Lusofonia: Encruzilhadas Culturais

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aos direitos humanos e à governação democrática12, o que, se efectivamente observado nos vários Estados, já não seria pouco. As populações valorizarão de forma diferente esses quesitos que, em todo o caso, são relevantes para a interacção com outros povos e para a projecção dos seus traços culturais, para já não falar das incidências nos planos de concertação social e de coesão política em cada país. Não se reconhece explicitamente essa valia à língua comum, nem esta é condição suficiente, mas é inegável que a partilha de uma língua facilita, senão a coesão social, ao menos a identificação com um país. E sem fazer dos habitantes do espaço lusófono indivíduos espiritualmente portugueses, longe disso, a língua portuguesa pode propiciar identificações, que não têm sequer de roçar o saudosismo de outros tempos. Pode facilitar o diálogo no domínio cultural e,

A CPLP nasceu na década das democratizações em África e não só. Por isso, foi mais fácil inscrever este desígnio nos seus estatutos. Recentemente, em Luanda, eles foram objecto de um primeiro teste com a candidatura da Guiné Equatorial a membro de pleno direito. A questão da língua terá pesado menos do que a situação da governação no arquipélago. Resta saber até quando os princípios prevalecerão, se mutações políticas não estilhaçarão a CPLP ou se não renascerá a teoria das relações dos Estados independentes da natureza dos regimes. Nestas circunstâncias, a CPLP poderia sobreviver como uma organização mas sem ligação aos indivíduos. A democracia é importante para o aprofundamento dos laços políticos, sociais e culturais entre as pessoas. 12

mais especificamente, a troca de conhecimentos13. Todavia, por vezes articulado com visões instrumentais acerca da interacção grupal, um (in)consciente estado de negação leva a subalternizar ou até a obliterar a língua enquanto facilitador de comunicação14. Realidade socialmente entranhada, a lusofonia tem uma via de valorização nas possibilidades de universalização da cultura e, simultaneamente, do louvor da diversidade cultural. Digase, a valorização da(s) cultura(s) – e, de caminho, de facetas de uma “matriz cultural comum” conquanto forçosamente parcelar – queda por implementar ou, pelo menos, por aprofundar. Mesmo Neste particular, importará arredar qualquer paternalismo herdeiro da ideia de uma experiência portuguesa na construção de mundos sociais nos trópicos. De outra época, esse saber não tem mais valia senão como repositório. Mesmo actualizado, o saber produzido em Portugal constitui uma perspectiva porventura válida, mas não necessariamente pertinente em toda a sua extensão. Na verdade, a lusofonia pode induzir um discurso autista pelo qual os Portugueses retocam a sua imagem, pagando tributo a uma visão esclerosada da sua história, a visões ultrapassadas ainda que gratificantes para a memória cultivada desde os anos 60. A persistir, este condicionalismo afunilaria o espaço da produção científica portuguesa. Mas um olhar atento à produção científica portuguesa, mormente à histórica, evidencia à saciedade o distanciamento operado face ao etnocentrismo de outrora. 13

Há anos, em Maputo, vi universitários brasileiros deslumbrados com a circunstância de sentirem em casa. Assinalaram pontos de contacto no quotidiano moçambicano e brasileiro, referindo, por exemplo, o uso pelos moçambicanos de havaianas. Afinal, ao contrário das suposições, as havaianas eram importadas, não do Brasil, mas de um país asiático. Afora este equívoco e as similitudes efectivamente observáveis entre o quotidiano do Maputo de cimento e o de cidades brasileiras, assinalo o facto de ninguém citar a língua – quiçá por ser a do colonizador – como condição primeira para a sensação de se estar em casa, diga-se, também devida à afabilidade do comum dos moçambicanos. 14

Augusto Nascimento

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