Duas Décadas de Arte Contemporânea - Artistas do Paraná na Bienal de Curitiba (1993 - 2003)

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DUAS DÉCADAS DE ARTE CONTEMPORÂNEA

Artistas do Paraná na Bienal de Curitiba

1993 - 2013 Curadora ADRIANA ALMADA





O tempo da arte

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Juliana Stein

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Luiz Carlos Brugnera

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Vilma Slomp

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Rony Bellinho

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Jack Holmer

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Daniel Chaves - Dach

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Leila Pugnaloni

40

Felipe Prando

44

Milla Jung

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A.C. Machado

50

Raul Cruz

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Juan Parada

56

Edilson Viriato

60

C. L. Salvaro

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MazĂŠ Mendes

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AndrĂŠ Rigatti

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Fernando Velloso

76

Fernando Rosenbaum

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Anexos

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Adriana Almada. Notas, marรงo 2012


O tempo da arte A DRIA NA A LMA DA — Curadora

Uma bienal opera ciclicamente como um cataclismo de maior ou menor intensidade e, segundo suas condições específicas, sacode a cena local com a potente presença internacional.1 Pode ser percebida como um «sismógrafo sociológico» capaz de auscultar os movimentos sociais e políticos que impregnam, estimulam ou convulsionam a prática artística. Na última Bienal de Curitiba, em 2011, um painel de críticos nacionais e internacionais debateu o papel das bienais como espaços de proposta e, mais especificamente, o impacto da Bienal de Curitiba na produção paranaense.2 Agora, como apresentar uma exposição que supere a simples comemoração e que consiga dar conta das preocupações dos artistas paranaenses que participaram das diversas edições da Bienal de Curitiba ao longo de duas décadas? O fato de abranger simbolicamente vinte anos de experiência, durante os quais a Bienal foi consolidando sua presença num cenário cada vez maior, abriu a possibilidade de explorar no tempo e incluir dois artistas cuja atitude pre-configurou a pesquisa contemporânea: Fernando Velloso, figura emblemática da ruptura modernista na Curitiba dos anos 50-60, e Raul Cruz, artista multidisciplinar falecido muito cedo, cuja obra foi desenvolvida entre 1981 e 1993. Sem pretensão de panorama, e concebida como um projeto aberto, esta mostra desenvolvida na Torre do Olho do Museu Oscar Niemeyer —à qual se soma uma performance apresentada em diferentes pontos da cidade— confronta diferentes gerações e linguagens, desde expressões pictóricas cujos antecedentes datam das primeiras edições do Salão Paranaense, até experiências recentes que questionam ou interpelam o estatuto da imagem. Vista como processo e não como recorte temporal, a exposição articula narrativas diversas que, do seu particular contexto de origem, respondem a práticas estéticas e conteúdos discursivos próprios do cenário global da contemporaneidade. A continuação, um percurso pelas obras, seguindo o roteiro da exposição.

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Essa tensão entre o local e o global já se verificava no início da Bienal de São Paulo; quando foi inaugurada, em 1951, manifestava a clara intenção de «colocar a arte moderna do Brasil, não em simples confronto, mas em vivo contato com a arte do resto do mundo, ao mesmo tempo que para São Paulo se buscaria conquistar a posição de centro artístico mundial». Lourival Gomes Machado. Catálogo 1a Bienal de São Paulo, citado em: Maria José Justino. 50 anos do Salão Paranaense de Belas Artes, Curitiba: MAC/PR, 1995, p. 13. 2 O evento chamou-se Encontro da AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte) e teve como expositores Liam Kelly (Irlanda), Yacouba Konaté (Costa do Marfim), Henry Meyric-Hugues (Reino Unido) e Ticio Escobar (Paraguai). Pelo Brasil participaram Lisbeth Rebollo Gonçalves, André Rigatti, María Cristina Mendes, Simone Landal e Stephanie Dahn Batista. Foram moderadoras Maria Jose Justino (Brasil) e Adriana Almada (Paraguai). Artistas do Paraná na Bienal de Curitiba

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Vi pela primeira vez as fotos de Juliana Stein no Museu de Arte Contemporânea, durante a 5ª edição da Bienal de Curitiba. Uma delas —dois pés submersos na água, um real e outro ortopédico— gerou em mim uma leve perturbação que gradualmente chegou ao estremecimento. As imagens de Juliana Stein agem assim, com intensidade progressiva, como se repetissem internamente nosso procedimento de laboratório, quando surgem da superfície nebulosa, cada vez mais nítidos, os seres e as coisas. Através das breves conversas que tivemos, soube que para ela a fotografia é uma prática de indagação, de exploração. Existe toda uma sorte de descontrole produtivo nesse «se deixar levar» por personagens e situações que, uma vez traduzidas em imagens, estimulam a percepção desde os tons graves e até os sem cor. Juliana Stein incursiona em lugares marginais e, a partir deles, reflete. «É curioso —comentou o crítico Philippe Dubois quando conheceu a obra dela— encontrar alguém que vê a fotografia não apenas como imagem». Certamente, a abordagem de Stein transcende a condição visual para criar uma zona de silêncio que outorga à fotografia um caráter de indício: mostra a partícula visível de um grande invisível que se manifesta aos poucos através da imagem. Nesse caso, o cantinho da espera na cadeia e o andaime interno da construção da Torre do Olho do Museu Oscar Niemeyer. A esse respeito, Juliana comenta: «Essas estruturas que se veem nas imagens, e que criam este padrão de repetição que nos parece tão natural e artificial ao mesmo tempo, são aquelas com as quais se ergueu o Olho do museu, o olho que seria a alma do museu e que representa a condição crítica da relação museu/comunidade».3

ZON A D E S ILÊNC I O.

Juliana Stein nasceu em Passo Fundo/ RS, em 1970. Vive e trabalha em Curitiba. Graduou-se em Psicologia na Universidade Federal do Paraná e viveu na Itália dois anos. Estudou História da Arte e Aquarela. Começou a trabalhar com fotografia no final dos 90. Expôs na Bienal de Curitiba em 2009 e nas bienais de São Paulo e Quebec em 2010. Expõe no Brasil e no exterior desde o ano 2000.

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Juliana Stein. Correspondência com Adriana Almada, 05.07.12.


Juliana Stein Da série Suspensão, 2002 Fotografia 100 cm x 100 cm Coleção da artista

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.Juliana Stein Da série Caverna, 2006-2008 Fotografia 100 cm x 100 cm Coleção da artista

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Luiz Carlos Brugnera nasceu em Espumoso/ RS, em 1966. Reside em Cascavel e Curitiba, PR. É autodidata. Algumas exposições: Galeria Toulouse, Rio de Janeiro; Maison du Brésil, Paris; Centro Cultural Recoleta, Buenos Aires; Museu Oscar Niemeyer, Curitiba/PR. Recebeu 40 prêmios em diferentes salões e mostras de arte contemporânea no Brasil, em Curitiba. Expôs no Salão da Bahia, MAM, Salvador, e no Salão Nacional de Artes Plásticas de Belo Horizonte/ MG. Possui obras em acervos públicos e privados no Brasil e no exterior como no Museu Nacional de Belas Artes, Buenos Aires/ Argentina, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro/RJ, National Gallery, Praga/Itália, Camden Arts Centre, Londres/Inglaterra, Permanent Mission of Brazil to the United Nations-ONU, New York/EUA e Museu D'Art Moderne de La Ville de Paris, Paris/França

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P ROTEG ER O I M PO SSÍ VEL . Luiz Carlos Brugnera tem desenvolvido diversas linguagens, entre elas o desenho preciosista com o qual «fotografa» o seu próprio imaginário («fragmentos de sua realidade interna», em palavras de Fernando Cocchiarale4). Assim como em seus inúmeros objetos, nele apressa «a solidez objetiva do mundo». Durante muito tempo o artista focou sua produção em desenhos feitos em grafite utilizando objetos simples com resolução fotográfica e instalações com elementos do cotidiano. Blindagem, a obra apresentada nesta exposição, discorre por outras vias estéticas e integra um projeto maior do artista, que tem concebido um hábitat conceitual feito de fragmentos de uma casa desmembrada, cujas partes já foram em outras ocasiões expostas em separado: rodapé, assoalho, azulejos… Unidas, resultam numa construção impraticável. Acumulando obsessivamente peças muito pequenas, Brugnera conformou relevos de importante tamanho, que hoje constituem essa couraça/casca que protege uma casa impossível, sem teto e sem portas, sem piso, nem escadarias. Em outras palavras: uma tentativa de amparar o vazio. Trata-se de um conjunto de panos metálicos, feitos de milhares de tachas pregadas sobre borracha, cuja quantidade e disposição variam de acordo com o espaço. A obra foi realizada no contexto de uma investigação que envolve outros temas vinculados ao hábitat, à escala humana e às dimensões múltiplas da experiência pessoal.

4 Fernando Cocchiarale, «Presentação», em: Brugnera 1994-2007. Curitiba: IPAR, 2006.

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Luiz Carlos Brugnera Blindagem, 2012 TACHAs metálicas sobre borracha Coleção do artista

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«Com a narrativa lírica perturbadora e no senso de humor que intriga sua busca do universo da imagem, fotografei os arranjos de flores artificiais em tecido ou plástico fluindo a singularidade estética de textura extrema sob a luz e a sombra, tendo como referência a elegância da natureza morta nas artes». Assim descreve Vilma Slomp, artista que constrói imagens com fotografia, desenho e vídeo, sua recente série Cores às cinzas, captada no cemitério ucraniano de Prudentópolis, a cidade de maior concentração ucraniana no Brasil.5 Aqui a flor não é matéria nem energia, mas símbolo de uma vitalidade que encontra sua maior expressão na cor que a artista resgata dos usos e costumes de uma cultura que, apesar de ter assimilado as notas da aldeia global, não tem perdido seus traços tradicionais. Num gesto que pode ser lido quase como um manifesto, Vilma Slomp diz outorgar cor às cinzas, e isso se vincula a práticas culturais longínquas que a artista recuperou visualmente nas suas muitas viagens. Sua série Damp Cake 6 é um exemplo: expõe uma das modalidades simbólicas (e reais) de reciclagem: construções realizadas com excremento de vaca por mulheres do interior da Índia; uma arquitetura popular que não poupa beleza nos detalhes–ornamentos preciosos repetidos como guardas de templo. Slomp, que em obras anteriores abordou situações de tensão e conflito (a doença, o isolamento, a melancolia), nesta série comemora, com serenidade, o fim talvez inexorável.

O ine xorável.

Vilma Slomp nasceu em 1952 em Paranavaí/PR. Vive e trabalha em Curitiba. Principais exposições: Linel Wendt Gallery, Colombo, Sri Lanka; Cymroza Art Gallery, Mumbai e Mount Carmel School, Nova Deli, Índia, 2010; Museu da Fotografia, Curitiba, 2007; Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2006; Museu de Arte de Brasília, 2003; Museu de Arte Contemporânea do Paraná, 2002; Museu de Arte Moderna RJ, 2001; Tepper Takayama Fine Arts, Boston, 2000; Centro Cultural Recoleta, Buenos Aires, 1997; Museu de Arte de São Paulo, 1996. Tem vários livros publicados: Vísceras em vice-versa, Ilusão, Dor e Feliz Natal, entre outros. Em 1998 recebeu o Prêmio Internacional Hasselblad, Brasil.

5 No Brasil habita a maior comunidade ucraniana de América Latina; 75% dos seus membros moram no Estado do Paraná. 6 Presa em Jaipur, Índia, em 2010.

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Vilma Slomp Da série Cores às cinzas, 2011 Fotografia Coleção da artista

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Vilma Slomp Da série Cores às cinzas, 2011 Fotografia 28 cm x 30 cm Coleção da artista

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Rony Bellinho nasceu no Rio de Janeiro/ RJ, em 1958. Seu trabalho integra a coleção de diversas instituições culturais no Brasil e no exterior, como o Museu Nacional do Conjunto Cultural da República, Ministério da Cultura, Museu Nacional de Belas Artes (RJ), Museo Nacional de Bellas Artes, Assunção (PY), Museo Nacional de Bellas Artes de La Habana, Cuba, Centro Wifredo LAM, Cuba, Bilboko Udala, Bilbao (ES),Casa América Catalunya, Barcelona (ES) Ajuntament de Barcelona (ES), Brasilianische Botschaft in Berlin, Alemanha e La Triennale di Milano, Milão, Itália.

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C riaturas sensíveis . O tratamento da figura é extremamente expressivo em Rony Bellinho, artista cuja formação literária subjaz nas fortes narrativas do seu trabalho. A série Criaturas de Lapa nasceu a partir de suas vivências no bairro boêmio do Rio de Janeiro, Lapa, conhecido como o Montmartre Carioca. Como se de cada ser ele tirasse as contorções inesperadas da angústia, da beleza, ou a precariedade completa, suas criaturas surgem do movimento apressado e decidido do lápis e do pincel e se multiplicam, impelidas pela sua própria natureza, desenvolvendo suas existências em ambientes tão sombrios quanto as cores que o artista escolheu para expô-las. A reiteração e a multiplicação de cenas enriquecem a obra, cujas variantes expressivas advém assim infinitas.

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Rony Bellinho DA Série Criaturas DE Lapa, 2012 Técnica mista sobre papel 29,5 cm x 21 cm Coleção do artista


Rony Bellinho DA Série Criaturas dE Lapa, 2012 Técnica mista sobre papel 29,5 cm x 21 cm Coleção do artista

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Jack Holmer nasceu em Curitiba/PR, em 1982. É mestre em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e tem Licenciatura em Desenho na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Foi professor da Faculdade Internacional de Curitiba e da UTP nas áreas de estética, semiótica e fotografia digital. Lecionou na Faculdade de Artes do Paraná. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Arte e Tecnologia, Robótica e Cibercultura e na área de Design. Foi coordenador do Projeto Gráfico do Museu Oscar Niemeyer. Atualmente é professor da cadeira de Poéticas Tecnológicas da Faculdade de Música e Belas Artes do Paraná.

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m áquinas a fetivas . Jack Holmer expôs em diversas ocasiões sua pretensão de operar no campo da arte fazendo uso de métodos, construções e processos próprios da ciência. Como pesquisador de Línguas e Comunicação, Holmer aproxima-se de experimentações na arte, tecnologia, robótica e cibercultura, assim como na música, ao mesmo tempo que explora as possibilidades de vinculação humana a outras formas de inteligência e/ou sensibilidade. Busca, por exemplo, as respostas «afetivas» que um robô pode oferecer e seu uso como prática terapêutica em diversos doentes. O interessante, além do conteúdo e da finalidade possível desse tipo de pesquisa, é que ela se desenvolve no campo da estética. Sua formulação e os seus alcances prenunciam novas formas de conexão humana em um cenário global e local cujos valores estão em mutação. Seus «seres de luz» (alguns dos quais apresenta nesta exposição) parecem fugidos das sagas infantis dos anos 1990; suas partes articulam-se e desarticulam-se, assumindo formas entre orgânicas e maquinais. Seu imaginário está vinculado às cidades inovadoras, à ideia de um feedback em harmonia com as máquinas, as que Holmer defende da tecnofobia generalizada a fim de propiciar uma educação inovadora através do lúdico.

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Jack Holmer Ser de Luz II, 2006 Componentes eletrônicos e peças de plástico 37 cm x 24 cm x 38 cm Coleção do artista

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DANIEL ChAVES [DACH] Salto e assalto, 2012 Vídeo / 2’ 30’’ (loop)

Com recursos mínimos, Daniel Chaves (Dach) encara o medo doméstico, o temor cotidiano que «assalta» milhões de pessoas nas cidades, onde cresce a exposição prolongada ao perigo. O artista vem basicamente do desenho e da pintura e desde 2000 vem buscando novas tecnologias, misturando pintura e vídeo. Em seu vídeo Salto e assalto aborda a irrupção do tão temido intruso em casa. A imagem evoca aquelas obtidas pelas câmeras de segurança que permitem ver, gravados, os momentos do ato criminoso e cuja duvidosa qualidade visual dificilmente possibilita a identificação do delinquente. Chaves carrega a figura do intruso com os conteúdos do mundo da(s) vítima(s): o mesmo céu, o mesmo muro, a mesma árvore, para relativizar a sensação de perigo e mostrá-la talvez como projeção da condição psicológica delas. O salto e o assalto, que se repetem ad infinitum, geram em cada nova violação física do espaço privado um medo surdo e permanente, que apenas diferencia-se das cores e atributos da casa... Da pequena tela do televisor que o transmite, esse breve vídeo remete tanto à sistematização do medo, quanto à estratégia de domínio massivo, divulgada preponderantemente pelos meios de comunicação, quanto à lembrança obsessiva de uma situação traumatizante. «Esses gêneros do temor —diz Zygmunt Bauman— dissolvem a confiança, o agente vinculante de toda convivência humana... A confiança é substituída pela suspeita universal».7 A imagem, apenas percebida pelo leve deslocamento do seu entorno, é a silhueta do próprio artista.

A IMINÊNCIA.

Daniel Chaves (Dach) nasceu em 1979 Curitiba/PR, onde vive e trabalha. Principais exposições em Curitiba: Bolsa Produção para Artes Visuais 5, Museu da Gravura, Solar do Barão, 2012; Outras formas, Centro Cultural FIEP, 2012; Desejo de salão, Museu Oscar Niemeyer, 2012; Imanência, SESC da Esquina, 2011; Expresso 2000, Museu Oscar Niemeyer, 2011; De 1 ponto para outro, Casa Andrade Muricy, 2010; Autorretrato, Casa Andrade Muricy, 2010; 63° Salão Paranaense, MAC/ PR, 2009; DEL.eite, MAC/PR, 2009; Projeto décadas, galeria do SESC, 2009; Intervalos, Casa Andrade Muricy, 2008.

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Zygmunt Bauman, Vidas desperdiciadas. La modernidad y sus parias, Buenos Aires: Paidós, 2006, p. 121.





Leila Pugnaloni nasceu no Rio de Janeiro/ RJ, em 1956. Vive e trabalha em Curitiba. Pintora, escultora e desenhista, realizou mais de vinte exposições individuais e participou de mais de quarenta mostras coletivas. Seu trabalho ilustra vários livros, jornais e revistas. Tem obras nos acervos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, do Museu Metropolitano de Arte de Curitiba, do Museu de Arte Contemporânea do Paraná, da Fundação Cultural de Curitiba e do Museu Oscar Niemeyer. Algumas exposições recentes: Onda, Galeria Colecionador Contemporâneo, Rio de Janeiro, 2012; Praça, Parque Lage, Rio de Janeiro, 2011; O corpo na cidade, performance em Curitiba; Artistas nórdicos e brasileiros, Espaço BNDES, Rio de Janeiro, 2010; O estado da arte, Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, 2010.

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As poéticas do hab itar. Com rigor construtivista, Leila Pugnaloni explora a sensibilidade da cidade e o expressa da seguinte maneira: «Na pista de uma linguagem própria, experimento o espaço, saio do campo da representação, viso o essencial. Cor. Tintas foscas intensificadas por tintas fluorescentes. Céus, noturnos urbanos, TV, anúncios luminosos, outdoors, autoestradas, fiação subterrânea, conexões eletrônicas, rede interativa, informação globalizada, fim de século. Coisa fluorescente, onda psicodélica, anos 60, anos 70. Do outro lado, a cidade pobre, a casinha de madeira, cores simples...» Em Mata-Juntas, obra estrategicamente localizada em um dos corredores do entrepiso da Torre do Olho, Leila Pugnaloni acentua a fina lâmina que preserva o lar das inclemências externas na arquitetura popular curitibana, impedindo que o calor se filtre para o exterior. As tábuas de madeira, coloridas, remetem a uma modalidade construtiva que é praticada na região há mais de um século. A pintura «tangível» de Pugnaloni, que evoca o neoconcretismo brasileiro dos anos 1950, deixa de ser superfície para se transformar em corpo, relevo, apelando a procedimentos originários da escultura. A peça, que além de estar exposta também pertence ao acervo do Museu Oscar Niemeyer, está planejada em módulos, cada um de uma cor diferente, que não obedecem a uma sequência predeterminada e possibilitam combinações múltiplas, gerando uma obra que com todas suas potestades, apropria-se do espaço.

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Leila Pugnaloni Mata-juntAS, 1998 (detalhe) RelEVO-Instalação 200 cm x 375 cm Acervo MON

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Sob o título [PAISAGEM-FRONTEIRA: 4 projetos irrealizados] Felipe Prando expõe o modo próprio de muitas práticas artísticas contemporâneas. A falta de concretização do projeto não é aqui nem uma frustração nem uma falta (apesar do tachado), mas a indicação precisa da própria condição discursiva da obra. Na fronteira entre o imaginário e o real, o artista parte de situações concretas, conflitivas, e em alguns casos muito trágicas, para propor uma saída ou conjurar a dor através da poesia ou do humor irônico em quatro projetos resumidos em quatro cartazes. Um deles diz assim: «Marca de Giz. Contexto: A fronteira político-jurídica entre Brasil e Uruguai, nas cidades Chuí-Chuy, é uma fronteira «seca», cujo «marco divisório» é uma avenida construída sobre uma linha imaginária que «separa»: duas cidades, dois países, duas nações, duas culturas. Proposta: Sobre a linha imaginária que separa as duas cidades, riscar, com giz branco de quadro, uma linha (30 cm de largura) que, com a passagem de carros, iria borrar.»

P rojetos irrealizados .

Felipe Prando nasceu em Curitiba/PR, em 1976. Vive e trabalha em Curitiba. Desde 2008 desenvolve o projeto [paisagem:fronteira] em Chuy-Uruguay, Chuí-Rio Grande do Sul, Florianópolis, Curitiba e São Paulo. Em 2011 realizou a curadoria da exposição Conversas no Museu da Gravura de Curitiba. Em 2008 participou da 5a Bienal VentoSul, Curitiba; em 2007 foi selecionado pelo X Salão Nacional Victor Meirelles, Museu de Arte de Santa Catarina, e expôs Perder de vista no Museu do Cartaz, Solar do Barão. O artista apresenta suas obras desde 2005, já tendo exposto no Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Venezuela e Bélgica.

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Felipe Prando [paisagem: fronteira], 4 projetos irrealizados, 2012 CARTAZES. Impressรฃo offset sobre papel

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«A alma nunca pensa sem imagem», dizia Aristóteles. Qual é, então, a natureza disso que chamamos «imagem»? Normalmente, associa-se a imagem à visão, mas também existe a imagem sonora, assim como a imagem olfativa ou táctil. Em resumo, trata-se de um dispositivo de percepção e representação. Milla Jung, que é pesquisadora da área de imagem e realiza projetos em fotografia e artes visuais sobre a potência das imagens no mundo contemporâneo, aborda em sua obra uma das grandes questões da arte. Em País imaginário ela assume o desafio de narrar uma imagem que o espectador não vê: um público cego que tem acesso a um discurso fotográfico através de um set de fones dispostos na sala. Cada áudio oferece um texto diferente: invisível, a fotografia é construída pelo verbo, metáfora do homo-videns privado de seu alimento cotidiano. A partir desse limite, a artista trabalha significados novos à medida que essa outra imagem, desvelada pela palavra, revela-se. Eis aqui um dos áudios:

A imagem invisível.

Milla Jung nasceu em Curitiba/PR, em 1974, onde vive e trabalha. Principais obras: Deserto de real, Espaço de afetos e Cidades visíveis, entre outras. Exposições recentes: Geração 00, SESC Belenzinho, São Paulo; Retrospectiva Salão Paranaense, Museu Oscar Niemeyer, Curitiba; 3ª Rodada Projeto Arte Contemporânea: um percurso, Edital Elisabete Anderle, itinerância SC; 63º Salão Paranaense do MAC/PR. Coordenou o projeto e a publicação Imagempensamento, 7º Edital Rede Nacional Artes Visuais/ FUNARTE. Desenvolveu País imaginário, Edital de Ocupação do Museu da Fotografia em Curitiba.

Alguma coisa está faltando aqui Mas eu vejo tudo, com suficiente precisão Então, como pode ser que falte quando tudo está preenchido Uma única substância que diz o universo Aqui estamos reduzidos a esta única célula Sem passado, sem futuro, sem presente Somente espaço Onde a ausência torna-se sua identidade Talvez um novo modo de acessar nossa verdade ordinária: produzindo-a Irrealidade Realmente forjada Tão verdadeira Eu aposto que nós acreditamos no que vemos ... nesta fotografia

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Milla Jung País imaginário, 2011 Instalação sonora. Dez textos em áudio

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«As cadeiras não servem somente como respaldo do corpo; respaldam também a personalidade, a linguagem corporal, a posição social», diz Umberto Eco. A. C. Machado pega a cadeira e a investe de atributos especiais. Ele concebe seu labor de artista como um trabalho em campo aberto, capaz de disparar novas ideias e relações a partir de um olhar concreto sobre certos aspectos da vida cotidiana. Neste sentido, sua concentração na cadeira como objeto-chave na história humana o levou a refletir sobre o lugar onde o corpo repousa e a partir do qual exerce seu poder ou experimenta sua miséria. Mediante a técnica da gravura, realizou para esta exposição uma série —em pequeno formato— de cadeiras mágicas, adoráveis algumas, truculentas outras. Estas variações sobre uma cadeira lembram também que, desde sua formação como disciplina, o design reconheceu, em sua relação com a arte, períodos cíclicos de conflito e cumplicidade. Além da função e da forma, os objetos oferecem, prioritariamente, fantasia.

Variaç ões so b re o cotidiano.

A. C. Machado nasceu em Londrina/PR, em 1964. Vive e trabalha em Cascavel/PR. Principais exposições e premiações: 2º Salão Nacional de Cerâmica, Curitiba/PR, 2008; 5ª e 6ª Mostra João Turin de Arte Tridimensional, Curitiba/ PR, 2003, 2005, Prêmio Governo do Estado do Paraná. Foi premiado em diversas ocasiões na Mostra Cascavelense de Artes Plásticas, Prêmio Prefeitura Municipal de Cascavel; Centro de Estudos Brasileiros, Assunção, l993; 14o Salão da Paisagem de Maringá, Prêmio Governo do Estado do Paraná, 2002; 4o Salão de Artes Plásticas de Londrina, 1999, Prêmio Governo do Estado do Paraná; 32º Salão de Arte do Paraná, MAC, Curitiba/PR.

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A.C. MACHADO Da série Memórias e lembranças, 2012 TÉCNICA MISTA sobre papel 20 CM X 15 CM Coleção do artista

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Luiz Alberto (Foca) Ruiz colocou em minhas mãos o livro que em 2008 dedicou ao seu irmão Raul, desculpando-se de antemão pela «falta de objetividade», já que ao seu entender não se tratava de uma publicação crítica, mas de uma edição realizada «com olhos de irmão».8 Nele, comenta que Raul «gostava da ideia de os sonhos serem expressões gráficas da mente e uma fonte espantosa de imagens, símbolos pessoais extremamente herméticos e codificados»9 Apesar de ser um artista múltiplo e poderoso, que cultivava a escrita, o teatro e a dança, Raul considerava-se essencialmente pintor. Autor, diretor e cenógrafo, suas pinturas eram cenário de dramas íntimos de loucura, solidão, paixão e morte. Tanta intensidade condizia ao seu precoce convencimento de que «para ser artista era preciso se desvencilhar das malhas acadêmicas»10 e à sua necessidade imperiosa de encontrar «janelas para a dor da existência humana». Conversando com Marco Mello11, grande conhecedor de sua obra, soube que Raul concebia a moldura como parte de seu discurso estético e, portanto, imaginava uma diferente para cada obra: construía física e simbolicamente o bâti para seus sonhos. Soube ainda que havia obras das quais nunca se desprendia e que todas, absolutamente todas, respondiam a uma vivência do mundo que integrava dor e beleza. Segundo Foca, para o seu irmão «o belo que dói» era «a motivação maior da arte». Em pleno auge da arte conceitual e do minimalismo, Cruz optou pela pintura e pelo excesso, num jogo simbólico e surrealista aberto à presença de espíritos, poesia lunar, enigmas filosóficos e simbologia cristã. Tinha 36 anos quando faleceu, em 1993, dedicado até o fim à direção de uma peça de teatro cuja estreia não chegou a presenciar. À diferença da última edição da Bienal, que em 2011 incluiu um bom número de suas pinturas e desenhos, nesta exposição a quantidade de trabalhos de Raul Cruz foi exígua. Porém, mais do que suficiente para habilitar a conexão com uma obra sempre presente na «noosfera» curitibana. Trata-se de peças muito potentes, duas das quais expressam momentos críticos na vida do artista e uma terceira que, na sua hierática beleza, deixa transparecer a intransponível vulnerabilidade humana. O b elo que dó i.

Raul Cruz nasceu em 1957 em Curitiba/PR, onde morreu em 1993. Dedicou-se à pintura, desenho e gravura e também à produção teatral como figurinista, cenógrafo, autor e diretor. É uma importante referência pictórica para as gerações mais recentes. A obra do artista se desenvolveu nos anos 1980 e início dos 1990. Em Curitiba, expôs no Centro Cultural Brasil-Estados Unidos, na Fundação Cultural de Curitiba e no Banestado, entre outros espaços.

8 Luiz Alberto Borges da Cruz. Raul Cruz: sonhos. Curitiba: Art Office Design, 2008. 9 Ibid. 1 0 Ibid. Raul Cruz não pode suportar o constrangimento da Escola de Belas Artes. Procurando uma saída para o que considerava um estancamento da cena local, participou dos grupos Convergência (1980-81) e Bicicleta (1982), dos quais alguns integrantes se rearticularam logo em Moto-contínuo (1983). 1 1 Diretor da galeria Casa da Imagem.

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Raul Cruz A cama do artista, 1985 Acrílica sobre tela 130 cm x 90 cm COLEçãO PRIVADA

Mulher com pedra verde, 1992 Óleo sobre tela 53 cm x 43 cm COLEçãO PRIVADA

Banho de ar, 1989 Acrílica sobre madeira 60 cm x 50 cm COLEçãO PRIVADA

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Raul Cruz ST Da série Salmos e provÉrbios, 1990 Acrílica sobre tela 80 cm x 80 cm COLEçãO PRIVADA

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Raul Cruz O princípio da ciência Da série Salmos e provÉrbioS, 1990 Acrílica sobre tela 80 cm x 80 cm COLEÇãO FUNDAÇãO CULTURAL DE CURITIBA

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O artista é parte do coletivo Interluxartelivre, integrado por criadores visuais e audiovisuais, músicos, designers, fotógrafos, arquitetos, sociólogos, filósofos, esportistas e poetas. Um grupo heteróclito que expõe e realiza ações e performances de forma regular desde 2002, vinculadas em geral à preservação do meio-ambiente. Para esta exposição, Juan Parada extraiu uma parte de sua série A memória da natureza, que inclui volumes escultóricos com plantas vivas, como pequenos reservatórios de vida vegetal. O fragmento escolhido desta memória maior é uma peça de cerâmica cristalizada na qual o artista introduz notas de suspense: plantas e pequenos animais adquirem densidade material. A falta de cor outorga um caráter fantasmal que recusa qualquer associação possível com o puramente ornamental. A MEM Ó R IA DA NATU REZ A.

Juan Parada nasceu em Curitiba/ PR, em 1979, onde vive e trabalha. É integrante do coletivo interdisciplinar Interluxartelivre, com o cual desenvolveu muitas ações e performances nos últimos dez anos. Como artista individual tem exposto em Curitiba, entre outras mostras: A Memória da matéria, Museu da GravuraSolar do Barão, 2012; Águas do amanhã, Museu Oscar Niemeyer, 2011; Inaidindia, Paço da Liberdade/Sesc, 2011; 2° Salão Nacional de Cerâmica, Casa Andrade Muricy, 2008; Variante 4, Escola de Música e Belas Artes do Paraná, 2007.

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Juan Parada Rastros naturais - Padronagem 1201 2011-2012 Cerâmica (faiança) glasurada 34 cm x 276 cm x 12 cm Coleção do artista

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Edilson Viriato Possibilidades e limitações aprofundadas em condições do cotidiano, 2012 Nanquim, aquarela e tinta acrílica sobre papel SÉRIE DE 100 desenhos 39 cm x 28 cm (CADA) Coleção do artista

Os cem desenhos em papel que Edilson Viriato realizou para esta exposição desenvolvem questões que o artista aborda há muito tempo através de meios tão diversos como a pintura, a fotografia, o vídeo, a montagem, os objetos, a performance... Seus desenhos são uma celebração do corpo, às vezes de gozo e outras vezes de dor. Com uma narrativa potente, exibem um sentimento místico-religioso que estabelece conexões entre o sagrado e o profano, entre o prazer e a dor e se debatem num contexto de novas subjetividades no qual Viriato desenvolve «a pesquisa no prazer do toque», segundo suas próprias palavras. A obra pede proximidade e distância ao mesmo tempo, seduz com a sua proliferação de imagens, reconfigura as relações entre gozo e culpa e reformula os códigos de convivência: corações de espinhos, serpentes, punhais, chicotes, máscaras, fetiches clássicos do sadomasoquismo, no marco de uma mitologia cristã do martírio. Viriato montou sua série numa extensa parede da Torre do Olho como quem oferece um sacrifício com satisfação. Perfurou o papel nos extremos superiores de cada folha, como se desfrutasse de cada pequena ferida. «São os pregos do Cristo», disse, brincando. A obra age como ritual de purificação e conjuração. Conectada a uma fonte inesgotável de conteúdos, basta-se a si mesma, resume nela o seu próprio universo e, a partir de seu centro, estabelece contato em diferentes direções e temporalidades. A pesquisa no prazer do toq ue.

Edilson Viriato nasceu em Paraíso do Norte/PR, em 1966. Vive e trabalha em Curitiba. Principais exposições: Casa Andrade Muricy, Curitiba, 2007-2008; Museu da Gravura, Solar do Barão, Curitiba, 2004; Museu da PUC, Curitiba, 2000; Centre d' Art Contemporain, Genebra-BellinzoneSuíça, 1998-1999; MUMA, Curitiba, 1999; Mostra Brasil/Cádiz, Espanha, 1999; 7a Bienal de La Habana, 1997; Museu de Arte de Portland, EUA, 1997; Galeria SESC, São Paulo, 1996; VentoSul MASP, São Paulo, 1995; Museum Karl Ernst Othaus, Hagen, Alemanha, 1993; Henie-Onstad Kunstsenter, Oslo, 1993; Centro Cultural São Paulo, 1993; MASC, Florianópolis, 1993; Funarte, Rio de Janeiro, 1993; Galeria da Prefeitura de Kanagawa, Japão, 1992; 21a Bienal de São Paulo, 1991. Foi premiado em mais de 40 salões e mostras de arte no Brasil.

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C. L. Salvaro nasceu em Curitiba/PR, em 1980. Vive e trabalha em Belo Horizonte/MG. Principais exposições: É preciso confrontar as imagens vagas com os gestos claros, São Paulo, 2012; Bolsa Pampulha 2010/2011, Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, 2011; 6ª VentoSul - Bienal de Curitiba, Curitiba, 2011; O Espaço Aberto, Caixa Cultural Brasília, Brasília, 2011; O Estado da Arte, Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, 2010; Biennale de Québec. Manif d’art 5, Quebec, 2010; Rumos Artes Visuais, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, 2009. Possui obras no acervo do Museu de Arte Contemporânea do Paraná e do Museu de Arte Metropolitano de Curitiba.

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A suspens ão do sentido. Em um dos corredores que conectam um andar ao outro da Torre do Olho, um cartaz exibe em grandes letras uma só palavra: Greve. Foi colocado por C. L. Salvaro, para quem a greve é «um processo que vai além de uma forma de reivindicação» e a considera «um estado de suspensão de qualquer atividade por um período indeterminado, uma pausa. Da mesma forma, visitar uma exposição em um museu pode ser uma interrupção das atividades normais, uma suspensão do tempo». A obra já foi apresentada numa ocasião recente, mas a adaptação feita por Salvaro para esta exposição a transformou em site specific work. A palavra só e potente ficou cercada de luzes, como nas marquises de teatro. O conceito de greve aparece então em cartaz ou como peça de museu, deslocando assim o seu significado como principal ferramenta de luta e reivindicação da classe trabalhadora. Certamente, o anúncio de Salvaro, como ele mesmo propõe, incita à reflexão no cotidiano e a uma revisão do acelerado processo social. A palavra passa da ação política ao terreno da estética (que pode ser política): deixa de instigar e começa a seduzir.

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C. L. SALVARO Greve, 2011 Intervenção na fachada do Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte/MG (CORTESIA DO ARTISTA) → Greve, 2012 Intervenção na Torre do Olho do Museu Oscar Niemeyer curitiba/pr. Plotaggem em vinilo

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Atemperada pelo uso do cinza, a tela exposta nesta ocasião não mostra a estridência colorida de outras obras da artista. Audaz no uso da paleta e expansiva na proposta de estruturas, entre oníricas e simbólicas, Mazé Mendes exibe aqui uma dose de poética melancólica. Atraída por certas formas e vestígios urbanos, a pintura de Mendes evoca construções que radicam sua fortaleza na leveza de suas formas e na potência de seus símbolos. Os sinais do Oriente aparecem em certos signos e na placidez das grandes superfícies cromáticas. Para Deleuze, toda pintura implica uma síntese de tempo: a tela em branco não existe, já que os conteúdos precedem ao ato pictórico. Entre aqueles e estes media o diagrama através do qual o artista possibilita a emergência de significados novos. A pintura de Mazé Mendes se dispersa em planícies generosas onde as formas, figurações às vezes, aparecem de maneira aleatória, respondendo a um diálogo equilibrado modulado pela luz e a cor.

A cor do tempo.

Mazé Mendes nasceu em Laranjeiras do Sul/PR, em 1950. Vive e trabalha em Curitiba, com pintura, desenho, gravura e fotografia. Principais exposições: O estado da arte, Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, 2011; Interações, Espaço Cultural Voyageurs du Monde, Lille, 2010; Por que pintura, Galeria Solar do Rosário, Curitiba, 2010; Artistas brasileiros, Pieksamaki Cultural Centre-Poleeni/Finlândia e Ava Gallery- Helsinque/ Finlândia, 2009; Hyogo Prefectural Museum of Art, Kobe, 2008; Vestígios, Museu Alfredo Andersen, Curitiba, 2007; Matiz, Galeria Noris Burguenho, Curitiba, Brasília, Belo horizonte, 2004; Identidades paralelas, Casa Andrade Muricy, Curitiba, 2004. Tem obras em coleções particulares no Brasil e exterior.

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Mazé Mendes Passagem, 2008 Óleo sobre tela 150 CM X 150 CM Coleção da artista

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Mazé Mendes ULTRAMARINO, 2008 Óleo sobre tela 150 CM X 300 CM Coleção PRIVADA

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André Rigatti nasceu em Xanxerê/SC, em 1982. Vive e trabalha em Curitiba. Principais exposições individuais: Centro Universitário Maria Antonia USP, São Paulo, 2012; Museu Victor Meirelles, Florianópolis/ SC, 2010; em Curitiba: Casa Andrade Muricy, 2009, 2010; Museu da Gravura, Solar do Barão, 2008; Museu de Arte Contemporânea do Paraná, 2008; Inserções ambientais/ Integração do objeto ao espaço, Memorial de Curitiba, 2007. Participou na 6ª VentoSul - Bienal de Curitiba, 2011. Tem obras suas os acervos do Museu Municipal de Arte de Curitiba; Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, e Museu Victor Meirelles, Florianópolis/SC.

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A pintura como ato de resistência. A pintura de André Rigatti configura um universo que por acaso pode se desentranhar camada por camada. À distância, suas superfícies texturizadas não permitem adivinhar mais que somente um, e grande, pigmento com ligeiras variações e um ou outro elemento de cor. Com a aproximação, o olho exercita a destreza para distinguir matizes sutis, formas sub-reptícias, insinuações da matéria. Em suporte tradicional e com meios tradicionais, Rigatti aposta na pintura como atitude, como afirmação estética e vital; como um ato de resistência à aluvião de imagens que impregnam e contaminam —dito isso sem fazer juízo de valor— o imaginário cotidiano dos indivíduos, especialmente nas grandes cidades. A memória contida em cada obra aparece encapsulada em sucessivas camadas de cor e se manifesta como território susceptível de ser explorado uma e outra vez. A total ausência de referente (nenhuma obra tem título) amplia a capacidade de «criar mundos» e intensifica as possibilidades de diálogo entre artista e espectador.

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André Rigatti DA Série Sem título, 2012 Óleo sobre linho 120 cm x 90 cm Coleção dO artista

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André Rigatti DA Série Sem título, 2012 Óleo sobre linho 120 cm x 90 cm Coleção dO artista

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Entrevista de A DRIAN A AL MADA

Nas florestas de Fernando Velloso o roteiro desta exposição e visualizar, como disse no princípio desta publicação, o amplo período de tempo que o projeto poderia abarcar, achei importante não só expor a obra de Fernando Velloso —figura emblemática por demais conhecida na cena paranaense da ruptura—, mas conhecer seu pensamento sobre o processo da modernidade em Curitiba e sua abertura para as questões que definiram a contemporaneidade. Num diálogo prolongado e distendido, o pintor revisou as diferentes etapas de sua pesquisa artística, ao mesmo tempo em que estabelecia conexões esclarecedoras sobre o processo estético e político do Brasil e da região. Nossa conversa foi registrada num vídeo. O mesmo foi instalado ao final do percurso da mostra: ao fim do caminho, o começo. O relato do mestre ia traçando constelações de sentido à medida que despregava sua história e a de seus contemporâneos, até chegar ao momento presente, já como figura relevante da gestão cultural. A palavra de Fernando Velloso desenvolve-se assim, como substrato fundante, na mesma sala onde expõem artistas de gerações que têm sucedido à sua e que, como ele, aprofundam na busca dos limites da pintura. Aqui reproduz-se o diálogo. As perguntas, que atuaram como disparadores de suas lembranças e reflexões, têm sido eliminadas para deixar só a expressão do artista, articulada por oportunos momentos de silêncio. Um silêncio de florestas que, desde a memória, reconstrói a paisagem cultural curitibana de bem mais de duas décadas.

AO P EN S AR

Fernando Velloso nasceu em Curitiba/PR, em 1930, onde vive e trabalha. É uma das grandes figuras da modernidade curitibana e um reconhecido gestor cultural. Foi aluno de André Lhote em Paris. Algumas exposições selecionadas: 55º Salão Paranaense, MAC/PR, sala especial, Curitiba, 1998; Do passado ao presente, Museu Universitário da PUC/PR, Curitiba, 1994; Viaro. Reflexos na Arte Paranaense: coletiva de discípulos, Museu Guido Viaro, Curitiba, 1993; Artistas do Paraná, Embaixada do Brasil, Assunção, Paraguai, 1990; Fernando Velloso e Haroldo Alvarenga, Middfest, Middletown, EUA, 1984; Real Galeria de Arte, Porto Alegre, 1972; Galeria Debret, Paris, 1961.

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Fernando Velloso Entrevista, vídeo agosto 2012 / 20’

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C U R ITIB A TEVE U M I NÍ C I O D E M O D ERNI DAD E M U I TO TARD I O ,

mesmo se compararmos com São Paulo e Rio. Sem dúvida alguma, com relação à Europa, seriam mais de 50 anos de atraso na evolução da linguagem artística por inúmeras razões, inclusive no que se refere ao tipo de sociedade que se formou nessas cidades. Enquanto o Rio se tornou rapidamente uma cidade mais cosmopolita, com uma visão mais aberta, São Paulo tornou-se uma cidade mais preocupada com o progresso econômico, mas arrastando atrás disso também um progresso cultural e artístico grande. Curitiba ainda —não quero usar uma expressão muito forte— era uma cidade pobre; não tinha um progresso tão grande. Tinha sido povoada principalmente por imigrantes de origem alemã, polonesa, e um grupo razoável de italianos, ainda não havia nessa época outros grupos de imigrantes. PrincipalmenO chamado movimento moderno aqui te o grupo alemão é que trouxe música; o primeiro começou a se concentrar em volta piano que existiu em Curitiba foi trazido por eles, da Cocaco, uma pequena galeria que mas eram imigrantes de um nível cultural muito conservador que estabilizou-se na cidade. Um eleera uma porta no centro da cidade. mento posterior muito forte foi a vinda a Curitiba de Alfredo Andersen, pintor norueguês que aportou por acaso aqui e acabou se constituindo como um grande mestre de pintura. Com isso realmente se criou um estigma de que fora da verdade daquele grupo acadêmico não havia mais nada. Fora alguns episódios avulsos como a presença de Poty (Lazzarotto), que depois saiu da cidade, e a presença do Guido Viaro, um italiano que veio pra cá e que repentinamente catalizou o pessoal jovem e moderno que tinha uma inconformidade com esse figurino acadêmico que já era retrógrado no fim dos anos 40 e início dos anos 50, não haveria um movimento mais forte que mudasse as coisas, que só veio a acontecer realmente no final dos anos 50 e início dos anos 60, quando o grupo moderno começou a se reunir e a se insurgir contra o status quo, aquela coisa que parecia definitiva. Com todo respeito pelo Andersen, que inclusive foi um professor que batalhou muito para que a cidade, pelo menos, tomasse conhecimento da existência de arte como um fenômeno importante na vida, ele produziu uma série de discípulos e discípulos dos discípulos cuja intenção principal era eternizar aquela linguagem que já era anacrônica em relação ao resto do mundo quando começou a aparecer aqui em Curitiba, que já rolava na Europa há muito tempo o abstracionismo, o expressionismo, e outras tendências que ninguém sabia nem da existência ainda por aqui. que eu acho ter importância, e deve ser analisado, é o fato de não haver divulgação. Evidentemente, nessa época não havia a facilidade que existe hoje que —em uma banca de jornal ou na internet— você tem acesso imediato ao que está acontecendo no mundo inteiro, de vanguarda ou não. Eu entrei na Escola de Belas Artes quando ela abriu, em 1948. Na época não havia nenhuma publicação a cores disponível, nem na biblioteca pública; era uma diminuição grande da nossa capacidade, até, de julgamento. Tanto que o que nós achávamos que era moderno, que poderia ser um caminho a seguir, eram coisas que haviam sido abandonadas. São Paulo já tinha uma qualidade de artistas de vanguarda e modernos (mais de modernos do que de vanguarda), incomparável ao de Curitiba, mas mesmo esse contato entre cidades era lento e pouco. Você não viajava com a facilidade que se viaja hoje, as pessoas que iam U M S EG U N D O C O M PO NENTE

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à Europa, que puderam conhecer e ver os museus na época, contavam-se nos dedos na cidade, e as que iam a São Paulo ou Rio também não eram tantas. Esse condicionamento provinciano que havia, de abraçar a si mesmo e ficar cultivando aquela pequena comunidade que se tinha formado a partir da escola do Andersen, era um «atrapalho», porque a forma de exposição do trabalho desse pessoal mais jovem, mais moderno, era quase inexistente. Uma das únicas portas era o Salão Paranaense, que era dominado pelo academismo. Isso é bom que se diga: as autoridades do governo só admitiam aquilo e faziam todo o possível para que as correntes mais modernas não fossem consideradas. Elas eram menosprezadas, consideradas «ridículas»; ainda se ouvia muito dos professores e dos artistas acadêmicos de que amarrava-se um pincel no rabo de um burro, botava uma tela e ele pintava. Isso eu ouvi 500 mil vezes; então, evidentemente, a dificuldade era grande de divulgação, de conhecimento, e todos esses obstáculos fizeram com que os jovens tivessem uma dificuldade muito grande de começar a ver um horizonte.

aqui começou a se concentrar em volta da Cocaco, uma pequena galeria que era uma porta no centro da cidade, um misto de molduraria e de galeria de arte, fundada por Ennio Marques Ferreira e mais dois outros companheiros. Alí começou a se formar um ponto de encontro onde se debatia, onde se conversava. Antes disso só houve um outro ponto de reunião, o ateliê da Violeta Franco, que foi uma das primeiras artistas preocupadas com a modernidade no Paraná. Esses pontos eram frequentados também por pessoas que passavam por Curitiba, artistas do Rio Grande (do Sul), de São Paulo, do Rio, e esse diálogo era o «fertilizante», talvez, dessas pessoas. O título de «artistas modernos» era muito genérico porque, na verdade, as tendências dessas pessoas eram toO título às vezes é uma provocação, talmente diferentes; a única coisa que os unia, a rigor, talvez não fosse nem necessário, é era a inconformidade com o que havia. Então acho que esse toque expressionista que marcou talvez a um adereço. Podia ser apenas um maior parte dos jovens modernos daquela época se número, uma outra identificação, deu ao fato justamente deles serem ligados no seu mas é um certo sabor de dar o nascimento artístico ao Guido Viaro. Na verdade eu título. Aí emerge essa poética própio, no início, comecei a sentir uma grande afeição que também está na pintura. pessoal e artística por ele, que sempre foi um expressionista. Agora, alguns dos jovens da época passaram a fazer pintura como Viaro fazia, então, na verdade, de uma maneira fria, vamos dizer que eles repetiam o fenômeno Andersen. Em um segundo tempo, eles criaram uma nova série de seguidores que fizeram com que a coisa parasse novamente naquele mesmo ponto.

O CH A M A DO M OVIMEN TO MOD ER N O

de fazer um estágio em Paris com André Lhote graças a um contato com Frank Schaeffer, um artista que tinha sido seu aluno, que inclusive tinha sido aluno do Arpad Szenes e Fernand Léger. Pude ficar até 1961 estagiando com o Lhote no ateliê dele, onde eu desenvolvi um trabalho numa linha cubista que seria algo que pretendia que fosse o meu ca-

E M 1959 E U T I VE A OP ORTU N IDAD E

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minho na época. Por varias razões eu não tinha aderido ao abstracionismo, até por uma questão ideológica. Isso é uma coisa muito interessante que ocorreu em Curitiba nessa época, porque o grupo de vanguarda tinha um pensamento de esquerda e não poderia caminhar rumo à abstração porque, justamente, era «proibida ideologicamente», por ser considerada uma arte degenerada, uma arte de minorias, uma arte sem fim social, uma arte sem mensagem..., toda aquela ladainha. De uma maneira ou outra isso nos influenciou bastante, tanto que uma boa parte dos artistas Cada artista age de uma maneira. da época não envergou a camisa abstrata logo de Eu sempre digo que há os filhos de saída porque tinha esses pudores. Quando cheguei Cézanne e os filhos de Van Gogh: na Europa, então, estava ainda arraigado numa linou é o momento, a explosão, e a guagem figurativa, muito embora minha tendência obra, em poucos minutos às vezes; fosse abstratizante. ou é o trabalho equilibrado, de O André Lhote era o inimigo total do abstracionismo, mas ele conduziu não só a mim, como várias observação, de correção, de acento... pessoas que passaram por seu ateliê, para o abstracionismo, porque a grande lição que ele dava era que a arte não era um retrato do mundo, ela se passava como um fenômeno, um trabalho em duas dimensões, e que tinha a natureza ou qualquer outra coisa apenas como ponto de partida. Pintar um quadro era pintar um quadro, nada mais que isso. Logo que eu comecei a fazer pintura abstrata, ainda frequentando o Lhote, comecei a fazer experiências abstratas no meu ateliê, não no dele. Eu ainda estava em dúvida sobre a ruptura, que acabei fazendo, mas a coisa era tão forte —aquela mensagem, a presença do Lhote na minha vida—, que eu acabei, aos poucos, readquirindo toda a estrutura que ele tinha me ensinado. A minha abstração começou mais lírica, mais informal e, pouco a pouco, foi voltando a uma estrutura arquitetônica, até mesmo com planos em que se percebe perfeitamente isso que você falou da existência do fundo de um tema figurativo, que não me interessava num primeiro momento, porque realmente o que eu queria era o rompimento, mas que aos poucos eu fui reconhecendo como tão forte dentro de mim, mesmo quando o interesse era todo de uma poética da pintura, da forma e da cor sem vínculo nenhum. ao Musée d’ Art Moderne de la Ville de Paris, que tinha o nome de composição —não me lembro bem... Composição em cinza—, e a curadora do museu, quem escolheu essa obra, me disse «Vamos ver um nome; eu vejo nesse teu quadro florestas reconstituídas». Ela batizou o que seria depois uma série que eu fiz com esse mesmo nome, porque ela percebeu que havia a presença desse elemento das florestas, que foi um tema que eu tratei tanto como cubista como como pintor ainda acadêmico na Escola de Belas Artes: interior de florestas, troncos. Até hoje há pessoas que olham para minha pintura e a identificam. O título às vezes é uma provocação, talvez não fosse nem necessário, é um adereço. Podia ser apenas um número, uma outra identificação, mas é um certo sabor de dar o título. Aí emerge essa poética que também está na pintura. É a minha intenção, pelo menos, que a poética esteja na pintura, mas de repente ela está também no nome. EU TEN H O U M QUAD RO QU E FO I I NC O RPO RAD O

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é a de que eu aprendi, de uma altura em diante, a me aprofundar mais em cada descoberta, porque por exemplo, eu passei pelo período cubista de uma forma muito curta. De repente eu descobri esse mundo da abstração; me interessei e fui em frente, e há uma tristeza de não ter ido ao fundo do poço no período do cubismo. Eu poderia ter esperado mais e, como você falou, repetidamente sobre o mesmo tema —novas interpretações—, ir buscar novas coisinhas dentro de cada detalhe, cada observação. Isso eu consegui fazer mais depois nessa fase abstrata, embora haja uma modificação constante na obra —afinal são tantos anos—, mas é lenta. Eu não tive nunca mais um corte abrupto, um salto; a coisa foi sempre caminhando numa repetição, refazendo um tema, revendo uma forma, mas explorando novamente aquela forma de outra maneira, trabalhando a cor, as nuances, a sutileza da cor. Cada artista age de uma maneira. Eu sempre digo que há os filhos de Cézanne e os filhos de Van Gogh: ou é o momento, a explosão, e a obra, em poucos minutos às vezes; ou é o trabalho equilibrado, de observação, de correção, de acento, que resulta na obra. Eu estaria talvez nesse meio termo: eu começo organizando o espaço, inclusive faço muitos sketches, pequenos trabalhos em papel, em cor ou sem cor, desenhos, para depois fazer a obra maior. Claro que vai se modificando, mas há sempre uma semente, uma plantação e uma colheita. Então eu diria que a minha maneira de trabalhar é, de certa forma, metódica, mas há o momento em que tudo está colocado onde eu acho que deve estar; aí a parte lírica vem à tona e vem a explosão emocional.

UM A DAS O BSE RVAÇÕ ES S UAS Q U E EU AC HO M U I TO VÁL I DA

→ Fernando Velloso As florestas (FRAGMENTO) Ateliê do artista

eu fui sempre um trabalhador da área cultural, como diretor de museu, como um animador cultural —que é o nome que se dá hoje a isso—, e isso me colocou em uma situação ambígua, porque muitas vezes eu tive que promover e provocar o avanço num caminho que não era o meu. Exatamente fazendo uma análise do ponto de vista social da comunidade, eu consegui separar o pintor ... fazendo uma análise do do homem que pode ajudar a vanguarda. Então, eu sempre fui um grande incentivador das linguagens ponto de vista social da novas, mesmo quando elas eram totalmente contrá- comunidade, eu consegui rias ao meu pensamento, meu foco. Isso realmente separar o pintor do foi a minha maneira de ser socialmente decente e não homem que pode ajudar repetir o fenômeno do qual eu fui vítima. ◊ a vanguarda. Então, eu

A PA R DA M I N H A P OS IÇÃO D E ARTIS TA

sempre fui um grande incentivador das linguagens novas, mesmo quando elas eram totalmente contrárias ao meu pensamento ...

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EXTR AMUROS Ações urbanas

Fernando Rosembaum nasceu em São Paulo/SP, em 1978. Vive e trabalha em Curitiba. Dedicando-se inicialmente à gravura, entre suas principais exposições destacam-se: Coletiva dos Gravadores, Sala Arte, Design & Cia; Gravadores do Solar do Barão, Clube Curitibano; Um Dia Outro Dia, Solar do Barão; Semi-novos, Casa Andrade Muricy; Mais Perto, Galeria Ybacatu; Fluxo de Gravação, Espaço Cultural BRDE e 6ª Bienal de Curitiba, 2011. Desde 2003, integra o coletivo Interluxartelivre, com o qual participou da 4ª Mostra VentoSul, em 2007, e da 5ª Bienal VentoSul, em 2009. Em 2007 foi um dos artistas selecionados para o programa Bolsa Produção, organizado pela Fundação Cultural de Curitiba.

FERNANDO ROSENBAUM Baiúca Objeto inflável de plástico translúcido, 2012 Rua XV de Novembro, CURITIBA

ATIVAR O ES PAÇO PÚ BL I C O. Essa é a proposta que Fernando Rosenbaum põe em prática há vários anos por meio de ações urbanas como a desenvolvida em diferentes pontos da cidade em ocasião desta mostra que celebra duas décadas da Bienal de Curitiba. O artista realizou suas intervenções nos seguintes espaços públicos: Parque Barigüi, UFPR / Rua XV de Novembro (Rua das Flores), Terminal do Cabral, Terminal do Portão, Terminal Campina do Siqueira, Terminal do Pinheirinho, Praça Garibaldi (Centro Histórico). Rosenbaum concebe o espaço público com liberdade e licença para ocupar. Ele diz: «Gosto da trama de interferências onde tudo pode ocorrer, gosto da dinâmica das ações urbanas com seu tempo, seus resquícios e suas perpetuações na memória social. Me interesso pela resposta orgânica, da ação a reação imediata do público; me interesso pela reinvenção do cotidiano».12 Baiúca é uma obra relacional, performática, que também é uma intervenção urbana. «A obra convida as pessoas a entrarem, criando seus usos, o que favorece um aspecto de intimidade, de relações e de trocas numa circunstância que é pública e problematizada. Baiúca, inflável de plástico translúcido, é uma construção quase geodésica de triângulos equiláteros soldados, acoplada a uma célula geradora de vento. Móvel e leve, ela possui atmosfera própria e prazerosa. Externamente, a obra se impulsiona nos planos e limites dos edifícios, calçadas, parques, praças, gramados e tende a abrigar o sujeito para o exercício de possibilidades de um corpo coletivo».13

1 2 Correspondência com Adriana Almada, 2012. 1 3 Depoimento do artista feito em entrevista a Denise Bandeira e Eliane Prolik, 2011.

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