Beira do Rio Edição Especial

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ISSN 1982-5994

EdiÇÃo ESPeCiaL GraNdeS ProJeToS • UFPA • ANo XXXII • 2018

Grandes projetos na Amazônia: desenvolvimento para quem?


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Direito

Luta e resistência em Barcarena Povos tradicionais defendem territorialidades específicas Renan Monteiro

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esde o início das instalações dos projetos de mineração em Barcarena e em proximidades, os crimes ambientais motivados por ações das empresas são frequentes. Um dos primeiros noticiados em jornais data de 1991 quando a Alumínio Brasileiro S.A. (Albras) foi responsabilizada por casos de fluorose (excesso de flúor no organismo) em crianças da região. Em 2004, a cor das águas dos rios Curuperé e Dendê foi modificada pelo derramamento de rejeitos químicos da Imerys S.A. No início de 2018, laudo do Instituto Evandro Chagas (IEC) confirmou o vazamento das barragens de rejeitos de bauxita pela Hydro Alunorte. Três exemplos de acidentes entre muitos dos quais não temos conhecimento. A historiadora Rosane de

Oliveira Martins Maia, durante a sua pesquisa de doutoramento, conviveu com algumas comunidades tradicionais de Barcarena, com o objetivo de entender suas estratégias de resistência diante das instalações dos projetos. A pesquisa, cujo título é Territorialidades específicas em Barcarena confrontadas com projetos de “desenvolvimento”, foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (NAEA/UFPA), com orientação da professora Rosa Elizabeth Acevedo Marin. As territorialidades específicas, como terras indígenas quilombolas ou de comunidades ribeirinhas, constituem terras tradicionalmente ocupadas e organizadas por essas comunidades. Essas territorialidades também podem significar a resistência aos processos de desocupação

provocados pelos projetos de “desenvolvimento”. A pesquisa de campo ocorreu entre os anos de 2014 e 2015, nas comunidades do Distrito Industrial (Curuperé, Acuí, Canaã, Santa Rosa) e nas autoidentificadas comunidades quilombolas e indígenas Sítio São João, Sítio Cupuaçu, Sítio Conceição e São Lourenço, entorno do Rio Murucupi. Seus moradores são pescadores, agricultores e extrativistas. “Na tese, você observa a forma como esses sujeitos se sentiram excluídos desse projeto de desenvolvimento. Se analisarmos, o Pará é o maior exportador de alumínio do Brasil e Barcarena é a maior produtora, mesmo assim, no município, existem muito desemprego e subemprego. Nos depoimentos, eles questionam: ‘desenvolver pra quem?’”, reflete Rosane Maia.

Em 1970, a desapropriação foi prática comum Os grandes projetos de mineração que promovem a integração da Amazônia à economia nacional/internacional têm início em meados do século XX. Assim, a cidade de Barcarena é inserida no Programa de Desenvolvimento Na-

cional, com o projeto de mineração Albras-Alunorte. Com políticas de expropriação, esses projetos deslocaram os chamados “sitiantes”. Segundo dados da pesquisa, no período de 1979 a 1984, a Companhia de Administração e De-

senvolvimento de Áreas e Distritos Industriais do Pará (CDI) realizou 404 ações de expropriação em uma área de 40 mil hectares. Por sua vez, a Companhia de Desenvolvimento de Barcarena (Codebar) foi responsável por 155 desapropria-


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ções em uma área de 60 mil hectares. Nessa época, os “sitiantes”, na verdade quilombolas indígenas, foram indenizados minimamente e remanejados para alguns bairros planejados. A pesquisadora explica que as comunidades saíram de suas terras nativas porque se viam como intrusas. Naquele momento, o Estado era visto como o proprietário das terras. Em 2015, a professora Rosane de Oliveira Martins Maia esteve nos bairros Laranjal, Pioneiro, São Francisco, procurando as pessoas que estavam na lista dos deslocados pela Codebar e pela CDI, nos anos de 1970. Em campo,

Rosane percebeu que grande parte das comunidades quilombolas indígenas descendentes havia retornado para as suas terras de origem, entre 2007 e 2009. Outras nem haviam saído de seus sítios de forma efetiva. A Codebar os via como invasores, pois havia documentos e relatórios sobre a “venda” dos sítios pelos seus pais ou pelos avós. Nas entrevistas com as comunidades quilombolas indígenas de Barcarena, percebe-se que as ações de deslocamento representaram o fim da história de vida nos seus sítios, onde estavam o seu passado e as suas origens, irrompendo

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e deixando-os sem futuro. Por isso a pesquisadora entende como estratégia de resistência os quilombolas indígenas atuais retornarem às suas terras e persistirem com as suas territorialidades específicas. “Apesar de morarem no Bairro Laranjal, eles voltavam às escondidas para seus sítios para pegar pupunha, criar galinha, fazer farinha, porque ficavam sem subsistência nos novos bairros. A Codebar queria expulsá-los das terras, mas, com o Ministério Público, eles conseguiram o reconhecimento do uso das terras tradicionalmente ocupadas”, explica Rosane Maia.

Comunidades persistem e enfrentam obstáculos Além de procurar entender a situação dos quilombolas indígenas que estavam retornando para o seu local de origem, a pesquisadora também observou comunidades localizadas nos arredores do rio Murucupi, no Distrito Industrial, que convivem com a poluição provocada pelos rejeitos das empresas. Desde 2007, os rios são contaminados com caulim, deixando a água imprópria para o consumo. “Nas entrevistas, percebi a resistência dessas comunidades, mesmo com toda a pressão das indústrias. Sua fonte de subsistência é cortada, elas ficam vulneráveis à manipulação das elites políticas locais, e o Estado toma atitudes

que levam ao deslocamento. Com tudo isso, elas persistem em suas territorialidades específicas”, revela a pesquisadora. Nas décadas de 1970/1980, não se ouvia falar em direitos de comunidades tradicionais, pois o que prevalecia na legislação era a propriedade privada e documentada. Com a Constituição de 1988 se reconhece o direito à terra pelas comunidades tradicionais. É por isso que, juridicamente, esse autorreconhecimento como quilombola e comunidade tradicional aconteceu somente nas últimas décadas. As comunidades não precisam ter o título da terra, apenas o reconhecimento de que estão vivendo há muito tempo no local

e que suas práticas na terra são diferenciadas e a propriedade é coletiva. Como é explicado na tese, a organização social e as práticas culturais das unidades familiares têm como base o uso comum dos recursos naturais, em que a figura da posse e da propriedade é menos relevante do que o direito de usufruir. Apesar disso, a luta pelo reconhecimento das territorialidades das comunidades tradicionais ainda é instável. “As comunidades ainda são vulneráveis. As empresas mineradoras não investem em práticas sustentáveis e as instituições ambientais não exercem seu poder efetivo sobre essas empresas”, avalia. FOTOS JOSE ROBERTO DA SILVA CRAVO

Nas fotos abaixo, situações de conflito nas comunidades de Burajuba e Sítio Conceição.


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Xingu

Ribeirinhos sem rios?! Projeto registra memórias de famílias afetadas por Belo Monte Armando Ribeiro

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Investigação observou a trajetória das famílias do início à conclusão das obras.

ntes, a vida era água. Acordar de frente para o rio, lavar roupa em suas margens, pescar e, claro, mergulhar em suas águas. Essa relação do homem amazônico com seus rios sempre foi especial, passada de pais para filhos, de avós para netos, em uma tradição vinda do dia a dia e da observação. Esse estilo de vida foi fortemente afetado pela construção da Hidrelétrica de Belo Monte, na região do Xingu, Altamira/PA. O projeto de infraestrutura mais caro desenvolvido no Brasil retirou diversas famílias de suas casas e poluiu o rio que elas utilizavam em seu cotidiano. Para compreender a nova realidade dessas pessoas e construir uma memória da vida antes da obra, o Projeto Famílias

Ribeirinhas: Memórias de trabalho e de vida frente à construção Belo Monte, coordenado pela professora Elizabete de Lemos Vidal, acompanha essas famílias desde 2012. O estudo foi realizado em parceria com o Campus de Altamira e englobou o entorno da Volta Grande do Rio Xingu, que compreende cinco comunidades (Arroz Cru I, Arroz Cru II, Paratizão, Santa Luzia e Itaboca), além de estender sua investigação para outras áreas próximas aos afluentes do rio. A metodologia foi observar a trajetória das famílias desde o início da construção da Usina até a sua conclusão, além de registrar os depoimentos dessa população, os quais podem ser encontrados no site https:// www.averdadedasmentiras.com/. “Nosso grupo testemunhou as transformações que atingiram essas

pessoas. Por isso a importância de colocar essas memórias em um lugar acessível e disponível a todos”, observa a professora. Antes mesmo das obras começarem, os habitantes das ilhas atingidas relatavam a angústia que era deixar seu local de origem. “Temos um cemitério onde nossos parentes estão enterrados, eles vão ficar e nossa história vai deixar de existir, isso é muito triste. Quando perdemos nosso irmão, a vontade foi vender tudo e ir embora, mas ele tava aqui e não podíamos deixar ele sozinho. Agora ele vai ter que ficar pra trás. Vamos ter que sair por causa desse projeto que diz que é progresso, mas para nós não tem nada de progresso, só destrói”, afirmou Manuel, morador da Ilha da Fazenda, em depoimento para os pesquisadores. FOTOS DAVID ALVES


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A imprensa, o governo e quem viveu a história A coordenadora do estudo informa que esses depoimentos são importantes para mostrar o olhar daqueles atingidos diretamente pela obra, além de esclarecer as consequências dela para a comunidade. “Quando você pesquisa sobre a Hidrelétrica de Tucuruí, inaugurada em 1984, encontra os registros ‘oficiais’ deixados pela imprensa e pelo governo da época, mas dificilmente vai achar algo que mostre a visão de quem viveu essa história, algo que mostre a vida antes e depois de Tucuruí. Então é essencial registrar o outro lado da moeda, dar voz para essas pessoas e guardar os rastros de destruição ambiental e social que esses empreendimentos deixam”, explica Elizabete Vidal.

A história de resistência dos povos do Xingu começa logo após o fim da construção de Tucuruí, quando agentes do governo iniciaram os estudos nos rios da Volta Grande do Xingu. Os moradores organizaram o Grupo dos Atingidos pela Barragem do Rio Xingu (GRACOX) e denunciaram a situação por todo o país. Quem fez esse relato foi Antônia Melo, líder do movimento Xingu Vivo para Sempre. Para que a exploração da região fosse liberada, era preciso realizar o Estudo de Impactos Ambientais (EIA) e o Relatório de Impactos Ambientais (RIMA), que verificam as consequências do empreendimento para as áreas atingidas. Elizabete Vidal aponta, no entanto, que esse relatório foi feito pelo Consórcio

Construtor de Belo Monte (CCBM), empreendimento interessado nas terras do Xingu. “Eles levaram de 2006 a 2009 para concluir esse estudo. Foi um texto muito bem escrito e detalhado, mas possuía uma ausência do fator humano, de como as dinâmicas ribeirinhas e indígenas seriam afetadas e qual seria a situação dessas pessoas após serem tiradas da terra que foi de seus pais e avós”, lembra Elizabete. “CCBM. Ouvir essa sigla para nós passou a significar uma monstruosidade que nos ameaça. Quando vemos essa sigla, estremecemos, porque sabemos o prejuízo enorme e irrecuperável causado ao lugar onde vão se instalar”, depoimento dado por Antônia Melo, em audiência para discutir o consórcio.

A difícil adaptação nos locais de reassentamento As famílias afetadas pela obra receberam um valor por suas terras e foram assentadas em zonas construídas pelo CCBM. Em teoria, os moradores vizinhos deveriam ser postos em áreas próximas para garantir essas relações e tornar mais fácil a adaptação. “No papel, a ideia do reassentamento é linda, mas, na prática, tem uma série de problemas. Para começar, os valores pagos pelos terrenos, muitas vezes foram menores que

o devido”, afirma a coordenadora Elizabete de Lemos Vidal. Esse fato aconteceu com o senhor Francisco das Chagas, do assentamento Água Azul. Em depoimento aos pesquisadores, ele contou ter recebido de indenização uma casa de 63m², avaliada em R$ 90 mil, mas, ao tentar vendê-la por R$ 50 mil, não encontra comprador. Além disso, o morador destaca que os reassentamentos são distantes do centro de

Altamira, então, se quiserem ir ao médico, ao comércio e às escolas, têm que pagar transporte. Para quem está tentando se readaptar, esse novo estilo de vida já começou forte como uma correnteza. Como diria Dona Fátima, em sua poesia: Ai que saudade que me dá de ficar no meu lugar; Debaixo de uma mangueira, o rio a espiar; Mas Deus é maior e sabemos, todos nós junto, que ele vai nos ajudar.

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Ao fundo, a Hidrelétrica de Belo Monte.


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Povos indígenas

Cachaça, concreto e sangue Dissertação traz perspectiva nativa sobre os danos de Belo Monte Nicole França

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Hidrelétrica de Belo Monte no período de obras.

m 2011, a foram iniciadas as obras para construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na bacia do Rio Xingu, sudoeste do Estado do Pará. De acordo com o Ministério de Minas e Energia, a capacidade de produção da usina é de 11 mil megawatts, tendo como custo estimado em R$ 26 bilhões. Belo Monte será a segunda maior hidrelétrica do País. No entanto a construção vem causando grandes impactos nos âmbitos sociais e ambientais. Baseado em tal problemática, o pesquisador William Cesar Lopes Domingues defendeu a dissertação

Cachaça, Concreto e Sangue! Saúde, Alcoolismo e Violência: Povos Indígenas no Contexto da Hidrelétrica de Belo Monte. A pesquisa foi apresentada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/IFCH) e teve como orientadora a professora Jane Felipe Beltrão. Pelo fato de ser indígena, o pesquisador possui propriedade e os conhecimentos necessários para abordar tal temática. “O objetivo da pesquisa foi demonstrar que existe uma gama de impactos gerados pela obra que afetam diretamente os conjuntos de hábitos e crenças das nove etnias indígenas que habitam a região do médio Xingu, os quais não foram

mensurados e são difíceis de ser mitigados por afetarem uma dimensão metafísica com a qual os estudos de impactos não estão preparados para lidar”, afirmou o pesquisador. Segundo William Domingues, a extinção ou a possibilidade de extinção dos ethos (conjunto de crenças e hábitos) traz consequências sobre a saúde da população local, sendo elas relacionadas com o uso abusivo de álcool e drogas, além da criação de diversas situações de violência em razão do processo de convencimento e de construção da hidrelétrica, o qual foi permeado de violências simbólicas e concretas contra os povos indígenas. OSVALDO DE LIMA / AGÊNCIA PARÁ


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Aldeias, conselhos de saúde e audiências públicas A pesquisa etnográfica teve como autor um sujeito indígena que está inserido no processo. “Sendo indígena, eu partilho de uma rede de teias de sentidos que forma o conceito nativo de Ure reka (conceito que se refere às relações desenvolvidas pelos seres humanos como os entendemos. Animais, pedras, árvores e rios são pessoas que se apresentam com outra forma que não a nossa, mas também possuem uma forma de gente), tomado de empréstimo do povo Asurini do Xingu, que estrutura a dissertação”, explicou William Domingues. Além disso, foram realizadas entrevistas não estruturadas nas aldeias dos

povos analisados, utilizando as línguas nativas e as línguas de contato em rodas de conversa informais e nas diversas atividades das aldeias. A coleta de dados para a pesquisa foi realizada nas aldeias, em reuniões dos conselhos de saúde e em audiências públicas sobre a hidrelétrica. Em sua dissertação, William Domingues constatou que a construção de uma barragem e a consequente formação de um lago que inundará uma área de terra mexem com a base mitológica de todos os povos indígenas que habitam a região afetada pela construção da barragem. “A maioria absoluta das etnias possui mitos, que,

aliás, é como a Antropologia chama a nossa História, em que se fala de um dilúvio passado, de um alagamento e da possibilidade de afundamento do mundo como o conhecemos e do surgimento de um novo mundo povoado por uns poucos sobreviventes. A história do alagamento do mundo existe na mitologia de vários povos do médio Xingu, Arara, Xipaia, Kuruaia, Parakanã, Asurini do Xingu, Juruna e Arawete. Portanto, para a lógica de pensamento concreto de nosso povo embasada pela mitologia, a construção de uma barragem no quintal da casa de nossos demiurgos é um desastre por si só e o anúncio de vários outros em

sequência. Desastres que não são passíveis de mitigações, porque não poderiam ser previstos sem que se atinasse para tais teias de significados com as quais os povos indígenas da região se orientam”, explicou. A pesquisa também constatou que, quando ocorre a ruptura da realidade Ure reka, são geradas consequências drásticas para os povos do médio Xingu. Tal ruptura leva a efeitos sociais expressivos, por exemplo, o uso abusivo de álcool e drogas como uma tentativa de entorpecimento de uma realidade corrompida e cheia de incertezas, inaugurando práticas de violências novas e exacerbando antigas.

“A construção inaugura um tempo de incertezas” A construção da Hidrelétrica de Belo Monte acarretou uma série de problemas de saúde entre os povos indígenas do médio Xingu. “Houve um incremento considerável do número de casos de doenças da modernidade, a partir da mudança drástica dos hábitos alimentares, aumento dos casos de abuso do uso de álcool e outras drogas, suicídios, homicídios e violência”, afirmou o pesquisador William Domingues. Para o pesquisador, a construção da usina inaugura uma nova possibilidade de fim do mundo conhecido pelos nativos e inaugura um tempo de incertezas sobre como será o novo mundo. Um dos principais impactos que a Usina de Belo Monte trouxe foi a possibilidade de quebra do ethos, ou seja, dos hábitos e costumes dos povos da região. O pesquisador ressalta, ainda, a problemática que o acesso a recursos financeiros, antes indisponíveis, e o afluxo de indígenas na cidade causam na segurança alimentar. Há mudanças drásticas nas dietas tradicionais, seja pelo consumo

de alimentos industrializados, seja pela ausência de roças, uma vez que os homens precisam ficar, por longos períodos, na cidade. “É muito importante que os estudos de impacto de construção de hidrelétricas levem em consideração que há uma dimensão metafísica, que, uma vez atingida, traz consequências danosas aos povos indígenas e por isso deve ser considerada. A escuta desses povos deve ser qualificada e sem um interesse declarado de construir barragens”, atestou o pesquisador. Para William Domingues, a problemática pode ser solucionada com uma ação estatal isenta de interesses políticos e governamentais, nos quais os estudos de impacto não sejam encomendados pelos consórcios e construtores de barragens, além dos órgãos do Estado não apresentarem uma ação restringida pelos interesses políticos de quem estiver no poder. A dissertação tem sido utilizada para embasar ações judiciais reivindicando o que não foi previsto nos estudos de impacto da construção da hidrelétrica.


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Tucuruí

Pesca artesanal após a usina Pesquisa compara os usos do lago hoje e no passado ACERVO DO PROJETO

Gabriela Bastos

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om o objetivo de identificar e analisar a memória coletiva sobre o acesso e o uso dos recursos pesqueiros, considerando as mudanças no ambiente natural em Tucuruí, a professora Cleide Lima de Souza apresentou a tese Conflito e enfrentamento diante das mudanças ambientais decorrentes da construção da barragem: memória coletiva e pesca artesanal no Lago da UHE de Tucuruí/PA ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aquática e Pesca (ICB/ UFPA), sob orientação da professora Voyner Ravena Cañete. Antes das pesquisas para o doutoramento, Cleide Lima de Souza teve oportunidade de percorrer e mapear a área do lago, além de visitá-la em períodos de seca e de cheia. Baseada nessa experiência, a pesquisadora ele-

geu três comunidades com histórias e localizações diferentes, o que possibilitou uma análise comparativa e qualitativa. Durante o trabalho de campo, a professora buscou os moradores antigos que deixaram a comunidade por ocasião da criação do lago. Eles foram encontrados residindo na cidade de Nova Jacundá, em condições precárias. Cleide de Souza identificou os pontos de pesca com a ajuda dos antigos moradores e daqueles que realizavam atividade pesqueira antes do barramento do rio. Os pontos foram registrados usando a memória, e um croqui descritivo possibilitou a visualização espacial dentro do lago. As informações sobre as espécies e as técnicas de pesca foram rememoradas para comparar o uso do lago, no passado e no presente.

De acordo com a autora da tese, o lago artificial da Hidrelétrica de Tucuruí pode ser considerado um novo território de pesca. Os diferentes pontos pesqueiros evidenciados pelo mapeamento permitem compreender a nova configuração desse ambiente.

“A diversidade de atores que utilizam o lago acirra a disputa por recursos e produz uma incerteza sobre a continuidade da pesca. O desaparecimento das espécies de bagres, por exemplo, prova para as comunidades que há extinção ou finitude desses recursos”, afirma.

Transformação rompeu com estrutura natural do rio As mudanças no ecossistema, ocasionadas pelo represamento da água, destruíram os ambientes pesqueiros, alterando o acesso e o uso desses recursos. A transformação artificial de parte do curso do rio em lago rompeu a sua estrutura natural. O conhecimento sobre os locais de captura, as espécies e o ambiente representa o domínio sobre as práticas de acesso aos recursos pesqueiros, o qual, uma vez per-

dido, desorienta e ameaça a vida, restando a memória como fonte de reorientação social. Segundo a professora Cleide Lima de Souza, a transformação do rio para lago altera o sistema de água corrente para água parada e não permite a existência de muitas espécies de peixes, reduz outras e prolifera a presença de predadores. “Dados demonstram, assim como a história relatada por quem

conheceu o rio Tocantins, que este agregava alta diversidade de peixes. Todavia a construção do reservatório alterou o ecossistema tanto na jusante quanto na montante. Quanto às espécies de peixes existentes antes do barramento do rio, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) realizou estudos identificando mais de 350 espécies, os quais, em comparação com os de outras

barragens, apresentam enorme diferença”, explica. Por fim, de acordo com a professora, estudos têm comprovado que o modelo energético, especialmente para a Amazônia, é profundamente nefasto. “Portanto é necessário pensar em um meio ambiente que possibilite um modelo sustentável, uma nova forma de interagir com a natureza, em que os povos tradicionais sejam respeitados em suas práticas”, conclui.

Reitor: Emmanuel Zagury Tourinho; Vice-Reitor: Gilmar Pereira da Silva; Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Edmar Tavares da Costa; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Rômulo Simões Angélica; Pró-Reitor de Extensão: Nelson José de Souza Jr.; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Maria Iracilda da Cunha Sampaio; Pró-Reitor de Administração: João Cauby de Almeida

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Assessoria de Comunicação Institucional - ASCOM/UFPA JORNAL BEIRA DO RIO - cientificoascom@ufpa.br Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa n.1 - Prédio da Reitoria - Térreo CEP: 66075-110 - Guamá - Belém - Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br

Jr.; Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento Institucional: Raquel Trindade Borges; Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Raimundo da Costa Almeida; Prefeito Multicampi: Eliomar Azevedo do Carmo; Secretário-Geral do Gabinete: Marcelo Galvão. Assessoria de Comunicação Institucional – ASCOM/ UFPA. Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos. JORNAL BEIRA DO RIO. Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE); Reportagem: Armando Ribeiro, Nicole França e Renan Monteiro (Bolsistas); Fotografia: David Alves, Jose Roberto da Silva Cravo; Fotografia da capa: David Alves; Projeto Beira On-line: TI/ ASCOM; Atualização Beira On-Line: Rafaela André; Revisão: Elielson Nuayed e Júlia Lopes; Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André; Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom; Impressão: Gráfica UFPA. © UFPA, Julho de 2018


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