas vezes o que foi declarado nos boletins de ocorrência (BO) é bem diferente do que foi contado aos pesquisadores. Um caso estarrecedor: o BO registra que os parentes da vítima não conhecem o homicida; mas, para o pesquisador, esses mesmos parentes apontam seu próprio vizinho, de porta colada com a sua, como o autor do crime. “Entre os objetivos da pesquisa, além de registrar os números alarmantes da violência em São Paulo, queremos também mostrar a necessidade de se criar mais Centros de Referência e Apoio às Vítimas

(Cravi). Deveria haver, no mínimo, um Cravi em cada região de São Paulo”, afirma Silvia Falabella, assistente da pesquisa. O Cravi, desde 1998, atende as famílias das vítimas dando-lhes apoio psicológico e jurídico. Sem isso, muitos processos seriam arquivados, pois muitas vezes trata-se da morte do provedor daquela família. A quantidade de pessoas atendidas pelo Cravi é muito pequena quando comparada aos números de homicídios. As dificuldades encontradas para realizar a pesquisa não foram poucas. Os pesquisadores precisaram enfrentar viagens perdidas porque as famílias das vítimas mudam de endereço com frequência depois do crime. Outras têm medo e se recusam a falar. As que recebem os pesquisadores em suas casas costumam ser rodeadas e observadas pelos chamados “olheiros” da favela. Muitas vezes, para despistar, foi necessário simular uma entrevista sobre um produto qualquer de limpeza. Outro problema que dificultou a pesquisa foi conseguir localizar os endereços das famílias, porque a favela inteira possui apenas um endereço, que é o de entrada. Tanto a correspondência quanto os visitantes que chegam dependem de informações de pessoas dali para conduzi-los até seu destino.

oito anos para o adolescente que comete crime grave ou violento - no caso de reincidência, de até dez anos.

Totalmente contra a proposta, Alves considera que o governador não tem autoridade para tratar desse assunto, pois o Estado de São Paulo é o que mais descumpre o ECA: “A proposta é ilegal, pois a Constituição brasileira prevê que a internação de adolescentes seja breve”. Um dos responsáveis pela elaboração do ECA, o procurador da Justiça Paulo Afonso Garrido de Paula acrescenta que o aumento do prazo de internação para jovens infratores prejudicaria adolescentes que cometeram “roubos simples”. O padre Júlio Lancelotti, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Belém, a redução não tem cabimento. Para ele, durante os anos em que os jovens ficam internados não é para que sejam submetidos a tortura, “como muita gente quer”. “Mesmo que fiquem dez anos, vão sair de lá, e daí? O que vai mudar? Em vez de ser um bandido mais jovem, vai ser um bandido mais velho”, diz Lancelotti.

JOVENS EM PENITENCIÁRIAS Outras sugestões do projeto encaminhado pelo governo de São Paulo são o estabelecimento de um prazo para o cumprimento da medida socioeducativa, a transferência para penitenciárias comuns de adolescentes que completarem 18 anos e ainda não tiverem se recuperado e o aumento da pena para adultos que utilizarem menores para cometer crimes. “Se baixarem a idade penal para 16 anos, os criminosos vão usar adolescentes de 14, 12 e assim por diante. E, então, vamos fazer o que? Criar berçários presídios?”, rebate Alves. Mas o presidente da Febem, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, assegura que o Estatuto não funciona para alguns internos: “Nós não temos vergonha de falar que o ECA não funciona para alguns adolescentes de 16 anos”, diz. Tanto Alves quanto Lancelotti questionam: “Quando o índio pataxó Gaudino foi assassinado por jovens em Brasília ninguém falou sobre a redução da idade penal”. Para Alves, essa proposta só surge quando é assassinado alguém da

A VIOLÊNCIA EM NÚMEROS Resultados da pesquisa coordenada pelas professoras Isaura Isoldi de Mello e Oliveira e Graziela Acquaviva Pavez, com dados de setembro de 1998 a outubro de 1999

OS BAIRROS DA MORTE > 78% não têm centro esportivo > 73,6% não têm praça pública > 96,1% não têm cinema > 97,6% não têm teatro > 81,3% não têm biblioteca > 8,9% das residências têm esgoto clandestino > 6,3% usam sistema de fossa > 9,2% têm esgoto direto no rio > 77,7% contam com mais de 4 bares no raio de 1 km > 86,7% não contam com base comunitária móvel no bairro > 46,3% não contam com ronda policial

VÍTIMAS DE HOMICÍDIO > 90% são homens > 50% foram declaradas pardas > 63% nasceram em São Paulo > 55,8% tinham filhos > 66% não tinham carteira assinada > 41% tiveram infância sofrida > 19,4% passaram pela Febem > 58,5% usavam álcool > 37,9% usavam drogas > 40,7% tiveram a vida influenciada pelas drogas

PERFIL DOS HOMICÍDIOS

> 16,1% foram assassinados na frente de outras pessoas > 24,9% das mortes eram esperadas pela família > 39,7% das famílias declararam conhecer o homicida > 24,9% dos homicidas conhecidos freqüentavam a casa da vítima > 47,7% das vítimas morreram na rua

ACESSO À JUSTIÇA > 76,6% das famílias foram procuradas pela polícia > 26,2% das famílias encontraram dificuldades com a polícia > 35% das famílias não acompanharam a instauração do inquérito > 32,1% das famílias não sabem se foi aberto inquérito policial > 32,1% dos casos ainda não têm processo judicial > 37,5% das famílias não acompanham o andamento do processo > 69,6% das famílias entendem que o caso ainda não foi resolvido

classe média ou alguma autoridade. Segundo ele, a cada ano morrem mais de 17 mil jovens no Brasil, e ninguém discute a morte deles porque 99% é pobre. Esclarecendo que o recente crime do casal de adolescentes horrorizou os defensores de direitos humanos da mesma forma que aconteceu com todos, Lancelotti diz que a diminuição da idade penal não vai inibir a criminalidade: “Os quatro maiores de idade que participaram do crime sabiam o que estavam fazendo, sabiam que iam pegar pena máxima, mas não ficaram inibidos por conta disso”. Em sua opinião, a pergunta que deve ser feita à sociedade é: o que inibe o crime?. Garrido tem as respostas: criar políticas de inclusão a longo prazo e instituir uma Febem que ressocialize. Sobre a transferência dos jovens para penitenciárias ao completarem 18 anos, Garrido acredita que governador está defendendo a redução da idade penal “de forma disfarçada”. Para ele, o governo tenta esconder sua omissão no enfrentamento à criminalidade juvenil. A transferência dos internos para presídio ao completar 18 anos (atualmente, infratores podem permanecer na Febem até os 21), enquadraria, na prática, 4.465 dos 6.705 adolescentes da Febem todos os internados por homicídio (573), latrocínio (213) e roubo qualificado (3.679). Se a medida já estivesse valendo, o Estado precisaria dispor de 1.142 vagas no sistema prisional que hoje não existem – ao contrário, há um deficit de 21.593 vagas, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária.

Hebe Camargo corre risco de ser indiciada Maíra Kubík Mano da Redação “Se eu pudesse fazer uma entrevista com esse “Xampinha”, ele iria virar linguiça”. Essa foi a frase usada pela apresentadora Hebe Camargo, do SBT, em seu programa na semana passada, quando declarou ter vontade de matar o adolescente acusado de assassinar o casal Felipe Silva Caffé e Liana Friedenbach. Em entrevista com os pais das vítimas, afirmou, dirigindo-se ao acusado: “Eu vou fazer uma entrevista com você, vou mesmo. Se me deixarem, eu vou, mas eu vou armada. Eu saio de lá e vou para a cadeia. Mas ele não fica vivo”. A história foi parar no Ministério Público do Estado de São Paulo, que requisitou ao SBT às fitas do programa. E, nesta semana, Hebe pediu desculpas aos pais do adolescente pelas declarações. “Mas só aos pais, que não têm culpa”, disse. Segundo a apresentadora, ela passou “só um pouquinho dos limites”. Carlos Cardoso, promotor responsável pelo caso, ainda não analisou o material, mas acredita que “trata-se de um desabafo momentâneo”. Se entender que há indício de crime, Cardoso deve encaminhar seu relato para abertura de processo. A apresentadora pode ser indiciada por apologia ao crime ou ameaça de morte. Para Túlio Vianna, professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a declaração de Hebe desvia o foco da discussão. As causas do crime, ou seja, os problemas que o adolescente vivenciou, como falta de escola e desemprego, não foram mencionados pela apresentadora. “O que ela fez foi eleger um demônio nacional e realizar um linchamento coletivo simbólico em rede nacional de TV”, afirma Vianna.


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SEGUNDO CADERNO LIVRE COMÉRCIO

Proposta brasileira de uma Alca mínima prevalece em Miami, porém risco de acordo não está descartado João Peschanski, Laura Cassano e Jorge Pereira Filho de Miami (EUA) e da Redação

ção, uma espécie de Alca mínima. Pela sugestão, o acordo seria a base de uma integração progressiva dos países. Primeiro, as nações negociariam propostas mínimas em todos os setores, – inclusive investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual. Depois, os países poderiam firmar acordos bilaterais ou multilaterais se quisessem avançar nas propostas. Nenhuma nação estaria obrigada a assumir compromissos além do mínimo negociado. Esta proposta não afasta o perigo da Alca, mas diminui seu escopo, – o que representa um recuo no acordo inicialmente almejado pelos Estados Unidos. Mesmo assim, o risco de fracassso foi o bastante para o país de George Bush aceitar a proposta brasileira. O secretário de Comércio dos Estados Unidos, Robert Zoellick, comemorou o resultado da reunião como uma vitória. “Foi um evento da mesma importância histórica da queda do Muro de Berlim”, disse Zoellick.

SOBREVIDA A reunião da Alca começou, na verdade, dez dias antes do encontro de Miami, quando ministros de dez países se reuniram em Washington (EUA), para discutir uma nova proposta. Era evidente o receio de os Estados Unidos acumularem três fiascos consecutivos na sua ofensiva de implantar acordos neoliberais via negociações multilaterais. Depois do fracasso das negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancún (México), e da Alca, em Trinidad e Tobago, um novo insucesso em Miami, no Estado da Flórida, dirigido por Jeb Bush, irmão do presidente estadunidense, teria impacto negativo, principalmente em um período pré-eleitoral. Em Washington, o Brasil propôs um novo parâmetro para a negocia-

ACORDO FRÁGIL

Manifestante enfrenta barreira de policiais estadunidenses na 8ª Reunião Ministerial da Área de Livre Comércio das Américas

A questão, agora, será discutir qual será a proposta embutida numa Alca mínima. “É um acordo muito frágil, muita água vai rolar. Muita gente ficou insatisfeita com a resolução. A Venezuela, por exemplo, ficou isolada propondo outro

modelo. Já Canadá, Chile e México queriam uma Alca abrangente”, analisa Paulo Maldos, do Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae (Cepis), que esteve em Miami.

Milhares de cidadãos do continente americano saíram às ruas, no dia 21, para rechaçar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A manifestação fez parte da agenda de atividades da Campanha Continental contra a Alca, que tenta barrar a implementação do acordo. No Brasil, a mobilização ocorreu nas capitais. Em São Paulo, uma marcha de duas mil pessoas percorreu o centro financeiro da cidade em defesa do trabalho e contra a renovação do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Organizada pela Coordenação de Movimentos Sociais (CMS), a caminhada parou em frente do Banco Central, onde os manifestantes queimaram uma faixa com xerox de dólares, reivindicando um modelo de desenvolvimento soberano. Depois, a marcha seguiu até o Consulado dos Estados Unidos, onde foi queimado o caixão da Alca. “O povo brasileiro já recusou a Alca. Vamos agora exigir do gover-

possível perceber também que a sociedade civil está começando a se fazer ouvir dentro da negociação. “Os discursos do Itamaraty e da Argentina fizeram referência à insatisfação da sociedade civil”, lembra.

PRÓXIMO ANO

Em São Paulo, marcha seguiu pelo centro financeiro até o Consulado dos EUA, onde foi queimado o caixão da Alca

Mobilização continental diz não ao acordo da Redação

No encontro, tanto Estados Unidos quanto Brasil cantavam vitória pelo documento final. “Tudo parecia um castelo de cartas que poderia desmoronar a qualquer momento”, avalia Maldos. Segundo ele, é

Greg Salibian/Folha Imagem

O

documento final da 8ª Reunião Ministerial da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) mostra que os Estados Unidos recuaram, mas o risco de um acordo que submeta os povos da América Latina aos interesses das suas transnacionais não foi afastado. Em Miami, representantes de todos os países do continente, menos Cuba, ratificaram a proposta defendida pelos governos do Brasil e dos EUA, que propõe uma nova visão do acordo. Pelo documento final, o objetivo da nova roupagem da Alca é reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento por meio do livre comércio. Mas, do outro lado do muro de ferro e da truculenta polícia estadunidense, que isolavam os negociadores da Alca em Miami, os movimentos sociais discutiam um projeto alternativo de integração para o continente. Em um encontro com representantes do Brasil, Argentina e Venezuela, Blanca Chancoso, coordenadora da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), pediu aos negociadores que levassem aos ministros a mensagem de que movimentos indígenas, camponeses e sociais não aprovam a Alca. “Não sei se vocês, que ainda persistem nas negociações, se dão conta do quanto este é um acordo de morte”, concluiu ela.

João Peschanski

EUA recuam, mas a Alca continua viva

no federal a realização do plebiscito oficial sobre a Alca”, disse Antônio Carlos Spis, da executiva nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), lembrando o plebicisto popular de 2002, quando 10 milhões de brasileiros disseram “não” à Alca e pediram a saída do país das negociações. No Rio Grande do Sul, sete mil pessoas realizaram a Marcha dos Sem pelas ruas de Porto Alegre. O tema do protesto, que terminou em frente do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho de Germano Rigotto (PMDB), foi “chega de tirar do povo e entregar aos poderosos”. Os ativistas exigiram maior investimento do governo em políticas sociais e a realização da reforma agrária. Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza, Ceará e outras capitais também registraram protestos. As principais cidades de outros países latino-americanos, como Buenos Aires (Argentina), Quito (Equador), Sucre (Bolívia), entre outras, realizaram mobilizações contra a Alca.

Fragilizada, a proposta da Alca resistiu ao encontro de Miami. O confronto entre os diversos interesses da sociedade que disputam a posição hegemônica em seus países foi adiado, agora, para a próxima reunião do Conselho de Negociações Comerciais (CNC), que vai discutir, em Puebla (México), propostas para o acordo mínimo, em fevereiro de 2004. “Há uma pressão interna dos setores internos dos EUA que querem uma Alca máxima. Nada está definido e, por isso, temos de aprofundar a mobilização para pressionar os governos”, avalia Adriano Campolina, da Rede Brasileira de Integração dos Povos (Rebrip). Para ele, é fundamental reafirmar a posição dos movimentos sociais. “Somos contra a Alca, mínima ou máxima, que tende a prejudicar o desenvolvimento brasileiro”, afirma.

Em Miami, 25 mil vão às ruas João Peschanski enviado especial a Miami (EUA) Lideradas por membros da maior central sindical estadunidense, a AFL-CIO, 25 mil pessoas tomaram as ruas de Miami, dia 20, em protesto contra a Área de Livre Comercio das Américas (Alca). Os manifestantes reivindicavam a interrupção imediata das negociações para a criação do bloco econômico. O discurso que iniciou a marcha, e também o que mais entusiasmou os manifestantes, foi o de John Sweeney, presidente da AFLCIO. Emocionado, ele declarou: “A Alca não traz liberdade, não ajuda as famílias dos trabalhadores e só traz benefícios para um punhado de grandes empresas. Por isso, nós, trabalhadores dos Estados Unidos e de todo o continente, dizemos “não” à Alca, e “sim” à vida!” Leo W. Gerard, presidente do sindicato dos metalúrgicos dos Estados Unidos, a USWA, acrescentou: “Estou protestando porque a Alca vai trazer desemprego para os Estados Unidos, com as empresas se mudando para outros países. Ao mesmo tempo, a Alca

vai gerar mais pobreza no continente, pois as corporações vão poder pagar o que quiserem aos trabalhadores”. Estudo da ONG estadunidense Instituto de Politica Econômica confirma a relação entre aumento de desemprego nos EUA e livre comércio. Segundo a entidade, desde janeiro de 1994, com a implementação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), 879.280 trabalhadores estadunidenses perderam seus empregos. Além da passeata, os ativistas realizaram oficinas, conferências e fóruns para discutir um projeto alternativo de integração do continente. Os eventos ocorreram principalmente nos dias 18 e 19 de novembro e opuseram ao livre comércio a idéia de comércio solidário. Neste tipo de comércio, os consumidores são sensibilizados a sempre comprar produtos com certificação de compromisso com o desenvolvimento de pequenos produtores pobres. O comércio solidário é uma forma de boicotar as regras do mercado global e das grandes corporações (que se baseiam na exploração dos traba-

lhadores, falta de transparência na produção etc.).

VIOLÊNCIA POLICIAL O destaque negativo do encontro ficou por conta da repressão da polícia estadunidense. Milhares de pessoas detidas, 250 presas, 100 feridas, 17 hospitalizadas. Policiais armados de cassetetes de madeira maciça, pistolas de bala de borracha e “eletrocutadores” (aparelhos que dão choques elétricos) impediam manifestantes de chegar ao local dos protestos. Havia grupos infiltrados à paisana entre ativistas. Montados a cavalo, alguns policiais gritavam aos estudantes e sindicalistas que protestavam: “Terroristas!” Além dos 5 mil policiais mobilizados para reprimir o protesto, dezenas de tanques, helicópteros e barcos garantiram o espetáculo da violência que tomou as ruas de Miami. Num dos casos testemunhados pelo Brasil de Fato, um jovem manifestante passou ao lado de um grupo de policiais e lhes disse “Por que vocês não vão ler algo?” Isso foi suficiente para que ele fosse “eletrocutado”, espancado e preso.


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AMÉRICA LATINA BOLÍVIA

Trabalhadores cobram ações de Mesa E

l Alto, a cidade mais pobre e rebelde da Bolívia, responsável pela queda do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, começa a preparar a derrubada do novo presidente boliviano Carlos Mesa. “Continuamos excluídos e marginalizados, pois esse governo não se diferencia em nada do governo Lozada. Carlos Mesa não soube receber a mensagem da rebelião indígena de El Alto contra a venda do gás”, disse Roberto de la Cruz, dirigente da Central Obrera Regional. “Nós, moradores de El Alto, apenas conseguimos expulsar um ‘gringo’ (Sánchez de Lozada), que estava coberto pelo sangue do povo. Agora nos arrependemos da trégua porque era melhor ter continuado com a rebelião popular, até que afundem as leis de hidrocarboneto, de Segurança Cidadã, o decreto supremo 21.060 (que abre espaço para o neoliberalismo) e até que acabe com o negócio da Alca (Área de Livre Comércio das Américas)”, completou o líder trabalhista, que encabeçou a resistência civil contra o massacre militar. O movimento, desencadeado em setembro e outubro, deixou mais de 80 mortos e 400 feridos a bala. Avaliando o novo governo, empossado dia 17 de outubro depois da renúncia e fuga de Sánchez de Lozada, o líder trabalhador disse que as políticas econômicas e sociais de Mesa apenas dão continuidade ao modelo de livre mercado vigente desde 1985. “Nós nos equivocamos. Os atuais ministros e aqueles que rodeiam o governo continuam defendendo a exportação do gás pelo Chile”, avaliou La Cruz.

IMPOSTOS ABUSIVOS Ele está se reunindo com vários setores, entre eles universidades, para preparar uma futura rebelião, agora não apenas contra Carlos Mesa e sim contra os “neoliberais e direitistas”. Na lista ele inclui Jaime Paz (chefe do Movimento da Esquerda Revolucionária, o MIR), Manfred Reyes Villa (chefe da Nova Força Republicana, a NFR), Jhonny Fernández (chefe da Unidade Cívica Solidariedade, a UCS) e a Ação Democrática Nacionalista (ADN, partido do ex-ditador Hugo Banzer). “O governo de Gonzago Sánches de Lozada está intacto, assim como Carlos Sánchez Berzaín, seu ministro de Defesa e executor direto

próprias conclusões. Ao ser consultado sobre a permanência de autoridades em vários cargos públicos, Siles disse que trata-se de pessoal técnico, que conhece o mecanismo do aparato estatal. Por outro lado, Antonio Peredo, deputado do MAS (Movimento Al Socialismo), anunciou que pedirá uma reunião com o Executivo, solicitando que mudem a nomeação de Alcaraz, por estar ligado ao governo anterior.

PRAZO

Cerca de 70 viúvas e familiares das vítimas da guerra pelo gás, em outubro, fazem greve de fome

de um ano de massacres na Bolívia”, disse de La Cruz, referindose ao ex-presidente que fugiu para Miami e que é conhecido apenas como “Goni”.

IMPUNIDADE La Cruz é um líder respeitado na Bolívia. Ele também dirigiu a revolta popular na cidade de El Alto na primeira quinzena de fevereiro, quando cerca de 30 policiais civis e militares fizeram um ataque a balas contra a população. No ato, mais de 200 pessoas ficaram feridas na luta contra o “impostaço”, tentativa governamental de arrecadar mais tributos dos assalariados dos setores público e privado. Atualmente, o governo de Mesa leva adiante uma nova modalidade do “impostaço”: obriga os assalariados com maiores salários a pagar, uma única vez, 5% de seus rendimentos anuais para evitar possíveis ações penais por uso de faturas falsas, um fato muito comum na Bolívia. “Mesa dá continuidade à política econômica neoliberal, à erradicação forçada da folha de coca. Aprofunda o livre comércio e mantém impunes os crimes cometidos por Sánchez de Lozada”, disse o líder. Até agora não há justiça para as pessoas que morreram e ficaram feridas no massacre de outubro. Há feridos que não têm dinheiro para comprar medicamentos, por isso

ARGENTINA

EUA pressionam por imunidade para tropas da Redação Os Estados Unidos pressionaram novamente a Argentina para firmar um acordo de imunidade para suas tropas durante manobras conjuntas. O objetivo seria evitar futuros conflitos, como suspensão da Operação Águia III, em outubro, quando o Congresso argentino negou-se a aprovar a concessão. As pressões foram feiras por Rose Wilkins, sub-secretária de Estado dos EUA para Assuntos Político-Militares e considerada um dos “falcões” do presidente George Bush e chefe da delegação estadunidense à 10ª rodada das consultas bilaterais sobre temas militares. Na Argentina, ela garantiu que o país foi excluído das sanções, aprovadas pelo Congresso dos EUA, contra os países que negaram imunidade às suas tropas. A prerrogativa foi garantida pela condição de “aliado extra-Otan”, estabelecida na presidência Carlos Menen.

A diplomata disse que os EUA sentiram-se “decepcionados” por não levar adiante as manobras Águia III. “Entendemos que ambos somos países democráticos, com objetivos em comum e não duvidamos que, no futuro, encontraremos uma fórmula de acordo”, afirmou. A reunião bilateral, que Rose qualificou de “totalmente cordial”, ocorreu no Palácio San Martín. A representação argentina foi chefiada pelo embaixador Juan José Uranga. A respeito da recusa da imunidade às tropas estadunidenses pelo Congresso argentino, o embaixador dos EUA Lino Gutierrez declarou que “o papel do Congresso é legítimo”. Ele acrescentou que a rejeição da opinião pública argentina à concessão da imunidade “não tem importância, porque as pesquisas sempre dependem de como se fazem as perguntas”. (Agências internacionais)

estão recorrendo a remédios caseiros. “Os feridos continuam chorando, abandonados à sua sorte. Por isso acabou nossa paciência, por isso os familiares se declararam em guerra de fome”, disse, ao anunciar que um segundo grupo de grevistas se somaria aos primeiros, que reclamam justiça e indenização.

CONTINUÍSMO Um dos assessores do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada no tema do gás, Irving Alcaraz, foi contratado por Carlos Mesa para

dirigir a campanha de informação sobre o gás, desenvolver o referendo vinculante e convencer a população da necessidade de exportar o recurso natural. A campanha está orçada em cerca de 3 milhões de dólares. Segundo o jornalista Wilson García, Irwing Alcaraz iniciou sua carreira dando assessoria política aos tecnocratas que, durante as décadas de 80 e 90, entraram no cenário político. O chanceler Juan Ignacio Siles não desmentiu as acusações e disse que a população terá de tirar suas

Vários setores sociais questionam a atitude do atual governo. Um exemplo é o representante do Comitê de Defesa do Patrimonio Social, ex-almirante Guildo Angulo, que disse que a Bolívia não tem governo, já que as transnacionais perpetuam seus representantes no poder. “Os tentáculos do gonismo se mantêm no poder”, enfatizou. Sobre a atitude do presidente Mesa em relação ao gás e às demandas sociais, Felipe Quispe, líder da Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB) disse que as jornadas de outubro apenas mudaram a pessoa, mas não o sistema. Quispe disse que a equipe de Goni continua nos ministérios e que, em 30 dias de gestão, Mesa sequer atendeu às vitima de outubro. “Estamos muito desapontados porque não avançamos nada”, disse o dirigente, lembrando que ainda mantém a disposição de dialogar e solucionar, de maneira pacífica, as demandas dos agricultores, dentro dos 90 dias de prazo dados ao governo. (Com Agências Internacionais)

VENEZUELA

Encruzilhada histórica de um povo Maximilien Arvelaiz e Moisés Durán de Caracas (Venezuela) Mais uma vez o poder midiático não esconde seu desejo de ver “interrompido” o mandato de um presidente eleito democraticamente. Uma onda de imagens e mensagens cobre o mundo inteiro, ocultando a experiência venezuelana de democracia participativa sob a máscara de um país ingovernável e caótico. Na realidade, os excluídos da globalização tomaram finalmente a palavra. Fortalecido pela Constituição bolivariana, o povo venezuelano exige de seus governantes não somente que sejam eleitos, mas também que governem democraticamente. O mecanismo do referendo revogatório, segundo o artigo 72 da Constituição, impõe que “todos os cargos e magistraturas de eleição popular são revogáveis. Transcorrida a metade do período para o qual foi eleito o funcionário, um número não menor do que 20 por cento dos eleitores (...) poderá solicitar a convocação de um referendo para revogar seu mandato”. No caso do presidente da República, a oposição tem de reunir 2,5 milhões de assinaturas.

LOCAUTE PATRONAL É a mesma oposição que tentou o golpe de Estado a 11 de abril de 2002, até o presidente Chávez ser restabelecido no poder, e iniciou uma sangrenta repressão contra os setores populares. A mesma oposição que, em dezembro, desencadeou o locaute patronal e a sabotagem da indústria petrolífera, o que custou ao país 10,5 bilhões de dólares, fora o aumento da inflação, do desemprego, a queda do Produto Interno Bruto, a falência de milhares de pequenas e médias empresas. O governo revolucionário sempre insistiu em que a única saída para qualquer crise política era o referendo revogatório, instrumento

Juan Barreto / AFP

da Redação

Aizar Raldes/AFP

Desapontados com o governo, setores sociais organizados ameaçam derrubar também o sucessor de Sánchez de Lozada

Secretário Geral da OEA (segundo à direita) inspeciona coleta de assinaturas

quase único que a oposição preferiu até agora ignorar, optando por soluções aventureiras. Na realidade, a oposição venezuelana nunca esteve seriamente interessada na utilização de mecanismos democráticos para o encaminhamento dos conflitos políticos. A razão: é praticamente impossível derrotar as forças populares e revolucionárias. Já em fevereiro deste ano, a oposição havia tentado converter um referendo consultivo num referendo revogatório. Por fim, anunciou ao mundo ter recolhido 5 milhões de assinaturas. Mas milhares de denúncias indicaram que haviam sido recolhidas 1,3 milhão de assinaturas, muitas das quais falsificadas. Aguarda-se, na campanha do referendo revogatório, de 28 de novembro a 1º de dezembro, nova fraude.

Enquanto isso, o governo revolucionário já entregou mais de 1,6 milhão de hectares aos camponeses mais pobres do país, legalizou a propriedade de terrenos nos bairros populares, reforçou a rede de saúde pública nos bairros mais carentes, fomentou a alfabetização de mais de um milhão de cidadãos, incorporou à educação básica formal centenas de milhares de excluídos, recebeu no ensino superior quase meio milhão de diplomados no secundário, registra centenas de milhares de pessoas que antes não tinham papéis, criou novas estações comunitária de rádio e TV, consolidou o controle público dos recursos petrolíferos e consagrou os direitos da mulher e dos povos indígenas. Contra tudo isso, a oposição não tem força. (Alai)


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INTERNACIONAL AFEGANISTÃO

Bush fracassa e o conflito continua Carmen Esquivel

S

em o espalhafato da cena iraquiana, para onde convergem os olhares do mundo, o governo estadunidense continua atolado, no Afeganistão, em um conflito que já dura mais de dois anos e não dá sinais de se aproximar do fim. Um recente editorial do diário The New York Times assegura que a situação no país centro-asiático se reverteu e que os fracassos da administração George W. Bush são muito mais sérios do que se pensava. Os EUA e seus aliados invadiram o Afeganistão em outubro de 2001, sob o pretexto de capturar o saudita Osama bin Laden, responsabilizado pelos atentados de 11 de setembro em Nova York e Washington. Um mês depois, a Casa Branca se congratulava por ter expulsado os talibãs do poder. Mas agora mostra-se incapaz de controlar uma nação sumamente complexa, onde não há estruturas definidas de governo, persistem modelos feudais de organização social e o adversário possui muitas caras. Os Estados Unidos implantaram no poder um governo fiel a seus interesses, presidido por Hamid Karzai. Mas este não logrou controlar o país; sua autoridade limita-se a Cabul, a capital. No interior, a guerra continua e é difícil determinar se as ações armadas provêm dos grupos talibãs, da rede Al Qaeda ou das milícias de senhores da guerra que tratam de ampliar sua influência cada um em sua zonas. Os 12 mil soldados dos EUA e seus aliados, que ocupam militarmente o país, defrontam-se com uma resistência crescente, embora carente de organização, e sofrem um permanente fustigamento. To-

Eric Feferberg/AFP

Dois anos depois da invasão, sob o pretexto de capturar terroristas, o país está mais inseguro

Cerca de 200 mil ingleses foram às ruas, dia 20, para protestar contra a visita “indesejada” do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e a invasão do Iraque

dos os dias se sucedem no Afeganistão ataques com mísseis contra bases militares estadunidenses, assim como se repetem as operações militares de Washington e seus aliados na fronteira com o Paquistão, à procura de seguidores do Talibã e da rede Al Qaeda. A mais recente campanha começou dia 7, nas montanhas do Sul e do Leste do Afeganistão, a mais de 4 mil

metros de altitude, elevando para 80 as baixas fatais dos EUA em terras afegãs, desde o início da invasão. Dois anos de guerra converteram o país em um dos mais inseguros do mundo. A ONU acaba de suspender seus trabalhos humanitários no Sul e no Leste, depois de uma explosão perto de um dos seus escritórios, em Kandahar, e da morte de uma funcionária francesa

do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur). A guerra também destruiu a já precária economia do país e levou ao colapso dos serviços públicos essenciais, como saúde, moradia e energia. Isso traz graves transtornos para a população e muito rancor aos agressores. “As pessoas estão cansadas de revistas, detenções e campanhas militares. Eles (os

GEÓRGIA

Na vanguarda da luta Miguel Urbano Rodrigues Em 1789, quando o povo de Paris tomou a Bastilha e, posteriormente, Luís XVI foi preso e decapitado, a Europa das Monarquias de Direito Divino viu na França, com apoio da Inglaterra, um país sem lei, governado por aventureiros sanguinários. Logo se formaram contra ela coligações. Milhões de pessoas não compreenderam então que a revolução francesa era um acontecimento decisivo para o progresso da humanidade. Há poucos anos, em Washington, os governantes criaram a figura dos rogue states (nações com “má conduta”) para colocar na lista de alvos de eventuais guerras preventivas países que, no âmbito da sua estratégia planetária, pretendiam atacar e, eventualmente, ocupar. A expressão, propositadamente vaga, não estabelecia fronteiras nítidas entre Estados, países e povos. Através de campanhas perversas de desinformação, o objetivo era claro: persuadir a opinião pública ocidental de que nessas terras sem ordem imperava a lei da selva imposta por bandidos e terroristas. Libertá-las e democratizá-las seria um dever civilizatório. A doutrina do “humanismo militar” — bem analisada por Perry Anderson — deu suporte teórico às agressões, justificadas em nome de grandes princípios. E, sem procuração dos próprios aliados, os EUA atribuíram-se o direito de desencadear a guerra quando e onde o julgassem oportuno. O ataque à Iugoslávia foi um ensaio geral. Seria, obviamente, um absurdo estabelecer qualquer paralelo entre a França revolucionária do final do século XVIII e as sociedades afegã e iraquiana contemporâneas quando submetidas a ditaduras brutais. O que se repetiu foi a desin-

formação. Em ambas as situações históricas foi desenvolvido um esforço sistemático para deformar o significado dos acontecimentos e persuadir o mundo de que a guerra era absolutamente indispensável e um ato ético. Entretanto, a grande mentira sobre o Iraque, mesmo nos EUA, só funcionou parcialmente. Os dirigentes satânicos (Sadam, Osama bin Laden e o Mullah Omar) não foram capturados, nem encontradas armas de extermínio maciço. Ficou transparente que: 1– Os ditadores e líderes fundamentalistas não eram o objetivo real. 2– As vítimas dessas guerras de agressão foram os povos.

LONGAS GUERRAS Transcorreram mais de dois anos desde que o Afeganistão foi invadido e as suas principais cidades bombardeadas com selvageria. No Iraque, a agressão principiou há oito meses e Washington — com a ajuda da Grã-Bretanha — executou-a, desafiando o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Milhões de pessoas saíram às ruas em 600 cidades para condenar essa guerra criminosa. Em ambos os casos, governos fantoches instalados pelos EUA não controlam a situação. No Afeganistão, as tropas estrangeiras, sob comando da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), não saem praticamente de Cabul e das bases militares ali instaladas; no Iraque, o comando estadunidense reconhece que se implantou o caos. Transcorreu algum tempo antes que duas outras conclusões se impusessem a setores cada vez mais amplos da humanidade: 1– Os povos dos países invadidos e bombardeados cujas riquezas são saqueadas rejeitam em massa a

ocupação estrangeira. Resistem. 2– Esses povos, ao lutar pela libertação nacional, batem-se hoje pela humanidade inteira no grande combate em desenvolvimento contra um sistema de poder de contornos neofascistas. Nos EUA (e em menor escala na Grã-Bretanha) é transparente a desorientação dos responsáveis pelo rumo dos acontecimentos. Nos primeiros dias de novembro, a derrubada, no Iraque, de dois helicópteros (22 militares mortos e dezenas de feridos) funcionou como espoleta de críticas vindas de setores sociais muito diversificados. A certeza de que na Mesopotamia e na Ásia Central apenas principiou uma guerra que, segundo o presidente Bush, havia terminado em abril com uma grande vitória dos EUA, começa a adquirir a dimensão de um pesadelo para os eleitores da grande República. O que desespera o estadunidense médio não é tanto tomar conhecimento de crimes repugnantes cometidos pelas suas Forças Armadas, nem saber que no Afeganistão e no Iraque ruínas e museus que eram patrimônio da humanidade foram bombardeados ou saqueados ante a indiferença dos marines. Os egoísmos próprios de uma sociedade de consumo cada vez mais desumanizada pela Mc World Cultura funcionam como defesa, embotando sensibilidades. O que gera sobretudo angústia nos eleitores é o descobrimento de que foram enganados e o temor de que aquelas guerras distantes sejam de longa duração e terminem em desastre e humilhação como aconteceu no Vietnã. O desembarque dos caixões gera tensão e angústia crescentes. Miguel Urbano Rodrigues é jornalista e dirigente do Partido Comunista de Portugal

Sergei Supinsky/AFP

ANÁLISE

EUA) consideram que qualquer um com barba e turbante é da Al Qaeda ou do Talibã”, queixava-se recentemente um camponês entrevistado pela rede de TV árabe Al Jazira. Em suma, o Afeganistão é, ao lado do Iraque, a prova do fracasso da política que os Estados Unidos abraçaram depois do 11 de setembro, em nome da luta contra o terrorismo. (Prensa Latina)

Manifestantes participam de protesto que resultou na queda de Shevardnadze

Eleições presidenciais, daqui a 45 dias da Redação Após a renúncia do presidente Eduard Shevardnadze, dia 22, foram anunciadas, para os próximos 45 dias, as próximas eleições presidenciais na Geórgia, país que faz fronteira com a Rússia. Até lá, Nina Burjanadze ocupará interinamente o comando do Estado. Recentemente destituída da Presidência do Parlamento, Nina se autoproclamou presidente do país dia 22, ocasião em que militantes da oposição armados invadiram o Parlamento, expulsaram Shevardnadze e exigiram sua renúncia. Em um breve comunicado lido para a imprensa em frente à sua residência oficial, Shevardnadze, que cumpria seu segundo mandato, admitiu ter cedido à pressão popular para evitar um banho de sangue no país. Desde o início de novembro, creceram as mobi-

lizações da oposição contra o expresidente, acusado de fraudes nas eleições do dia 2. Depois de tomar as sedes do parlamento e da Presidência da República, milhares de manifestantes se dispuseram, dia 23, a ir até a residência do ex-presidente, que desempenhou relevantes cargos na Geórgia durante o período em que o país integrava o bloco soviético. Entre 1985 e 1990, Shevardnadze chefiou a diplomacia soviética e, em 1992, voltou à Geórgia, como presidente do Conselho de Segurança. Foi eleito presidente da República em 1995, e reeleito em abril de 2000. Shevardnadze tentou aproximar-se dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para amenizar a situação de penúria econômica e de falta de segurança para a Geórgia. (Argenpress)


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INTERNACIONAL ÁFRICA

ONGs lideram combate ao HIV/Aids

Paulo Pereira Lima enviado especial a Moçambique Brasil de Fato – Como é o trabalho da Action Aid no combate à Aids? Fernanda de Jesus Bernardo – Desde 1992 a Action Aid realiza em Moçambique programas de desenvolvimento nas áreas de segurança alimentar, educação e saúde. Quando apareceu o HIV/Sida, começamos a apoiar a construção de postos de saúde, casas para enfermeiros, cursos de formação para eles melhorarem a qualidade de seu trabalho. Damos apoio também com algum material aos hospitais. Na área do HIV/Sida, trabalhamos com as comunidades usando uma metodologia para prevenção chamada Stepping Stones (“pisando pelas pedras”). É a explicação de um desenho em que se diz que se está a atravessar um rio cheio de crocodilos, mas onde há as pedras para a travessia. As pessoas têm que atravessar de mãos dadas, pisando pelas pedras. Nós dizemos que os crocodilos são o HIV/Sida. Então, nós tentamos traduzir aqui para “caminhando de mãos juntas”. É uma metodologia na qual um grupo de mulheres jovens e um grupo de mulheres idosas, separadamente, e de homens jovens e adultos passam por um treinamento durante três meses, uma espécie de aprendi-

Atividades de conscientização da Action Aid junto à população de Manhiça, distrito de Maputo Fernanda de Jesus Bernardo, coordenadora nacional do programa de HIV/Aids da Action Aid, em Moçambique

zagem de um manual em que se discutem vários problemas, não só do HIV/Sida, mas questões até de relacionamento entre os casais, questões de cultura, de tabu, sobre como as pessoas podem melhorar as relações familiares e com os vizinhos. BF – São encontros comunitários? Fernanda – Sim, são encontros que acontecem de três a quatro dias por semana. O número de pessoas é entre 25 e 30 por grupo, no máximo, para permitir a interação. As pessoas vão trocando de grupo a cada três meses, dentro da mesma comunidade. Aqui, em Maputo, estamos em dois distritos. Estamos também na província da Zambézia. BF – Quantas pessoas já passaram pelo treinamento? Fernanda – Mais de cinco mil desde que começamos no ano 2000. Nós, na área do HIV/Sida, trabalhamos muito mais com prevenção. BF – Fazem parcerias com o governo? Fernanda – Nós estamos para apoiar onde o governo não pode chegar. Nos distritos onde trabalhamos, vamos ao governo e negociamos para saber qual é o plano deles naquele distrito para aquele ano. Eles dizem, por exemplo, “aqui as necessidades da população são três escolas, mas nós não podemos construir três escolas, temos fundo para construir uma”. Então, aí, nós podemos dizer, certo, nós construímos a terceira escola, ou então um hospital, por exemplo. Mesmo que a Action Aid construa a escola e o hospital, há ainda a questão de se providenciar o professor, o enfermeiro, que nós não podemos fazer. Então, sempre entramos numa negociação com o governo federal e os locais. BF – São comunidades tradicionais? Fernanda – Algumas. Aqui na província de Maputo, não. As comunidades já sofreram algumas mudanças. Mas na província da Zambézia, são um pouco mais fechadas. Algumas ficam em zonas recônditas.

Paulo Pereira Lima

O

rganizações da sociedade civil estão liderando o combate à epidemia de Aids na África. Sem a iniciativa delas, dificilmente a Organização Mundial de Saúde (OMS) conseguiria montar sua ambiciosa estratégia global para que 3 milhões de pessoas infectadas com o HIV (vírus causador da Aids) tenham acesso a medicamentos antiretrovirais em todo o mundo até o final do ano de 2005. No dia internacional da Aids, 1 de dezembro, a OMS vai revelar os detalhes da campanha, apelidada de “3 em 5”, que tem como foco principal a África ao sul do Saara, região com mais alto índice de infectados em todo o mundo, e que concentra 70% de todos os casos de Aids do total mundial (30 milhões de pessoas de um total de 42 milhões, no final de 2002). A taxa de infectados na África subsaariana varia de 15 a 39% (com exceção de Moçambique, que tem 13% de infectados). A falta de políticas governamentais fortes é um dos motivos que levaram a doença a se alastrar pelo continente. Mas já existem iniciativas bem sucedidas em andamento. Em Uganda, o governo do presidente Yoweri Musevini conseguiu manter a epidemia sob controle. Botswana, com taxa de prevalência de 39% de infectados, já oferece tratamento gratuito com anti-retrovirais para toda a sua população necessitada. Moçambique, que assinou com o Brasil, no início de novembro, um memorando de acordo para a construção de uma fábrica de antiretrovirais genéricos, conta com o apoio de diversas organizações não-governamentais (ONGs) no combate à epidemia. Uma delas, a Action Aid, financiada por doadores da Espanha e da Inglaterra principalmente, desenvolve programas de treinamento para prevenção da doença junto a comunidades rurais e urbanas desde meados dos anos 90. Em entrevista ao Brasil de Fato em Maputo, Fernanda de Jesus Bernardo, 37 anos, coordenadora nacional do programa de HIV/Aids (ou HIV/Sida, sigla em português, mais usada em Moçambique) da Action Aid, contou como é feito o trabalho de conscientização das comunidades e da formação de pessoal especializado. (MF)

Arquivo Action Aid/Moçambique

Organizações como a Action Aid em Moçambique orientam comunidades na prevenção da doença

BF – Que resultado tem tido o trabalho de prevenção? Fernanda – Os números estão contra nós. Só aumentam a cada dia. Temos 12,3% da população infectados. Apesar de trabalharmos fundamentalmente com prevenção, reconhecemos que deveríamos fazer muito mais. Não sei se exatamente com tratamento ou se por um caminho intermediário entre a prevenção e o tratamento. BF – Trabalham em parceria com outras ONGs? Fernanda – Sim. Temos em Moçambique o Conselho Nacional ao Combate ao HIV/Sida, uma espécie de Ministério da Sida, instituição criada pelo governo, que tem realizado alguns fóruns de que participam todas as ONGs e instituições da sociedade civil que estão trabalhando na área. Você sabe que agora está na moda trabalhar com HIV/Sida. Então, nós nos deparamos com situações em que há duas, três ONGs numa mesma zona, a duplicar o mesmo trabalho. Tem havido mais abertura, por exemplo, com encontros de ONGs internacionais que se juntam para saber onde cada uma está trabalhando e o que está fazendo exatamente. Eu, por exemplo, vou viajar à província de Manica, no centro do país, com índice de prevalência muito alto, de 24%. É a província com

situação mais crítica. E vamos ter encontros com instituições que já estão trabalhando lá, antes de começarmos, para ver se vale a pena realmente, se vamos acrescentar algo de novo ou se é melhor ficarmos onde já estamos trabalhando. BF – A visita do presidente Lula a Moçambique contribuiu para uma parceria nesta área? Fernanda – Bastante. A idéia da construção da fábrica com apoio do Brasil é muito boa. Achamos que os anti-retrovirais são necessários, sim, mas há muito trabalho de base a ser feito antes. Grande parte da população moçambicana vive com menos de um dólar por dia. Há pessoas que ficam uma semana inteira com apenas uma refeição. Como é que se pode administrar anti-retrovirais a uma pessoa que não se alimenta direito? É preciso também criar condições, infra-estrutura. Nós temos postos de saúde que nem sequer dispõem de um enfermeiro, um técnico, um servente. As pessoas que vão administrar o tratamento têm que saber fazer isso. É preciso também ser criada a ligação entre a pessoa que está no posto de saúde, para distribuir o anti-retroviral, e a pessoa que está lá no mato, no campo, para saber que existe o anti-retroviral e ter o acompanhamento sobre como usar. Neste momento, Mo-

çambique está começando, na esfera do governo, o tratamento com anti-retrovirais. Mas, nesta primeira fase, apenas para funcionários públicos e para as mulheres grávidas. BF – É preciso também uma política de distribuição de renda? Fernanda – Com certeza. Dar apenas anti-retrovirais e não criar a possibilidade de a pessoa ter uma alimentação adequada, higiene, não iria funcionar. Falta água potável, alimentação. Nós tivemos cheias no ano 2000, depois passamos por uma seca, uma situação de seca desde o ano passado. Também há problemas de terra em alguns lugares. Temos casos, por exemplo, em Marraquene, um distrito que fica a 30 quilômetros de Maputo, onde ficam as zonas férteis, que são de propriedade privada. As populações lá são obrigadas a usar as terras que não são férteis e, às vezes, costuma até haver invasão daquelas terras, porque são latifundiários que compram e não estão usando a terra. São geralmente pessoas ligadas ao governo e que têm dinheiro. Apesar de a Lei da Terra dizer que a terra não se vende em Moçambique, elas são compradas, sim. BF – O governo distribui preservativos? Fernanda – Sim, eles são distribuídos gratuitamente em alguns postos de saúde fixos. Alguns comerciantes locais também fazem a distribuição. No caso da Action Aid, quando nós temos encontros comunitários, também levamos preservativos e até costuma haver muitas solicitações. É claro que não podemos afirmar que pedir o preservativo significa usar como se deve, mas costumamos achar que é um indicador de que as pessoas já não têm a vergonha que tinham há uns anos atrás. Alguns homens, quando se envolvem com outras mulheres que não a esposa, são mais atentos no uso do preservativo. E mesmo algumas mulheres, em alguns estudos que fizemos, afirmam que é muito mais fácil para as mulheres solteiras dizerem ao parceiro que têm que usar o preservativo do que para uma mulher casada dizer ao marido.


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NACIONAL NEGROS

Resistência garante conquista de espaço Dia 20, entidades lembraram a atualidade da luta de Zumbi, enquanto governo lançava plano contra desigualdade racial Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Dia 20, enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção para a Igualdade Racial (Seppir), se preparavam para anunciar o plano, em São Paulo acontecia uma marcha de cerca de 2 mil pessoas. No Rio de Janeiro (RJ), nem a chuva segurou a animação dos que foram ao monumento de Zumbi. Es-

N

ovembro é um mês importante para o movimento negro brasileiro. Além das comemorações do Dia Nacional da Consciência Negra, dia 20, em 2003 foram realizadas mobilizações em todo o país, envolvendo parlamentares, sindicalistas e militantes. O governo federal aproveitou a data e lançou, na Serra da Barriga (AL), a

tiveram presentes grupos artísticos, grupos formados por imigrantes de diversos países africanos no Brasil, militantes sociais e políticos. Segundo Julião Vieira, um dos organizadores da manifestação em São Paulo e coordenador do Fórum Estadual de Entidades Negras (SP), a manifestação foi para sensibilizar a sociedade e fornecer subsídios para o governo fazer as mudanças prometidas. Em Brasília, cerca de 200 par-

O QUE PROMETE O PLANO Implantar um modelo de gestão da política de promoção da igualdade racial para desempenhar ações relativas à qualificação de servidores e gestores públicos, de representantes de órgãos estaduais e municipais e de lideranças da sociedade civil.

lamentares afro-descendentes de diversos países promoveram um encontro inédito e anunciaram a formação do Parlamento Negro das Américas e do Caribe. Também foi criada uma rede interamericana de parlamentares negros e decidida a realização de um novo encontro no próximo ano, na Colômbia. Já na Serra da Barriga, região onde Zumbi dos Palmares liderou um dos maiores focos de resistência negra do Brasil, foi divulgado

o plano de promoção de igualdade social, com ações e programas divididos em seis blocos. Também foi lançado o Conselho de Promoção da Igualdade Racial. O órgão auxiliará na definição de rumos e prioridades e nos esforços para tornar a Seppir transparente. A posse dos membros – representantes governamentais e da sociedade civil – deve ocorrer ainda neste ano. (Colaborou Claudia de Abreu, do Rio de Janeiro)

Ricardo Stuckert/PR

Luís Brasilino da Redação

Apoio às comunidades remanescentes dos quilombos. Determinar ações afirmativas, como incentivo à adoção de políticas de cotas nas universidades e no mercado de trabalho, à formação de mulheres jovens negras para atuar no setor de serviços e à adoção de programas de diversidade racial nas empresas. Articular com vários ministérios ações voltadas diretamente para afro-descendentes abaixo da linha de pobreza, como apoio aos projetos de saúde da população negra e capacitação de professores para atuarem na promoção da igualdade racial. Estreitar as relações do Brasil com o continente africano. Produzir conhecimento relacionado à questão racial, como a identificação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da população negra e a realização de censo dos servidores públicos afro-descendentes.

O boeing Brasil só decola com os negros a bordo Débora Souza de São Paulo (SP)

Hélio Santos é cientista social e autor de A busca de um caminho para o Brasil – A trilha do círculo vicioso. Coordenador, de 1994-1998, do Grupo de Valorização da População Negra do governo federal (gestão 94/98), é professor universitário e profissional da área de administração de empresas.

BF – Nesse contexto, qual seria o papel do Estado? Santos – O Estado tem que tornar as oportunidades diferenciadas. Quando o Estado diz “vamos tratar todos igualmente”, na verdade significa que nunca vai haver igualdade. Nós temos que tratar os desiguais a partir de suas desigualdades. BF – Como os meios de comunicação abordam a questão racial? Santos – Quem ligar a TV no Brasil, e cortar o som, vai imaginar que está na Dinamarca ou na Suécia. Nós temos muito mais loiros aqui na televisão do que nesses países. Quando o Brasil mostrar sua verdadeira cara na televisão, vamos ter o Brasil que somos. Carlos Casaes/Agência A Tarde/AE

Brasil de Fato – O que a Lei Áurea, de 13 de maio, garantiu ao país? Hélio Santos – Tornou o Brasil um país indecente. De um lado é um país rico, uma das 10 maiores economias industriais do mundo, o primeiro item de nossa pauta de exportação são jatos sofisticadíssimos. Mas, ao mesmo tempo, não conseguimos desenvolver uma tecnologia para fazer com que as mães pobres, quase todas elas negras, desenvolvam soro caseiro para as crianças não morrerem de diarréia. BF – O comportamento racista da sociedade contemporânea sofre influência da história da escravidão? Santos – A maneira como o negro é tratado no Brasil tem a ver com o nosso drama de identidade. E a nossa identidade é um mosaico. A discriminação racial no Brasil é velada, muito pior do que na maioria dos países que eu conheci. BF – Um Brasil sem a discriminação racial resultaria necessariamente num país mais desenvolvido? Santos – Haverá desenvolvimento quando economicamente essa população tiver condições de trabalhar, produzir e potencializar o mercado. Não adianta o Brasil pensar para fora. Existe um déficit habitacional de 6 milhões de casas. Quem é que precisa dessas casas? É exatamente a população que no dia 13 de maio foi considerada livre e que até hoje continua impedida de exercer uma cidadania de primeira classe. BF – Qual sua avaliação da participação dos negros no atual momento do país? Santos – Vivemos um momento importante, de consolidação da cidadania. O futuro de um Brasil cidadão passa pela inclusão da população negra. A consolidação dos direitos ainda está em andamento. O que nós reivindicamos basicamente para o negro – eu não estou disposto a reivindicar privilégios – é exatamente aquilo que nunca aconteceu, a igualdade de oportunidades.

Quem é

BF – Muita gente é contra as cotas porque acha que privilegia os negros. Santos – A implantação do sistema de cotas está sendo feita de uma maneira muito desonesta. Nunca houve debate. No Brasil, a questão racial é um crime perfeito, porque o negro é vítima, mas quando se passa a discutir, passa a ser também réu. Quando você está diante de um crime em que o criminoso é, ao mesmo tempo, a vítima, você está diante de um crime perfeito. Já existem cotas na sociedade brasileira. Existem 100 % de cotas para brancos, em diversos setores da sociedade brasileira, como no Itamaraty, na TV. Agora nós, negros, também queremos cotas para nós. BF – Qual a saída, então? Santos – O Brasil tem uma dívida impagável com a população negra. As cotas representam muito pouco perto daquilo que a sociedade brasileira deve a nós. Novembro, mês da consciência negra, é um mês para o Brasil pensar no seu carma, na sua dívida que não é só física, é também moral e espiritual. Eu acho que, sem resolver essa questão, o Brasil vai continuar a ser esse boeing – patina na pista, mas não decola.

Lula deposita flores no monumento a Zumbi dos Palmares, em Alagoas

Lei pode agilizar solução de conflitos fundiários Letícia Baeta da Redação A nova Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, do governo federal, mexe nas bases do problema fundiário de comunidades quilombolas. As novas regras para o processo de titulação das terras podem agilizá-lo e abrir espaço para mobilização. Entram em vigor os decretos nº 4.883 e nº 4.887. A partir de agora, identificar, titular e dar a posse da terra cabe ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e não mais à Fundação Cultural Palmares, que assumiu a responsabilidade em 1999. Segundo Ivo Fonseca, coordenador da Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão, as medidas buscaram “abaixar as manifestações”. Os decretos anulam a legislação anterior, que proibia a expropriação de títulos de propriedade particular incidentes em terras de quilombos. Lúcia Andrade, coordenadora executiva da Comissão Pró-Índio de São Paulo, é otimista quanto às mudanças: “A Fundação Palmares tem apenas um escritório em Brasília. O Incra está espalhado por todos os Estados e acessível a reivindicações”.

POLÍTICA FUNDIÁRIA

Terceira Caminhada da Liberdade, em Salvador (BA), organizada pelo Fórum de Entidades Negras da Bahia, reuniu milhares de manifestantes com o slogan “Reparação Já – políticas públicas de emprego e renda para a comunidade negra”

Além disso, a regularização de terras quilombolas deixa de ser vista como “folclórica” e entra no contexto da política fundiária. “Não há sequer dados concretos de quantos remanescentes de quilombos existem, nem onde são os principais pontos de conflito”, diz Lúcia, referindo-se aos estimados dois mil quilombos do país.

O plano pode também solucionar o problema de falta de recursos. A Fundação Palmares, por estar ligada ao Ministério da Cultura, sofria contingenciamento de verbas. Já o Incra tem orçamento, previsto no Plano Plurianual 2004/2007, de R$ 5 milhões. A verba é para reconhecer, demarcar e titular terras remanescentes de quilombos e também indenizar terceiros que estejam ocupando a área. “Mas ainda não sabemos se este dinheiro será suficiente”, acredita Lúcia.

CONFLITOS A região do Vale do Ribeira, onde está localizado o maior conglomerado de comunidades quilombolas do Estado de São Paulo, é exemplo típico da conseqüência da antiga legislação. “Como a lei não era clara, na hora de desapropriar as terras nem os Estados, nem a Fundação Palmares queriam gastar dinheiro e mexer com grandes fazendeiros, empresários e posseiros”, explica Lúcia. Das 56 comunidades remanescentes de quilombo do Vale do Ribeira, 11 têm o título e apenas uma, a posse total da terra. Trata-se de Ivaporanduva, onde vivem 80 famílias, em área de 3.200 hectares. Oito comunidades possuem o título da terra, mas sofrem perseguições ou enfrentam fazendeiros e empresários interessados na área. A grande ameaça à região é o grupo Votorantin, do empresário Antônio Ermínio de Morais. Ele pretende construir uma barragem na região. Nos dias 4 a 7, o Recife Praia Hotel sedia o 3º Encontro Nacional de Comunidades Quilombolas. No evento, lideranças deverão detalhar as propostas de políticas públicas.


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DEBATE REFORMA AGRÁRIA

Terra e qualidade para os assentamentos ão importante quanto assentar o maior número de famílias em um único mandato em toda a história do Brasil, o novo Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) tem por objetivo assegurar qualidade para que os assentamentos da reforma agrária se tornem espaços de produção e vida digna. O acesso à terra é apenas o primeiro passo para uma reforma agrária “massiva” e de qualidade. É preciso combinar a posse da terra com políticas de crédito, assistência técnica e extensão rural, apoio à comercialização, garantia de renda, infra-estrutura básica – como luz, estrada, saneamento – e uma maior presença de políticas públicas como saúde, cultura e educação nas áreas rurais. Isso significa compreender a necessidade de se combinar políticas agrícolas e políticas agrárias com políticas públicas para o desenvolvimento sustentável dos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. O PNRA não é uma ação ministerial, mas de governo. O objetivo é assentar 400 mil famílias até 2006. Um aumento de 68% em relação ao primeiro mandato do governo passado, quando foram assentadas 238 mil famílias. O número é também 21,58% maior que a quantidade de famílias assentadas entre 1995 e 2001 – 328,8 mil – segundo estudo do Incra, em conjunto com a Universidade de São Paulo (USP) e a Organização das

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Nações Unidas para Agricultura e a Alimentação (FAO). É uma meta ousada e significativa diante da realidade econômica e social que herdamos quando assumimos o governo. Demonstra o profundo respeito do governo Lula para com os trabalhadores rurais, mesmo que ainda insuficiente para solucionar o passivo fundiário do País. Para se ter uma idéia, das mais de 500 mil famílias assentadas no governo passado, 90% não têm abastecimento de água, 80% não possuem energia elétrica e acesso a estradas e 53% não receberam qualquer tipo de assistência técnica. Para reverter esse quadro, o PNRA trabalha com o conceito inovador de desenvolvimento territorial. O objetivo é implantar modelos de reforma agrária compatíveis com as potencialidades e biomas de cada região do País e fomentar a integração espacial dos assentamentos. Ao atuarem conjuntamente numa estratégia de produção e comercialização, esses terão maior capacidade produtiva, força de inserção nos mercados e nas comunidades locais. O PNRA também beneficiará 130 mil famílias, até 2006, com terra por meio do crédito fundiá-

rio – instrumento destinado à aquisição de áreas que não podem ser desapropriadas. Outra ação fundamental para a paz no campo e combate à grilagem de terras será a regularização fundiária de outras 500 mil famílias até o final de 2006, concedendo a elas o título definitivo da terra. Além do reassentamento de famílias que ocupam áreas indígenas e a demarcação e titulação de áreas de comunidades quilombolas. Para isso, o PNRA fará o cadastramento georefenciado do território nacional. É preciso saber qual o verdadeiro mapa fundiário do País para assegurar a estabilidade no campo. Esperamos, assim, atender 1.030.000 famílias e gerar 2.075.000 novos postos de trabalho no meio rural por meio do PNRA, plano esse que devemos ao acúmulo de uma postura de franco e continuo debate com todos os segmentos do campo adotada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário ao longo de 2003. O campo brasileiro precisa se tornar, definitivamente, um espaço de paz e justiça social, de geração de trabalho e renda, produção de alimentos saudáveis, combate à fome e à miséria. Esses são os objetivos do PNRA. Miguel Rossetto é ministro do Desenvolvimento Agrário

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Miguel Rossetto

Plinio Arruda Sampaio Programa de Reforma Agrária distingue-se das outras intervenções do Estado na estrutura fundiária (colonização, regularização de título, crédito fundiário) em dois aspectos principais: a “massividade” e o papel dos movimentos sociais na sua execução. A “massividade” diz respeito à magnitude da desconcentração da propriedade da terra provocada pelas desapropriações. Quando as desapropriações são poucas, a ação do Estado não altera a estrutura agrária e, portanto, não elimina os fatores da pobreza da população do campo nem da dominação desta pelas oligarquias rurais. Quanto ao papel dos movimentos sociais do campo, o Programa o considera essencial para despertar a consciência da população rural acerca de seus direitos, a fim de que ela se torne capaz de organizar-se e sair na defesa da reforma no momento que esta for atacada pelas classes dominantes. A proposta do Plano Nacional

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de Reforma Agrária apresentada pela equipe de consultores cumpre os dois requisitos. A meta proposta é de assentamento, em 4 anos, de 1 milhão de famílias semterra e a desapropriação de 35 milhões de hectares de terra de imóveis que não estão cumprindo, como determina a Constituição, a função social da propriedade. Essa meta significa a incorporação de quase um terço das famílias mais pobres na economia e atinge cerca de 10% da área dos imóveis rurais cadastrados no Incra. Sob o ângulo do papel do compesinato na reforma, a proposta reconhece o direito que os assentados têm de escolher livremente a forma de organização dos assentamentos, compreendendo: decisão sobre o que produzir; sobre a contratação de assistência técnica; sobre a forma de receber a terra (individual, comunitária ou mista). Isto confere aos assentados uma grande autonomia para montar estratégias de fortalecimento do poder dos mo-

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O que se ganhou e o que ainda precisa ser ganho vimentos que os representam no plano sociopolítico. Além disso, caberá às entidades e movimentos camponeses a realização, via convênios com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, da capacitação dos assentados. Em razão das restrições financeiras que pesam sobre o país, o governo decidiu reduzir a meta para 400 mil famílias assentadas. Sem dúvida, é uma limitação. Porém, se for cumprida de acordo com as diretrizes traçadas na proposta dos consultores, poderá representar um passo na direção do objetivo central de toda a reforma: a ruptura do monopólio da terra. Entre essas diretrizes, ressalta-se a que exige a montagem de uma estrutura de proteção dos assentados e da agricultura familiar, para que elas possam resistir às pressões do mercado, pois este, como se sabe, tende sempre a excluir as unidades de menor porte. A reforma agrária é uma luta antiga e de longo prazo. O 2° Plano Nacional de Reforma Agrá-

ria constitui o mais recente episódio dessa luta. Outros virão. Nesta etapa da luta, não foi possível conseguir a “massividade” que o processo reformista requer. Mas, ao contrário das vezes anteriores (1964, 1984, 1988), desta vez poderá haver um avanço. Não se recomeçará a luta do ponto zero, mas de um patamar mais elevado. Importa, pois, registrar os ganhos que os camponeses obtiveram até agora. O mais importante deles foi a unidade dos movimentos sociais do campo nos momentos finais do episódio, quando se tornou patente a necessidade de pressionar o governo para aumentar a meta de assentamentos. Nessa hora, todos eles – MST, Contag, MLST, MPA, MTL, MAB – sentaram-se à mesma mesa para planejar as ações e, em seguida, marcharam juntos em Brasília. Se esse comportamento se repetir logo no início do próximo embate, a probabilidade de êxito crescerá muito.

Ganhou-se, além disso, uma clara referência para lutas futuras: em documento oficial, o governo declarou à sociedade que existem milhões de famílias necessitadas de terra para trabalhar; que existem terras suficientes para dotálas com pedaços de terra aptos a proporcionar uma renda adequada à família assentada; que é possível, desde o primeiro momento, assegurar uma renda digna a todas as famílias assentadas, que o custo de investimento para gerar um emprego na reforma agrária é o menor da economia; que o custo anual da reforma agrária corresponde a apenas 0,3% da quantia que o Brasil paga de juros aos credores internacionais todos os anos. Até aqui chegamos. Agora é planejar os próximos passos. Plínio Arruda Sampaio, exdeputado federal pelo PT de São Paulo, coordenou a elaboração do Plano Nacional de Reforma Agrária para o Ministério do Desenvolvimento Agrário


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AGENDA

agenda@brasildefato.com.br

NACIONAL LIVRO – DIREITOS HUMANOS NO BRASIL: DIAGNÓSTICO E PERSPECTIVAS A publicação, da Editora Mauad, aborda os direitos humanos no Brasil sob uma análise histórica, a partir dos anos 60, e aponta perspectivas para o futuro. Organizada por Claudio Moser e Daniel Rech, apresenta ações concretas e reflexões de parceiros do Misereor, organização católica alemã de cooperação internacional que acompanha e financia experiências no Brasil. O livro conta com o apoio da Comissão para o Serviço da Caridade Solidária, Justiça e Paz da Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB). LIVRO – CEARÁ NO FEMININO: AS CONDIÇÕES DE VIDA DA MULHER NA ZONA RURAL Lançada pelo Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador (Cetra), a publicação é organizada pela assistente social e coordenadora geral do Cetra, Margarida Pinheiro; pela socióloga da Confederação dos Trabalhadores em Agricultura (Contag) de Brasília, Lúcia Paixão Aragão; e pela professora do Curso de Economia Doméstica da Universidade Federal do Ceará, Gema Galgani. O livro traz informações sobre as condições sociopolíticas, econômicas e culturais da mulher rural cearense, destacando seu protagonismo e sua importância nas dimensões de decisão e poder.

CEARÁ I SEMINÁRIO CEARENSE DOS GRUPOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA Dias 27 e 28 de novembro Promovido pela Rede Cearense de Socioeconomia Solidária, o evento vai reunir representantes dos diversos grupos de economia solidária para debater o tema “Comercialização de produtos de economia solidária no Estado”. Haverá abordagem sobre o selo solidário, comercialização e feiras; comercialização e compras coletivas. Além disso, o seminário propiciará aos participantes uma análise conjuntural e do movimento de economia solidária no país. Local: R. Mertil Meyer, 100, Maraponga, Fortaleza Mais informações: (85) 231-4783 SEMINÁRIO: “REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO – MENOS HORAS, MAIS EMPREGOS” Dia 28, a partir das 9h O seminário, promovido pela Central Única dos Trabalhadores no Ceará (CUT Ceará), irá apresentar a Proposta de Emenda à Constituição - PEC nº 393/2001 pelos autores, o senador Paulo Paim (PT) e o deputado federal Inácio Arruda (PCdoB). À tarde, a partir das 14 horas, haverá debate com Rosane da Silva, secretária de políticas sindicais da CUT nacional, Inácio Arruda e Paulo Paim. No mesmo dia, às 17 horas, haverá um ato público de lançamento da Campanha pela Redução da Jornada de Trabalho no Ceará, na Praça do Ferreira.

E PERSPECTIVAS De 3 a 5 de dezembro, 19h Iniciativa do Projeto de Análise da Conjuntura Brasileira, do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. O Projeto publica todos os meses análises econômicas, sociais e políticas do Brasil contemporâneo na página da internet www.outrobrasil.net. Local: UERJ, R. São Francisco Xavier, 524, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 22341896, ramal 22

HOMENAGEM A EDWARD SAID: SUA OBRA E LUTA PELO POVO PALESTINO 11 de dezembro, 19h Convidados especiais: Antônio Cândido, Aziz Ab Saber, Emir Sader, Francisco de Oliveira, Francisco Miraglia, José Arbex Jr, João Pedro Stedile, Paulo Arantes, Paulo Daniel Farah, entre outros. Local: Auditório do Club Homs, Av. Paulista, 735, 1º andar, São Paulo Mais informações: (19) 9774-2015

Local: Av. Paranjana, 5.700, Fortaleza Mais informações: (85)226-7277, cutceara@cutceara.org.br I ASSEMBLÉIA DE JOVENS TRABALHADORES Dia 30, às 9h O tema da assembléia será “Primeiro Emprego: Perspectivas e desafios para a juventude trabalhadora”. O objetivo do encontro é traçar um perfil da juventude, saber o impacto do desemprego nos jovens e discutir o Projeto Primeiro Emprego, do Governo Federal. O evento, que é destinado aos jovens em geral, é uma promoção da Juventude Operária Católica (JOC). Local: Av. Sargento Barbosa s/n, Granja Lisboa, Fortaleza Mais informações: (85 )497-8355, isalpaiva@hotmail.com POLÍTICAS PÚBLICAS Uma gravação com falas de adolescentes esclarecendo sobre o que são políticas públicas e como é possível intervir nessas políticas será veiculado dentro de poucos dias nas rádios comunitárias dos Estados do Ceará, Pernambuco, Maranhão,

SÃO PAULO

Bahia e Minas Gerais. A gravação foi produzida e pelos adolescentes do Programa Gestão de Políticas Públicas da Cáritas, durante a Oficina Nacional de Sistematização das Experiências de Adolescentes na Gestão de Políticas Públicas. Mais informações: (85) 231-4783,

DISTRITO FEDERAL V CONFERÊNCIA DAS CIDADES

A ação política do MST ocorrido em Cascavel, Estado do Paraná, em janeiro de 1984,

rurais ganhou uma qualidade e uma dinâmica novas em sua organização e em sua formação política. A prática de ocupação de terras pelos trabalhadores rurais, como forma de pressão para que se efetuem as desapropriações reivindicadas, política consolidada principalmente no governo de Fernando Henrique Cardoso, mereceu desse ex-presidente a seguinte afirmação: “Eu não condeno o movimento de vocês. É justo. Se não fizer pressão, não sai.” A história da luta de classes tem como base a pressão política: é a passeata dos estudantes, é a greve dos operários, assim como também é a ocupação de terras pelos trabalhadores rurais. Seu objetivo é a conquista de um direito legítimo, porém negado.

É assim que o proletariado faz a sua luta. Neste livro, cujo prefácio é o último texto escrito pelo ministro Evandro Lins e Silva, Bruno Konder Comparato trata de algumas questões que mostram que o MST é um ‘ator político’ de grande importância no cenário da política brasileira, um movimento social que as ‘forças da ordem’ não podem ignorar. A partir de então, o autor analisa as relações do MST com o governo, com a igreja, a imprensa, a opinião pública. CONFIRA Bruno Konder Comparato Editora Expressão Popular 240 páginas R$ 8,00

NA

De 2 a 6 de dezembro O tema da conferência será “Cidade cidadã, cidade saudável: os novos desafios do planejamento urbano”. Local: Auditório Nereu Ramos, Câmara dos Deputados, Brasília Mais informações: (61) 318-7072

PERNAMBUCO III ENCONTRO NACIONAL DE COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS De 4 a 7 de dezembro Comunidades quilombolas de todo o Brasil se encontrarão em Recife, durante o encontro para discutir temas como terra, educação e reparação. Participarão cerca de 300 lideranças quilombolas, representando comunidades de mais de 18 Estados brasileiros. Serão abordados métodos e instrumentos jurídicos de proteção aos remanescentes de quilombos, como identificação, titulação de terras, educação e currículos escolares diferenciados, e etnodesenvolvimento. Será debatida também a garantia dos direitos constitucionais do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), buscando estimular políticas públicas diferenciadas para a educação de crianças e adolescentes quilombolas, além de condições para que as famílias quilombolas tenham acesso a programas como Bolsa Família e Fome Zero. A realização do evento, iniciativa da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), é uma forma de dar continuidade à luta pela defesa do patrimônio cultural do povo quilombola e garantia dos direitos de posse de seus territórios seculares. Local: Av. Boa Viagem, 9, Praia de Boa Viagem, Recife Mais informações: (98) 232-9298

RIO DE JANEIRO SEMINÁRIO - UM ANO DE GOVERNO LULA: BALANÇO

6º ENCONTRO NACIONAL SOBRE A MULHER TRABALHADORA DA CUT De 27 a 29 de novembro O tema será “Mulher, participação e poder -10 anos de cotas, 20 anos da CUT”. São esperadas para o evento cerca de 300 mulheres, as quais aprofundarão o debate sobre o avanço da participação feminina na vida pública e sobre as alternativas contra todas as formas de discriminações. Local: R. Martins Fontes, 330, São Paulo Mais informações: (11) 3272-9411 RADIOESCOLA E VIDEOESCOLA De 2 a 6 de dezembro A prefeitura de Sorocaba vai apresentar os trabalhos desenvolvidos pelas escolas participantes dos projetos Radioescola e Videoescola. Além das produções dos estudantes de 7 a 14 anos, haverá também espaço para a exibição dos trabalhos dos educadores. Entrada gratuita. Local: Oficina Cultural Regional Grande Otelo, Pça. Frei Barauna s/n, Sorocaba Mais informações: (15) 232-6096, SEMINÁRIO INTERNACIONAL- CRIANÇA, ADOLESCENTE E MÍDIA De 9 a 11 de dezembro Os objetivos do seminário são debater a relação criança, adolescente e mídia, estabelecendo uma ampla reflexão sobre o tema. Durante os três dias do encontro, especialistas brasileiros e estrangeiros das áreas de educação e comunicação analisam de que maneira as diferentes vertentes da mídia vêm tratando o chamado público infanto-juvenil, que engloba desde crianças pequenas até os adolescentes. Convidados que participam das mesas-redondas: Elza Dias Pacheco, coordenadora do Laboratório de Pesquisa sobre Infância, Imaginário e Comunicação da USP; Cecília Von Feilitzen, coordenadora científica da Câmara Internacional da Unesco para Crianças e a Violência na Tela (Suécia); Veet Vivarta, diretor-editor da Associação Nacional dos Direitos da Infância (Andi); Âmbar de Barros, coordenadora do Escritório Regional da Unesco em São Paulo; Cininha de Paula, diretora geral do programa Sítio do Picapau Amarelo (TV Globo). Local: Sesc Vila Mariana, R. Pelotas, 141, São Paulo Mais informações: (11) 3081-7555 / 3088-2559

DESTE MÊS:

•ENTREVISTA EXPLOSIVA COM EDUARDO SUPLICY: O SENADOR QUE NÃO SABE MENTIR •EMIR SADER CONTA COMO A MÍDIA CHILENA SE ALIOU À CIA •JOSÉ ARBEX JR. COMENTA A VITÓRIA DO POVO BOLIVIANO

JÁ NAS BANCAS

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CULTURA

De 27 de novembro a 3 de dezembro de 2003

FOTOGRAFIA

Em Brasília, grandes nomes da fotografia brasileira mostram, através de painéis as semelhanças culturais que unem povos de várias nações

Ricardo Teles

“África-Brasil-África” está subdividida em três blocos: traça um paralelo visual entre Angola-Brasil e Moçambique-Brasil; num segundo momento, apresenta o trabalho realizado em Angola pelo fotógrafo Ricardo Teles, entre maio e junho. O terceiro bloco é composto por fotografias produzidas em Moçambique pelo fotógrafo Christian Knepper entre junho e agosto

a cultura brasileira. Na lista estão Angola, Moçambique, Benin, Togo, Gana, Nigéria, Senegal, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. Esse trabalho teve início em junho, com dois fotógrafos que há mais de dez anos dedicam-se à documentação de comunidades afro-descendentes no Brasil: Ricardo Teles e Christian Knepper.

Christian Knepper

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Christian Knepper

Paulo Pereira Lima da Redação ançada dia 19, no Palácio do Planalto, a mostra “ÁfricaBrasil-África” foi um dos eventos culturais que marcou a Semana da Consciência Negra, em Brasília. Até dia 29, os brasilienses vão poder conhecer as similaridades existentes entre o Brasil e o continente africano através de painéis fotográficos assinados por grandes nomes da fotografia brasileira. Depois dessa data, a mostra itinerante segue para São Paulo e outras capitais. A exposição faz parte do projeto homônimo, idealizado pelo jornalista Nison Moulin e pela arquiteta Dirce Carrion, coordenadora de uma das mais conceituadas agências de fotojornalismo do Brasil, a Reflexo, com sede em São Paulo. “Queremos mostrar, através de fotografias, como a cultura e os traços africanos estão perto do Brasil. África presente no Brasil; Brasil presente na África”, diz Dirce. Nesse sentido, a recente viagem oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a cinco países africanos não teve um roteiro marcado apenas por reuniões burocráticas para fechamento de acordos comerciais. Dirce lembra que o presidente destacou em diversos discursos que “a integração entre o Brasil e o continente deve-se dar também entre brasileiros e africanos”.

Christian Knepper

Mostra aproxima o Brasil da África

MOSTRA ITINERANTE Como parte do projeto, ela levou quatro mostras fotográficas para correr o continente africano durante a visita. “Elas foram praticamente o único evento cultural dessa visita e teve a intenção de mostrar um pouco do Brasil por lá, pois é grande o desconhecimento e, ao mesmo tempo, o interesse pelo Brasil entre os africanos”, explica. No início, a arquiteta gaúcha contou com o apoio da construtora Odebrecht e do Ministério das Relações Exteriores. Agora, o projeto recebe o patrocínio do Banco do Brasil e está em condições de avançar. Segundo Dirce, até setembro de 2005 estão programadas várias viagens à África, com o objetivo de fotografar tanto os países que tiveram um grande fluxo de escravos para o Brasil, quanto aqueles que influenciaram de alguma forma Fotos: Ricardo Teles

OLHAR AO CONTINENTE Teles esteve em Angola; Knepper, em Moçambique. E isso é só o começo. A idéia é criar também intercâmbio entre fotógrafos africanos e brasileiros. “Está prevista também a visita de fotógrafos africanos ao Brasil, para que eles documentem nossa realidade e a levem para mostrar ao povo de seus países”, diz Teles, para quem estar na África pela primeira vez foi uma “experiência muito marcante”. Ele pôde verificar de perto algumas similaridades entre Brasil e África. “Assim como o brasileiro, o angolano, mesmo na piores situações, mantém a esperança. Como diz Milton Nascimento em uma de suas músicas, é ‘um povo que ri quando devia chorar’.” O fotógrafo afirma que o mundo deve olhar o continente africano com outros olhos. “Só assim vai descobrir seu grande potencial.” Além de Teles e Knepper, outros fotógrafos participam do projeto, como Alberto Alves, André Alves, Araquém Alcântara, Bruno Alves, Caio Borghoff, Carlos Goldgrub, Christiana Carvalho, Felipe Goifman, Frederic Mertens, José Caldas, Lalo de Almeida e Zig Koch. Além da mostra itinerante, o projeto consiste também na produção de cartazes e livros paradidáticos com os resultados dos trabalhos realizados pelos fotógrafos, que serão distribuídos nas escolas públicas de todo o país. Mais informações estão na página: www.africabrasilafrica.com.br


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