Ato Arte | Explosão de Consumo

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Explosテ」o de Consumo Milton Tortella


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Diálogo entre o mundo coletivo e o Olhar ATO ARTE é um coletivo que existe para estimular o diálogo entre a arte contemporânea e o público, que propicia a manifestação por meio do diálogo entre o mundo da arte e o apreciador. É também um intercâmbio de linguagens e uma oferta de produção artística que provoca a expansão cultural. Portanto, é de responsabilidade do ATO ARTE o estímulo à criação, debate, produção e promoção de projetos artísticos, envolvendo um coletivo de artistas comprometidos com o desenvolvimento da expressão artística contemporânea, que seja inédita na sua concepção e apresentação, tenha uma proposta inovadora e possa distinguir-se perante a produção dessa arte no mundo. Aqui, no ATO ARTE, é possível encontrar um ambiente para dialogar sobre projetos e exposições e um acervo de obras orientadas para exigentes apreciadores de arte do nosso tempo. Contemple

Ao lado, detalhe de Coquetel-molotov em três movimentos Tríptico, 2013. Foto de Léo Carvalho 3


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Introdução O projeto de Milton Tortella “Explosão de Consumo” tem a pretensão de promover uma discussão em torno dos desejos provocados pelo consumo e suas consequências sociais. A explosão de consumo no Brasil culminou com os protestos populares, que dominaram, de forma viral, as redes sociais e as principais cidades do País. As manifestações pacíficas foram invadidas por atos de vandalismo. O projeto “Explosão de Consumo” reúne, em uma sala, um tríptico e um objeto. O conjunto da obra tem como temática os coquetéis-molotovs – artefatos presentes nas manifestações de rua, que trazem em suas garrafas pavios de tecidos

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estampados com o padrão Louis Vuitton, uma marca desejada pelas classes em ascensão no País. Ao todo, a “Explosão de Consumo” é montada com quatro coquetéis-molotovs, sendo que três compõem um tríptico e mostram momentos diferentes: um sobrevoando o céu aberto envolto de funil, outro em ascensão deixando um rastro de fogo e o terceiro é uma natureza morta, onde o artefato repousa na sala de estar de um possível manifestante de alta classe social. Por último, um coquetel-molotov, totalmente produzido com materiais oriundos de objetos do mercado de luxo.

Detalhe da vista inferior do Coquetel-molotov em três movimentos Tríptico, 2013 Foto de Léo Carvalho

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Explosão de consumo Milton Tortella Nasceu em São Paulo, no ano de 1970. Vive e trabalha em São Paulo Fotos de Léo Carvalho

O projeto “Explosão de Consumo” aponta para umas discussão entre o desejo de consumo e suas consequências sociais. A explosão de consumo no País se deu, em especial, nos derradeiros cinco mandatos políticos, passando pelos presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e, desde o início de 2012, pela presidente Dilma Rousseff. Em paralelo ao aumento do consumo, nos últimos dez anos, o Bolsa Família tirou 36 milhões de pessoas da extrema pobreza no Brasil1, um programa que consiste na transferência mensal de renda, com condicionalidades, para famílias inscritas no Cadastro Único para programas sociais do governo Federal. Desta forma, foi possível ampliar a participação da chamada Classe D no mercado de consumo e, consequentemente, elevar uma grande fatia da população para a Classe C, transformando o Brasil num país deste patamar, como afirma o economista Marcelo Neri, que dirige o Centro de Políticas Sociais (CPS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro2. A economia brasileira cresceu 7,5%, em 2010, segundo uma matéria publicada no site do Estadão, em 10 de novembro

do mesmo ano, sobre uma reportagem da indústria de luxo feita pela International Herald Tribune, a versão internacional do nova-iorquino “The New York Times”3, que afirma que o setor estava vivendo um boom no País. Na mesma reportagem, é citada a consultoria Bain & Co., de Boston, que assegura que “o mercado de luxo no Brasil já atinge o valor de US$ 2,5 bilhões e a expectativa é de que cresça a uma taxa de 10 a 15% ao ano, nos próximos cinco anos - duas a três vezes mais rápido que na Índia, para efeito de comparação”.

Um fato interessante que merece ser observado é que naquele momento a população brasileira era estimada em 203,5 milhões de habitantes para um total de apenas 418 shoppings com mais de 5 mil metros quadrados. Tratando-se de um país em desenvolvimento, a segurança é um fator determinante para decisão de compra, o que faz com que os consumidores procurem esse tipo de estabelecimento para saciar seus desejos por artigos de luxo. O resultado disto é que o metro quadrado das lojas dentro desses complexos provocava uma fila de espera para as marcas de luxo que pretendiam entrar no mercado brasileiro.

1. Em 10 anos, o Bolsa Família tirou 36 milhões de pessoas da extrema pobreza – Balanço Bolsa Família. Portal Brasil (28 de outubro de 2013, 0h, última modificação 29 de outubro de 2013, 8h47). Acessado em 1o de novembro de 2013. 2. Como o Brasil virou um país da Classe C. Estadão, Fernando Dantas (21 de março de 2012, 20h33). Página acessada em 25 de junho de 2013. 3. Explosão de consumo criará gargalo para mercado de luxo no Brasil. Estadão (10 de novembro de 2011, 9h36). Acessado em 8 de janeiro de 2014. 8 2/14


Quando o projeto “Explosão de Consumo” começou a ser pensado, a euforia por ícones da moda mundial corria paralelamente com milhões de brasileiros que estavam tendo a oportunidade de experimentar, pela primeira vez, artigos além das necessidades básicas4. A facilidade e o aumento de crédito para a classe média e a redução de impostos para produtos da linha branca e automóveis, por exemplo, ajudaram a sustentar o crescimento do consumo. Até que, no ano de 2012, o endividamento bancário das famílias apresentou um nível de crescimento alarmante, para o perfil do consumidor brasileiro, passando de 18% da renda desde 2005 para 43,4% em maio de 2012, segundo dados do Banco Central5. “Arrecadação de impostos atinge marca recorde de R$ 1,7 trilhão no Brasil”6

A arrecadação de impostos bateu recorde no ano de 2013, segundo o Impostômetro da ACSP (Associação Comercial de São Paulo) – que mede a arrecadação de impostos federais, estaduais e municipais –, apontando um total de R$ 1,7 trilhão na última terça-feira (31) do ano de 2013, valor correspondente aos tributos pagos pelos brasileiros desde o dia 1º

de janeiro do mesmo ano, número que já havia sido quebrado algumas vezes nos últimos exercícios. O momento mostra um ambiente de aumento desenfreado do consumo, ânsia por novidades e um otimismo em relação a um futuro promissor do Brasil, anunciado algumas vezes pelo Ministério da Fazenda e reforçado pelo ministro dos Esportes – com a Copa do Mundo da Fifa, em 2014, e a promessa de que o seu legado trará bons frutos. Foi criado um cenário de otimismo, independente dos impactos da retração econômica mundial, mas que ainda reflete a crise iniciada, em 2008, nos EUA, apesar dos esforços do governo brasileiro para conter a inflação e o aumento na restrição de crédito. Entretanto, há uma insatisfação generalizada da população brasileira com a baixa qualidade dos serviços públicos, como: saúde, educação, saneamento básico, transporte e ausência de investimentos em infraestrutura, e uma indignação com a corrupção política, assuntos que fizeram com que a população, de todas as classes sociais, fosse para as ruas promover a maior onda de protestos, desde as manifestações pelo impeachment do então presidente Fernando Collor

4. Aumento da Classe C sustenta o crescimento do consumo no Brasil. InfoMoney, Viviam Klanfer Nunes (12 de abril de 2012, 8h). Página acessada em 8 de janeiro de 2014. 5. Modelo de crescimento do Brasil se esgotou, diz Banco. Brasil Econômico, Felipe Peroni (24 de agosto de 12, 11h15). Página acessada em 8 de janeiro de 2014. 6. Arrecadação de impostos atinge marca recorde de R$ 1,7 trilhão no Brasil. UOL, em São Paulo (SP) (31 de dezembro de 2013, 16h20). Página acessada em 8 de janeiro de 2014. 7. Protesto em São Paulo é o maior desde manifestação contra Collor. Folha de S. Paulo (17 de junho de 2013). Página visitada em 18 de junho de 2013. 9


de Mello, em 19927, em todo o País, com a aprovação de pelo menos 84% da população8. Por consequência, o governo anunciou várias medidas para tentar atender às reivindicações dos manifestantes. As manifestações no Brasil tiveram uma “propagação viral” de protestos como em outros países, a exemplo da Primavera Árabe, no mundo árabe, Occupy Wall Street, nos Estados Unidos, e Los Indignados, na Espanha. E, da mesma forma como em outras manifestações espalhadas pelos quatro cantos, as que aconteceram no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo, atraíram os Black Bloc9, nome dado aos que fazem parte de uma estratégia de protesto anarquista, na qual pessoas que têm afinidades, mascaradas e vestidas de preto, se reúnem durante passeatas. Os Black Bloc, em confronto com a polícia, conseguiram transformar os principais centros urbanos em verdadeiras praças de guerra. Em poder de pedras, pedaços de madeira, barras de ferro e coquetéis-molotovs, enfrentaram gases lacrimogêneos, balas de borracha e, em alguns casos, até armas de fogo da polícia militar, que, na fúria dos confrontos, atingiam quem estivesse por perto, de jornalista, ativista, dona de casa a “patricinhas”.

As manifestações foram das pacíficas, com grande participação da classe média – próximos consumidores de artigos de luxo –, às de extrema violência, com coquetéis-molotovs, que sobrevoavam com facilidade desde ruas comerciais em bairros nobres, palácios e prédio de luxo de governadores e shoppings centers até uma emissora líder de audiência. Um cenário de contrastes entre o desejo de consumo e o vazio emocional de um povo que paga caro para ter o básico e poucos que pagam muito para ter um pouco de luxo. E, por outro lado, um povo que não recebe o mínimo esperado em troca. O belo e o brilho apresentam o que parece ser inofensivo, mas que, no decorrer dos acontecimentos, se mostram como um perigo iminente, colocando a vida dos transeuntes/consumidores em risco. O desejo de consumo dá lugar ao vândalo escondido atrás da máscara, também importada. O projeto “Explosão de Consumo” reflete o “glamour” por trás da máscara social e desencadeia ícones do desejo que tem sim um preço alto, social, político e institucional a ser pago. “Mercado de luxo deve faturar R$ 23,5 bilhões, em 2013, no País.”10

A pintura em tela sobre o brilho, a luz. O jogo causado pelo brilho e reflexo de

8. Manifestações agradam a 84% dos brasileiros, diz pesquisa Ibope. R7 (6 de agosto de 2013). Página acessada em 25 de agosto de 2013. 9. Governo quer conhecer grupo Black Bloc para ter atuação mais eficaz contra vandalismo, diz ministro. Agência Brasil, Danilo Macedo (29 de outubro de 2013, 17h35). Página acessada em 31 de outubro de 2013. 10. Mercado de luxo deve faturar R$ 23,5 bilhões, em 2013, no País. Terra (3 de dezembro de 2013, 7h33). Acessado 8 de janeiro de 2014. 10 2/14


cada peça instalada sobre a pintura provoca o desconforto e revela isoladamente signos, que, juntos, formam o arquétipo do consumo de luxo. As mesmas estampas, da Louis Vuitton, que invadem restaurantes, recepções de salões de beleza e corredores de shopping centers, são as

fagulhas, o combustível da “Explosão de Consumo” que se espalha por caminhos aparentemente inofensivos e que, a qualquer momento, por míseros centavos, podem estourar como uma rolha de Champanhe importada, claro.

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Vista superior de Coquetel-molotov em três movimentos Tríptico, 2013 Foto de Léo Carvalho

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No detalhe, tarugos de acrílico destacam a pintura de símbolos do padrão da Louis Vuitton

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Vista superior do Coquetel-molotov em três movimentos Tríptico, 2013 Tarugos de acrílico, acrílica, tela, chapa de acrílico, 40,6 x 152,4 x 6,4 cm Ao lado, montagem sugerida: base de madeira, 99,7 x 152,4 x 35 cm 37


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Na p谩gina ao lado e nesta, objeto, Coquetel-molotov de Luxo. 2013. Plotter sobre tecido com padr茫o da Louis Vuitton, garrafa de prosecco de vidro, 贸leo de motor de carro, gasolina, rolha, f贸sforo, embalagem de caneta Mont Blanc Aproximadamente, 30 x 30 x 15 cm Foto de Milton Tortella

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Publicação Ato Arte Março de 2014, São Paulo, Brasil Fotos: Léo Carvalho, fevereiro de 2014, São Paulo, Brasil

Explosão de Consumo Milton Tortella pp. 1-37, 40-41 e 42 Coquetel-molotov em três movimentos Tríptico, 2013. Tarugos de acrílico, acrílica, tela, chapa de acrílico, 40,6 x 152,4 x 6,4 cm pp. 36 Desenho da estrutura sugerida para montagem do tríptico. Base de madeira de 90,7 x 152,4 x 35 cm pp. 38, 39 Coquetel-molotov de Luxo, 2013 Plotter sobre tecido com padrão da Louis Vuitton, garrafa de prosecco de vidro, óleo de motor de carro, gasolina, rolha, fósforo, embalagem de caneta Mont Blanc Aproximadamente, 30 x 30 x 15 cm Foto de Milton Tortella O projeto expositivo da “Explosão de Consumo” prevê ainda a apresentação de um vídeo registro da intervenção com Coquetel-molotov de Luxo colocado em frente às vitrines de lojas. Áudio captado das manifestações de meados de 2013 postado na internet por redes sociais.



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