O MENINO QUE CRIOU O MUNDO

O MENINO QUE CRIOU O

M

N D U O

Bruno Andreata

Livro realizado como registro de acompanhamento do primeiro trimestre no colégio Rainha da Paz.

Organização: Bruno Andreata e Patrícia Pompilio Biagio Mazeu.

São Paulo, 2021.

Dedicatória:

Dedicamos este livro ao menino que, primeiro, criou o mundo e, depois, convidou-nos a brincar com ele: Léo Alonso Cremonese.

O MENINO QUE CRIOU O MUNDO

DEZ! Dez

dias tinha o menino para criar o mundo. Ora, que tarefa mais difícil - penso eu, um inocente narrador. Onde já se viu, criar um mundo e sua complexidade em dez dias?

Desculpe por começar a história assim, mas, dez dias é um tempo curtíssimo e, por isso, não iniciamos no comum “era uma vez”, precisamos economizar tempo. Porque, enquanto eu escrevia essas palavras, estava o menino e o nada. E eles interagiam intimamente. Num sopro, o menino criou o vento que, por sua vez, levantou um espesso pó alaranjado, assim, surgiu o barro.

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1º dia: No início, tudo era barro E, no início, tudo era assim: barro e pó. Terra seca e alaranjada que impregnava na alma.

Com os pés descalços, o menino conversou com todo aquele barro, mas não eram essas conversas que estamos acostumados, de palavras sendo pensadas e depois saindo uma atrás da outra, em fila, pela boca.

Quem conversava eram os seus pés.

Matraquearam o primeiro dia inteiro, mas, aí, o menino se cansou e, triste por ter sempre a mesma conversa, chorou. Das lágrimas escorridas de seus olhos, nasceu a água.

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2º dia: a poética do barro e da lama Da água escorrida dos olhos pela conversa, sempre igual, com o barro, fez-se lama. E da lama… Bom, tudo pode ser feito a partir dela.

Principalmente, o ser.

O menino, muito animado, entrou em seu processo de criação. Silêncio. Sua primeira ação foi apanhar um pouco de lama com as mãos e jogar para o alto. Tudo que voou, ali ficou, virou passarinho. Aí, já não tinha mais silêncio. A ação gerou a maior gargalhada em seu corpo, como se a lama fizesse cócegas nele.

Neste dia, criou, também, árvores, montanhas, um escorregador para se divertir e muitas outras coisas. Tudo era muito interessante, mas, o que encantava a alma, ia das mãos aos olhos, bem pertinho, para que ele captasse toda a essência de sua criação. Sem dúvida, sua obra favorita foi o chocolate, aproveitando todo o marrom da lama.

Vendo ele que era bom, tratou de comer muito.

Ali ficou, o menino na lama e a lama no menino, o corpo apropriado pela construção. A diferença do barro para a lama é a possibilidade de transformação.

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3º dia: tudo era apenas o olhar.

Depois, ele olhou e ainda achou vazio o que viu.

Encarou o nada como se dele quisesse tirar tudo.

Que grande apreciador é o menino! Desses que não tem medo de parar e olhar. Para. Olha. Para e olha. Seus olhos possuem extensão. Enxerga com mais precisão que um binóculo de mãos e mais longe que uma luneta de papel - e são recursos que permitem ver muito, mas muito longe. Seus olhos ganham novos alcances. É que olhar um objeto por um furo na camisa, encanta mais que a olho nu. Assim, descobrimos o ínfimo de cada coisa. E, “a coisa”, pode ser qualquer coisa, inenarrável ou poética, existente apenas no plano das ideias e, por isso, pode ser o que quiser.

Nesse dia, ele criou algo que pudesse olhar e tingiu de azul. Criou o céu.

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4º dia: olhar o céu

Deitado no chão, o menino apreciou o céu e as brancas nuvens que começaram a surgir junto com o olhar. Ali, inventou seu próprio tempo.

Respirava fundo e seus olhos brilhavam, sempre atentos. Neste dia, aprendeu que o céu é grande, mas o olhar é infinito. Que tudo cabe na visão se você olhar de muitos ângulos.

Têm dias que são mais construções que são internas.

curtos.

Têm

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5º dia: a boca que saúda o mundo No quinto dia, já tinha muita coisa construída e, para fazer novas descobertas para acrescentar ao mundo, o menino tinha que experimentar.

E, tudo que construía, passava pela aprovação da boca, sendo comida ou não.

Neste dia, ele criou os perfumes das plantas, o cheiro de terra molhada - que o encantava - e o cheiro de chuva. Criou também os gostos, não só o salgado, o doce e o amargo, mas, também, o gosto pela vida.

Mas, que gosto a vida tem? Para o menino, às vezes, tem sabor de pizza, outras de chocolate, mas, na maioria delas, gosto de descoberta.

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6º dia: A saudação pelos pés - ele andou pelo mundo Mundo grande, corpo pequeno. Ah, se não fosse a imaginação. Ela faz com que o corpo ganhe novas proporções.

Desejando, o menino, conhecer aquilo que já havia construído, pôs-se a imaginar que o seu corpo era do tamanho de um avião e seus pés, do tamanho de um prédio de sete andares. E, assim, partiu pelo mundo.

Andou fazendo o reconhecimento de cada pedacinho dos lugares. Deu três voltas andando e sempre descobria coisas novas a cada passo. Depois, resolveu correr. Correu por corredores de florestas e plantas e, enquanto corria, deixava os braços ao lado do corpo para sentir cada folha e cada galho tocálo. Era a forma de seu corpo dizer que estava em casa. Que corpo explorador, o menino tinha.

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7º dia: A saudação pelo corpo - ele se misturou com o mundo

O menino sabia, desde o princípio, que o seu corpo todo era curioso e, tudo que tocava, aprendia. Ele tinha pés, boca e olhos que sabiam do mundo. O seu viver morava na brincadeira e era preparado para a descoberta.

Já não tinha diferença entre o seu corpo e o mundo, era um corpo-mundo, pois, a cada dia que passava, o menino se misturava com tudo o que criava, tornava-se um.

E tudo era descoberta!

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8º dia: a cor da alma e a invenção do fogo Todo o processo de criação do mundo, mas, principalmente, o contato com a terra, deixou a alma do menino laranja. Eu não sei se alma tem cor, mas, caso haja, a dele é, exatamente, nessa tonalidade. É vivo, pulsante, de movimento e de muito brilho.

Nesse dia, ele estava radiante. Por onde andava, uma luz, também laranja, seguia-o. Os seus olhos, curiosos, ardiam e, tudo aquilo que sua atenção tocava, pegava fogo, era consumido por ele no instante, no agora.

Então, muito esperto, o menino dividiu a sua atenção em duas. Um momento em que tudo queimava, porque suas atenções eram muitas e, outro, em que ficava apenas com os olhos fechados, criando, então, o dia e a noite.

Concentrou toda sua atenção em uma bola alaranjada e fogosa - juntando as chamas com gravetos -, e lançou aos céus. Dessa forma, quando sua atenção se distribuísse pelo dia, nada pegaria fogo, mas fariam dias de verão.

Foi assim que criou o Sol.

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9º dia: dos motivos do mundo: um lugar para se esconder?

A princípio, ele estava sozinho em seu mundo, mergulhado nos próprios pensamentos. E eu, tentando nadar no mar de suas ideias pelo seu olhar.

Sempre que o menino se sentia triste, entrava em uma cabaninha que construiu e ali ficava por horas, horas e horas consigo próprio. Eu não sei o que há dentro dessa cabana, mas sei que, nem sempre, ela fazia bem para ele. Em alguns momentos ele entrava e saia feliz, em outros, saía entristecido.

Não sei se a cabana não tem teto e, nas noites de calor, ele se alegrava com o brilho das estrelas. Também não sei o que acontecia nas noites de frio.

Foi num dia de cabaninha que ele criou a solidão. A cabana era um mundo dentro de seu próprio mundo e, pouco a pouco, ele foi adicionando outras pessoas e coisas.

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10º dia: o descanso E vendo, pois, que o mundo estava criado e que sua criação era bela - e o agradava -, o menino…

Não, ele não descansou.

Isso mesmo, no último dia, o derradeiro, ele não descansou. Pelo contrário, não apenas criou o mundo; mas, também, brincou com ele. E, assim, partiu. Foi descobrir o mundo, enquanto descobria a si próprio.

Enquanto brincava, percebeu que outras crianças estavam ao seu redor, explorando o ambiente criado. Olhou-as, mas não se aproximou - com medo de explorar junto a elas.

Fechou os olhos. Foi então que uma menina, de presença leve, tocou as suas mãos e, pronunciou em seu ouvido uma frase: “Você tem coragem de olhar?”. Pouco a pouco ele abriu os olhos e, juntos, caminharam rumo às descobertas.

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Eu também tive as minhas descobertas. Descobri, com o menino, que o parto é a descoberta da vida; a morte é a descoberta da finitude; a dúvida é a descoberta de Deus; a educação é a descoberta do desaprender; e a experiência – pelo desaprender – é a descoberta do conhecimento.

Mas quanta descoberta cabe do 1 ao 10, eu não sei; mas sei que cabe o sorriso e o grito do descobrimento: “DEZ!”, de significado equivalente – ou superior – a um “EURECA!”.

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