VOL. 32 • Nº 1 • 2019 • ISSN 0870-7375 • SEMESTRAL
Pág. 1 Editorial José Manuel Correia Romão Pág. 3 Termas de São Pedro do Sul: outros aproveitamentos da água termal que não terapêuticos L. M. Ferreira Gomes Pág. 23 Abordagem teórica ao Projecto Mineiro M. Pacheco
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
ÍNDICE
GE NOVAS REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
Pág. 33 A importância do Modelo Geológico 3D no desenvolvimento de campos de petróleo M. P. de Carvalho Pág. 43 Avaliação do Risco Ambiental de Materiais Contaminados na Planície Aluvionar de uma Unidade Metalúrgica C. Pinho, R. Fonseca, J. Carneiro Pág. 59 Participação de crianças em atividades de garimpo artesanal na Província de Manica: problemáticas educativas A. Manhice, F. Amador Pág. 71 Difusão catiónica e modelação de taxas de arrefecimento petrológicas A. S. Gomes, T. Bento dos Santos
Pág. 97 Os terraços quaternários do rio Sizandro (Torres Vedras): caracterização de uma área-fonte de sílex P. Jordão, N. Pimentel
GE NOVAS
Pág. 81 Aspetos petrográficos, mineralógicos e geoquímicos das rochas ácidas da Província Magmática do Paraná (S-SE do Brasil) N. Vieira, A. J. R. Nardy
Pág. 111 Evolução morfológica da duna de São João da Caparica e potencial de transporte sólido eólico D. Rato, A. Bastos, C. Andrade, R. Taborda, M. C. Freitas
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RECURSOS GEOLÓGICOS GEOLOGIA AMBIENTAL PETROLOGIA
Nº 29 • 2016 • ISSN 0870-7375 • ANUAL
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Editorial O novo caminho da Geonovas O desafio de renovação da revista Geonovas da Associação Portuguesa de Geólogos (APG) está a avançar a toda velocidade. A preparação do número 1 do volume 32 teve início nos primeiros meses do primeiro semestre de 2019 e o seu desfecho culminou com a publicação no final do referido semestre. A resposta para a elaboração de artigos dos professores universitários, dos investigadores e dos estudantes de mestrado e de doutoramento, que se dedicam às distintas áreas das Ciências da Terra, e dos profissionais que laboram em sectores de intervenção diversificados no domínio da geologia, foi de facto muito positiva. Nos primeiros meses do ano foram submetidos ao processo de avaliação para publicação vários manuscritos científicos e técnicos, o que permitiu a preparação atempada deste número. A submissão de novos artigos para o segundo número do volume 32 está a decorrer bastante bem, admitindo-se que o referido número esteja concluído nos primeiros meses do segundo semestre do ano corrente. É, ainda, de realçar o forte empenhamento e dedicação dos elementos que integram a Comissão Editorial/Executiva, destacando-se a sua capacidade de resposta aos problemas e dúvidas que sempre surgem. As suas inúmeras funções e tarefas, de enorme responsabilidade, são essenciais para os bons resultados que a revista venha a alcançar e são decisivas para a melhoria da qualidade técnico-científica da comunicação entre pares e com a sociedade em geral na área de especialização das Ciências da Terra. Hoje em dia, há uma necessidade constante de gerar e disseminar conhecimento científico, em consequência da forte pressão para a publicação de resultados dos trabalhos de investigação. De facto, os avanços científicos e tecnológicos surgem a cada instante e os investigadores procuram de imediato dar a conhecer a sua informação, aumentando assim, muito rapidamente a sua produtividade científica. Por outro lado, a sociedade em geral pretende, cada vez mais, saber sobre novas descobertas e invenções, que podem ser um achado ou processo novo, um dispositivo ou qualquer nova e útil melhoria de algo que já exista. A avidez da procura de novo conhecimento por todos nós estimula a existência de revistas para a divulgação rápida e confiável dos estudos desenvolvidos, para além de permitir a partilha de novos dados pela comunidade científica e fomentar novas linhas de investigação. É no cenário expresso nos parágrafos antecedentes que a Geonovas irá caminhar nos próximos anos; de facto, a nossa revista tem um espaço bem definido na sociedade atual e na comunidade científica em particular, como revista de divulgação e de partilha do conhecimento em todos os domínios das Ciências da Terra.
José Manuel Correia Romão Presidente da Associação Portuguesa de Geólogos
gEOnOvAS vOL.
ASSOCIAçãO POrTUgUESA DE gEóLOgOS
32, n.º 1: 03 a 22, 2019 3
Termas de São Pedro do Sul: outros aproveitamentos da água termal que não terapêuticos L. M. Ferreira Gomes1,2* 1
Termas de São Pedro do Sul
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Universidade da Beira Interior, Departamento de Engenharia Civil e Arquitetura, Calçada Fonte do Lameiro, 6201-001 Covilhã, +351 275 329 722 *autor correspondente: lmfg@ubi.pt
Resumo O presente trabalho sobre as Termas de S. Pedro do Sul, apresenta, inicialmente, uma introdução que contém o seu enquadramento legislativo, geográfico, uma nota histórica, e alguns elementos sobre a evolução das principais aplicações e, respetivas, receitas dos seus recursos geológicos (água mineral natural e geocalor). Depois, de um modo sintético, expõem-se os aspetos geomorfológicos, geológicos e hidrogeológicos da região das termas, e mostram-se as características das captações e da qualidade dos seus recursos. De um modo mais desenvolvido, prossegue-se com a apresentação dos Planos de Exploração, que além de enquadrarem os aproveitamentos termais clássicos de saúde e bem-estar, se enfatizam, em particular, os aproveitamentos geotérmicos e, ainda, a produção dos produtos cosméticos. Por fim, mencionam-se alguns aspetos singulares das referidas termas e de seus recursos geológicos, e apresentam-se alguns elementos sobre perspetivas futuras e suas relações com as atividades da Direção Técnica. Palavras-chave: Água mineral natural termal, geocalor, Termas de São Pedro do Sul. Abstract The following work about S. Pedro do Sul Medical Spa initially presents a brief introduction about its legislative framework, geographic context, and historic review, as well as certain aspects about the evolution of the main applications and respective revenues from its geological resources (mineral water natural and geoheat). Therefore, in a brief way, the geomorphological, the geological and hydrogeological aspects of the Medical Spa region are presented, together with the characteristics of its groundwater abstractions and the quality of its resources. Later, in a more extensive way the Exploration Plans are presented, where not only the classical thermal applications in health and well-being are emphasized, but also in particular the geothermal uses and the production of cosmetics. To conclude, some singular aspects of the present Medical Spa and its geological resources are mentioned, together with future perspectives and their relations with the Technical Direction activities.
Keywords: Thermal natural mineral water, geoheat, Termas de São Pedro do Sul.
1. Introdução As Termas de São Pedro do Sul correspondem à concessão de um recurso geológico, com o número de Cadastro HM-33, cuja concessionária é a Câmara Municipal de São Pedro do Sul, apresentando a designação oficial de “Termas de São Pedro do Sul”.
O Alvará de concessão inicial data de 22 de fevereiro de 1910. Entretanto, à luz da filosofia da legislação que regra a atualidade dos recursos geológicos (Lei n.º 54, Dr, 2015) a figura do Contrato de Exploração entre o Estado Português e a Concessionária foi celebrado em 14/12/1998 e publicado em Diário da república de 4 de março de 1999
4 Termas de São Pedro do Sul: outros aproveitamentos da água termal que não terapêuticos
(Dr, 1999). Em 1998, o Plano de Exploração inicial compreendia os aproveitamentos, medicinal nas termas e geotérmico em aquecimento de estufas para produção de frutos tropicais. no seguimento, o Contrato de Exploração sofreu várias modificações, função da introdução de novas captações e novas aplicações do recurso. A concessão das Termas de São Pedro do Sul, com um longo percurso ao longo dos tempos, foi evoluindo em vários setores, alargando a outras aplicações que não o termalismo clássico, porém, sustentadas no seu recurso geológico “água mineral natural quente" e, por isso, correntemente, aquela concessão, é designada por “O Campo Hidromineral e geotérmico de São Pedro do Sul (CHgSPS). O CHgSPS é constituído por produtores de água mineral natural quente: o Polo das Termas e o Polo do vau, distanciados um do outro cerca de 1,2 km (Fig. 1).
Em termos concretos, o CHgSPS constitui uma zona do território que corresponde à área de concessão da água mineral natural quente, com 152 hectares. A poligonal da referida área coincide exatamente com a poligonal exterior da Zona Intermédia do Perímetro de Proteção (Fig. 2). no Polo das Termas há atualmente dois balneários em funcionamento para tratamentos termais, uma central geotérmica para apoio ao aproveitamento do geocalor nos espaços urbanos e, ainda, a adequação do sistema de exploração para a recolha de água mineral para produção de produtos cosméticos. no Polo do vau, a água mineral quente é aproveitada apenas na climatização de estufas para a cultura de frutos tropicais. Provavelmente a nascente Tradicional, já foi a âncora de um interessante agregado de pessoas à escala da Península Ibérica na época, em que a última glaciação (Wurniana, há cerca de
Figura 1 – Enquadramento geográfico do Campo Hidromineral e geotérmico de São Pedro do Sul (CHgSPS), com os seus dois polos de exploração de água mineral natural quente e, respetivas, captações. Figure 1 – Geographic framing of the Hydromineral and Geothermal Area of São Pedro do Sul (CHGSPS), with its two poles of exploitation of hot natural mineral water and respective water collections.
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10 000 anos ou mais) se fez sentir na região em que hoje é Portugal, pois o facto da água brotar a cerca de 68 ºC, atrairia as comunidades de então, de modo a usar esta nascente para aquecimento do interior de uma grande cabana ou abrigo da época (Fig. 3a); esta imagem provável é inspirada em restos de detritos encontrados em escavações no interior da nascente Tradicional (Fig. 3b) aquando das obras de melhoramento da mesma em 2007 (Ferreira gomes, 2015a). A água mineral natural quente tem sido utilizada para tratamentos medicinais pelo menos desde a época em que os romanos ocuparam a Península Ibérica, como facilmente se depreende ao observar
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as ruínas de um balneário muito antigo (Fig. 4a). As termas tiveram maior ou menor importância ao longo do tempo função em especial das políticas da época e das necessidades humanas, destacando-se, em especial, o período do início da nação portuguesa, em que o 1.º rei de Portugal, após ter sido gravemente ferido nas guerras de então, veio até às termas onde foi curado, e como compensação mandou erguer aí um hospital, restando ainda hoje um edifício em ruínas (Fig. 4b). Enfatiza-se e saúda-se o facto de neste momento estarem a decorrer obras de melhoramento das ruínas não só deste edifício como do que resta da época romana.
Figura 2 – Perímetro de Proteção do Campo Hidromineral e geotérmico de São Pedro do Sul. (Extratos das cartas militares n.º 166 e 177 (IgE,1998a, b). Figure 2 – Protection Perimeter of the CHGSPS (Extracts of the military maps n.º 166 e 177 (IGE,1998a, b).
6 Termas de São Pedro do Sul: outros aproveitamentos da água termal que não terapêuticos
Figura 3 – Elementos sobre o uso primordial da água natural quente da zona do Pólo das Termas de S. Pedro do Sul. a) perspetiva provável de vivência na zona da nascente Tradicional, há cerca de 10 000 anos ou na fase da última glaciação que atingiu o território português (Ferreira gomes, 2015b, 2017a, b); b) vista exterior da caseta atual sobre a nascente Tradicional; c) restos de materiais encontrados no interior do fundo da nascente Tradicional (Ferreira gomes, 2015a). Figure 3 – Elements on the primordial use of the hot natural water in the Spa pole. a) probable scene of living in the Traditional Spring area, about 10,000 years ago or, in the phase of the last glaciation that reached the portuguese territory (Ferreira Gomes, 2015b, 2017a, b); b) exterior view of the actual small house of the Traditional Spring; c) material remains found inside the bottom of the Traditional Spring (Ferreira Gomes, 2015a).
Atualmente, as Termas de São Pedro do Sul são constituídas por dois balneários (Balneário D. Afonso Henriques e o Balneário rainha D. Amélia) que operam em simultâneo e durante o ano todo (Fig. 5); os balneários apresentam grande proximidade física, estando separados apenas por uma rua. O número de termalistas, desde 1987, foi sempre superior a 10 000 utentes por ano, tendo mesmo em 2001 atingido cerca de 25 000 termalistas clássicos; genericamente, o número de termalistas de S. Pedro do Sul corresponde a cerca de um quarto do universo dos termalistas clássicos portugueses. As doenças normalmente tratadas nas Termas de S. Pedro do Sul são do foro reumatológico e das vias respiratórias, com os tratamentos, respetivamente, das áreas: i) da Balneoterapia do tipo – imersão geral, imersão geral com bolha de ar ou aerobanho, hidromassagem, piscina de grupo, piscina coletiva, vapor parcial (coluna/membros), duche geral ou regional, duche vichy, duche de jato, duche de cachão; e ii) das vias respiratórias do tipo
– irrigação nasal, inalação (nasal e bucofaríngea), emanatório (coletivo e individual), nebulização ou aerossol. Há em complemento tratamentos no domínio da medicina física e da reabilitação com tratamentos do tipo ondas curtas, ultrassons, infravermelhos, ultravioletas, ionização, massagem, calor húmido, hidromassagem, entre outros. A afirmação de que as Termas de S. Pedro do Sul ocupam o primeiro lugar do ranking nacional em termos do número de termalistas clássicos e de receitas, há várias décadas sucessivas, tem levado os seus responsáveis a apostar em outras aplicações que não apenas o termalismo clássico, desde o termalismo de bem-estar às aplicações geotérmicas e, ainda, na produção de cosméticos. A figura 6 apresenta a evolução do número de utentes em termalismo, do consumo de energia do Hotel do Parque (principal consumidor privado), do número de unidades de cosméticas vendidas e, respetivas receitas. Por exemplo, no ano de 2016, visitaram o CHgSPS 12 550 termalistas clássicos (geralmente, o utente está 15 dias
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Figura 4 – restos de antiga piscina do Balneário romano (de há cerca de 2 000 anos) e ruínas do Balneário do 1º rei de Portugal (de há cerca de 1 150 anos) na zona das Termas de São Pedro do Sul. Figure 4 – Remains of the old Roman Bathhouse (about 2 000 years ago) and ruins of the 1st King of Portugal Bathhouse (about 1 150 years ago) in the area of Termas de São Pedro do Sul.
nas termas), 3 423 termalistas de bem-estar (geralmente, o termalista está 2 dias nas termas), que forneceram uma receita global de 3 660 000 euros. Para além disso, o Hotel do Parque consumiu 386 000 kWh térmicos e vendeu 15 249 unidades de cosmética, que correspondeu à receita de 11 604 euros e 101 620 euros, respetivamente, perfazendo 113 224 euros. Ora, estes números atestam bem a relevância do recurso geológico em causa, água mineral natural quente, numa zona do interior do País, em que aqueles resultados são deveras importantes para a economia local.
O facto de se estar perante um recurso geológico de singular interesse tem levado a imensos estudos não só das áreas fundamentais da geologia e hidrogeologia e ciências afins, como ainda alguns de carácter aplicado; entre os trabalhos publicados merecem referência os trabalhos de Pereira & Ferreira (1985), Haven et al. (1985), Ferreira gomes & Albuquerque (1998, 2015), Ferreira gomes et al. (2001, 2017a, b), Ferreira gomes (2007), Albuquerque et al. (2013) e Almeida et al. (2015, 2017).
Figura 5 – Imagens dos balneários em atividade das Termas de São Pedro do Sul. Figure 5 – Images of the bathhouses in activity of the Termas de São Pedro do Sul.
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Figura 6 – Evolução das principais aplicações do recurso hidromineral e geotérmico do CHgSPS. Figure 6 – Evolution of the main applications of the geological resources of the CHGSPS.
2. Aspetos geológicos e hidrogeológicos A zona do CHgSPS faz parte de um extenso maciço rochoso, constituído, essencialmente, por rochas graníticas (Fig. 7). À escala regional a ocorrência das nascentes é favorecida pela extensa falha ativa verin (Espanha) - régua - Penacova, que na região em estudo tem o seu prolongamento para a falha de ribamá (n0o-10oE) e que poderá conduzir fluxos de água de grande distância e de elevada profundidade. À escala local as emergências de água quente das Termas e do vau estão condicionadas por interseções tectónicas, entre n45 o E (Falha das Termas) e n70oW (Fig. 8). Da unidade litológica mais antiga para a mais recente, a região em estudo é composta por: 1 – Complexo Xisto-grauváquico (grupo das Beiras), constituído por alternâncias de xistos e metagrauvaques, datado do Pré-Câmbrico/ /Câmbrico; 2 – rochas granitoides de idade varisca, subdivididas em:
2.1 – granito de vouzela: granito de grão médio a grosseiro, composto essencialmente por quartzo, albite - oligóclase, feldspatos potássicos, biotite e moscovite; 2.2 – granito de S. Pedro do Sul: granito porfiróide, de grão fino a médio, composto essencialmente por microclina, plagioclase, quartzo, moscovite e biotite; apresenta considerável radioatividade, que poderá estar relacionada com conteúdo em urânio e tório, e intrui o granito de vouzela; 2.3 – granito de Fataunços: granito de grão fino a médio, não porfiróide, de duas micas e com composição quase granodiorítica; este granito intrui o de vouzela; 3 – Depósitos sedimentares datados do Quaternário, que incluem:
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3.1 – Terraços fluviais, essencialmente cascalhentos, do Plistocénico; 3.2 – Aluviões, essencialmente areno-cascalhentos, do Holocénico. As rochas xistentas e os granitos são caracterizados por permeabilidade do tipo fissural, sendo as primeiras praticamente impermeáveis. As zonas de descarga de água mineral localizam-se nos granitos
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de S. Pedro do Sul. nestas zonas de descarga, segundo ACAvACO (1995, in Ferreira gomes et al, 2001), o aquífero hidromineral comporta-se como confinado, com os seguintes parâmetros: – Transmissividade (T) ≈ 109 m2/dia; – Coeficiente de armazenamento (S) ≈ 4,3 x 10-5, – Condutividade hidráulica (k) ≈ 0,5 m/dia.
Figura 7 – Enquadramento geológico regional em termos das grandes unidades geológicas e das principais falhas que condicionam as ocorrências de água mineral natural quente do CHgSPS (a partir de Haven et al., 1985). Figure 7 – Regional geological context in terms of the major geological units and principal faults that condition the hot natural mineral water occurrences of the CHGSPS (from Haven et al., 1985).
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Figura 8 – Enquadramento geológico-estrutural detalhado e relação com as ocorrências de água mineral natural quente do CHgSPS (a partir de Pereira & Ferreira, 1985). Figure 8 – Detailed geological-structural context and relation with the occurrences of hot natural mineral water of the CHGSPS (from Pereira & Ferreira, 1985).
Os valores apresentados correspondem às condições que ocorrem nas interseções tectónicas ao longo da Falha das Termas, e foram determinados a partir de ensaios de caudal, considerando um meio contínuo poroso equivalente e com 200 m de espessura saturada, depois de se aplicar o modelo de Theis. Os depósitos do Quaternário que apresentam permeabilidade intersticial, não condicionam dire tamente o circuito hidromineral, tendo-se determinado: • k = 370 m/dia, e • T = 1850 m2/dia, para as aluviões do rio vouga. Em relação aos dados hidrológicos, com base em registos entre 1933 e 1960, no posto Udómetrico de S. Pedro do Sul, a precipitação média anual foi de 1 103 mm e a temperatura do ar 13 oC; considerando os resultados do balanço hidrológico sequencial mensal, obtêm-se excedentes anuais de 675 mm (Ferreira gomes et al., 2001).
O modelo hidrogeológico conceptual do Campo Hidromineral e geotérmico foi avançado por Haven et al. (1985), em que os autores consideraram que a infiltração no sistema hidromineral se faz a partir da Falha de ribamá que atravessa o granito de vouzela, para atingir temperaturas da ordem de 205 oC, a profundidades de cerca de 2 km, e na sequência emergir ao longo da Falha das Termas no granito de S. Pedro do Sul. Entretanto, estudos recentes com base em geotermómetros apontam para temperaturas de reservatório mais modestas relativamente às já estimadas e da ordem de 123 oC (Ferreira gomes et al., 2015). Salienta-se ainda que há estudos a decorrer (Almeida et al., 2017) com isótopos de d18O e d2H, indiciando que a água mineral natural quente das várias captações teria sido originada, essencialmente, a partir de água meteórica sem evaporação significativa antes da infiltração, e recebe recarga de precipitações a altitudes de cerca de 1 000 m, podendo considerar-se a área de recarga na Serra de São Macário,
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localizada a noroeste dos polos termais. Ora, estes recentes estudos serão importantes para estruturar grandes decisões sobre a concessão das Termas de S. Pedro do Sul, desde a localização e otimização de projetos de novas captações, à redefinição do perímetro de proteção. 3. Captações de água mineral natural quente O CHgSPS, atualmente, disponibiliza 4 captações: duas no Polo das Termas (nascente Tradicional -
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nT e o Furo AC1) e duas no Polo do vau (Furo SDv1 e Furo SDv2). A nT insere-se no interior de uma caseta em granito de idade muito antiga, sendo de salientar que uma das intervenções foi datada em 1639, sendo inscrito o ano na parede da caseta da captação. A referida nascente foi intervencionada, numerosas vezes ao longo do tempo, sendo a última, muito recente e com a direção do autor, apresentada com detalhe em Ferreira gomes (2015a), cujos aspetos principais se sintetizam na figura 9.
Figura 9 – Aspetos principais do sistema de captação da nascente Tradicional, em planta (a) e em corte (b), das Termas de São Pedro do Sul (Ferreira gomes, 2015a). Figure 9 – Main aspects of the abstraction system of the Traditional Spring, in plant (a) and in section (b), of the Termas de São Pedro do Sul (Ferreira Gomes, 2015a).
12 Termas de São Pedro do Sul: outros aproveitamentos da água termal que não terapêuticos
A água mineral, no interior da caseta, emerge na intersecção de várias fraturas que atravessam o granito são, numa área aproximada de 1,6 m x 1,6 m, sendo de seguida canalizada para dois reservatórios de aço inoxidável, com dimensões individuais de 5 m x 2,5 m x 2 m, para depois ser conduzida para a Central geotérmica e/ou balneários. É muito importante realçar que a nT é registada, tradicionalmente, como sendo no setor 2, no entanto, o setor 3 é aquele que atualmente é mais produtivo. A zona do setor 3 está transformada
numa “célula altamente permeável” preenchida com rachão de granito são, envolvido por paredes verticais triplas em sandwich (betão armado- bentonite-betão armado); superiormente na horizontal, também existe uma estrutura especial em sandwich, de modo a que por cima do rachão, ocorra brita do mesmo granito, e sobre esta assenta, de baixo para cima, um geotêxtil agulhado, uma geomembrana de PEAD, bentonite em granulado, geotêxtil agulhado, areia limpa grossa e, por fim, lajes de granito castanho em revestimento final. O setor 3 está assim comple-
Figura 10 – Corte do Furo AC1 e seus aspetos principais, obtidos no decorrer da sua construção (a partir de ACAvACO, 1998). Figure 10 – Section of the AC1 Hole and its main aspects obtained during its construction (from ACAVACO, 1998).
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tamente isolado do exterior, mas está ligado hidraulicamente ao setor 2, como se pode observar na figura 9b. A água mineral percola através dos vazios da zona do rachão. A partir do referido sistema de captação tem-se obtido água mineral quente com excelente qualidade desde o ano de 2015. A captação designada por Furo AC1 (Fig. 10), localiza-se a cerca de 20 m para E de nT. O período de execução da captação decorreu entre 11/12/95 e 28/02/97 (ACAvACO, 1998). O Furo AC1 tem 500 m de comprimento e apresenta um desvio de cerca de 100, em termos médios, em relação à vertical, tendo uma atitude aproximada de n2500E, 800W. Em termos litológicos, excetuando 4 m de aterro à superfície, o furo atravessa, globalmente, formações de natureza granítica. Está entubado em aço inoxidável AISI 316, com um diâmetro de 8 polegadas, desde a cabeça até 46,5 m de profundidade; este troço está devidamente isolado com cimento entre 0 e 59,7 m de profundidade; de 59,7 aos 500 m está em “open hole”, em diâmetro HQ (90 mm) até 260,8 m e a partir daí, com diâmetro nQ (46 mm). Sobre o potencial de produção de água mineral no Polo das Termas apresentam-se os ensaios de caudal em situações singulares na figura 11. Quando o Furo AC1 está fechado (Fig. 11a), a nT tende para um caudal de 10,7 L/s a partir da descarga de fundo, e para um caudal de 8,6 L/s pela descarga normal. Com ambas as captações a descarregar em simultâneo (Fig. 11b) constata-se claramente que interferem entre si, tendendo o Furo AC1 para um caudal de 10,5 L/s e a nT para 4,8 L/s na descarga normal, num total de 15,3 L/s. no Polo do vau, os furos SDv1 e SDv2, com o comprimento de 216 m e 151 m, respetivamente, foram realizados em 1991, pela equipa de sondagens da Direção-geral de geologia e Minas (ACAvACO, 1995), e apresentam características de sondagens de prospeção com atitude de n2250E, 750W; atravessam, no geral, formações graníticas e estão entubados em aço normal com um diâmetro de 6 polegadas. Desde a sua cabeça até cerca de 30 m de comprimento apresentam-se cimentados no seu espaço anelar e a partir de 30 m, para baixo, apresentam-se em “open hole”, em diâmetro HQ (90 mm) até ao fim. no Polo do vau utiliza-se apenas o Furo SDv1, com a produção de 2,5 L/s em artesianismo, no entanto, neste polo há potencial para explorar cerca de 10 a 15 L/s, mas, por questões de qualidade do recurso, só deverá acontecer após disponibilidade de nova
captação, com o isolamento de pelo menos os 300 m mais superficiais. Essa captação já está em projeto (Ferreira gomes, 2017c), tendo sido implantada em SS1 como se apresenta na figura 8, de modo a que atinja a zona de interseção das falhas das Termas e do vau, a mais de 1000 m de profundidade. 4. Qualidade do recurso Devido ao facto da água mineral evidenciar singularidades especiais, desde há muito tempo que tem sido alvo de pesquisas físico-químicas para averiguar de sua qualidade. Segundo Machado (1985) deve-se a C. Lepierre as primeiras análises detalhadas, realizadas em 1903 e 1928, às águas das Termas de S. Pedro do Sul. Depois foram efetuadas duas análises no laboratório do Instituto Superior Técnico em 1978 e 1981. Em 1985, a água foi analisada pela primeira vez pelo laboratório do IgM - Instituto geológico Mineiro (Machado, 1990) com a realização de um estudo físico-químico completo. Entretanto, foi a partir de 1987 que a água mineral das Termas de S. Pedro do Sul, se sujeitou de um modo sistemático a análises (geralmente 4 vezes por ano em cada captação) laboratório do IgM. Alguns resultados detalhados foram apresentados em Ferreira gomes et al. (2001). Entretanto, em trabalhos mais recentes, Almeida et al. (2015), com base em análises físico-químicas detalhadas realizadas no laboratório do antigo IgM, entre os anos 2005 e 2013, contabilizando-se um total de 40 amostras da nascente Tradicional, 42 do Furo AC1 e 18 amostras em cada um dos furos SDv1 e SDv2, verificaram que as águas das quatro captações correspondentes aos dois polos hidrominerais têm características hidroquímicas semelhantes (Fig. 12), podendo ser classificadas como águas bicarbonatadas, sódicas, sulfúreas, fluoretadas e alcalinas. Atendendo ainda ao contexto geológico, hidrogeológico e, também, aos valores dos parâmetros físico-químicos e à sua conjugação, sugere-se um reser va tório comum para as quatro captações (Almeida et al., 2015). A presente água é usual designar-se por água sulfúrea, por exibir uma composição química muito complexa mas perfeitamente tipificada; com uma mineralização total de cerca de 360 mg/L, apresenta valores característicos de pH (superiores a 8,0), fortes concentrações de fluoreto (≈ 18 mg/L) e de sílica (≈ 70 mg/L), incluindo enxofre na sua forma mais reduzida (HS- ≈ 3,5 mg/L) e sulfuração total de
14 Termas de São Pedro do Sul: outros aproveitamentos da água termal que não terapêuticos
cerca de 20 ml/L, com um cheiro típico a “ovos podres”. na natureza, o local das emergências das águas sulfúreas apresenta, tipicamente, uma bio geleia esbranquiçada.
Em relação aos elementos vestigiais, a água mineral das termas de São Pedro do Sul apresenta essencialmente: Boro (≈ 0,46 mg/L), Brometo (≈ 0,18 mg/L), Tungsténio (≈ 0,08 mg/L), Estrôncio
Figura 11 – resultados de ensaios de caudal nas captações do Polo das Termas de São Pedro do Sul. a) caudal na nascente Tradicional em descarga de fundo e descarga normal, com o Furo AC1 fechado; b) descargas normais no Furo AC1 e na nascente Tradicional em simultâneo (Ferreira gomes, 2015a). Figure 11 – Results of flow tests in the abstractions of Spa pole. a) tests in the Traditional Spring in bottom flow and normal flow, with the hole AC1 closed; b) normal flows in the AC1 Hole and the Traditional Spring simultaneously (Ferreira Gomes, 2015a).
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Figura 12 – Diagrama de Piper das amostras de água das captações do sistema aquífero mineral do CHgSPS (Almeida et al., 2015). Figure 12 – Piper diagram of the water samples from the abstractions of the mineral aquifer system of the CHGSPS (Almeida et al., 2015).
(≈ 0,064 mg/L), Césio (≈ 0,062 mg/L), rubídio (≈ 0,062 mg/L) e Arsénio (≈ 0,005 mg/L). A temperatura da água mineral na emergência das captações é um dos parâmetros muito importantes na presente concessão, permitindo a sua legalização, também, como recurso geotérmico com as aplicações já mencionadas no item 1. A temperatura na emergência da nT registou como máximo o valor de 68,6 oC e nas outras captações, após a água sair durante algum tempo, em contínuo, a temperatura evolui rapidamente para o valor de 67,0 oC. 5. Planos de exploração – aplicações do recurso O Plano de Exploração é a designação técnica estipulada na atual legislação sobre águas minerais e recursos geotérmicos, nomeadamente os artigos 26.º e 24.ºdos respetivos Decretos-Lei n.ºs 86/90 e 87/90 (Dr, 1990a, b), que abordam os sistemas de captação-adução-distribuição do recurso. Em termos legais, o plano sintetiza-se num documento que inclui esquemas de princípio e elementos técnicos das várias componentes, disponibilidade do recurso, suas caraterísticas, e, de entre outros, sua distribuição em função de diversas aplicações. Segundo os decretos-lei já mencionados, o Plano de Exploração, deverá em regra conter: a) memória descritiva sobre as caraterísticas do recurso; e b)
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descrição pormenorizada dos processos de exploração e indicação dos caudais. A água mineral quente do CHgSPS, como já se referiu no item 1, é usada em três grandes domínios: no termalismo, na produção de produtos cosméticos e, ainda, em aplicações geotérmicas. não se abordam neste trabalho aspetos de termalismo por este ser uma atividade clássica de conhecimento mais comum; de facto, alguns elementos detalhados sobre tratamentos termais e técnicas de utilização associadas poderão ser lidas, por exemplo, em Albuquerque (2011). A última revisão do Plano de Exploração para o CHgSPS foi efetuada em 2011 (Ferreira gomes, 2011), dada a necessidade/obrigação de integrar a produção de produtos cosméticos no referido plano. nas figuras 13 e 14 apresentam-se situações genéricas do Plano de Exploração de ambos os polos; salienta-se que no Polo das Termas, antes do recurso ser usado em tratamentos medicinais e de bem-estar, o geocalor (energia térmica) é diminuído, consequência, do seu aproveitamento geotérmico. Até há poucos anos, o calor era retirado da água natural por intermédio de uma serpentina no interior do rio vouga e através de uma torre de arrefecimento na cobertura do balneário D. Afonso Henriques. Ou seja, esse geocalor era dissipado para a natureza, de um modo forçado, pois a água proveniente das exsurgências para ser usada no termalismo tem de ser arrefecida. Atualmente, esse geocalor é uma mais-valia direta, traduzindo-se em receita económica, resultante dos diversos aproveitamentos geotérmicos existentes. Um esquema detalhado sobre o aproveitamento geotérmico no Polo das Termas, no consumidor mais típico (Hotel do Parque), pode ser observado na figura 15. no essencial, o geocalor da água mineral é transferido no permutador PP1A para uma água normal, que fica a cerca de 60ºC, e se move em circuito fechado, de modo a ir ao hotel, onde numa primeira fase, no permutador PP2, transfere parte do calor para a água do sistema de aquecimento ambiental; então, a água do referido circuito fechado, já com cerca de 50 ºC, continua o seu movimento para o permutador PP3, onde, ao continuar a transferir parte do seu calor, nesta fase para o aquecimento de águas sanitárias, fica com cerca de 40 ºC e regressa à Central geotérmica, iniciando novo ciclo. Elementos com mais detalhes sobre estes processos poderão ser analisados em Albuquerque (2011), Albuquerque et al. (2013) e Ferreira gomes et al. (2017b).
16 Termas de São Pedro do Sul: outros aproveitamentos da água termal que não terapêuticos
Figura 13 – Esquema de princípio do Plano de Exploração global do Polo das Termas, com aproveitamentos geotérmico, medicinal, bem-estar e produção de produtos cosméticos do CHgSPS (Ferreira gomes, 2011). Figure 13 – General scheme of the Global Exploration Plan of the Spa Pole, with uses geothermal, medicinal, well-being and production of cosmetic products of the CHGSPS (Ferreira Gomes, 2011).
Figura 14 – Esboço sobre o esquema de princípio do Plano de Exploração do Polo do vau no CHgSPS (Ferreira gomes, 2001). Figure 14 – General Scheme of the Exploration Plan, of Vau Pole of the CHGSPS (Ferreira Gomes, 2001).
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Figura 15 – Esquema de princípio dos sistemas exploração/produção de energia geotérmica no Polo das Termas e, em particular, no Hotel do Parque (Ferreira gomes & Albuquerque,2015). Figure 15 – General scheme of the geothermal energy exploration/production systems at the Spa pole and in particular at the Hotel do Parque (Ferreira Gomes & Albuquerque, 2015).
Em relação à geotermia no Polo do vau, o recurso com origem no Furo SDv-1 é aproveitado para a climatização de estufas para fins agrícolas, nomeadamente, para a produção de frutos tropicais (Fig. 16). As estufas ocupam uma área global aproximada de 3 000 m2, cujo interior está organizado em patamares, existindo um pequeno muro de suporte a separá-los. na proximidade de cada muro de suporte e ao longo de todo o comprimento existe uma fila de bananeiras, sendo o resto da área ocupada com plantas de ananás, em filas ao longo de todo o comprimento da estufa, distanciadas entre si de cerca de 40 cm. A produção de produtos cosméticos consiste de um novo aproveitamento do recurso, que se integrou integrou legalmente em 2011 no Plano de Exploração. Salienta-se que este benefício sujeita-se a uma tramitação que sai do habitual em águas minerais termais. Como é esquiçado na figura 13, a água mineral natural é recolhida pontualmente em reservatórios adequados, transportada para
um laboratório/oficina/fábrica onde é usada na confeção de vários produtos dermocosméticos. no local da concessão das Termas não há nada de excecional a ocorrer, a não ser a necessidade de concertação das datas/horas para a recolha de água mineral para os produtos cosméticos; não há qualquer impacto na exploração do recurso, pois há necessidade apenas de um volume muito reduzido de água mineral, não só com a sua capacidade de produção, como também em relação aos volumes usados nos outros aproveitamentos. Os produtos confecionados, já lançados no mercado, são vários, nomeadamente cremes de rosto, outros tipos de cremes, óleos corporais, sabonetes e até a água termal natural. Alguns elementos detalhados sobre aspetos técnico-científicos associados a este domínio, podem ser lidos no trabalho académico de Oliveira Ferreira (2008) que estiveram na base do surgimento e lançamento dos produtos dermocosméticos das Termas de S. Pedro do Sul. Alguns detalhes sobre os vários produtos no
18 Termas de São Pedro do Sul: outros aproveitamentos da água termal que não terapêuticos
mercado poderão ser vistos diretamente no site direcionado ao setor, das próprias Termas de São Pedro do Sul (Termalistur, 2018). no que respeita aos produtos dermocosméticos enfatiza-se que as vendas destes produtos e de alguns elementos associados são alvo de inclusão no boletim estatístico sobre recursos geológicos, imposto pela tutela (Direção-geral de Energia e geologia), e que, como se mostrou na figura 6, são já uma “lufada económica” para a presente concessão, que em 2016 permitiram a venda destes produtos com um montante da ordem de 100 000 euros.
6. Outros elementos – perspetivas futuras nesta fase, merece referência, por ser inédito, que a presente concessão, à luz da Lei das Termas (Dr, 2004), teve finalmente a sua “Estância
Termal” aprovada, tendo a mesma sido publicada na Portaria n.º 160/2017 de 15 de maio (Dr, 2017). O CHgSPS está agora munido de mais um instrumento técnico que lhe permite melhorar a qualidade arquitetónica e paisagística dos seus equipamentos urbanos, espaços e ordenamento do espaço envolvente às Termas, de modo a ser um lugar em total consistência com o conceito termal. Enfatiza-se o facto da água mineral natural termal ser um recurso, que nos seus aproveitamentos clássicos de saúde e bem-estar é consumido no local da sua produção/exploração. Situação similar acontece com o recurso geotérmico de baixa entalpia, que também é necessariamente consumido no local ou na proximidade da sua produção. Ora, estas duas importantes aplicações, torna muito especial, estes dois recursos geológicos, em relação à economia local, pois ao serem consumidos na área de sua produção, permite que essas zonas se desenvolvam
a
b
c
d
Figura 16 – Estufas do Polo do vau (a), com o seu aspeto típico de interior (b) e detalhes dos frutos tropicais produzidos (c, d) no CHgSPS. Figure 16 – Vau Pole greenhouses (a) with their typical interior appearance (b) and details of the tropical fruits produced (c, d) in the CHGSPS.
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economicamente e turisticamente. Enfatiza-se, ainda, o facto da possibilidade de climatização de edifícios e do aquecimento de suas águas sanitárias, em substituição das energias convencionas, torna mais viável em termos económicos e ambientais a abertura das termas e espaços associados durante todo ano, inclusive durante o inverno. Esta situação é muito importante para o desenvolvimento do interior de Portugal, onde se localizam as principais termas. Sobre o CHgSPS, entende-se que devido às tendências da sociedade atual, não só de Portugal, como do resto da Europa, irá haver sucessivamente incremento do número de termalistas, em especial de bem-estar e, em particular, de estrageiros. A produção de produtos dermocosméticos terá um crescimento elevado, não só pelo aumento da comercialização dos mesmos em espaços junto às termas, como inclusive em farmácias e outros espaços comerciais em qualquer parte do país e até no estrangeiro. As unidades hoteleiras atuais junto às termas irão sucessivamente continuar a se restruturar e outras irão surgir de raiz. As solicitações de geotermia por terceiros, nomeadamente, pelas várias unidades hoteleiras serão imensas. A atividade da Direção Técnica do CHgSPS tem sido intensa, nomeadamente, na elaboração de pareceres melhoramento, reestruturação de antigos edifícios e implantação de novos edifícios, nomeadamente na área hoteleira e de restauração na zona de proteção intermédia. Esta atividade será cada vez mais relevante, em especial no controlo e fiscalização de várias ações antrópicas nas áreas do Perímetro de Proteção, nomeadamente na reformulação/reconstrução/ampliação de edificações para vários fins, construções de raiz e, ainda, na construção de captações para consumo humano, entre outras. O surgimento de novas captações de água mineral terá de acontecer, não só para incrementar caudais de exploração, como ainda para substituir as captações mais antigas, por necessidade de obter água mineral com menos suscetibilidade a contaminações a partir da superfície. Ou seja, no futuro as captações terão de ser mais profundas que as atuais e, em alguns casos os 200 a 300m mais superficiais devem estar completamente isolados no seu espaço anelar. Está já projetada uma nova captação com mais de 1000 m de profundidade para o Polo do vau (Ferreira gomes, 2017c). É urgente a sua construção, estando apenas dependente de seu financiamento, pois é muito elevado em termos relativos para a concessionária, sem apoios financeiros exteriores. Outra
captação na sequência surgirá no polo das Termas; entende-se que será alvo de atenção, assim que se tenha a captação nova do Polo do vau. A Central geotérmica, que é a base do aproveitamento geotérmico no Polo das Termas, será com urgência reformulada, incrementada de novos equipamentos, de modo a tornar mais eficiente as atuais aplicações no domínio do aquecimento urbano e de águas sanitárias com o apoio de uma adequada monitorização. Outras aplicações no domínio da geotermia, em cascata, poderão ser associadas, em vários setores como Ferreira gomes (2005) já avançou, nomeadamente em novos espaços aqua-lúdicos, agrotropicais, ervas aromáticas, piscicultura e hidroponia. refere-se nesta fase, que após o seu uso, a água mineral é rejeitada com cerca de 30 ºC; este fluido poderia ainda, em termos geotérmicos, ser aproveitado para as aplicações mencionadas anteriormente. As novas captações, sendo profundas, terão forte potencial de captar água com cerca de 100 ºC ou mais (veja-se, por exemplo, Ferreira gomes et al., 2015). Se tal acontecer, permitirá a implementação de uma unidade de produção de eletricidade com muita facilidade. Será uma “revolução”, mas isso vai acontecer um dia. Desse modo, o recurso geológico do CHgSPS, poderia ser consumido em locais muito distantes das Termas. Seria uma questão de se injetar a eletricidade na rede elétrica global. Por fim, outro projeto que poderá ser testado e implementado a curto prazo, dependendo apenas de financiamentos orientados, será a construção de um sistema de trigeração, de modo a que no verão, seja possível usar parte da água natural quente, para climatizar, em especial os balneários, em frio, com refrigeradores de adsorção, que são ativados termicamente e, portanto, têm um consumo de eletricidade insignificante. Este processo pode ser implementado atualmente, com a temperatura disponível de 67 ºC, permitindo a otimização do consumo do recurso numa época (verão) em que não se usa a água para climatizar em aquecimento e, assim, poderia ser usada em arrefecimento.
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gEOnOvAs vOl.
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32, n.º 1: 23 a 32, 2019 23
Abordagem teórica ao Projecto Mineiro M. Pacheco1* 1
Engenheiro de Minas, Director Técnico BTW – Minas da Panasqueira *Autor correspondente: manuelsousapacheco@gmail.com
Resumo O estigma social conotado com a exploração mineira, em muito devido à herança das minas abandonadas a partir da década de 80, não favorece o aparecimento de novos projectos mineiros. Contudo, os recursos secundários e terciários de matérias-primas não serão, no curto e médio prazo, suficientes para satisfazer as necessidades. Uma educação social para o aproveitamento dos recursos minerais impõe-se. A boa governança das minas actuais e futuras, com contrapartidas locais e regionais; a tecnologia e inovação em todas as fases do projecto, desde a prospecção e pesquisa até ao método de exploração e gestão de resíduos; a economia circular baseada na sustentabilidade e respeito pelo ambiente, são aspectos que podem facilitar o aparecimento de novos projectos com aceitação social. A sensibilização para as regras reflectidas na apertada legislação vigente, que permitem antecipar o final da exploração antes mesmo da mina começar, poderá contribuir para o marketing de cada projecto. Palavras-chave: Projecto mineiro, recursos minerais. Abstract The social stigma associated with mining, largely due to the inheritance of abandoned mines since the 1980s, does not favor the emergence of new mining projects. However, the secondary and tertiary resources of raw materials will not be sufficient in the short and medium term to meet the needs. A social education for the use of mineral resources is crucial. Good governance of current and future mines, with local and regional benefits technology and innovation in all phases of the project, from exploration to the method of exploitation and waste management; the circular economy based on sustainability and respect for the environment, are aspects that can facilitate the appearance of new projects with social acceptance. Raising awareness of the rules implicit in the tight legislation in force, that allow to anticipate the end of exploitation before the mine even starts, can contribute to the marketing of each project.
Keywords: Mining project, mineral resources.
1. Introdução A indústria mineira caracteriza-se por um conjunto de aspectos próprios, muito particulares, que lhe configuram uma envolvente económica e problemáticas únicas. De entre os aspectos peculiares, salienta-se o facto de trabalhar com recursos que não são renováveis à escala humana, para além da sua localização geográfica ser dependente da localiza ção do próprio jazigo e o preço do produto produzido determinado por terceiros.
As reservas e o ritmo de extracção condicionam o prazo para o esgotamento dos benefícios. Estes condicionalismos impõem às empresas mineiras desafios acrescidos na procura de novos jazigos, mas também na preservação e optimização do aproveitamento do jazigo mineral. Para além dos condicionalismos de natureza geológica, as empresas mineiras estão expostas a outros fatores de risco, tais como os decorrentes da eficácia dos processos metalúrgicos, de condições político-económicas, de mercado e, ainda, de riscos ambientais.
24 Abordagem teórica ao Projecto Mineiro
Os riscos ambientais associados á indústria mineira estão no âmbito da Qualidade, Ambiente e segurança (QAs), que integram as imposições ou orientações legislativas. As questões relativas à QAs, embora presentes em todas as etapas do projecto mineiro, têm preponderância bem distinta, em cada uma das fases do projeto. A localização do projecto mineiro não pode ser selecionada tendo por base critérios semelhantes aos das outras indústrias porque depende, obviamente, da circunscrição espacial do próprio jazigo. Também as condicionantes do mercado são comuns a todas as etapas do projecto mineiro, nomeadamente as cotações dos minérios explorados ou a explorar e os contractos comerciais para escoamento da produção, sendo determinadas por factores em grande medida alheios às próprias empresas mineiras. Os projectos mineiros desenvolvem-se em quatro fases principais. na fase da prospecção, pesquisa e planificação elaboram-se estudos de viabilidade decorrentes dos condicionalismos do jazigo, da localização e do minério a extrair. A segunda fase consiste na implementação, desenho e construção de infraestruturas e tem a finalidade de se desenvolver e preparar a mina e a lavaria para a produção. Após a reunião das condições de produção, inicia-se a terceira fase principal, em que se implementam as operações de lavra. Uma vez esgotados os recursos minerais, procede-se ao fecho ou encerramento da mina com a devida gestão dos equipamentos e infraestruturas e das medidas ambientais, sociais e económicos daí decorrentes, constantes no Plano de Fecho. A escala de tempo do ciclo de vida de uma mina pode ser indeterminada em função de novas tecnologias ou de novas descobertas minerais. Existem minas com períodos de exploração relativamente curtos, outras em que a actividade é descontínua no tempo, como consequência dos mais diversos acontecimentos. Outras ainda prolongam a sua exploração no tempo, como é o caso da mina da Panasqueira. A mina existe enquanto houver recursos para explorar. O equilíbrio entre os custos de exploração e os teores do jazigo remanescente dita, em larga medida, o sucesso da continuidade da exploração de acordo com as cotações em cada momento. O paradigma do “stock fixo” e da lei tradicional da oferta e da procura, tem evoluído para um novo paradigma, o do “custo de oportunidade”, com várias possibilidades de comportamento das curvas de cotação versus quantidade (Tilton, 2003).
A visão conservadora do esgotamento físico abrupto de um recurso mineral, que de facto é finito, padece de algumas lacunas que o passado recente tem demonstrado. Por um lado, particularmente típico no caso dos metais, os recursos não são destruídos quando são consumidos, o que deixa sempre em aberto a reciclagem ou fontes secundárias. Há, ainda, a considerar a possibilidade de substituição de um determinado recurso, que já é explorado há vários anos por outros metais, incluindo o tungsténio (Usgs, 2017), como fontes terciárias.
2. Projecto Mineiro – Abordagem Teórica O projecto mineiro é único para uma determinada jazida e de elevada complexidade, situando-se à margem de outros negócios ou serviços operacionais. Trata-se de um conjunto sucessivo de eventos encadeados, previamente definidos, num esquema de trabalho em etapas com um limite temporal definido. O desenvolvimento de qualquer projecto de pende sempre de um conjunto de factores, que o condicionam e caracterizam. no caso de um projecto mineiro, os factores implicados são de natureza geológica, técnica, social e ambiental e, ainda, de natureza económica. A elaboração de um Projecto Mineiro consiste em dar resposta a várias questões, nomeadamente qual o tipo de recurso existente, como se pode recuperar, qual a relação custo benefício para a sociedade, quais os impactos para o ambiente mas, essencialmente, qual o custo da sua exploração. Ou seja, pretende-se aferir claramente, se essa exploração é ou não economicamente viável. Para que a exploração de um empreendimento mineiro esteja optimizada, esta deve obedecer a três princípios fundamentais na lavra de Minas, que se enumeram de seguida: • Trabalho em total segurança; • Exploração de forma económica; • Um bom aproveitamento do Jazigo Mineral. Mais recentemente, um quarto princípio fundamental veio juntar-se aos já enumerados, dando realce à importância da preservação ambiental, na busca da minimização do impacto no ambiente global no espaço da mina, recorrendo-se, para tal, aos melhores métodos e técnicas disponíveis na atualidade.
M. Pacheco 25
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3. Fases do Projecto Mineiro Qualquer projecto mineiro típico é constituído por um conjunto de etapas interligadas e de encadeamento sequencial, que vão desde as fases iniciais de pesquisa e prospeção passando, posteriormente para a fase de produção e terminando no fecho da mina. Por sua vez, cada uma das etapas antecedentes, pode ser dividida em várias actividades pontuais ou permanentes, cujo contributo é diferente em termos de importância, tempo ou duração e custos quer para cada etapa quer para todo o projeto. A figura 1 apresenta um cenário típico de projecto mineiro para uma mina de pequena ou média dimensão, publicada como anexo na resolução de Conselho de Ministros de n.º 78/2012 (Enrg-rM, 2012). no caso particular de uma mina de tungsténio, a International Tungsten Industry Association, iTiA (schmidt et al., 2012) apresenta um cenário equivalente com indicação do risco e dos custos parciais do projeto, conforme esquematizado na figura 2, onde se designam as etapas de desenvolvimento de um projecto mineiro, desde a prospeção inicial até à
descoberta do depósito e, posteriormente, os estudos técnicos com vista à produção. Dos factores que mais influenciam o sucesso e longevidade de um projecto mineiro, destacam-se: • A dimensão do jazigo e produções anuais; • As cotações do minério extraído e sua evolução; • Os teores; • As taxas cambiais; • Os custos de produção. Qualquer grande alteração nos factores atrás mencionados terá consequência directa nos resultados dos exercícios anuais da empresa concessionária e, também, na disponibilidade de dinheiro a cada momento (cash flow). Em termos gerais, as fases de um projeto industrial são a planificação, a implementação e a produção. Contudo, ao nível mineiro as fases de um projeto correspondem à pesquisa e prospeção, ao desenho e construção e á exploração e fecho da mina. Estas fases são abordadas, detalhadamente, nos pontos seguintes.
Figura 1 – Cenário típico de projecto mineiro (Fonte: Estratégia nacional para os recursos geológicos – recursos Minerais, de 11 de setembro de 2012). Figure 1 – Typical mining project scenario (Source: National Strategy for Geological Resources - Mineral Resources, dated 11 September 2012).
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Figura 2 – riscos e custos relativos por fase do projecto mineiro (iTiA, 2012). Figure 2 – Relative risks and costs per phase of the mining project (ITIA, 2012).
3.1. Fase 1- Pesquisa e Prospeção Um projecto mineiro típico inicia-se com a fase de pesquisa em gabinete, marcada por recolha e análise de dados que se encontram nas cartas geológicas a diversas escalas e em outra informação geológica e geocientífica publicada, com a finalidade de procurar determinado depósito mineral em função de locais teoricamente propícios à génese dos mesmos. naturalmente que a disciplina das geociências, conhecida como metalogénese, será fulcral na abordagem inicial de procura de um recurso mineral que a sociedade necessita, no sentido de superar uma carência detectada num certo sector tecnológico. nesta fase pretende-se iniciar o processo da descoberta de depósitos minerais, economicamente viáveis, pela sua dimensão, quantidade e/ou qualidade para serem extraídos da crusta terrestre. na fase de prospeção, já com uma determinada área seleccionada, são aplicados métodos indirectos e directos para caracterização e delineação – e se
possível limitação – de zonas mineralizadas. nesta etapa inclui-se a prospeção regional, o mapeamento, a geoquímica, a geofísica e, eventualmente, a recolha de amostras e execução de sanjas superficiais e sondagens mais profundas. Uma vez descoberto o depósito mineral, a prospeção visa recolher mais informação e tornar a caracterização mais fiável do recurso, de modo a planear o design ou construção da infraestrutura da mina e seleccionar o método de exploração. A definição da forma do depósito, da tonelagem e da distribuição de teores, bem como a caracterização geomecânica do maciço rochoso, informação essa de carácter geotécnico quer do maciço mineralizado quer da rocha encaixante, são essenciais para o projecto e planeamento da infraestrutura, bem como para a escolha do método de exploração. Uma vez o depósito mineral descoberto e caracterizado, são elaborados diversos estudos de avaliação, de pré-viabilidade e de viabilidade técnica e econó-
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mica, de forma a suportar a decisão de arranque do projecto mineiro. A avaliação deve incorporar todos os impactos ambientais e socioeconómicos a ter conta na eventual passagem do depósito mineral para uma mina e pós-mina. Para além do financiamento do projeto, a avaliação dos riscos e benefícios da mina é crítica para a autorização governamental do projecto mineiro. 3.2. Fase 2 – Planeamento e Construção O planeamento e construção da infraestrutura geral de base na mina deve resultar no melhor layout para os trabalhos mineiros de modo a permitir retirar o máximo de minério disponível do jazigo, com custo mais baixo possível e nas melhores condições de segurança. O planeamento e construção da infraestrutura geral de base de uma mina, também designado genericamente por trabalhos de “Preparações” ou “Preparação”, devem ter em conta a localização da mina, a morfologia do terreno, as características geotécnicas do maciço e, em particular, do jazigo, o método de exploração previsto, factores de segurança, objectivos de produção, disponibilidade de água, entre outros. Além dos factores mencionados no parágrafo antecedente, consideram-se, também, relevantes a construção de rampas e acessos, o sistema de extracção de minério e ganga, os desenhos de diagramas de fogo com as opções de perfuração e carregamento de explosivos, requisitos do equipamento de carga e transporte, ciclos mineiros, eficiências, turnos previstos de produção e utilização geral. não deverão ser esquecidos os meios de abastecimento de energia (eléctrica e ar comprimido), o planeamento, ainda que primário, dos sistemas de ventilação da mina e de esgoto de água que sempre aflui aos trabalhos subterrâneos, bem como as diversas soluções a serem postas em prática na área do sustimento, aspecto este fulcral para assegurar a máxima proteção de pessoas e bens no interior da mina.
A fase de produção tem habitualmente uma pré-etapa em que se realizam ensaios de forma a alcançar as condições normais da operação (rodrigues et al., 1991). neste período de testes ocorrem ações de correção para obter a qualidade e quantidades desejáveis. Após a pré-fase, dá-se início à extração propriamente dita em que se irá obter o produto final. Em todos os tipos de mineração, sejam a céu aberto ou em subterrâneo, procede-se à extração e valorização de minérios. Em cada projeto mineiro, os métodos de lavra e de beneficiação são diferentes, escolhendo-se e adaptando-se a cada caso. nas minas subterrâneas há um impacto ambiental menos visível; no entanto, a actividade compreende maiores custos na produção e maiores riscos para a segurança. Os projectos de maior envergadura são, normalmente, a céu aberto, por possibilitarem maiores capacidades de produção e menores custos de operação. A fase de produção engloba as etapas de perfuração e carregamento, transporte e extração. são utilizadas cargas explosivas ou equipamentos mecânicos para desmontar o minério tal-qual que, uma vez chegado à lavaria de tratamento, sofre apuramento dos minerais úteis. na lavaria o material é sujeito a fragmentação e moagem de forma a libertar e isolar o mineral útil, normalmente presente em muito poucas quantidades, e à separação do material considerado estéril por métodos gravíticos, químicos, magnéticos, lixiviação, entre outros. A libertação de grandes quantidades de material estéril e de lamas obriga ao tratamento e armazenamento adequados. O material estéril e os resíduos da separação mineral devem obedecer a normas ambientais previstas em lei, de forma a diminuir ao máximo os impactos ambientais que lhe estão associados. A gestão das instalações de resíduos é, hoje em dia, determinante para a viabilidade e sucesso do projecto mineiro.
3.4. Fase 4 – Fecho 3.3. Fase 3 – Exploração É, obviamente, a fase mais importante do projec to mineiro e, se factores externos não influenciarem de forma determinante o projecto, decorre até ao esgotamento do recurso. A produção é a fase operacional na qual o recurso é minado e tratado, até ao ponto de poder ser colocado no mercado.
no passado era prática corrente “abandonar” uma mina quando se exauriam as suas reservas. O solo era então deixado exposto tal qual, sem qualquer protecção ou sem cobertura vegetal e os materiais sem valor económico estavam acumulados em pilhas ou descarregados, sem qualquer ordenamento, nas cavidades da própria mina e nas cavidades naturais ou criadas artificialmente. Havia muito pouca preo-
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cupação com o ambiente e nenhuma consideração sobre como a mina podia afectar negativamente os ecossistemas circundantes nos anos seguintes. Até há pouco tempo, o desmantelamento das instalações, o encerramento completo de uma mina e a realização das actividades de reabilitação no final da sua vida útil, ou não eram obrigatórias por lei, ou não se lhes exigia o cumprimento efectivo das políticas e regulamentos sobre essa reabilitação no caso de existirem, e, definitivamente, não era um elemento comum nas políticas e práticas da gestão mineira das empresas. O principio fundamental da preservação ambiental para a otimização de um empreendimento mineiro, anteriormente referido, pura e simplesmente, não existia. Entre 12 e 15 maio de 2002, teve lugar a Conferência Global Mining Initiative (gMi) em Toronto, no Canadá, que foi precedida pelo processo Mining, Minerals and Sustainable Development (MMsD). Este evento teve impacto mundial já que e as suas recomendações redigidas em relatório colocaram à disposição uma base para discussão e desenvolvimento das etapas seguintes. Essas ações iniciaram um processo de mudança, provavelmente irreversível, sendo um marco para o sector das indústrias extractivas. De facto, pode ser considerado o princípio de uma nova era, um ponto de viragem histórico, tendo em conta a abordagem integrada do planeamento sobre os recursos minerais a diferentes escalas. As recomendações apresentadas, quanto a procedimentos mineiros, sugerem que as operações mineiras têm um enorme potencial para criar, contribuir e apoiar o desenvolvimento sustentável de uma comunidade. O verdadeiro desafio só se verifica quando, por qualquer razão, a mina fecha e, pior, é abandonada. É então que a comunidade se depara com o possível colapso socioeconómico e com os passivos ambientais já existentes ou potenciais. Entre os problemas ambientais que a indústria extractiva enfrenta, o das minas abandonadas, tem sido particularmente lento a ser abordado. As minas abandonadas são a maior causa de degradação ambiental da indústria extractiva a longo prazo e suscitam um legado de desconfiança em relação à actividade mineira. no século XXi, a indústria extrativa pode e continuará a ser um sector fundamental para o desenvolvimento sustentável e para a erradicação da pobreza. Portanto, torna-se indispensável a abordagem integrada e global para o sector, de modo a enfrentar os desafios atrás mencionados.
Considera-se que para se prosseguir com o objetivo do desenvolvimento sustentável no sector da indústria extractiva a nível mundial, é imprescindível continuar a insistir nas seguintes prioridades. A primeira corresponde ao progressivo desenvolvimento e implementação de boa governança no sector das indústrias extractivas. no que respeita á segunda prioridade ambiente e gestão dos recursos minerais, considera-se a necessidade indispensável de mais esforços para aumentar a eficiência e a eficácia da produção, para além de reduzir o desperdício de recursos minerais, nomeadamente, através do aumento da reciclagem / reutilização e tornando os produtos mais apelativos, funcionais e duráveis. Tal como todas as outras atividades, no período de produção, o fecho da mina deve já ser pensado para que haja reabilitação atempada imediatamente após o fecho, onde as atividades devem ser adequadamente planeadas e, tanto quanto possível, ser capazes de repor / reforçar os valores da biodiversidade afetados (Fig. 3). Como terceira prioridade, considera-se que o período de transição da operação para o fecho final de uma mina é da maior importância, já que pode demorar décadas, a minimizar os problemas que resultaram da exploração dos recursos (Hodge, 2015). As operações mineiras, para serem coerentes com o conceito de desenvolvimento sustentável, têm que, desde o início das operações, promover e actualizar regularmente, planos detalhados para o seu fecho, no final da sua vida útil. A produção desses planos deve abranger avaliações de risco da gestão ambiental praticada ao longo do tempo, a consulta à comunidade e o planeamento da execução. Posteriormente deve incluir, ainda, o acompanhamento da sua aplicação e as eventuais correcções que forem indispensáveis. A sustentabilidade na indústria extractiva é o processo de transformar os ativos de capital gerados no decorrer da exploração da mina em outras formas de a-tivos que persistem para lá do fecho da mesma e que são instrumentos para o necessário desenvolvimento posterior à actividade do sector mineiro. Esta expectativa de que uma mina deve gerar os recursos para o processo de fecho e para a gestão do pós-fecho é um requisito para que a indústria extractiva possa ser considerada um contribuinte para o desenvolvimento sustentável (Mining Sustainability, 2010). De acordo com os objectivos da Política Comunitária do Ambiente, a Directiva 2006/21/EC estabelece os requisitos mínimos para prevenir ou
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Figura 3 – Contribuição da exploração mineira para o desenvolvimento sustentável - uma visão geral (Hodge, 2015). Figure 3 – Mining's contribution to sustainable development - an overview (Hodge, 2015).
reduzir tanto quanto possível todos os efeitos adversos para o ambiente e para a saúde humana que resultem da gestão dos resíduos da indústria extractiva, tais como rejeitados, material estéril e de cobertura. Esta Directiva cobre a gestão de resíduos das indústrias extrativas terrestres, o que quer dizer, os resíduos resultantes da prospeção, extração (incluindo as atividades do estágio de desenvolvimento e de préprodução), tratamento e armazenamento de recursos minerais e do trabalho em pedreiras. De acordo com o Decreto-lei n.º 10/2010, de 4 de Fevereiro, que transpõe para a jurisdição portuguesa a Diretiva Europeia, é necessário indicar claramente quais os requisitos que as instalações de resíduos nas indústrias extrativas devem cumprir, relativamente à localização, gestão, controlo, fecho e, ainda, relativamente às medidas de proteção a tomar contra as ameaças ao ambiente natural, quer na perspectiva de curto prazo quer na de longo e, mais especificamente, contra a poluição das águas subterrâneas, consequência, das infiltrações dos lixiviados no solo. De modo a minimizar o risco de acidentes e garantir um elevado padrão de protecção do ambiente e da saúde humana, os Estados Membros, depois da transposição para as jurisdições nacionais da referida diretiva, devem assegurar que todos os operadores de instalações de “categoria A” adoptam e aplicam uma política de prevenção para acidentes graves.
Em termos de medidas preventivas, o Decreto-lei já mencionado no parágrafo antecedente, obriga à entrega, por parte dos operadores, de um sistema de gestão da segurança, de planos de emergência para serem usados em caso de acidentes graves e da disseminação de informação de segurança às pessoas que possam ser afectadas por um acidente grave. Em caso de acidente, os operadores devem ser capazes de fornecer às autoridades competentes toda a informação relevante e necessária para mitigar os impactes ambientais negativos ocorridos ou potenciais. De acordo com o Artigo 31.º do mesmo Decreto-lei, o operador de uma instalação de resíduos de uma indústria extractiva deve ser obrigado a apresentar uma garantia financeira ou equivalente, em conformidade com os procedimentos decididos pelos Estados-Membros que assegure que todas as obrigações decorrentes da licença serão cumpridas, incluindo as relativas ao fecho e após o fecho da instalação de resíduos. A garantia financeira deverá ser suficiente para cobrir o custo da reabilitação dos terrenos afetados pela acomodação de resíduos, que inclui a instalação de resíduos em si, como descrito no plano de gestão de resíduos, elaborado nos termos do artigo 10.º e exigido pela licença prevista no artigo 31.º, para além de ser avaliada por terceiros devidamente qualificados e independentes. É, ainda, indispensável que a garantia seja prestada antes do início das
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operações de deposição de resíduos na instalação e que esta seja ajustada periodicamente. Além disso, é importante esclarecer que um operador de uma instalação de resíduos das indústrias extractivas está sujeito a uma responsabilidade adicional adequada em relação aos danos ambientais causados pelas suas operações ou pela ameaça iminente de tais danos. de acordo com o princípio do poluidor-pagador e com o Decreto-lei n.º 147/2008 que transpôs a Diretiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, sobre responsabilidade ambiental no que respeita à prevenção e reparação dos danos ambientais. O Plano de Fecho deve estabelecer e garantir a criação e constante actualização do Processo de Fecho para a mina que, durante o período de exploração, guie todas as decisões e acções da gestão da empresa de modo a acautelar o comprometimento futuro do ambiente natural, da saúde pública e da segurança das populações e que, no final da vida da mina, assegure as seguintes condições: • As condições ambientais não ficam sujeitas a agressões físicas ou químicas que conduzam à sua degradação; • O uso futuro do solo após o encerramento é viável, adequado para a região e sustentável a longo prazo; • são, tanto quanto possível, minimizados os impactes socioeconómicos devidos ao Fecho (Plano de Fecho da Mina da Panasqueira, 2011). O encerramento final estará terminado quando os objectivos estabelecidos no processo de fecho, incluindo os aspetos sociais envolvidos no mesmo, forem totalmente atingidos. Pode dizer-se que a mina estará completamente encerrada, quando terminar o Contrato de Concessão da Exploração outorgado pelo Estado e as responsabilidades estiverem livremente assumidas e aceites pelos novos responsáveis pela área concessionada. Para conseguir atingir esse objectivo num ambiente legislativo cada vez mais exigente e com as expectativas crescentes dos grupos ou organizações afectadas, ou que possam ser potencialmente afectadas pelo fecho e/ou pelas consequências do mesmo, é preciso todo um processo (Processo de Fecho), que tem necessariamente que envolver todos os actores (autoridades locais, regionais e nacionais e todos os grupos e organizações locais afectadas). O Processo de Fecho abrange o estabelecimento dos objectivos a atingir, a descrição, a planificação
e a realização de todas as actividades relacionadas com o Plano de Fecho, a executar durante o período de exploração, ou logo imediatamente após a interrupção da produção no final da vida da Mina. nesta última fase em que já se esgotaram as reservas, deve-se proceder às atividades de desmontagem dos equipamentos fixos, desmantelamento das instalações e das infraestruturas sem uso futuro estabelecido no Plano de Fecho aprovado e à reabilitação dos solos afectados, de acordo com o planeado para o uso futuro dos mesmos. Em resumo, o Processo de Fecho inicia-se pelo estabelecimento dos seus objetivos e termina com a demonstração de que o mesmo foi bem-sucedido e teve êxito ao atingir os objectivos propostos face aos critérios pré-estabelecidos. O balanço do encerramento completo determinará, em última análise, se o legado é benéfico ou prejudicial para as futuras gerações. se o fecho das operações não for realizado de uma forma planeada, eficiente e eficaz, o local pode continuar a ser perigoso e constituir uma fonte potencial de poluição por muitos anos. na preparação de um Plano de Fecho deve adoptar-se uma metodologia de visão alargada e integradora, que inclui: • recolher, estudar e interpretar todos os impactes que ocorrem e/ou possam vir a ocorrer e a afectar as comunidades locais, em termos ambientais e socioeconómicos, devidos ao Fecho da Exploração; • Convidar e permitir que todos os actores (autoridades locais, regionais e nacionais e todos os grupos e organizações locais afetadas) proponham, vejam discutidos e, se possível, considerados os seus interesses no Processo de Fecho; • Procurar e recolher o suporte dos órgãos governamentais e das autoridades regionais e locais, dos donos das propriedades vizinhas, da comunidade local e, de um modo geral, de todos os interessados, para as decisões relativas ao fecho; • Assegurar que todo o processo decorre atempadamente, de maneira ordenada e sem custos excessivos; • Estabelecer um conjunto de critérios, de objectivos e de indicadores que permitam analisar e concluir sob o sucesso ou insucesso em atingir os objectivos do Plano de Fecho, durante e no final do mesmo;
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• Calcular o montante do custo de fecho com base num orçamento detalhado de todas as tarefas dos estudos, projectos de fecho e de reabilitação, utilizando listas de preços de empresas independentes ou preços de mercado; • Assumir que os custos do fecho constam dos balanços da empresa e que serão adequadamente cobertos através de um instrumento financeiro adequado, de modo a assegurar que o estado e a e sociedade civil não herdem passivos ambientais e socioeconómicos; • no final, demonstrar que se alcançaram todos os objetivos e indicadores propostos, com os critérios definidos no Plano de Fecho, para satisfação de todos os actores principais que nele participaram. Terminar o Contrato de Concessão da Exploração outorgado pelo Estado e entregar as responsabilidades pel área do local a quem as tiver livremente assumido e aceite. O objectivo global a atingir com o Plano de Fecho é conseguir o Encerramento Completo da Mina de modo organizado e eficiente, minimizando os custos envolvidos. Para o alcançar é necessário: • Prevenir, minimizar ou remediar (por esta ordem) os impactes adversos (físicos, sociais e económicos) durante a operação e no final da vida da mina; • Desenvolver Processos de Fecho que assegurem, para cada uma das áreas e para cada um dos cenários o possível uso futuro das instalações, o cumprimento da legislação e das normas em vigor; • Assegurar que com os Processos de Fecho retidos, o ambiente natural não fica sujeito a agressões físicas ou químicas que conduzam à sua degradação e os locais reabilitados se integram no meio envolvente.
Conclusões Os recursos minerais existem na crusta terrestre mas só criarão riqueza se forem de facto explorados. É necessária uma educação social alargada para o seu aproveitamento, cumprindo com a legislação e melhores práticas disponíveis. Actividades paralelas ou posteriores às explorações, por exemplo, turismo em áreas mineiras, só devem ter lugar sem comprometer a exploração actual ou futura ou após o esgotamento dos jazigos. Referências BTW, 2011. Plano de Fecho e Plano Ambiental de Recuperação Paisagística da Mina da Panasqueira. Documento Técnico da Empresa (A. Franco, A. Corrêa sá, J. P. real). Hodge, A., 2015. Understanding risks and lessons from sustainability: ICMM and its role. in: international Council on Mining and Metals – iCMM. rodrigues, r., Jimeno, C., rascon, A., Alamo, l., villalon, J., Ortega, F., Panizo, r., 1991. Manual de Evaluación Tecnico-Economica de Proyectos Mineros de Inversion. instituto Tecnológico geominero de España, Ministerio de industria, Turismo e Comercio, Madrid, 632. schmidt, s. P . geo, P., Bergbau, W., Hütten, A.g., 2012. From Deposit to Concentrate: The Basics of Tungsten Mining. iTiA - international Tungsten industry Association, Tungsten newsletter, 1-19. Usgs – United states geological survey, 2017. Mineral commodity summaries 2017. U.s. Department of the interior, U.s. geological survey (https://doi.org/ 10.3133/70180197, acesso em abril 2017).
geOnOvAs vOL.
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A importância do Modelo Geológico 3D no desenvolvimento de campos de petróleo M. P. Carvalho1* 1
Catu Consultoria Ltda.
*Autor correspondente: geomcarvalho@gmail.com
Resumo O modelo geológico 3D é a representação gráfica, tridimensional, de um campo de petróleo, que geralmente é composto por milhões a bilhões de células georreferenciadas, contendo, cada uma destas, valores de porosidade, permeabilidade, tipo de rocha, tipo e saturação de fluidos (óleo, gás e água), pressão estática, etc., o que permite reproduzir o enquadramento geológico-estrutural-estratigráfico-sedimentológico e petrográfico de um campo de óleo e/ou gás. Consequentemente, este conjunto de elementos permite realizar um cálculo razoavelmente preciso dos volumes dos fluidos contidos nas rochas-reservatório. O modelo geológico 3D pode também ser exportado para softwares que realizam a simulação numérica de fluxos, quando incorporam a variável tempo, permitindo, assim, simular e extrapolar futuras produções de hidrocarbonetos e água, além das variações das pressões estática e de fluxo dos reservatórios. Portanto, a modelação geológica 3D e a simulação numérica de fluxos são processos fundamentais para otimizar a gestão da produção dos campos de óleo e/ou gás, sendo por isso largamente utilizado na indústria do petróleo, principalmente pelas grandes companhias, as Majors. Palavras-chave: Modelo geológico 3D; modelação; petróleo; krigagem; geoestatística. Abstract The 3D geological model is the graphical, three-dimensional representation of an oil field, which usually consists of millions to billions of georeferenced cells, each containing porosity, permeability, rock type, fluid type and saturation (oil, gas and water), static pressure, etc., which allows to reproduce the geological-structural-stratigraphic-sedimentological and petrographic framework of an oil and/or gas field. Consequently, this set of elements allows a reasonably accurate calculation of the volumes of the fluids contained in the reservoir rocks. The 3D geological model can also be exported to softwares that perform numerical flow simulation, when incorporating the time variable, thus allowing the simulation and extrapolation of the future hydrocarbon and water productions, as well as the variations of the static and flow pressures of the reservoirs. Therefore, 3D geological modeling and numerical flow simulation are fundamental processes to optimize oil and/or gas field production management and are widely used in the oil industry, especially by large companies, the Majors.
Keywords: 3D geological model; modeling; petroleum; kriging; geostatistics.
1. Introdução O objetivo deste artigo é apresentar a importância que o processo de modelação geológica 3D tem na indústria do petróleo, mais especificamente, para o
desenvolvimento da produção de campos de óleo e/ou gás. Baseia-se na experiência adquirida em modelação geológica 3D durante os anos de 2005 e 2016, na Petrobras s.A., quando foram modelados vinte e
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três diferentes campos de óleo e/ou gás, nas bacias sedimentares de Campos e recôncavo, no Brasil. estes modelos foram utilizados no gerenciamento da produção de hidrocarbonetos dos referidos campos, servindo de base para a elaboração de: planos de desenvolvimento; locação de poços infill e injetores; intervenções em poços (workovers); cálculo de volumes; e consulta durante o processo de certificação de reservas. na elaboração destes modelos geológicos foi empregado o software de modelação geológica 3D PetreltM, além de outros softwares auxiliares, que realizaram a interpretação sísmica e avaliação petrográfica, a fim de gerar os inputs necessários para o processo de modelagem. A Petrobras s.A. promove o contínuo treinamento dos geólogos-modeladores, utilizando os principais softwares de modelação geológica 3D disponíveis no mercado, com seus respectivos fluxos de trabalho, atingindo, desta forma, o estado-da-arte deste processo, que se encontra disponibilizado para a indústria de óleo e gás.
2. Metodologia Para iniciar um processo de modelação geológica 3D, é necessário, primeiramente, efetuar a importação e a seleção dos principais inputs do modelo, que são basicamente os poços, com seus perfis elétricos, e a sísmica, como pode ser visualizado nas figuras 1 e 2. recomenda-se que o software de modelagem geológica utilizado disponha de recursos que permitam processar, avaliar e interpretar esses inputs, pois estes podem conter diversos tipos de erro, de origem ou acumulados durante o arquivamento. Como referido anteriormente, o software de modelação adotado foi o PetreltM, criado no final da década de 1990, pela empresa technoguide, na noruega, por ex-programadores do software rMs, que o desenvolveram especificamente para computadores pessoais e o sistema operacional Windows, com um fluxo de trabalho pré-estabelecido que muito facilitou o processo de modelação, mesmo para geomodeladores menos experientes. em 2002, a empresa schlumberger Corp. adquiriu a technoguide e, desde então, vem desenvolvendo e comercializando o
Figura 1 – Poços de petróleo perfurados em um determinado campo de óleo e gás na bacia do recôncavo, Bahia, Brasil, com alguns dos seus respectivos perfis elétricos. estes dados são os principais inputs de qualquer modelo geológico 3D. Figure 1 – Oil wells drilled in an oil and gas field in Recôncavo Basin, Bahia, Brazil, with some of their electric logs. These data are the main inputs of any 3D geological model.
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Figura 2 – Horizonte sísmico interpretado a partir de levantamentos 3D, em um determinado campo de óleo e gás, na bacia do recôncavo, Bahia, Brasil. este horizonte corresponde a uma descontinuidade de impedância sísmica que será utilizada na modelagem estrutural e estratigráfica 3D. Figure 2 – Seismic horizon interpreted from 3D surveys, in an oil and gas field, in the Recôncavo Basin, Bahia, Brazil. This horizon corresponds to a seismic impedance discontinuity that will be used in 3D structural and stratigraphic modeling.
PetreltM, acrescentando uma série de outros recursos, como interpretação sísmica, simulação de linhas de fluxos, links para simuladores de reservatórios, well designe, análise de incertezas, recursos adicionais de geoestatística, etc. em razão desta ampla funcionalidade, este software tornou-se o preferido das maiores companhias de petróleo do mundo, as Majors. este software, e a maioria dos outros de modelagem, dispõem de um fluxo de trabalho pré-estabelecido que quase nunca permite que etapas sejam transpostas. no caso específico do PetreltM, o fluxo básico de modelagem geológica 3D abrange as seguintes etapas:
Well Correlation; Fault Modeling; Pilar Gridding; Layering; Facies Modeling; Petrophysical Modeling; Volume Calculation, como se encontra apresentado nas figuras de 3 a 9. estes processos são ensinados em cursos disponibilizados pelo fabricante do software e acompanhados no dia a dia por manuais técnicos e, se desejável, pelo suporte presencial de técnicos da empresa fabricante. Durante grande parte do processo de modelação geológica 3D, inúmeros cálculos de interpolação e extrapolação geoestatística são realizados a partir dos inputs, gerando o grid estrutural, conforme apresentado
36 A importância do Modelo geológico 3D no desenvolvimento de campos de petróleo
Figura 3 – Correlação estratigráfica-estrutural dos poços, com base na interpretação litológica dos perfis elétricos. Figure 3 – Stratigraphic-structural well correlation, based on the lithological electric logs interpretation.
Figura 4 – Modelagem 3D das falhas geológicas a partir da interpretação sísmica e dos perfis elétricos dos poços perfurados. Figure 4 – 3D fault modelling based on seismic interpretation and electric logs evaluation.
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Figura 5 – no processo inicia-se a construção de todos os grids da modelação geológica 3D. Figure 5 – The Pilar Gridding process starts the others grids construction.
Figura 6 – no processo de layering, as células georreferenciadas são produzidas, de acordo com especificações atribuídas pelo geomodelador. Figure 6 – The layering process defines the georeferenced cells according to specifications chosen by the geomodeler.
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Figura 7 – A modelação de fácies antecede e pode condicionar a modelação petrofísica, mas só deve ser realizada se houver um grande número de poços e testemunhos, que proporcionem uma correlação rocha-perfil consistente. Figure 7 – The facies modeling process precedes and may control the petrophysical modeling process, but should only be performed if there are a large number of wells drilled and cores, which provide a strong log-lithology correlation.
nas figuras 4 e 6: o grid estratigráfico, mostrado na figura 7, o grid petrográfico, representado na figura 8, e o grid de fluidos, apresentado na figura 9. trata-se de métodos de regressão usados em geoestatística para interpolar e extrapolar dados, sendo que muitos desses métodos derivam da krigagem (Cressie, 1990). Partem do princípio de que a correlação de uma variável com seu ponto de origem (dado real) se torna mais fraca com a distância, podendo até deixar de existir. simplificadamente, estes métodos estimam, ininterruptamente, valores desconhecidos entre e além de valores já conhecidos (dados reais), utilizando os dados reais como calibradores, procurando com que a média dos erros (desvios entre o valor real e o valor estimado) seja nula (Mallet, 2002). As melhores formas de validar o modelo geológico 3D recém-elaborado é submetê-lo à apreciação da equipe de gestão dos reservatórios do campo; comparar os volumes de fluidos calculados com os históricos do campo e possibilitar alcançar o ajuste de históricos, caso venha a ser realizada a simulação numérica de fluxos.
Discussão A principal justificativa para a elaboração de um modelo geológico 3D é a possibilidade de reunir uma imensa quantidade de dados relevantes, gerados principalmente pelos poços e levantamentos sísmicos, de um determinado campo de óleo e/ou gás, dentro de um modelo tridimensional, que represente, da forma mais precisa possível, o arcabouço geológico deste campo. este número de dados é realmente muito grande. tomemos como exemplo factível a modelação de um campo de óleo com vOiP (Volume of Oil in place) de trinta milhões de metros cúbicos, 100 poços perfurados, dois diferentes reservatórios distribuídos em um intervalo económico vertical com 300 m de espessura, 2 500 m de comprimento e 1 500 m de largura. este campo é integralmente coberto por sísmica 3D, com pontos amostrados a cada 20 m, totalizando 2 812 500 pontos sísmicos, de acordo com a figura 2. Os perfis elétricos dos poços geram informações, verticalmente, a cada 20 cm. Assumindo-se, apenas, a aquisição de três diferentes e necessários perfis elétricos (gamma Ray, densidade e
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Figura 8 – A modelação petrofísica consiste na introdução, em cada uma das células georreferenciadas, dos valores de porosidade efetiva e permeabilidade absoluta, obtidos a partir dos perfis elétricos e testemunhos dos poços perfurados. A interpolação e extrapolação dessas propriedades petrofísicas é feita de acordo com processos geoestatísticos disponíveis no software de modelação geológica 3D. Figure 8 – The petrophysical modeling process consists of the introduction, in each of the georeferenced cells, of the effective porosity and absolute permeability values, obtained from the electric logs and cores of the drilled wells. The interpolation and extrapolation of these petrophysical properties is done according to geostatistical processes available in the 3D geological modeling software.
resistividade), haverá então 450 000 dados disponíveis, conforme pode ser visualizado na figura 1, que resultarão em 900 000 valores de porosidade e permeabilidade, calculados a partir destes perfis elétricos e testemunhos de rocha. então, neste campo, haverá um total de 4 162 500 dados a serem processados. Outro importante aspecto é que a modelação geológica 3D refina o conhecimento estratigráfico e estrutural do campo, pois os recursos geoestatísticos permitem aumentar o grau de definição da sísmica, que se situa em torno de 30 m, na vertical. em ambientes tectonicamente muito estruturados, falhas sub-sísmicas, como pode ser visto na figura 10, que apresentam rejeitos inferiores a este limite, passarão despercebidas pela sísmica e poderão desconectar reservatórios, refletindo bastante na produção de fluidos e na evolução da pressão estática, reduzindo o conhecimento e dificultando o gerenciamento da produção do campo. Outro recurso útil e que só a modelo geológico 3D disponibiliza é a utilização da distribuição espa-
cial de um determinado atributo, por exemplo, porosidade de um reservatório análogo, existente em outro espaço geográfico, para dentro do campo que está sendo modelado. isto se torna possível através do processamento geoestatístico co-krigagem. Por fim, o modelo geológico 3D aumenta consideravelmente a precisão do cálculo do vOiP (Volume of Oil in Place), pois utiliza de cálculo integral para totalizar as milhões ou bilhões de células que contêm cada uma, dados sobre as coordenadas geográficas x, y e z; porosidade; e saturação de fluidos.
Conclusões O modelo geológico 3D é a melhor forma de visualizar, tridimensionalmente, um campo de petróleo, pois permite representar graficamente e com boa precisão, seus principais elementos, que são as rochas-reservatório e suas descontinuidades, o empacotamento estratigráfico, as falhas com seus re-
40 A importância do Modelo geológico 3D no desenvolvimento de campos de petróleo
Figura 9 – O cálculo dos volumes de hidrocarbonetos é realizado através do cálculo integral dos valores de porosidade efetiva e saturação de óleo e/ou gás das milhões ou bilhões de células georreferenciadas existentes dentro do intervalo económico das rochas reservatório. Figure 9 – The hidrocarbon volume calculation process is done by the effective porosity and oil and/or gas saturation integral calculus of the millions or billions of georeferenced cells existing within the net pay interval.
Figura 10 – Falhas sub-sísmicas são aquelas cujos rejeitos são menores do que o limite vertical de detecção da sísmica, em torno de 30 m. A modelação 3D destas falhas é possibilitada pela boa precisão dos métodos de interpolação e extrapolação geoestatísticas, existentes nos softwares de modelação geológica 3D. Contudo, é necessário que exista um número razoável de poços perfurados. Figure 10 – Sub-seismic faults are those whose displacement are smaller than the vertical seismic detection limit, around 30 m. The 3D modeling of these faults is made possible by the good precision of the geostatistical interpolation and extrapolation methods, existing in 3D geological modeling software. However, there must be a reasonable number of wells drilled.
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Figura 11 – O grid para a simulação numérica de fluxos é gerado no software do modelo geológico 3D, através do processo de Up Scaling, onde são realizados ajustes que reduzem significativamente o número de células georreferenciadas, objetivando atender a capacidade de processamento do software de simulação numérica de fluxos. trata-se de um processo complexo, pois as características petrofísicas e de saturação de fluidos do modelo geológico têm que ser preservadas ao máximo. Figure 11 – The numerical flow simulation grid is generated in 3D geological modeling software, by the Up Scaling process, where adjustments are made that significantly reduce the number of georeferenced cells, in order to meet the processing capacity of the numerical flow simulation software. This is a complex process because the petrophysical and fluid saturation characteristics of the geological model have to be preserved to the maximum.
jeitos, rampas de passagem, a distribuição e a saturação dos fluidos, etc. Desta forma, auxilia bastante na gestão da produção, reduzindo as incertezas das intervenções (workovers) em poços produtores, injetores e captadores; otimizando a perfuração de novos poços infill ou mesmo de extensão; aprimorando o cálculo dos volumes dos hidrocarbonetos; e viabilizando a simulação numérica de fluxos, apresentada na figura 11, que necessita do modelo geológico 3D para ser processada. A versatilidade do software de modelação geológica 3D permite, também, o desenvolvimento de novos produtos muito úteis para a gestão da produção, como é o caso dos mapas de óleo remanescente e da água injetada, que podem otimizar extraordinariamente a reabertura de poços antigos, em campos maduros. Desenvolvi pioneiramente este processo e o apliquei com sucesso na reabertura de onze poços antigos em dois campos maduros, no Brasil, e que poderá ser objeto de um novo artigo técnico a ser apresentado futuramente.
Referências Cressie, n., 1990. the Origins of Kriging. Mathematical Geology, 22, 3. Mallet, J.L., 2002. Geomodeling. Oxford university Press, 624.
GEONOVAS VOL.
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32, N.º 1: 43 a 58, 2019 43
Avaliação do Risco Ambiental de Materiais Contaminados na Planície Aluvionar de uma Unidade Metalúrgica C. Pinho1,*, R. Fonseca1, J. Carneiro1 1
Universidade de Évora, Escola de Ciências e Tecnologias, Departamento de Geociências, Instituto de Ciências da Terra (ICT), Laboratório AmbiTerra – Rua da Barba Rala, n.º 1, Parque Industrial e Tecnológico, 7005-345 Évora *
Autor correspondente: c_pinho@uevora.pt
Resumo A ocorrência antrópica de metais em meio natural relaciona-se maioritariamente com a existência e funcionamento de atividades industriais. A unidade metalúrgica de Três Marias da Votorantim Metais S.A., localizada no estado Brasileiro de Minas Gerais, produz ligas de zinco desde o final dos anos 60. O seu funcionamento tem provocado diversos impactos ambientais na sua área envolvente, nomeadamente solos e sedimentos. Este estudo tem como objetivo avaliar e discutir a extensão da contaminação na zona aluvionar do córrego Consciência, afluente do rio São Francisco, através da análise geoquímica dos sedimentos da planície aluvionar, de forma a avaliar qual(is) a(s) técnica(s) de remediação ambiental mais adequada(s) para implementação na região. A caracterização geoquímica da zona aluvionar já referida revelou uma elevada contaminação em As e metais (Cd, Cr, Cu, Mn, Ni, Pb e Zn), muito acima dos níveis críticos e com elevada biodisponibilidade. Neste contexto considerou-se como técnica(s) mais adequadas, que deverão ser objeto de estudo mais detalhado, a aplicação de capping e a construção de uma barreira reativa permeável para a qual será encaminhada a água subterrânea que percola toda a zona aluvionar. Palavras-chave: Biodisponibilidade, caracterização geoquímica, fator de enriquecimento, metais, técnicas de remediação. Abstract Anthropogenic occurrence of metals in a natural environment is mainly related to the existence and functioning of industrial activities. The Três Marias metallurgical unit of Votorantim Metais S.A., located in the Brazilian state of Minas Gerais, has been producing zinc alloys since the late 1960's. Its operation has caused several environmental impacts in its surroundings, namely soils and sediments. This study aims to evaluate and discuss the extent of contamination in the alluvial plain of Consciência waterway, a tributary of the São Francisco River, through geochemical analysis of the sediments, in order to evaluate the most appropriate environmental remediation technique(s) to implement in the area alluvial. The geochemical characterization of this area revealed a high contamination in metals (Cd, Cr, Co, Mn, Ni, Pb and Zn) and As, above the critical levels, most of which having high bioavailability. In this context it was considered as most appropriate technique(s), which should be subject a more detailed study, the application of capping and the construction of a permeable reactive barrier to which will be routed to groundwater percolating the entire zone.
Keywords: Bioavailability, geochemical characterization, enrichment factor, metals, remediation techniques.
1. Introdução A contaminação de solos, linhas de água e zonas aluvionares em metais e metaloides é muito frequente, estando essencialmente associada à deposição
de compostos tóxicos, ricos nos elementos mensionados, nos solos que resultaram de atividades antrópicas (Wuana et al., 2011). O conhecimento da mobilidade dos metais e metaloides no meio é indispensável para uma avaliação rigorosa dos riscos e perigos
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geoquímicos nos solos associados à presença de teores elevados destes elementos, consistindo numa importante ferramenta de controlo e monitorização da poluição ambiental. Embora a análise total de um elemento químico permita a identificação da contaminação, é através do estudo das suas formas químicas de ocorrência no meio que é possível estimar a sua mobilidade, biodisponibilidade e ecotoxicidade no ambiente (Lu et al., 2003; Davidson et al., 2004; Cappuyns et al., 2007). Desta forma, a identificação da perigosidade ambiental de um determinado elemento químico é mais precisa através do estudo parcial e fracionado, ligado às fases móveis, em comparação com a sua análise total. O método de digestão por Aqua Regia de amostras sólidas constitui uma aproximação simples à determinação de fases móveis. Este método consiste na digestão de amostras em solução ácida de ácido clorídrico (HCl) e ácido nítrico (HNO3), na proporção de 3:1 quando otimizado, produzindo uma fração residual rica em minerais silicatados geologicamente estáveis e, portanto, não considerados influenciadores na determinação da fração móvel (Pinho, 2013). Uma das desvantagens desta metodologia é a obtenção de dados pouco específicos, principalmente em casos de estudo de riscos e perigos ambientais e evolução de contaminação e, por conseguinte, estudos de recuperação de materiais contaminados. A área em estudo, localizada no estado Brasileiro de Minas Gerais, encontra-se contaminada em metais potencialmente tóxicos, destacando-se Zn, Ni, Cd, Co, Cr, Cu, Pb e As (metaloide), estando esta contaminação associada, essencialmente, à presença e funcionamento da unidade industrial local. Um dos objetivos deste trabalho insere-se na execução de uma proposta de remediação ambiental, tendo em conta os resultados de um estudo de caracterização geoquímica dos solos e sedimentos da planície aluvionar, onde se insere a área industrial, de forma a impedir o alastramento dos atuais níveis de contaminação presentes na bacia do córrego/ribeiro Consciência para o rio São Francisco, rio de grande extensão, que atravessa vários Estados Brasileiros. A investigação e identificação de técnicas alternativas para a remediação e/ou recuperação de solos a baixo custo e com tempos de execução viáveis, tornam-se necessárias, e são atualmente de elevada importância (U.S. EPA, 2008). A recuperação ambiental da área em estudo só se conseguirá mediante a apresentação e aplicação de propostas de remediação para a zona afetada com recurso a
técnicas de remediação inovadoras acompanhadas de práticas de engenharia natural e, simultaneamente, contribuir para uma remediação sustentável em termos ambientais e paisagísticos. A remediação de solos e de águas subterrâneas consiste, geralmente, numa tarefa complexa que exige a colaboração de equipas multidisciplinares de profissionais qualificados, com experiência na elaboração de diagnósticos precisos e na definição da tecnologia mais adequada de forma a assegurar os padrões pré-estabelecidos em projeto. O conhecimento das tecnologias atuais de remediação, das suas limitações, da viabilidade económica da sua utilização e da sua aplicabilidade relativamente aos tipos de solos, às questões hidrogeológicas e à natureza dos contaminantes são fatores determinantes para o sucesso do programa de remediação. A solução implementada deve ser aplicada tendo em conta as condições intrínsecas e únicas do local contaminado (Carvalho, 2008). Como exemplo de uma tecnologia de remediação tem-se a utilização de materiais reativos inovadores no enchimento de barreiras reativas permeáveis (BRP’s) ou a biorremediação (Carvalho, 2008). O sucesso de uma técnica ou do conjunto de técnicas utilizadas passa, primeiro, pelo controlo da fonte de contaminação, sendo que a sua aplicabilidade depende, não apenas da natureza dos contaminantes, mas também das características intrínsecas dos materiais geológicos (Reis et al., 2007). Na figura 1 encontram-se esquematizadas as principais técnicas de remediação utilizadas e apropriadas para cenários de contaminação por metais potencialmente tóxicos, tanto em solos como em águas.
2. Enquadramento 2.1. Enquadramento geográfico A área em estudo localiza-se no município de Três Marias, no Estado de Minas Gerais, (Brasil) e integra a bacia hidrográfica do rio São Francisco, estando a unidade industrial Votorantim Metais S.A. localizada junto à margem do referido rio. A zona em estudo tem uma área aproximada de 3 km2, encontra-se a 563 m de altitude e dista cerca de 3 km da cidade de Três Marias e, aproximadamente, 4 km da barragem com o mesmo nome. A unidade industrial é limitada a norte pelo córrego Consciência, a sul pelo córrego Barreiro Grande, a oeste pelo rio São Francisco e a Este pela cidade de Três Marias (Fig. 2).
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Figura 1 – Esquematização das principais técnicas de remediação utilizadas em meios contaminados por metais potencialmente tóxicos. Figure 1 – Schematization of the main remediation techniques used in media contaminated by potentially toxic metals.
Figura 2 – Localização da área em estudo (Google Earth, imagem de 20.08.2013). Figure 2 – Location of the study area (Google Earth, image of 08.20.2013).
2.2. Enquadramento geológico Geologicamente, a área em estudo encontra-se inserida na Formação de Três Marias, pertencente ao Grupo Bambuí (Fig. 3). Este grupo constitui a
unidade característica da bacia, incorporando frações de rochas carbonatadas alteradas, sendo dividido nas formações sedimentares, designadas de Carrancas, Sete Lagoas, Samburá, Serra de Santa Helena, Serra da Saudade e Três Marias de acordo com Ribeiro
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Figura 3 – Enquadramento geotectónico da área em estudo no Cratão de São Francisco (Adaptado de Flickriver em: 11.04.2016; Dias, 2014). Figure 3 – Geotectonic framing of the study area on the São Francisco Card (Adapted from Flickriver on: 11.04.2016; Dias, 2014).
(2010). A Formação Três Marias está estratigraficamente localizada no topo do referido grupo, e constitui uma espessa sequência sedimentar com relativa persistência lateral, representada por camadas de arenitos arcósicos de granulometria fina a muito fina, intercalados de siltitos arcósicos com cor cinza-esverdeados e violáceos, ricos em quartzo, feldspato e minerais pesados, como óxidos de ferro, turmalina, zircão, epídoto e granada, com uma idade aproximada de 600-650 Ma e as suas bancadas de arenitos apresentam uma esfoliação esferoidal típica aquando da sua alteração (Trindade, 2010; Ribeiro 2010; Costa et al., 2011). Os marcadores deposicionais da Formação Três Marias são caracterizados, essencialmente, pelo carácter discordante erosivo, sendo ainda marcados pela ausência de deformações significativas, em consequência, da relativa estabilidade tectónica do compartimento central do Cratão de São Francisco durante a atuação dos processos de sedimentação. 3. Metodologia 3.1. Amostragem A amostragem efetuada na área em estudo foi estabelecida com base nas conclusões obtidas a
partir de um estudo de diagnóstico realizado pela empresa de consultadoria Golder Associates (Golder Associates, 2007a), que dividiu a área aluvionar sobre a influência da Votorantim Metais S. A. em três zonas específicas (Fig. 4), designadas de: • Área A1 – leito e margens do córrego Consciência (0,98 ha); • Área A2 – planície aluvionar do córrego Consciência (2,707 ha); • Área A3 – bacia de acumulação das aluviões, correspondente à parte da bacia de drenagem do córrego Grota Seca (0,51 ha). De forma a se proceder a uma avaliação assertiva da concentração de elementos metálicos oriundos das atividades da Votorantim Metais S.A., foram amostrados pontos, a montante e fora da influência da unidade industrial distados da mesma, numa área designada por A0. Esta área foi definida nas margens direita e esquerda do córrego Consciência, representando assim o background geoquímico da área em estudo (Fig. 4). Os sedimentos foram recolhidos, em dois períodos sazonais distintos, nomeadamente nas
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Figura 4 – Áreas consideradas contaminadas na envolvente da Votorantim Metais S.A (Google Earth, imagens de 20.0.2013 em 18.05.2016). Figure 4 – Areas considered contaminated in the surroundings of Votorantim Metais S.A (Google Earth, images of 20.0.2013 on 05.18.2016).
estações de seca e de chuva, com recurso a trado e, maioritariamente, em três profundidades diferentes (0 a 20 cm, 20 a 40 cm e 40 a 60 cm), pretendendo-se assim conhecer em profundidade os teores em elementos metálicos superiores aos considerados críticos e a forma química em que ocorrem. Para algumas amostras, dada a sua localização nas margens do córrego, e tendo em conta o maior dinamismo químico, a camada superficial de 0 a 20 cm foi ainda subdividida em amostras de 5 cm, sendo que em cada local de amostragem, foram recolhidas três amostras de forma a ser possível a obtenção de uma amostra compósita o mais representativa possível. Para o caso das amostras da margem que se encontravam imersas periodicamente, foi feita a recolha com recurso a uma draga manual do tipo Shipeck, (com vara) e os sedimentos depositados em zonas mais profundas do leito do córrego foram amostrados com apoio de uma draga manual do tipo Shipeck (suspensa) ou com um corer de varas Kajak. Os pontos de amostragem encontram-se representados nas figuras 5 a 8 de acordo com as áreas consideradas como contaminadas pela Golder Associates (Golder Associates, 2007a).
3.2. Procedimento experimental Os sedimentos recolhidas no campo foram refrigerados, após quarteamento para obtenção de subamostras que foram secas a 60 ºC em estufa ventilada (Beschickung – Loading Modell 100-800 Memmert) até o peso se tornar constante. Após secagem, as amostras de sedimentos foram colocadas em exsicador até ser atingida a temperatura ambiente, sendo posteriormente moídas em moinho de ágata (Siebtechnik), com argolas para as amostras com maior quantidade e com bolas para amostras com menor volume, tendo sido nesta subamostras realizados os ensaios químicos. A determinação do grau de contaminação dos sedimentos foi realizada após a identificação dos principais elementos contaminantes, obtida por digestão biácida (HCl: 3ml e NHO3: 5ml), também designada por Aqua Regia, e posterior quantificação em ICP-OES (U.S. EPA, 2007). Os teores obtidos foram comparados com os níveis de referência admitidos no Estado de Minas Gerais (CONAMA, 2012) que, por sua vez, são adaptados dos valores de referência canadianos para a proteção da vida aquática
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Figura 5 – Localização dos pontos de amostragem dos sedimentos na área A0 (Google Earth, imagens de 20.0.2013 em 18.05.2016). Figure 5 – Location of the sediment sampling points in the A0 area (Google Earth, images of 20.0.2013 on 05.18.2016).
(Environmental Canada). Com base nos valores de referência conhecidos, classificaram-se os dados dos teores obtidos segundo dois níveis de perigosidade (CONAMA, 2012): • Nível 1 - correspondendo ao limiar abaixo do qual não se esperam efeitos nefastos para a vida aquática (o que equivale ao Valor de Qualidade de Referência – VQR); • Nível 2 – que se adequa ao limiar acima do qual se esperam efeitos nefastos à biota (referido posteriormente como Valor Crítico – VC).
As análises laboratoriais foram realizadas no Laboratório de Biogeoquímica Ambiental – AmbiTerra da Universidade de Évora e no Laboratório do Departamento de Geociências que integram ambos, o Departamento de Geociências da Universidade de Évora. 4. Resultados e discussão 4.1. Variação espacial e temporal da contaminação A partir da determinação do grau de contaminação, foram identificados como elementos de maior
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Figura 6 – Localização dos pontos de amostragem dos sedimentos na área A1 (Google Earth, imagens de 20.0.2013 em 18.05.2016). Figure 6 – Location of the sediment sampling points in area A1 (Google Earth, images of 20.0.2013 on 05.18.2016).
Figura 7 – Localização dos pontos de amostragem dos sedimentos na área A2 (Google Earth, imagens de 20.0.2013 em 18.05.2016). Figure 7 – Location of the sediment sampling points in area A2 (Google Earth, images of 20.0.2013 on 05.18.2016).
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Figura 8 – Localização dos pontos de amostragem dos sedimentos na área A3 (Google Earth, imagens de 20.0.2013 em 18.05.2016). Figure 8 – Location of the sediment sampling points in area A3 (Google Earth, images of 20.0.2013 on 05.18.2016).
expressividade e, consequentemente, mais alta perigosidade ambiental o Cd, o Pb e o Zn. Foram definidos teores muito superiores ao do valor crítico, de acordo com as normas ambientais vigentes no Estado de Minas Gerais (Tab. 1), em todas as áreas analisadas (A1, A2 e A3), comparativamente com a área de background ou de fundo (A0) (Fig. 9). Por outro lado, observou-se um aumento generalizado dos teores dos elementos em profundidade nos sedimentos recolhidos nas três áreas contaminadas, referenciadas como A1, A2 e A3. De facto, estas áreas apresentam maior acumulação de sedimentos aluvionares com elevado teor de humidade, tonando-se assim mais fácil o transporte dos elementos metálicos pelos processos de difusão e/ou advecção ao longo da coluna sedimentar através da água intersticial e subterrânea. Considerando-se as diferentes camadas verticais de sedimentos amostradas e a sua análise química poder-se-á concluir que os teores nos elementos analisados variam com a profundidade. Verificando-se que os sedimentos recolhidos nas épocas de seca e de chuva apresentam comportamentos distintos para os seguintes elementos Cd, Pb e Zn: 1) concentrações mais elevadas à superfície, com tendência ao decréscimo em profundidade – durante a época da seca;
2)concentrações menores à superfície, com tendência ao aumento em profundidade – durante a época das chuvas. Os comportamentos expressos variam de acordo com o elemento analisado, sendo que para cada um deles são verificados, no geral, os dois comportamentos já descritos. 4.2. Fatores de enriquecimento A determinação e caracterização da amplitude da contaminação no local em análise, considerando-se os teores obtidos na digestão parcial (Aqua Regia), foram realizadas através do cálculo do fator de enriquecimento. Um depósito mineral de um dado elemento representa, assim, uma concentração geoquímica anómala, em referência ao teor médio da crosta ou clarke que, por exemplo, para o ferro é 58000 ppm (58%), 1 ppm para o volfrâmio e 2 ppb (0,002 ppm) para o ouro. O fator de enriquecimento corresponde a uma razão padronizada com os valores de referência ao teor médio da crosta clarke para as rochas parentais segundo Kabata-Pendias (2001). No entanto, o trabalho tem como objetivo a utilização da comparação entre os valores de concentração anómala e os da
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Figura 9 – Comparação dos teores obtidos por digestão parcial para os principais contaminantes da área nas amostras seca (PS) e chuva (PC) com os valores legais locais. Figure 9 – Comparison of the contents obtained by partial digestion for the main contaminants of the area in the dry (PS) and rain (PC) samples with local legal values. Tabela 1 – Valores de Intervenção admitidos pela legislação CONAMA,2012. Table 1 – Intervention values admitted by CONAMA legislation, 2012. Valores de Intervenção CONAMA,2012 (mg.kg-1) Aluviões
As
Cd
Cr
Cu
Ni
Pb
Zn
<5,9
< 0,6
< 33
< 17
< 14
< 8,4
< 58
33-37,3
17-35,7
14-18
8,4-35
58-123
Branco
Normal
Amarelo
Intermédio
Laranja
Atenção
5,9-17
0,6-3,5
37,3-90
35,7-197
18-35,9
35-91,3
123-315
Vermelho
Crítico
> 17
> 3,5
> 90
> 197
> 35,9
> 91,3
> 315
área de referência A0, e não à sua confrontação com os valores das rochas parentais, recorrendo assim à definição de fator de enriquecimento proposta por Lee et al. 1997 (in: Nude et al., 2011; Pinho, 2013; Martins, 2014; Dias, 2014). O cálculo do fator de enriquecimento é assim realiza do através da utilização do ferro (Fe) como padronizador das amostras, segundo a equação:
FE = Me/Fe amostra Me/Fe padrão
Onde: “(Me/Fe) amostra” corresponde à razão entre um determinado elemento metálico e o ferro na amostra e “(Me/Fe) padrão” equivale à razão entre o metal e o ferro no padrão comparativo. O cálculo foi efetuado considerando-se os valores médios de, cada elemento em, todas as amostras da área A0, de forma a minimizar possíveis erros relacionados com enriquecimentos pontuais em algumas amostras e identificação de uma aproximação real da contaminação local. Os
52 Avaliação do Risco Ambiental de Materiais Contaminados na Planície Aluvionar de uma Unidade Metalúrgica
resultados foram classificados segundo cinco categorias, representadas na tabela 2. Na figura 10 estão representados graficamente os resultados obtidos para o fator de enriquecimento calculado para todos os sedimentos analisados. A leitura da figura 10 permite reconhecer claramente os elementos mais enriquecidos na área em estudo. Da análise identificaram-se os elementos
Cd e Zn como os principais contaminantes dos sedimentos, destacando-se ainda o Pb com enriquecimentos muito elevados a extremamente elevados em todas as áreas estudadas. O As apresenta valores de enriquecimento significativo para as áreas A1 e A3, porém, na área A2 destacam-se enriquecimentos significativos a extremamente elevados. O Cu e o Mn apresentam valores de enriquecimento mode-
Figura 10 – Categorias do Fator de Enriquecimento (FE) nos sedimentos da área em estudo. Figure 10 – Enrichment factor (FE) categories in the sediment of the study area. Tabela 2 – Categorias de classificação do Fator de Enriquecimento. Table 2 – Categories of classification of the Enrichment Factor. Categorias de classificação do Fator de Enriquecimento <2
Depleção ou Enriquecimento Mínimo
2-5
Enriquecimento Moderado
5-20
Enriquecimento Significativo
20-40 > 40
Enriquecimento Muito Elevado Enriquecimento Extremamente Elevado
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rados a significativos nas áreas A1 e A3, sendo muito elevados a extremamente elevados na área A2, contudo, em amostras pontuais. O Co e o Ni apresentam valores mínimos a moderadamente enriquecidos, à exceção de uma situação pontual na área A2, onde os valores de enriquecimento são extremamente elevados, enquanto para o Cr está presente com enriquecimento mínimo em todas as áreas. A figura 11 transmite uma visão mais global dos enriquecimentos identificados, tendo sido realizado o somatório das ocorrências para cada área estudada e cada classe de referências, independentemente dos elementos analisados. Assim, verifica-se a ocorrência de enriquecimentos elevados a extremamente elevados em todas as áreas, com a área A1 e A2 a apresentar maior número de amostras com esta classe de enriquecimento (essencialmente em Cd, Pb e Zn). Os menores enriquecimentos, designados de mínimo, moderado e significativo são identificados na sua maior parte nos sedimentos que integram as áreas A1 e A3. 4.3. Distribuição espacial da contaminação em profundidade De forma a se obter uma visualização geral dos níveis de contaminação em profundidade foram elaborados mapas da sua distribuição espacial na zona aluvionar para todas as amostras e todos os ele-
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mentos analisados, considerando as duas épocas de amostragem, ou seja a da seca e a da chuva, cujas escalas adotadas de avaliação vão de encontro aos limites considerados para cada elemento no relatório CONAMA (2012). Para a elaboração dos mapas de distribuição espacial, procedeu-se à interpolação dos dados obtidos em laboratório, recorrendo ao software SURFER12, com recurso à interpolação pelo processo de krigagem. Na análise do elemento Zn, principal contaminante da área (Fig. 11), apuraram-se concentrações em Zn muito superiores às tidas como referência em todas as profundidades amostradas, com teores em algumas amostras cerca de 600 a 900 vezes superior ao limite legislado (CONAMA, 2012). Da análise da figura 12 é possível verificar a ocorrência de teores mais próximos do valor crítico (valor admitido como limite pela legislação em vigor) nas amostras recolhidas mais próximas do córrego/ribeiro Consciência, sugerindo possíveis efeitos de diluição, que serão mais evidentes na época da chuva, indicativos de processos de atenuação natural por efeito de diluição de contaminantes pela linha de água. O caso do elemento Zn corresponde à situação mais gravosa, no entanto, a elaboração dos mapas de distribuição espacial dos restantes elementos e a caracterização geoquímica elaborada evidenciaram ocorrências de teores elevados em todos os elementos analisados, com efeitos de diluição mais notórios
Figura 11 – Somatório do número de ocorrências nos sedimentos em cada categoria do Factor de Enriquecimento (FE). Figure 11 – Sum of the occurrences number in the sediment in each category of the Enrichment Factor (FE).
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Figura 12 – Distribuição espacial da contaminação em profundidade da zona aluvionar (digestão por Aqua Regia - Zn). Figure 12 – Spatial distribution of the deep contamination in aluvionar zone (digestion by Aqua Regia - Zn).
em alguns elementos como o As, o Cr, o Cu, e o Ni, com o Cd, o Pb e o Zn a apresentarem efeitos de atenuação natural menos expressivos. 4.4. Proposta de remediação Tendo em conta os níveis de contaminação identificados e reconhecida a elevada mobilidade dos contaminantes através da variação sazonal dos teores à superfície e em profundidade, é desaconselhada a dragagem dos sedimentos contaminados como técnica de remediação. Consequentemente, a remediação na zona aluvionar deve passar pela aplicação in situ, porém, a sua aplicação preferencial deverá ocorrer durante a época de seca. Uma vez que a área se encontra contaminada por diferentes elementos potencialmente tóxicos, com elevados teores, propõe-se a aplicação de técnicas capping, que corresponde a uma técnica de isolamento,
decapagem e remoção da camada superficial contaminada e a colocação de uma camada drenante de solo vegetal, para além da construção de uma barreira reativa permeável, como ensaio piloto. Esta última técnica permitirá a remoção dos elementos contaminantes da água à medida que esta flui através de uma barreira construída com materiais selecionados para promover a reação química de remoção e/ou estabilização dos contaminantes. Tendo em conta os custos de instalação, sugere-se a implementação de uma configuração em funnel and gate, com construção de zonas impermeáveis laterais à barreira permeável central de forma a garantir que o fluxo da água subterrânea é direcionado para a zona reativa. 5. Conclusão Da análise por digestão parcial identificaram-se como elementos com maior expressividade na sua
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concentração e, consequentemente, perigosidade ambiental, o Cd, o Pb e o Zn, caracterizados por teores muito superiores ao valor crítico, de acordo com as normas ambientais vigentes no Estado de Minas Gerais. Da comparação dos teores obtidos com os períodos sazonais considerados (seca e chuva), verificou-se uma ligeira diminuição dos teores na amostragem da chuva à superfície, comportamento que se poderá dever ao aumento do caudal do córrego/ribeiro e da sua capacidade de lixiviação dos materiais, com consequente mobilização de elementos mais solúveis à superfície. Esta mobilização expressou-se por um aumento significativo dos teores de todos os elementos metálicos analisados em direção à superfície durante a época da chuva e em profundidade durante a época seca, evidenciando assim circulação vertical de fases móveis através dos materiais sedimentares que constituem a base/leito da linha de água. A partir do cálculo do fator de enriquecimento verificou-se para as áreas A1, A2 e A3, como anteriormente comprovado pela análise dos dados da digestão parcial, enriquecimentos elevados, essencialmente em Cd, Pb e Zn, mas também em As e Co, porém, em menor escala. A distribuição espacial do teor em contaminantes a diferentes profundidades revelou níveis críticos, particularmente, nas camadas mais superficiais para todos os elementos analisados, contudo, com algum decréscimo em profundidade, e ocorrência, do efeito de diluição nas áreas mais próximas ao córrego/ribeiro com teores mais reduzidos. No entanto, a apresentarem-se ainda acima dos valores legislados para a maioria dos elementos dos quais se destacou o Zn, o que poderá sugerir possíveis processos de atenuação natural. A proposta de remediação para a área em estudo, tendo em conta os níveis de contaminação identificados, a sua elevada mobilidade e variação sazonal, não passará pela dragagem dos sedimentos contaminados. A remediação da zona aluvionar terá de ser baseada em técnicas de remediação in situ, preferencialmente aplicadas na época da seca. Sugerindo-se como as mais adequadas as técnicas de capping, e a construção de uma barreira reativa permeável com configuração em funnel and gate, acompanhada pela construção de zonas impermeáveis laterais à mesma de forma a garantir a sua maior eficácia. 6. Agradecimentos Os autores agradecem à Votorantim Metais S.A., pelo financiamento do projecto “Proposta de
estratégia de remediação da área dos córregos Consciência e Barreiro Grande - Fase 2.”
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gEoNovAS vol.
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32, N.º 1: 59 a 70, 2019 59
Participação de crianças em atividades de garimpo artesanal na Província de Manica: problemáticas educativas A. Manhice1*, F. Amador2 1
Programa de Doutoramento em Sustentabilidade Social e Desenvolvimento, Universidade Aberta, Portugal
2
Departamento de Educação e Ensino a Distância, Universidade Aberta e Centro de Investigação Didática Tecnologia e Formação de Formadores (Universidade de Aveiro) *Autor correspondente: anhachale@gmail.com
Resumo A presente investigação centra-se nas atividades de garimpo artesanal, efetuadas por crianças na região de Manica, em Moçambique e, visa chamar a atenção para as respetivas implicações educativas. No referente à metodologia analisa-se a realidade a partir de um contexto fenomenológico de raiz husserliana. A resolução de um problema complexo, como os dados empíricos revelam, através de atitudes abolicionistas do trabalho infantil, mesmo que legalmente suportadas, não será a mais adequada por provocar a jusante outro tipo de problemas. Por isso, é necessário encontrar soluções de compromisso, nomeadamente no âmbito educativo, suportadas no conhecimento e no respeito da realidade local. Palavras-chave: Educação, garimpo artesanal, trabalho infantil, Moçambique. Abstract The present research focuses on artisanal mining activities carried out by children in the Manica region of Mozambique, and aims to understand its implications in the field of Education. The reality is analyzed from the norms of child labor and the social context. The solution of some problems by laws would seem the easiest way, but complexity of situation revealed by the empirical data collected, advise the finding of other kind of solutions of commitment, supported in the knowledge of the traditional reality.
Keywords: Education, small scale mining, child labor, Mozambique.
1. Introdução o presente estudo tem como objetivo central o trabalho infantil em zonas de garimpo artesanal e, respetivas, implicações educativas. Embora historicamente as culturas tradicionais não atribuam uma conotação negativa ao trabalho infantil, a situação sofreu profundas mudanças nas últimas décadas em resultado de legislação proveniente de organizações supranacionais. refiram-se, mais recentemente, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (oDS) e a Agenda 2030 das Nações Unidas, cujos tópicos 1, 2, 4, 5, 8
e 10 poderíamos relacionar com esta pesquisa, embora se atribua ênfase preferencial aos temas 4 (“Educação de Qualidade”) e 8 (“Trabalho Digno e Crescimento Económico”). Desde o século vII a meados do século XII, a costa oriental de África foi intensamente visitada e mesmo ocupada por comerciantes árabes. De Mogadíscio a Sofala, surgiram interpostos comerciais onde se realizava o comércio de ouro, marfim e escravos com árabes e povos asiáticos (Ki-Zerbo, 1999; Serra, 2000). Posteriormente, a expansão europeia, iniciada no século Xv, transformou-se a
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partir do século XvI num fenómeno global. o continente africano era um espaço que oferecia novas oportunidades para dinamizar as economias europeias em crise. A disputa pelo monopólio de riquezas provocou lutas renhidas entre os naturais de regiões com abundância de recursos e os povos que aportavam aquelas paragens, com destaque para os portugueses. Com a ocupação de várias zonas, inicialmente apenas limitada ao litoral, aumentou o comércio de escravos e de riquezas minerais, as quais eram exploradas, em parte, antes já da presença portuguesa. A partir do século XIX a luta pelo domínio dos territórios africanos, entre as potências europeias recrudesceu, e traduziu-se numa maior penetração no interior com o objetivo de estabelecer fronteiras. Apesar de se reconhecer que Portugal foi o primeiro país a abolir oficialmente a escravatura no século XIX, importa referir que organizou nas suas colónias um outro sistema de escravatura que obrigava as populações colonizadas a trabalharem como escravos (Pité, 2004, apud Manhice, 2016). Em 1919, a criação da organização Internacional do Trabalho (oIT) atribuiu visibilidade à proble má tica do trabalho infantil, considerando-o como todo aquele que coloca “em risco o bem-estar da criança, limite o acesso à sua escolaridade ou impeça o seu desenvolvimento físico e moral harmonioso” (Bárcia, 2007). Três critérios estão associados a esta definição (ibid.): a idade da criança; o número de horas semanais de trabalho; e as condições em que se exerce o trabalho. Se a batalha contra o trabalho infantil é global, no que se refere ao continente africano esta deve inspirar-se da visão de Kwame Nkrumah: unir esforços para encontrar orientações e linhas de ação comuns, que tenham em consideração a pobreza, as altas taxas de iliteracia e um índice elevado de população jovem (Makumba, 2014).
2. Metodologia o estudo tem por base o paradigma qualitativo, adotando-se a fenomenologia, na perspetiva de Edmund Husserl, como método de investigação. Esta perspetiva permite proceder ao estudo das experiências humanas (Jacson, 1996, apud Carvalho & vergara, 2002) em diferentes contextos sociais, colocando no centro da investigação o sujeito que experienciou o fenómeno e o modo como os indiví-
duos compreendem os significados (Schmidt, 2005). o método fenomenológico afigurou-se-nos o mais adequado, com capacidade de responder às exigências do presente trabalho. De acordo com Finlay (2009) é um dos métodos qualitativos mais sensíveis à análise de experiências de vida e onde a interconexão entre o investigador e o investigado é parte crucial. A fenomenologia husserliana defende assim que o saber genuíno deve ser construído a partir do princípio, da sua origem primária, num processo que se deseja neutro e desprovido de todo o preconceito, isto é, livre dos elementos pessoais, culturais, e de senso comum (Zilles, 2002), dirigindo-o para a compreensão das entidades na sua essência e originalidade. Nesta investigação, procedeu-se à delimitação de um fragmento da realidade moçambicana, a qual constitui o objeto do estudo: a compreensão da experiência de vida de 21 crianças, entrevistadas em campos de garimpo, e, em locais próximos, associados à atividade mineira. Para além da entrevista, fizémos uso de outras técnicas de coleta de informação (observação e fotografias) o que permite explorar o fenómeno a partir de uma maior diversidade de pontos de vista e “abranger a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do foco em estudo” (Triviños, 1987: 138).
3. Breve caraterização da Província de Manica A província de Manica está localizada na região centro e interior de Moçambique, ao longo da fronteira com o Zimbabwe, possuindo uma localização geográfica privilegiada pela facilidade de ligações ao resto do território nacional e a outros países do interland, como Malawi, Zâmbia, Zimbabwe e Congo Democrático. geograficamente é uma região montanhosa, rica em biodiversidade e endemismos relacionados com a diversidade geológica (Moore & Cotterill, 2017). Por outro lado, em formações do Pré-câmbrico existem jazigos valiosos, de ouro, rútilo, zircão, cobre, ferro e ferro-titânio (vasconcelos, 2014). o ouro está presente tanto nas formações de idade arcaica como nas do como nas do Proterozoico inferior (ibid.). Manica pertence à porção mais oriental do chamado cratão do Zimbabwe (orey, 1992), o qual se encontra envolvido por um conjunto de cinturões de rochas muito metamorfizados - greenstones belts. A extração mineira de ouro na região atingiu valores máximos em 1914, incidindo sobre filões de quartzo
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aurífero e aluviões recentes. Em 1949, teve uma redução significativa, resultado do preço do ouro, do aumento da mão-de-obra e da necessidade de se utilizar outro tipo de tecnologia no tratamento dos metais extraídos. Após a guerra Civil (19761992) verificou-se um aumento da mineração artesanal. No presente, a produção do ouro na Província de Manica, em resultado da mineração artesanal situa-se entre 480 e 600 kg por ano (Selemane, 2010). Mais recentemente, a descoberta de determinado tipo de turmalinas, com valor económico significativo, deu origem ao aparecimento de mineração neste âmbito.
4. Trabalho infantil e mineração artesanal: multiplicidade de visões Ao longo dos tempos o conceito de “criança” tem sido encarado a partir de diversas perspetivas, dependendo do contexto e do lugar. Porém, a questão central mantém-se constante: qual o lugar que a criança ocupa no sistema de relações numa sociedade? Nos últimos dois séculos, a criança passou a ser encarada como sujeito social, porém, em simultâneo, possuidora de um estatuto particular, enquanto ser em desenvolvimento físico e cognitivo. A criança passou a assumir um maior destaque tanto na esfera privada, como na pública. Contudo, apesar da conceção da criança como indivíduo de direito, esta realidade não se reflete nas vivências quotidianas, em muitas regiões do mundo. Em 1959, as Nações Unidas proclamaram a Declaração dos Direitos da Criança que consagra os princípios fundamentais de defesa da criança, mas há um problema com o qual continuamos a enfrentar-nos – a exploração do trabalho infantil. No contexto moçambicano o termo “criança” aplica-se a menores de 18 anos e o termo “jovem” a todo o indivíduo com idade compreendida entre 15-35 anos. o limite dos 18 anos é estabelecido pela oIT, Convenção n º 138 (C138) que considera “trabalho de menores” o realizado em idades < 18 anos. Este limite de idade (18 anos) deriva de uma visão romântica e europeia, com origem nos séculos XvIII e XIX, sem qualquer preocupação de contextualização a outras realidades (Ballet & Bhukuth, 2019). Contudo, a própria C138 não é tão restritiva como aparenta, porque permite a cada país elencar uma lista de trabalhos considerados “ligeiros” e que possam ser realizados por crianças com idades
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superiores a 12/13 anos. A complexidade desta tarefa teve como consequência que os países não desenvolvessem e aprovassem estas listas. resultado desta situação, em 1999, surge a C182 que faz referência aos tipos de trabalhos que se consideram corresponder às piores formas de exploração infantil, isto é, com níveis de perigosidades elevados. o problema é que entre as duas convenções existem sobreposições geradoras de ambiguidade (ibid.). A perceção social do trabalho infantil, em Moçambique, deve ser analisada tendo em considera ção valores culturais que não só encorajam o trabalho infantil, como o encaram como normal, considerando ser através dele que a criança é integrada na vida adulta. A lei do Trabalho (lei n.o 23/2007) é permissiva relativamente ao trabalho de menores de idades entre os 12-15 anos, sob autorização, por escrito, do representante legal (Art.º n.o 27). Fica assim claro que 15 anos é a idade mínima para o trabalho estabelecida por lei. Ainda dentro do espírito de proteção contra o trabalho infantil, a lei do Trabalho, no ponto 2, do Art.o n.o 23, proíbe a ocupação do menor de 18 anos em tarefas insalubres e perigosas ou nas que exijam grande esforço físico. Assim, o problema coloca-se a vários níveis: i) orientações internacionais e nacionais; ii) condições de realização do trabalho; iii) impacto na educação. Por isso, é nossa intenção contribuir para uma maior visibilidade da questão, para a compreensão da rede interesses envolvidos e para a minimização das implicações nomeadamente em termos educativos. Jonah & Abebe (2018) referem problemas semelhantes no gana onde se têm vindo a gerar tensões entre o governo, as populações e as oNgs perante a defesa de perspetivas abolicionistas radicais. À semelhança do que acontece em Moçambique, estes autores também referem o facto da definição de “criança” não ter em consideração aspetos da cultura tradicional. olivia (2013), no contexto do Zimbabwe, chama a atenção para o facto, de com frequência, o garimpo ilegal ocorrer em zonas sem estruturas sociais, como clínicas médicas ou escolas, e gerar graves implicações no ambiente. Paralela a esta visão existem os defensores da criação de condições que minimizem os impactos, tendo presente as consequências negativas do abolicionismo radical. A nosso ver, a conciliação entre trabalho e escola é difícil, mas exequível. Sabemos que algumas destas crianças sujeitam-se a este trabalho para conseguirem dinheiro necessário
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ao sustento das famílias e adquirirem condições para frequentar a própria escola, quando ela existe e tem professor. 5. Resultados e discussão os resultados da amostra encontram-se subdivididos em duas partes: caraterização da amostra e do trabalho de campo realizado. 5.1. Caraterização da amostra No contexto do garimpo, as crianças podem participar em diferentes atividades: diretas e indiretas. As primeiras correspondem ao trabalho em locais de extração e as segundas ao apoio às primeiras. Por exemplo: vender água, confecionar alimentos, cuidar dos mais novos enquanto os mais velhos garimpam, limpar os instrumentos de trabalho, etc. A nossa amostra foi composta de 21 crianças, com idades entre os 7-18 anos. As visitas de campo ocorreram em dois momentos distintos: letivos e férias escolares. A maior parte dos elementos (17 crianças) estavam associadas à mineração de ouro e os restantes à de turmalinas, em áreas distintas. Como a figura 1 revela, o maior número indivíduos pertence ao género feminino e possuía 12 anos.
Na participação direta encontrámos crianças de ambos os sexos (Fig. 2). o número reduzido de crianças a carregarem materiais poderá estar relacionado com o facto de ser uma atividade pesada e pouco remunerada. Por sua vez, a lavagem do ouro congrega maior número de participantes, numa percentagem igual entre os dois géneros. Neste caso, os ganhos são imediatos e os lucros maiores. Quanto às atividades indiretas apenas participam crianças do sexo feminino. A figura 2 revela que a escolaridade dos intervenientes do estudo se situa maioritariamente entre a 3.ª e a 7.ª classes. Apenas 3 crianças frequentam o ensino secundário e são todas do sexo masculino; só uma criança atingiu a 12.a classe. Embora os dados não o justifiquem, pensamos que face às dificuldades das famílias, as prioridades educativas vão para os indivíduos do sexo masculino. Das crianças do sexo feminino entrevistadas, apenas uma referiu possuir o ensino primário completo - a 7.a classe. As restantes 9, na sua maioria, frequentam o primeiro grau do ensino primário. Importa referir que em diversas situações, mesmo em horário letivo, os entrevistados, no computo geral das diversas subamostras, não se encontravam na escola (75%), durante o período letivo. o ensino primário básico em Moçambique é obrigatório e gratuito e o início da escolaridade deve ocorrer aos 6 anos. A figura 3 revela que nem todos os nossos interlocutores estavam inscritos na escola.
Figura 1 – Idade e género dos participantes. Figure 1 – Age and gender of the participants.
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Figura 2 – Distribuição das crianças da amostra pelo tipo de atividades diretas. Figure 2 – Children distribution in the sample by type of direct activities.
Figura 3 – Frequência da escola básica (referente a matrículas na escola e não a presenças). Figure 3 – Basic school attendance (referring to school enrollment rather than attendance).
As dificuldades de acesso aos locais de garimpo ilegal foram previamente acauteladas através de preparação meticulosa de cada uma das saídas de campo. Para o efeito contámos com a colaboração de três técnicos do domínio das geociências, conhecedores da localização dos locais de garimpo, e, conhecidos das comunidades e dos garimpeiros. No decurso do trabalho de campo tivemos dificuldades de comunicação com algumas crianças as quais obrigaram à mediação de terceiros, algumas vezes dos próprios pais, devido ao nível de fluência em português ser muito reduzido nestas faixas etárias. A situação social e económica das famílias é determinante para o combate ao trabalho infantil. A este respeito construímos um gráfico que espelha
a situação familiar dos nossos entrevistados, em termos da composição do agregado familiar. A figura 4 revela que entre os que referiram frequentar a escola, há quem não tenha conseguido realizar a entrevista sem a mediação de um intérprete para clarificar determinados aspetos. É expressivo o número de crianças que progridem no nível de ensino sem possuir as competências requeridas, uma das quais é o domínio da língua de ensino. Entre as crianças da nossa amostra não existem situações em que a idade do indivíduo corresponda ao nível de escolaridade que deveriam estar a frequentar. Estas crianças terão provavelmente no futuro uma vida privada da liberdade de escolha e da maior parte das possibilidades que o mundo globalizado oferece.
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Figura 4 – Composição do agregado familiar dos entrevistados. Figure 4 – Household composition of the interviewees.
Sobre a composição do agregado familiar, os dados evidenciam que as crianças vivem em famílias numerosas, com mais de 3 membros, havendo o caso de uma família com mais de 19 membros. Para além de famílias numerosas há pais declaradamente polígamos. Este tipo de contexto é coerente com a necessidade que estas famílias possuem, por questões de sobrevivência, que os filhos trabalhem. Destaca-se que a pandemia do HIv/SIDA dilacera famílias e a maior densidade de novos casos situa-se precisamente no corredor que liga a cidade da Beira até Mutare (Zimbabwe), atravessando a Província de Manica (Himmel, 2014). Quando questionados sobre o tipo de profissão que desejam assumir no futuro, a grande maioria pretende ser professor ou enfermeiro. Apenas um deseja ser médico. Destacamos o facto de nenhuma das crianças referir interesse em fazer uma formação na área mineira ou mesmo ser geólogo, uma vez que vivem num ambiente rico em recursos minerais. Quanto à situação profissional dos pais das crianças verificou-se, sem exceção, que todos os pais são camponeses e na sua maioria especificaram que para além do trabalho na machamba (campo agrícola) também são garimpeiros. 5.2. Caraterização do trabalho de garimpo ou indiretamente relacionado o primeiro contacto ocorreu no Distrito de Báruè, a cerca de 190 quilómetros da cidade de Chimoio. Neste distrito, visitámos um campo de garimpo à superfície, na mina de Nhamayassi, onde se processa artesanalmente a mineração de turmalinas. De acordo com informação recolhida, nesta mina a
exploração é maior nos meses de abril a junho quando perto de 300 garimpeiros trabalham na área. A mineração funciona a céu aberto até uma profundidade superior a 20 metros. Nesta mina tivemos a oportunidade de entrevistar 4 crianças, todas elas do sexo masculino. As crianças do sexo feminino apenas participam através do que em língua local se apelida de “madoba” (procura de minerais em locais já processados). o restante trabalho de campo foi realizado em locais de exploração de ouro. No Distrito de Manica visitámos campos de garimpo nos rios Mussambuze e revúè, onde a presença de crianças na realização desta tarefa é visível. No primeiro caso, estavam direta e indiretamente associadas à lavagem de ouro, atividade que as comunidades locais designam, por analogia com a língua inglesa - “Ku saver gord”, ou ainda, cuidando dos mais novos enquanto os adultos trabalham. Das 5 crianças entrevistadas, duas não falavam a língua portuguesa apesar de estarem em idade escolar. A comunicação teve de ser mediada por intérprete. os detritos auríferos eram transportados até ao rio onde depois os submetem a um processo de lavagem de forma a conseguirem retirar eventuais palhetas e pepitas de ouro (Figs. 6, 7 e 8). Por vezes, as crianças têm de carregar quantidades que variam entre os 25 a mais de 50 kg, a estimar pelos recipientes usados (Fig. 5). o processo de carregamento pode durar horas. As figuras 7 e 8 correspondem a explorações em placers, cujo acesso é relativamente fácil. Mas com frequência é necessário construir poços e galerias (Fig. 9). Neste processo escavam-se os sedimentos até profundidades onde se detete um nível aurífero, retirando-se os detritos para posterior lavagem. Não só a iluminação é reduzida no interior dos furos, como as condições de segurança e ventilação dos
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Figuras 5 e 6 – As situações retratadas foram captadas no rio revuè. Transporte e lavagem de detritos. Figures 5 and 6 – The situations depicted were captured in the Revuè river. Transport and washing of debris.
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Figuras 7 e 8 – lavagem do ouro. A investigadora está visível na figura da esquerda durante uma parte do processo de realização das entrevistas. Figures 7 and 8 – Gold wash. The researcher is visible in the figure on the left during part of the interview process.
poços são precárias. A partir de sacos de plástico acoplados a tubos de copolene, insuflam ar na galeria onde colegas estão a trabalhar para trazer à superfície os detritos coletados. Um outro aspeto a realçar é o facto de as explorações de ouro não respeitarem locais sagrados como cemitérios familiares, sendo as campas profanadas, como nos revelou um dos técnicos que nos acompanhou no trabalho de campo.
As mulheres também participam indiretamente no garimpo, preparando refeições e oferecendo outros serviços (Figs. 10 e 11). Existem na proximidade aglomerados de “bancas”, permanentemente abertas onde a presença de pessoas estranhas é motivo de desconfiança e torna o contacto difícil. Trata-se de um local onde as crianças mais novas trabalham. visitámos também escolas próximas das zonas de garimpo. Na escola primária completa de Nhamachato,
66 Participação de crianças em atividades de garimpo artesanal na Província de Manica: problemáticas educativas
Figura 9 – garimpeiros retirando areia da galeria, usando um elevador construído de forma artesanal (investigadora presente na fotografia do lado direito). Figure 9 – Gold miners removing sand from the gallery, using a handcrafted elevator (researcher present in the photograph on the right).
uma escola que leciona da 1.a à 7.a classes, a qual dista poucos minutos de um campo de garimpo, acedemos
10
a uma das salas de aulas da 4a classe (Fig. 12). De um total de 40 alunos matriculados naquela classe, conforme informação da professora, apenas 24 estavam presentes no dia em que visitámos a escola e destes somente 15 tinham acesso a uma carteira. Sobre a assiduidade dos alunos, a professora referiu que as “crianças daqui são um pouco complicadas, e também como os encarregados de educação”. E, em jeito de esclarecimento, comentou que “as crianças acabam um mês sem vir na escola”. A professora deixou bem claro que esta problemática é geral na zona, ao afirmar que “não só nesta escola, como em Chôa, Nhamucuarara, crianças daqui não estudam” e acrescentou que “os próprios pais privam a criança a não vir na escola”. Este cenário foi corroborado pelos professores da escola primária do Mundunguara, também visitada pela equipe de investigação. Um professor desta escola, considera que “as crianças são impedidas [de ir à escola] a partir lá de casa”. Ao longo das visitas às escolas constatámos, também, que os alunos, na sua maioria, não comunicam em língua portuguesa. Na tabela I transcrevem-se partes de entrevistas. As respostas destas crianças evidenciam o baixo grau de conhecimentos relativos ao domínio das ciências, em particular da geologia.
11
Figuras 10 e 11 – Crianças a venderem produtos aos garimpeiros. Figures 10 and 11 – Children are selling products for the gold miners.
Antonieta Manhice, Filomena Amador 67
ASSoCIAção PorTUgUESA DE gEólogoS
Tabela 1 – Exemplos da perceção das crianças sobre a atividade de garimpo e respetivo impacto. Table 1 – Examples of children's perception of the mining gold activity and its impact. Contexto
Asserções Uso da terra
“Aqui era nossa machamba. Era machamba do meu pai” (Inf. 8, 18 anos) “Como eles falaram que iam comprar essa área, meu pai abandonou” (Inf. 8, 18 anos)
Perceção das crianças no contexto das questões ambientais
Poluição da água
“Abrem poços ao lado do rio para ter água para beber (Inf. 9, 12 anos)
Ausência de educação para a preservação do meio ambiente
“Não sei” (Inf.3, 18 anos) “Não costumam” (Inf.3, 18 anos) “Não, deixamos assim, para qualquer dia que nós querermos cavar nós voltarmos sempre” (Inf.3, 18 anos) “Ah! naaaada, nada mesmo” (Inf.3, 18 anos)
limitação dos recursos “Heish! Acho que nunca vai acabar. Desde há muito tempo ainda não acabou” (Inf.18, 12 anos) “Nada, Ah! ah! é muito mesmo, Éeeee!” (Inf.15, 18 anos) “Aqui, nãooooo, nunca acabou, talvez com o andar do tempo talvez vai acabar.” (Inf.11, 18 anos) “Este ouro não acaba, é muito” (Inf.5, 12 anos) “Aqui, nãooooo! Nunca acabou, talvez com o andar do tempo, talvez vai acabar” (Inf.3, 18 anos)
Figura 12 – Sala de aulas da escola primária do primeiro grau anexa à escola Nhamachato no Distrito de Manica. Figure 12 – Primary school classroom attaches to the Nhamachato School in the Manica District.
6. Conclusões Perante este tipo de realidade, África encontra-se ante a necessidade de construir um paradigma de desenvolvimento e, desenhar estratégias adequadas de intervenção que estabeleçam uma interação
ambiente/homem da qual resulte o uso adequado dos recursos e um futuro com qualidade para a população mais jovem. Estamos conscientes que estivemos a trabalhar com uma amostra limitada e em condições difíceis, razão pela qual a situação pode ser considerada extrema e de forma nenhuma pretendemos que retrate a realidade de um país em pleno desenvolvimento. No entanto, estes focos minoritários de desequilíbrio devem merecer toda a atenção. A educação é um instrumento que capacita o capital humano e contribui para o Desenvolvimento Sustentável e, os próprios conhecimentos tradicionais podem fornecer um manancial de saberes para a “interpretação do nosso meio ambiente” (Classen, 1999, apud Dipholo & Biao, 2013: 50). Um saber que recrie o que o sociólogo refere Hartmut rosa (2018) considera como a “ressonância” entre o homem e a natureza. Aliás, Dipholo & Biao (2013) referiram que a inclusão dos conhecimentos tradicionais nos curricula de ensino/formação “ajudam a fortificar o esforço de desenvolvimento sustentável porque o processo de integração deste conhecimento providencia uma aprendizagem mútua e adaptativa que contribui para o empoderamento das comunidades rurais” (p. 50). Este tipo de saberes vai ao encontro do que “as pessoas conhecem e fazem, o que as comunidades locais conheceram e fizeram ao longo das gerações”
68 Participação de crianças em atividades de garimpo artesanal na Província de Manica: problemáticas educativas
(Warren et al. 1996, apud Dipholo & Biao 2013: 50). Base para assegurar muitas atividades vitais e de relevo para a comunidade, como sejam a segurança alimentar, os cuidados de saúde, a educação, o manuseio dos recursos naturais, entre outras. África deve tirar partido do facto de ter uma população jovem e aproveitar este potencial como força de mudança política e económica, investindo seriamente na oferta de serviços básicos como a educação, saúde, igualdade de oportunidades económicas, assim como fomentando o emprego de qualidade para jovens como forma de garantir o seu desenvolvimento intelectual e económico.
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GEOnOvAs vOL.
AssOCIAçãO POrTUGUEsA DE GEóLOGOs
32, n.º 1: 71 a 80, 2019 71
Difusão catiónica e modelação de taxas de arrefecimento petrológicas A.S. Gomes1*, T. Bento dos Santos1,2 1
Departamento de Geologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Portugal 2
IDL – Instituto Dom Luiz, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Portugal *Autor correspondente: agomes@alunos.fc.ul.pt
Resumo Este trabalho pretende apresentar uma síntese dos métodos que permitem a obtenção de percursos evolutivos térmicos, com base nas reacções de troca por difusão e no estado sólido, de catiões não radiogénicos entre fases minerais distintas. Factores como a pressão ou a temperatura podem exercer um forte controlo tanto sobre o equilíbrio da reacção, como sobre a taxa de difusão que, por sua vez, condicionam as composições dos minerais. Estas composições (preservadas) dependem, também, da distância à interface do mineral (onde se dá a troca), do tempo disponível para a reacção ocorrer (i.e. da taxa de arrefecimento) e da dimensão do mineral. Comparando perfis de zonamento teóricos que conjuguem estes factores com os analíticos ou comparando-se variáveis como a temperatura de fecho e a dimensão do mineral é possível inferir acerca do percurso evolutivo térmico da rocha. O conhecimento deste percurso proporciona constrangimentos importantes ao nível da evolução geodinâmica das rochas estudadas, bem como acerca do ambiente de formação das mesmas. Palavras-chave: Taxa de arrefecimento; difusão; coeficiente de distribuição; temperatura de fecho. Abstract This work is intended to be a brief overview on the methods that allow for the obtainment of thermal evolution pathways based on solid state diffusion exchange reactions of non-radiogenic cations between mineral phases. Factors such as pressure or temperature can exert a strong control on both the reaction equilibrium and the diffusion rate, which in turn condition the mineral compositions. These (preserved) compositions also depend on the distance to the mineral interface (where the exchange occurs), the time available for the reaction to unfold (i.e.: cooling rate) and the size of the mineral. By comparing theoretical and analytical zoning profiles it is possible to infer the cooling path of the rock. This can also be obtained, for example, by comparing closure temperatures with mineral sizes. Knowing the cooling path of a rock can provide important constraints to its geodynamic evolution and/or genetic environment.
Keywords: Cooling rates; diffusion; distribution coefficient; closure temperature.
1. Introdução A difusão catiónica consiste na troca directa de iões (neste trabalho apenas se abordarão trocas entre catiões, por serem as mais amplamente estudadas) entre duas fases cristalinas em contacto, sem intervenção de fluidos. Estas reacções são resultado de uma determinada variação nas condições de
equilíbrio entre as fases minerais, de acordo com o Princípio de Le Châtelier e, regra geral, dão-se entre catiões com a mesma valência e com raios iónicos semelhantes, de forma a que estes ocupem reciprocamente as mesmas posições em ambas as estruturas cristalinas. Essa variação das condições de equilíbrio pode ser imposta por uma variedade de factores, como sejam a temperatura, a pressão ou
72 Difusão catiónica e modelação de taxas de arrefecimento petrológicas
variações composicionais do meio ou dos minerais intervenientes. Por controlarem também a velocidade a que as trocas são efectuadas, isto é, a taxa de difusão dos catiões, as condições de pressão e temperatura condicionam fortemente as composições dos minerais reagentes. A título de exemplo, a granada e a biotite constituem um par de minerais onde estas reacções podem ocorrer. neste caso, os minerais permutam Mg2+ e Fe2+, reacção que é particularmente sensível a variações de temperatura no sistema, sendo este par um dos mais comummente estudados (Fig. 1). A modelação de taxas de arrefecimento petrológicas representa uma série de metodologias que têm como objectivo a modelação do percurso térmico de uma rocha, partindo de análises composicionais de alguns dos seus minerais constituintes. Do percurso térmico podem retirar-se importantes implicações geodinâmicas (Lasaga et al., 1977; Winter, 2009). neste trabalho de revisão procurou-se apresentar uma visão geral e sucinta dos princípios inerentes a estas metodologias e dos progressos alcançados e, bem como do seu potencial para aplicação.
na qual J representa o fluxo difusivo (em mol.m-2.s-1), D o coeficiente de difusão (em m2.s-1), C a concentração (em mol.m-3) a uma distância x (em m) da interface (Lasaga et al., 1977). O coeficiente de difusão D pode ser descrito, em função da temperatura, pela equação de Arrhenius: D(T) = D 0 ∙ − ∙ na qual D é o coeficiente de difusão à temperatura absoluta T (em Kelvin), Ea é a energia de activação (em J.mol-1), D0 é o coeficiente de difusão para uma temperatura infinita (em m2.s-1) e R é a constante dos gases ideais 8,3144598(48) J.mol-1.K-1 (Dodson, 1973). O fundamental a reter destas relações é que, com um decréscimo linear da temperatura, o coeficiente de difusão (D) e, consequentemente, o fluxo difusivo (J), decrescem exponencialmente. É natural assumir-se que, se a taxa a que as fases minerais trocam catiões (fluxo difusivo) é dependente da temperatura, então as variações composicionais daí resultantes também o são. Enquanto o estado de equilíbrio for mantido,o coeficiente de equilíbrio teórico K pode ser expresso em função da temperatura e pressão pela equação:
2. Conceptualização teórica do método A taxa a que a difusão ocorre (ou fluxo difusivo) é descrita pela primeira lei de Fick: J = D∙
ln K (T, P) = In KD + In Ky =
− ΔH 0
R •T
+
ΔS 0 R
−
ΔV R •T
∙ dP
Em que Kd é o coeficiente de distribuição empírico (adimensional), Ky é o coeficiente de solução (adimensional), DH0 é a variação de entalpia da reacção
Figura 1 – representação esquemática da reacção de troca catiónica no par granada-biotite: Piropo (Mg3Al2si3O12) + Anite (KFe2+3Alsi3O10(OH)2) ↔ Almandina (Fe2+3Al2si3O12) + Flogopite (KMg3Alsi3O10(OH)2), cujo equilíbrio progride para a direita com a diminuição da temperatura. Adaptado de Bento dos santos et al. (2014). Figure 1 – Schematic representation of the cation exchange reaction in the garnet-biotite pair: Pyrope (Mg3Al2Si3O12) + Annite (KFe2+3AlSi3O10(OH)2) ↔ Almandine (Fe2+3Al2Si3O12) + Phlogopite (KMg3AlSi3O10(OH)2), whose equilibrium shifts to the right with a decrease in temperature. Adapted from Bento dos Santos et al. (2014).
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(em J.mol-1), DS0 é a variação de entropia da reacção (em J.K-1.mol-1) a uma dada pressão e temperatura, DV é a variação de volume (em cm3), R é a constante dos gases ideais (na 3ª fracção da equação em cm3.Pa-1.K-1.mol-1), T é a temperatura absoluta (em K) e P é a pressão (em Pa). Assumindo um modelo de solução ideal (y = 1 => ln Ky = 0 => ln K = ln Kd) e que no par específico que se está a considerar ∆v é negligenciável, mesmo para aumentos de pressão significativos (i.e., o par é um bom geotermómetro) tem-se que: ln Kd (T) =
−∆ 0
1
∙ +
∆ 0
Esta é a equação (de uma recta) que define numericamente um geotermómetro, sendo de notar que DHOe DSOe variam de reacção para reacção (i.e., de par para par) e que esta equação é apenas válida enquanto o sistema se encontra em equilíbrio. O Kd, relativo à troca dos elementos A e B entre o mineral m e n, com m a ceder A e n a ceder B, é expresso por:
A. s. Gomes, T. Bento dos santos 73
m/n = Kd A/B
m Xm A/ X B n n X A/ X B
em que X denota a fracção molar. Estas duas equações permitem, para um dado sistema em equilíbrio, relacionar a temperatura com as composições do par de minerais (Winter, 2009). Considerando novamente a equação de Arrhenius, à medida que a temperatura diminui e R*T (que é uma medida da quantidade de energia no sistema) se torna menor que Ea, o termo − ∙ tende para zero. Assim, existe uma temperatura abaixo da qual o sistema já não tem energia suficiente para assegurar a difusão, o fluxo difusivo torna-se negligenciável e a reacção cessa. Abaixo desta temperatura, as composições dos minerais do par, e consequentemente o Kd, já não se alteram. são estas as composições que ficam registadas nos minerais do par e que, após uma análise composicional, permitem obter um valor para o Kd de fecho. A temperatura obtida pela equação
Figura 2 – representação esquemática do significado de temperatura de fecho numa projecção de ln(Kd) em função da temperatura (decrescente). T0 representa a temperatura inicial, ou seja, a temperatura do pico metamórfico ou do reset do sistema. T’ representa a temperatura abaixo da qual os minerais já não conseguem manter o verdadeiro equilíbrio, mas ainda há difusão entre ambos. Tc representa a temperatura de fecho. De notar que esta temperatura de fecho não representa nenhum momento particular no arrefecimento da rocha, mas é o valor de T do geotermómetro para o Kd de fecho. T’’ representa a temperatura abaixo da qual a difusão efectivamente cessa, e o Kd já não varia. A linha do geotermómetro mostra o percurso evolutivo do Kd, caso os minerais mantivessem sempre o equilíbrio. Adaptado de Ehlers et al. (1994). Figure 2 – Schematic representation of the meaning of closure temperature in a projection of ln(Kd) as a function of decreasing temperature. T0 represents the initial temperature, i.e. the metamorphic peak temperature or the system reset temperature. T 'represents the temperature below which the minerals can no longer maintain a true equilibrium, but there is still diffusion between the two. Tc represents the closure temperature. It should be noted that this closure temperature does not represent a particular moment in the cooling history of the rock, but it is the temperature value given by the geothermometer for the closure Kd. T "represents the temperature below which the diffusion effectively ceases, and Kd no longer changes. The geothermometer line shows the evolutive path of the Kd if the minerals had always maintained the equilibrium. Adapted from Ehlers et al. (1994).
74 Difusão catiónica e modelação de taxas de arrefecimento petrológicas
do geotermómetro para este valor de Kd designa-se temperatura de fecho (Fig. 2) (Ehlers et al., 1994). Para, a partir das composições analisadas, se obter uma temperatura de fecho (aparente) é ainda necessário conhecer-se DHOe DSO relativos à reacção em causa. Para se determinarem estas grandezas, procede-se à modelação experimental de cada reacção. Para tal, submetem-se misturas de pó de minerais sintéticos, com composição bem conhecida, a condições de elevada pressão e temperatura durante longos períodos de tempo (semanas) para garantir que a reacção se deu até o equilíbrio estar restabelecido. Posteriormente analisam-se os minerais que reagiram e os Kd são projectados contra as respectivas temperaturas, materializando o geotermómetro em causa (Fig. 3) (e.g. Ferry & spear, 1978). Com o geotermómetro definido, já é possível obter-se temperaturas de fecho aparentes a partir dos Kd. A esta metodologia designa-se geotermometria e um geotermómetro é um sistema de dois ou mais minerais que reagem entre si em função da temperatura e
permitem, através da sua composição relativa, inferir a que temperatura a reacção se deu, ou, mais precisamente, a que temperatura a reacção cessou. Um bom geotermómetro é aquele que é muito facilmente afectado por pequenas variações de temperatura e é muito pouco afectado pela pressão, mesmo para variações significativas (Winter, 2009). Uma listagem pormenorizada das inúmeras calibrações para os mais variados geotermobarómetros usados em petrologia pode ser encontrada em Winter (2009). no entanto, a temperatura de fecho, por si, só não dá muitas indicações sobre o percurso evolutivo de uma rocha, quanto muito indica a temperatura mínima a que a rocha foi submetida. Contudo, a temperatura não é o único factor importante que controla as variações de composição em processos difusivos. Considerando novamente a primeira lei de Fick e que o fluxo difusivo mede efectivamente a quantidade de catiões que atravessam uma dada área por unidade de tempo, a quantidade total de catiões difundidos depende do intervalo de tempo durante
Figura 3 – Diferentes projecções da variação de Kd (lnKd) em função da temperatura (decrescente). Cada linha corresponde a uma calibração empírica diferente para o geotermómetro do par granada-clinopiroxena. De notar que para um mesmo Kd, duas calibrações distintas podem fornecer temperaturas de fecho que diferem em mais de 100 ºC. Deste modo, a escolha da calibração mais adequada ao caso em estudo é determinante. Adaptado de ravna (2000). Figure 3 – Different projections of the lnKd variation as a function of decreasing temperature. Each line corresponds to a different empirical calibration of the geothermometer for the garnet-clinopyroxene pair. Note that for a given Kd, two different calibrations can provide closure temperatures that differ by more than 100 °C. Thus, the choice of the most appropriate calibration to the case in study is decisive. Adapted from Ravna (2000).
A. s. Gomes, T. Bento dos santos 75
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o qual a reacção se desenrolou. Quanto mais tempo o sistema tiver disponível para a difusão ocorrer, mais catiões serão difundidos, e vice-versa (Winter, 2009). Logo, as composições e o Kd, dependem também do tempo decorrido, que é restringido pela taxa de arrefecimento (S) e pela temperatura inicial. Considerando então que a reacção decorre por tempo limitado e que o sistema pode deixar de estar em equilíbrio, pode-se descrever Kd em função do tempo (t) pela equação: Kd(t) = Kd 0 ∙ com
−
’
∆ 0
. na qual Kd0 é o Kd à temperatura inicial T0 e S é a taxa de arrefecimento − ∆ ). ’=
2 0
∆
Como as reacções de troca catiónica ocorrem por difusão da interface entre os minerais para os respectivos núcleos, sempre que a reacção não é completa existe um diferencial de composições, isto é, um zonamento composicional entre a interface e o núcleo de pelo menos um dos minerais do par. Assim, a concentração (C) do catião no mineral dependerá também da distância à interface (x). A função que descreve esta dependência é dada por: ’
= D0
2 2
com t’ a representar a constante tempo comprimido (uma variável finita, ao contrário de t, que depende do tempo decorrido e da taxa de arrefecimento; vide Lasaga et al., 1977). Para simplificar o uso destas equações, Wilson & smith (1985) transformaram-nas recorrendo a uma para me tri za ção que define a concentração do catião C num determinado ponto do mineral em função da distância à interface x, como:
C (x) = A + B ∙
−
com o parâmetro A a quantificar a concentração do catião no núcleo (correspondente à concentração mais primitiva), o parâmetro B a descrever a amplitude do zonamento e o parâmetro L a mostrar a “distância de decaimento”. Esta parametrização tem vindo a ser amplamente adoptada. Com estas equações é possível gerar-se um perfil composicional teórico, referente a um dado mineral de um par específico, com uma dada composição inicial, sujeito a um dado percurso de arrefecimento, com uma dada temperatura inicial, intervalo de tempo e taxa(s) de arrefecimento. Comparando os perfis teóricos com os perfis obtidos analiticamente nos minerais em estudo é possível inferirem-se estas variáveis, isto é, é possível por aproximação a modelos composicionais numéricos inferir quanto ao percurso térmico da rocha (Fig. 4) (Medaris & Wang, 1986).
Figura 4 – Comparação entre o perfil de zonamento obtido numa granada que reagiu com uma inclusão de olivina e uma série de perfis gerados numericamente. De notar que os perfis correspondentes a taxas de arrefecimento maiores (i.e., aqueles nos quais a difusão actuou por menos tempo) são aqueles que demostram uma menor componente de almandina. Adaptado de Medaris & Wang (1986). Figure 4 – Comparison between a series of numerically generated zoning and one obtained from a garnet that had reacted with an olivine inclusion. It should be noted that the profiles corresponding to higher cooling rates (i.e., those in which the diffusion process was briefer) are those which demonstrate a smaller almandine content. Adapted from Medaris & Wang (1986).
76 Difusão catiónica e modelação de taxas de arrefecimento petrológicas
Outro método para a obtenção das taxas de arrefecimento, mais recentemente proposto por spear & Parrish (1996), consiste em comparar as temperaturas de fecho, obtidas através das composições médias de biotites inclusas em granadas com a dimensão das mesmas. Este método parte do princípio que a composição de um mineral mais pequeno, ou seja, com maior razão superfície/volume, é mais afectada pela difusão que a de um mineral maior, logo, uma inclusão mais pequena reage mais no sentido do equilíbrio que uma de maior dimensão. no caso específico do par granada-biotite considera-se, simplificadamente, que a reacção é apenas controlada pelo coeficiente de difusão da granada, visto que >> D Granada , isto é, como o balanço de massa D Biotite Fe / Mg Fe / Mg é mantido em sistema fechado (Fig. 1), o fluxo de catiões é controlado pelo mineral com menor coeficiente de difusão, ou seja, a granada. Deste modo, durante o processo de arrefecimento da rocha, quando é atingida a temperatura a que a difusão cessa, as inclusões de biotite mais pequenas estarão mais perto do equilíbrio com a granada que as inclusões
maiores. Cada par granada-inclusão de biotite terá, em função da dimensão da inclusão, uma composição de fecho específica, correspondente a uma temperatura de fecho aparente. Esta temperatura de fecho aparente tem um significado térmico, no sentido em que representa uma medida do fluxo total da granada para a inclusão, e vice-versa, que depende do percurso térmico. Consequentemente, ao amostrar uma dada rocha, serão obtidas várias temperaturas de fecho aparentes, que podem ser projetadas em função do logaritmo do diâmetro menor de cada inclusão. nesta projeção, é também possível traçarem-se linhas teóricas para taxas de arrefecimento constantes, que apresentam a particularidade de serem paralelas entre si, abaixo de uma certa temperatura (Figs. 5, 6). Deste modo, se uma rocha tiver sido sujeita a um arrefecimento a taxa constante, a projeção dos dados obtidos analiticamente seguirá, tendencialmente, uma dispersão paralela às linhas teóricas. se, pelo contrário, a taxa de arrefecimento tiver variado durante o percurso evolutivo da rocha, a projeção dos dados terá uma dispersão cuja linha de tendência tem declive diferente
Figura 5 – Ilustração conceptual de perfis composicionais de pares granada-biotite em função da dimensão da inclusão de biotite: a) inclusão de biotite pequena; b) inclusão de biotite grande; c) projeção da temperatura aparente em função da dimensão da biotite. De notar que a biotite mais pequena é mais afectada pela difusão do que a biotite maior, mesmo tendo o fluxo difusivo total (área a sombreado) sido maior para a inclusão maior. A inclusão mais pequena irá fornecer uma temperatura de fecho aparente mais baixa. Adaptado de spear & Parrish (1996). Figure 5 – Conceptual illustration of compositional profiles from garnet-biotite pairs as a function of biotite inclusion size: a) small biotite inclusion; b) large biotite inclusion; c) projection of the apparent closure temperature as a function of biotite inclusion size. It should be noted that the smaller biotite is more affected by diffusion (i.e. its composition changed the most) than the larger biotite, even though the total diffusive flux (shaded area) was higher for the larger inclusion. The smaller inclusion will provide a lower apparent closure temperature. Adapted from Spear & Parrish (1996).
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ao das linhas teóricas. Isto porque um fluxo difusivo menor, correspondente a uma temperatura mais baixa (na ordem dos 500-550 ºC), afecta comparativamente mais uma inclusão mais pequena (na ordem das dezenas de micrómetros) do que uma maior (na ordem das centenas de micrómetros), aumentando a diferença composicional entre as diferentes inclusões. A elevada temperatura (considere-se 650-700 ºC), como o fluxo é substancialmente maior, uma inclusão maior consegue mais facilmente aproximar-se do equilíbrio, tornando menor a diferença composicional entre inclusões de diferentes tamanhos. Ou seja, a relação entre o tempo disponível para as reacções, a altas e baixas temperaturas, vai condicionar a diferença de composições entre as diferentes inclusões, isto é, vai fazer variar o declive da projecção dos dados. Deste modo, se a taxa de arrefecimento tiver diminuído ao longo do tempo, terá havido, comparativamente, mais tempo disponível a baixas temperaturas. A estas temperaturas, o fluxo difusivo mais baixo praticamente só altera as composições das inclusões mais pequenas, tornando maior a diferença de composi-
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ções entre inclusões. neste caso, as inclusões mais pequenas demonstram uma temperatura de fecho aparente mais baixa, o que faz com que a recta de tendência dos dados obtidos tenha um declive maior que o das linhas teóricas. se pelo contrário, a taxa de arrefecimento tiver aumentado ao longo do tempo, então terá havido mais tempo disponível para a reacção a elevadas temperaturas, para as quais o fluxo é maior e as inclusões maiores tendem mais facilmente para o equilíbrio. A baixas temperaturas, o sistema fecha antes que a diferença composicional entre inclusões de diferentes tamanhos seja particularmente significativa. neste caso, as inclusões mais pequenas demonstram uma temperatura de fecho aparente semelhante à das inclusões maiores, o que faz com que a recta de tendência dos dados obtidos tenha um declive menor que o das linhas teóricas, muito próximo de horizontal se as taxas de arrefecimento forem muito elevadas (Fig. 6). Este método permite, de um modo muito expedito, inferir quanto ao percurso térmico de uma rocha (Fig. 6) (spear & Parrish, 1996; Bento dos santos et al., 2014).
Figura 6 – Projeção da temperatura de fecho em função da dimensão da inclusão de biotite com projeção das linhas teóricas de igual taxa de arrefecimento. De notar que para uma dada dimensão, quanto maior a temperatura de fecho obtida, maior a taxa de arrefecimento inferida. Quando a taxa de arrefecimento aumenta ao longo do percurso evolutivo, a linha de tendência tem um declive menor que o das linhas de taxa de arrefecimento constante. Quando a taxa de arrefecimento diminui ao longo do percurso evolutivo, o oposto acontece. Estas projeções tornam mais fácil destrinçar se o arrefecimento foi ou não linear e constante. Adaptado de Bento dos santos et al. (2014). Figure 6 – Closure temperature as a function of biotite inclusion size, with theoretical lines projection for constant cooling rate. Note that for a given inclusion size the higher the closure temperature obtained, the higher the inferred cooling rate. When the cooling rate decreases throughout the evolutionary path the data tendency line has a steeper slope than that of the theoretical lines for constant cooling rate. When the cooling rate increases throughout the evolutionary path, the opposite happens. These projections make it easier to distinguish whether or not the cooling was linear and constant. Adapted from Bento dos Santos et al. (2014).
78 Difusão catiónica e modelação de taxas de arrefecimento petrológicas
3. Exemplos de aplicações práticas destas metodologias Conhecer o percurso de arrefecimento de uma formação pode ajudar muito à compreensão e modelação do percurso evolutivo geodinâmico. Muitos factores podem afectar o arrefecimento de uma formação, nomeadamente a taxa de exumação, espessamento ou adelgaçamento crustal, intrusões magmáticas, circulação de fluidos, etc. De seguida, apresentam-se alguns exemplos de trabalhos nos quais a determinação de taxas de arrefecimento por métodos de difusão catiónica levou à formulação de novos modelos geodinâmicos ou contribuiu para corroborar modelos pré-existentes. num trabalho muito relevante nesta área, Lasaga et al. (1977) compararam perfis composicionais obtidos em granadas de rochas metamórficas Acadianas com perfis numericamente gerados para o par granada-cordierite. Mesmo tendo em conta o pouco conhecimento que se tinha à época das taxas de difusão neste par (sobretudo na cordierite), foi possível determinar um valor mínimo para a taxa de arrefecimento destas rochas de 100 °C/Ma e uma taxa de exumação de 2,5 mm/ano, contribuindo para corroborar dados de outros autores que indicavam que a orogenia Acadiana teria sido relativamente breve e que a exumação destas unidades teria sido rápida. Como já referido, spear & Parrish (1996) foram dos primeiros autores a utilizar a dimensão de inclusões de biotite para calcular taxas de arrefecimento petrológicas. neste trabalho, para além de compararem os dados obtidos por este método com dados de geocronologia clássica, e de verificarem a aplicabilidade deste primeiro, utilizaram-no ainda para postular a possibilidade de o Complexo de valhalla ter sido sujeito a um período de arrefecimento pós-pico metamórfico muito rápido com taxas na ordem das centenas de °C/Ma durante os primeiros 140 °C de arrefecimento, seguido de um período com taxas de arrefecimento mais baixas, na ordem dos 25 °C/Ma até ao arrefecimento total destas. Estas hipóteses foram mais tarde corroboradas por spear (2004) que, recorrendo a perfis de zonamento em granadas, obteve um percurso de arrefecimento muito semelhante. numa série de trabalhos, Bento dos santos et al. (2009, 2010, 2014) estudaram a evolução térmica de granulitos e migmatitos da Faixa ribeira no sE do Brasil, recorrendo ao método que compara composições e dimensões de inclusões de biotite em
granada, entre outros procedimentos. Os autores postularam que os granulitos haviam sido sujeitos a duas fases muito distintas de arrefecimento: uma primeira, após o pico metamórfico com arrefecimento muito lento (cerca de 2 °C/Ma), seguida de uma segunda fase, de arrefecimento muito rápido (na ordem dos 100 °C/Ma), que fechou o sistema granada-biotite a temperaturas superiores a 600 °C. relativamente aos migmatitos, os autores propõem que estes teriam sido sujeitos a um arrefecimento quase linear, com taxas de aproximadamente 0,5-2 °C/Ma desde o pico metamórfico até temperaturas abaixo dos 500 °C (Fig. 6). É de notar, como expectável, que as temperaturas de fecho obtidas foram mais altas para os pares sujeitos a taxas de arrefecimento mais rápidas. Estes dados indiciam um percurso geodinâmico para os granulitos diferente do dos migmatitos. Em conjunto com evidências tectónicas, os autores propuseram que os granulitos teriam sido justapostos tectonicamente, apenas, nas fases finais da evolução orogénica, justificando assim a segunda fase do seu arrefecimento (brusco). Para além disso, os dados indiciavam que no período imediatamente após o pico meta mór fico teriam que ter sido mantidas condições de fluxo térmico muito elevado durante um período anormalmente longo (cerca de 100 Ma). Estas condições foram justificadas pelos autores, com recurso a dados geoquímicos complementares, como tendo sido o resultado de upwelling astenosférico, bem como da intrusão de magmas em níveis infracrustais. As conclusões retiradas pelos autores contribuíram para uma melhor compreensão da evolução geodinâmica da região.
4. Considerações finais É muito importante referir que a utilização dos métodos descritos assume alguns pressupostos cuja validação nem sempre é trivial, como por exemplo: a) os minerais estão em equilíbrio no início do processo de arrefecimento; b) a temperatura de fecho é suficientemente mais baixa que a temperatura inicial de modo que a primeira não dependerá das condições iniciais do sistema; c) o sistema permaneceu fechado, isto é, o balanço de massa foi mantido, e sem intervenção de fluidos (o que é mais fácil de assumir no caso de inclusões, Fig. 1) (Ehlers et al., 1994); d) existe uma grande diferença na taxa de difusão entre os minerais de modo que a difusão é apenas controlada pelas propriedades do mineral de difusão mais lenta, particularmente quando se utiliza
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o método de spear & Parrish (1996). A escolha da calibração do geotermómetro deve ser aquela que mais se adequa às composições específicas dos minerais em estudo. O conhecimento do percurso evolutivo térmico de uma rocha pode fornecer considerações geodinâmicas importantes, como por exemplo o cálculo de taxas de exumação ou do período de actividade de zonas de cisalhamento, a imposição de constrangimentos temporais, absolutos ou relativos, de eventos orogénicos e tectónicos, inferir relações temporais de circulação de fluidos ou instalação de intrusões magmáticas, determinar se diferentes unidades tiveram ou não o mesmo percurso evolutivo, inferir qual o fluxo térmico regional, calcular taxas de arrefecimento de magmas, entre outras. Constata-se que este é um campo do conhecimento petrológico com elevado potencial no futuro próximo, particularmente quando se compara a relevância da informação obtida com o baixo custo de obtenção da mesma. É, assim, expectável que nos próximos anos ocorram importantes avanços tanto ao nível dos modelos difusivos teóricos, como ao nível da aplicação destes aos demais processos geológicos.
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gEONOVAS VOl.
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32, N.º 1: 81 a 96, 2019 81
Aspetos petrográficos, mineralógicos e geoquímicos das rochas ácidas da Província Magmática do Paraná (S-SE do Brasil) N. Vieira1*, A.J.R. Nardy1 1
Universidade Estadual Paulista – UNESP, Departamento Petrologia e Metalogenia - Avenida 24-A, 1515 Caixa Postal 199. Bela Vista, Rio Claro - SP Cep: 13506-900 *Autor correspondente: nuno_ksudachix@hotmail.com
Resumo O vulcanismo ácido da Província Magmática do Paraná (PMP) representa apenas 2,5% (Nardy et al., 2008) do volume total do magmatismo cretácico, porém, os conhecimentos petrológicos e geoquímicos, as condições e mecanismos de formação e a evolução dos magmas mais evoluídos ainda são incipientes. Neste trabalho apresentam-se dados petrográficos e químicos inéditos de todos os magma-tipo de rochas do tipo Palmas (ATP) e Chapecó (ATC) da PMP. As análises petrográficas e geoquímicas revelam diferenças significativas entre os grupos de natureza ácida, como a ausência de ortopiroxena nas rochas ATC ou o enriquecimento das rochas ATC em TiO2, K2O e P2O5 relativamente às ATP, que são enriquecidas em MgO e CaO, evidenciando condições de cristalização provavelmente diferentes. Palavras-chave: Petrografia, mineralogia, vulcanismo ácido, Província Magmática do Paraná. Abstract The acid volcanism of the Paraná Magmatic Province (PMP) represents only 2.5% (Nardy et al., 2008) of the total volume of Cretaceous magmatism, and although the petrochemical and geochemical knowledge, training conditions and mechanisms more evolved the magmas are still incipient. In this paper, we present unpublished petrographic and chemical data of all the magma-type rocks of the Palmas (ATP) and Chapecó (ATC) of the PMP. The petrographic and geochemical analyzes showed differences between the groups of acid rocks, such as the absence of orthopyroxene in the ATC type, or the enrichment of ATC rocks in TiO2, K2O and P2O5 with respect to the ATP, which are enriched in MgO and CaO, which is evidencing probably different crystallization conditions.
Keywords: Petrology, mineralogy, acid volcanism, Paraná Magmatic Province.
1. Introdução A intensa atividade magmática, que durante o Mesozóico foi sujeito o supercontinente gondwana, resultou em extensos derrames lávicos que através de processos distensivos da litosfera, levou à separação continental e ao surgimento de novas bacias oceânicas. No período Jurássico destacaram-se as províncias
magmáticas do Karoo, no sul da África, e a de Ferrar, compreendendo regiões da Antártica e Oceânia, cujos magmatismos levaram à formação do Oceano Índico, enquanto que as províncias cretácicas do Paraná (América do Sul) e do Etendeka (África) estão fortemente relacionadas com a abertura do Atlântico Sul. Dentre das liPs (Large Igneous Provinces) observadas em crosta continental, a província
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magmática do Paraná-Etendeka (PMPE) é uma das mais expressivas, estimando-se que cubra uma área da ordem de 2 000 km2 e um volume de 1 000 km3 (Melfi et al., 1988; Peate, 1997; Ewart et al., 2004a, 2004b; Bryan et al., 2010). Porém, o imenso volume de magma produzido na PMPE não se distribuiu igualmente entre os dois continentes; de
facto, estima-se que 95% de todo o vulcanismo se encontre no continente sul-americano, na Província Magmática do Paraná (Melfi et al., 1988; gallagher et al., 1994) (Fig. 1). As rochas vulcânicas da Província Magmática do Paraná (PMP) cobrem uma área de aproximadamente 1 200 000 km2 (Fig. 1) e ocorrem, na sua
Figura 1 – Mapa litológico da Província Magmática do Paraná (PMP) mostrando a distribuição dos subtipos de rochas ATP (região sul) e rochas ATC (região norte). 1- sedimentos pré-vulcânicos e soco cristalino; 2- derrames básicos (basaltos); 3- riodacitos e riolitos - tipo Palmas (ATP); 4- riodacitos e quartzo latitos - tipo Chapecó (ATC); 5- rochas pós-vulcânicas; 6- área estudada. Figure 1 – Lithological map of the Paraná Magmatic Province (PMP) showing the distribution of ATP rocks (southern region) and ATC rocks (northern region). 1- pre-volcanic sediments and crystalline basement; 2- basic flows (basalts); 3- rhyodacites and rhyolites - Palmas type (ATP); 4- rhyodacites and quartzlatites - Chapecó type (ATC); 5- post-volcanic rocks; 6- Studied area.
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maior parte, nos estados do centro-sul do Brasil (Mato grosso, Mato grosso do Sul, goiás, Minas gerais, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio grande do Sul) e nos seus países vizinhos (Uruguai, leste do Paraguai e norte da Argentina), atingindo quase 2 000 km de extensão (Petri & Fúlfaro, 1983; Santos et al., 1984; Ernst, 2014). Em território brasileiro abrange uma área de cerca de 750 000 km2, totalizando um volume de material extrusivo de cerca de 780 000 km3. O conjunto dos derrames lávicos chega a 1500-1700 m de espessura na porção central da Bacia, com média em torno dos 800 m (Frank et al., 2009). Esta atividade magmática durou apenas 3 Ma, consoante os dados paleomagnéticos reunidos por Marques & Ernesto (2004), no Cretáceo inferior, e constitui uma das mais importantes manifestações de vulcanismo fissural de caráter continental (CFB – Continental Flood Basalts) conhecida no nosso planeta (Renne et al., 1992; Turner et al., 1994). Estudos paleomagnéticos desenvolvidos em perfis amplamen te distribuídos pela PMP (Ernesto, 1985; Ernesto & Pacca, 1988; Ernesto et al., 1988) indicaram que o vulcanismo não ocorreu simultaneamente. De facto, as rochas vulcânicas da PMP possuem idades que variam entre os 133,6 e 131,5 Ma na sua parte setentrional e de 134,6 e 134,1 Ma na porção meridional (Renne et al., 1992, 1996a, 1996b; Turner et al., 1994; Ernesto et al., 1999, 2002; Mincato et al., 2003; Thiede & Vasconcellos, 2010; Pinto et al., 2010; Janasi et al., 2011). Estes autores sugeriram que a atividade vulcânica migrou de sul para norte, de modo que parte das rochas ácidas que ocorrem na porção centro-norte da bacia e os diques na região do Arco de Ponta grossa no estado do Paraná, corresponderiam às últimas manifestações desta atividade magmática. Trabalhos recentes (luchetti et al., 2014) demonstraram, ainda, a ocorrência de peperitos associados às sequências ácidas e que o vulcanismo não se deu de forma contínua, ocorrendo várias pausas, principalmente nas suas fases inicial e final. As rochas vulcânicas da PMP apresentam composição bimodal, com um hiato de sílica maior que 10%, sendo que mais de 97% de todo o magmatismo é representado por rochas de caráter básico (90%) e intermédio (7,5%) (Bellieni et al., 1986; Nardy et al., 2002, 2008). As rochas de caráter ácido são o objetivo deste estudo e representam, segundo Nardy et al. (2008), apenas 2,5% do volume total de lavas da PMP (~14 500 km3). Porém, este valor é, pelo menos, três vezes superior ao estimado
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para o depósito de ignimbrito do Fish Canyon Tuff (27,8 Ma), no Colorado, EUA (lipman, 1997), considerado até agora o maior evento vulcânico explosivo conhecido na superfície terrestre. Alguns autores recolheram um grande número de amostras e realizaram estudos petrológicos, geoquímicos e geofísicos com o objetivo de melhor constranger as condições e mecanismos de formação e evolução dos magmas mais evoluídos que deram origem às referidas rochas, para além das caraterísticas químicas do material fonte e dos processos geodinâmicos envolvidos na geração da liP da PMP. Destacam-se os trabalhos de Bellieni et al. (1984, 1986), Piccirillo et al. (1987), Peate et al. (1992), garland et al. (1995), Nardy et al. (2002, 2008, 2011), entre outros. Estes trabalhos evidenciaram que o vulcanismo ácido da PMP deu origem a diferentes tipos litológicos, o que levou os autores a definir e a dividir o volume de lavas em dois grupos principais com base em litologias distintas, teores em TiO2 diferenciados e elementos incompatíveis, designados de ATP (Ácidas Tipo Palmas) e ATC (Ácidas Tipo Chapecó), (Bellieni et al., 1986; garland et al., 1995; Nardy et al., 2008). As rochas ATP são afíricas e apresentam textura “sal-e-pimenta”, termo usado inicialmente por Bellieni et al. (1984) para caraterizar a textura inequigranular, onde cristais de plagioclase assumem maior dimensão, e ocorrem com maior frequência, na porção sul da PMP. As rochas ATC são mais abundantes na porção centro-norte da província magmática e, geralmente, apresentam texturas porfiríticas. Foram realizadas muitas pesquisas sobre a PMP, mas o entendimento referente às rochas de natureza ácida ainda é incipiente, e vários aspetos relativos à sua origem, evolução, extrusão e quimioestratigrafia, ainda continuam em aberto. Este trabalho tem como objetivo estudar em detalhe as rochas ácidas da PMP, de forma a caracterizar e apresentar dados petrográficos, mineralógicos e químicos (rocha total) inéditos referentes aos termos ácidos, de maneira a abranger, de forma geral, todos os magma-tipo de rochas ATP e ATC.
1.1. Vulcanismo ácido da Província Magmática do Paraná: aspetos gerais A nomenclatura das rochas ácidas, ATP e ATC, estabelecida por Bellieni et al. (1984, 1986), baseada em aspetos petrográficos e geoquímicos, bem como as terminologias estabelecidas em estudos geoquí-
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micos mais detalhados, conduzidos por garland et al. (1995), Peate (1997) e Nardy et al. (2008), foi aplicada neste trabalho e pode ser observada na figura 2. Assim, as rochas do tipo Palmas (ATP) são caracterizadas por dois grupos principais: baixo Ti-P (TiO2 ≤ 0,87%), representado pelas rochas dos subtipos Santa Maria (P2O5 ≤ 0,21%) e Clevelândia (0,21% < P2O5 ≤ 0,23%) e o grupo alto-Ti-P (TiO2 > 0,90%), representado pelos subtipos Anita garibaldi (1,06% < TiO2 < 1,25% e 0,32% < P2O5 < 0,36%), Caxias do Sul (0,91% < TiO2 < 1,03% e 0,25% < P2O5 < 0,28%) e Jacuí (1,05% < TiO2 < 1,16% e 0,28% < P2O5 < 0,31%) (Fig. 2a). Do mesmo modo, as rochas do tipo Chapecó (ATC) são caracterizadas por dois grupos principais: baixo-Ti (TiO2 ≤ 1,29%), representado pelas rochas do tipo Ourinhos e alto-Ti (TiO2 ≥ 1,47%) pelo tipo guarapuava (garland et al., 1995). Um terceiro grupo com concentrações em Ti entre os dois tipos anteriores e, em áreas de ocorrência diferente dos outros dois tipos já focados, foi separado e denominado Tamarana (Nardy et al., 2008) (Fig. 2b). Estes magmas-tipo observados na PMP encontraram os seus correspondentes no seu análogo africano, o Etendeka (Marsh et al., 2001). Na figura 3 estão representadas as distribuições geográficas dos vários subtipos de rochas ATP e ATC, à exceção do magma-tipo de Clevelândia que não foi não incluído na referida figura. As rochas ATP têm textura praticamente afírica com poucos fenocristais de plagioclase, augite, pi-
geonite, ortopiroxena, magnetite, Ti-magnetite e apatite, com matriz geralmente composta por quartzo, feldspato alcalino e minerais opacos (Nardy et al., 2002, 2008; Marques & Ernesto, 2004). Já as rochas ATC são caracteristicamente porfiríticas, com até 25% de fenocristais (plagioclase, augite, pigeonite, minerais opacos, apatita), e a matriz composta por quartzo, feldspato alcalino, plagioclase, clinopiroxena, vidro e minerais opacos (garland et al., 1995; Nardy et al., 2002, 2008). Do ponto de vista geoquímico, as rochas vulcânicas ácidas do tipo Chapecó (ATC) são enriquecidas em Ba, Nb, la, Ce, Zr, P, Nd, Y, lu e K e empobrecidas em Rb, Th e U em comparação com aquelas do tipo Palmas (ATP) (Peate et al., 1992; garland et al., 1995; Nardy et al., 2008). Como estas rochas ácidas estão intimamente associadas aos basaltos da província do ParanáEtendeka, e distribuídas junto às atuais linhas de costa dos continentes sul-americano e africano, tem sido sugerido que a sua génese esteve, de alguma forma, relacionada com a separação do supercontinente gondwana.
2. Metodologia No total de 15 lâminas delgadas foram confecionadas para análise em microscópico petrográfico. A análise de seções delgadas permitiu definir as as-
Figura 2 – Diagrama TiO2 vs P2O5 para: (a) rochas ATP, descriminando os magmas-tipo em grupo alto e baixo-Ti-P; (b) Rochas ATC. Retirado de Nardy et al. (2008). Figure 2 – TiO2 vs P2O5 diagram for: (a) ATP rocks, showing the high and low-Ti-P magma-groups; (b) ATC rocks. Retrieved from Nardy et al. (2008).
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Figura 3 – Mapa litológico da Província Magmática do Paraná (PMP) mostrando a distribuição das rochas ácidas do tipo Palmas (ATP) e Chapecó (ATC). O magma-tipo de Clevelândia (ATP) não está representado no mapa. Retirado de Nardy et al. (2008). Figure 3 – - Lithological map of the Paraná Magmatic Province (PMP) showing the distribution of the ATP and ATC. The magma-type Clevelândia (ATP) is not represented on the map. Retrieved from Nardy et al. (2008).
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sembleias mineralógicas características para cada grupo e subgrupo de rochas ATP e ATC e caracterizar os aspetos texturais das principais fases minerais. As análises químicas foram realizadas nos laboratórios de Fluorescência de Raio-X do DPM-igCE da UNESP. Neste laboratório foram analisados elementos maiores e menores (SiO2, TiO2, Al2O3, Fe2O3, MgO, MnO, CaO, Na2O, K2O e P2O5) em pastilhas fundidas de cerca de 10 amostras representativas de rochas ATP e 5 de ATC, segundo metodologia descrita em Mori et al. (1999).
macroscopicamente, das do tipo Palmas – ATP (Fig. 4). Enquanto as primeiras apresentam texturas porfiríticas (Fig. 4a), as ATP são maioritariamente afíricas e apresentam textura do tipo “sal e pimenta” (Fig. 4b). Microscopicamente, as texturas afíricas e microporfiríticas proliferam nas rochas ATP (Fig. 5a), enquanto nas ATC são mais comuns texturas porfiríticas a glomeroporfiríticas (Figs. 5b, c, d). Os glomerocristais são constituídos, geralmente, por cristais anédricos a subédricos de plagioclase, piroxena (principalmente augite) e Ti-magnetite.
3. Resultados
ii) Granularidade
As análises petrográficas permitiram a determinação da mineralogia modal e as principais relações texturais entre os seus constituintes. Assim sendo, foi possível reconhecer as principais fases minerais das rochas ácidas da PMP: plagioclase, piroxena (orto e clinopiroxena), óxidos de Fe-Ti. A apatite é comum entre os minerais acessórios. Ainda foi possível observar aspetos texturais capazes de indicar relações de equilíbrio mineral versus matriz. Os resultados das análises químicas dos elementos maiores e menores de amostras representativas dos vários subtipos de rochas ATP e ATC apresentam-se nas tabelas 1 e 2, respetivamente.
A dimensão dos cristais também difere entre os dois grupos de rochas ácidas da PMP. O tamanho dos cristais é muito superior nas rochas ATC comparativamente às ATP, sendo que no primeiro grupo, os fenocristais podem apresentar dimensões de até 9,0 mm, porém, nas rochas do tipo ATP, raramente atingem os 3,0 mm. Nas rochas ATC é comum observar macrofenocristais de plagioclase, com dimensões até 20,0 mm, normalmente fraturados e com bordos corroídos. A existência destes macrofenocristais é comum a todos os subtipos de rochas ATC, porém é mais significativo no subgrupo guarapuava, onde podem perfazer até 30% da composição modal da rocha.
4. Discussão dos resultados 4.1. Aspetos petrográficos
iii) Moda
i) Texturas
As análises modais foram realizadas por mapeamento químico através da microssonda eletrónica, descritas e tabeladas em Vieira & Nardy (em preparação) e mostraram ser muitos úteis para a caracterização
Como referido anteriormente, as rochas ácidas do tipo Chapecó - ATC são facilmente reconhecidas,
Tabela 1 – Composições químicas de elementos maiores e menores dos subtipos de rochas ATP (n=10). Valores em wt%. Table 1 – Chemical analyses of the major and minor elements of the ATP rock subtypes (n=10). Results in wt%.
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Tabela 2 – Composições químicas de elementos maiores e menores dos subtipos de rochas ATC (n=5). Valores em wt%. Table 2 – Chemical analyses of the major and minor elements of the ATC rock subtypes (n=5). Results in wt%.
Figura 4 – Fotografias de amostra de mão de rochas ácidas da PMP. (a) corresponde às rochas do grupo ATC, com textura porfirítica: (b) dacito "sal e pimenta" do grupo ATP. Figure 4 – Hand sample photographs of PMP acid rocks. (a) rock of the ATC group, with porphyritic texture; (b) dacite with "salt and pepper" texture of the ATP group.
destas rochas. As rochas ATP contêm poucos cristais intratelúricos, perfazendo cerca de 5% de fenocristais, enquanto as rochas ATC podem chegar a 15% de volume de feno e microfenocristais. iv) Minerais secundários e outras feições imporantes Os gases em expansão nas lavas e em outras rochas vulcânicas formam, muitas vezes, cavidades ou vesículas. Nas rochas ATP e ATC estas vesículas, usualmente, são esféricas ou ovoides (com diâmetros
de até 4,5 mm), ou têm contornos arqueados, mas a maioria são extremamente irregulares. Elas podem ser preenchidas, subsequentemente, por minerais deutéricos ou secundários, tais como opala, calcedónia, clorite e zeólitos, formando amígdalas. A apatite é um mineral acessório primário que chega a atingir até 3% do volume total de ambos os grupos de rochas ácidas. Os microfenocristais de apatite são euédricos, prismáticos ou aciculares e na matriz ocorrem como cristais anédricos, granulares.
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Figura 5 – Fotomicrografias das rochas ácidas da PMP. (a) textura microporfirítica, com microfenocristais de plagioclase, piroxena e Ti-magnetite em matriz vítrea (ATP) (N//); (b) textura porfirítica com fenocristais de plagioclase, piroxena e Ti-mag (ATC) (N//); (c) glomerocristal no seio de matriz desvitrificada (ATC) (N+); (d) orientação de micrólitos e de fenocristais prismáticos de plagioclase – textura fluidal (N//). Figure 5 – Photomicrographs of the PMP acid rocks. a) microporphyritic texture, with plagioclase, pyroxene and Ti-magnetite microphenocrysts in glassy matrix (ATP) (N //); b) porphyritic texture with phenocrysts of plagioclase, pyroxene and Ti-mag (ATC) (N //); c) glomerocrystal in devitrified matrix (ATC) (N +); d) orientation of microliths and prismatic plagioclase microphenocrysts – fluidal texture (N //).
São também evidentes feições de fluxo magmático, representadas normalmente por linhas curvas de micrólitos e pela alteração das camadas vítreas e finamente cristalinas, mas também pelo estiramento das vesículas e amígdalas (Fig. 6). 4.2. Mineralogia
submilimétricos, em esferulitos e em intercrescimento granofírico (Fig. 7c). Em geral, os feno e microfenocristais de plagioclase apresentam-se alterados, com fraturas, bordos corroídos e texturas de embaiamento. Denotam, também, sinais de arrefecimento rápido nos cristais da matriz, observando-se terminações basais em “cauda de andorinha” e interiores ocos (Fig. 7d).
i) Plagioclase ii) Piroxenas A plagioclase representa a fase mineral mais abundante de ambos os grupos de rochas ATP e ATC. Os fenocristais e microfenocristais são prismáticos, subédricos a euédricos, submilimétricos a milimétricos, de 0,2 a 4,5 mm nas ATP e de 0,5 a 12,5 mm nas ATC (Figs. 7a, b). Na matriz a plagioclase ocorre como cristais ripiformes, subédricos a euédricos,
No grupo das ATP é possível identificar três tipos de piroxena, as pobres em Ca (ortopiroxena e pigeonite) e as ricas em cálcio (augite) e, em geral, são menores e menos abundantes quando comparadas aos fenocristais de plagioclase. Nas rochas ATC, a ortopiroxena está ausente da paragénese mineral.
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4.3. Aspectos geoquímicos i) Nomenclatura e classificação química
Figura 6 – Fotomicrografias de feições de fluxo magmático nas rochas ácidas do tipo ATP e ATC. Figure 6 – Photomicrographs of magmatic flow on rocks of ATP and ATC type.
Os cristais de piroxena ocorrem como feno e microfenocristais nas rochas ATP e ATC, e são prismáticos, normalmente anédricos a subédricos, subarredondados, submilimétricos a milimétricos (0,1 a 3,5 mm) e, muitas vezes, estão inclusas dentro de outros minerais (Fig. 8a-c). De modo geral, também se apresentam alteradas, com fraturas e bordos corroídos (Fig. 8d). iii) Óxidos de Fe-Ti Os minerais opacos podem ocorrer dispersos na matriz, euédricos a subédricos, com tamanhos médios de 0,1 mm, comumente sob forma de inclusões nas piroxenas ou em aglomerados cristalinos, onde apresentam dimensões maiores (de até 0,5 mm), geometria subédrica a anédrica, neste último caso, com margens bastante arredondadas e fraturamento irregular (Fig. 9a, b).
Para classificação das rochas ATP e ATC utilizou-se o diagrama TAS (Total Alcalis vs Silica, Fig. 10), que se baseia no conteúdo total de álcalis (Na2O e K2O) e de sílica (SiO2), segundo leBas et al. (1986). Foram selecionadas 39 amostras de ATP e 12 de ATC, e nas tabelas 1 e 2 estão representadas apenas as mais representativas, segundo o teor em sílica e grau de preservação. A partir do diagrama proposto por leBas, as rochas do tipo ATP foram denominadas, maioritariamente de dacitos, e as rochas do tipo ATC de traquidacitos. Observa-se, de modo geral, que as rochas ATC apresentam um maior conteúdo em álcalis, quando comparadas, às rochas ATP, para o mesmo conteúdo em sílica. Como é possível observar, pelo mesmo diagrama TAS (Fig. 10), as rochas do tipo ATC situam-se predominantemente no campo do traquidacitos, de natureza levemente alcalina. Não obstante, a grande maioria das amostras, tanto ATP como ATC, são de caráter subalcalino, ou seja, abaixo da linha de Rickwood et al. (1989). No diagrama AFM (Fig. 11) de irvine & Baragar (1971), as rochas ATP e ATC, ambas da série toleítica, estão acima da linha que separa a série toleítica da cálcio-alcalina, mostrando uma diminuição significativa de ferro e enriquecimento em álcalis. É interessante destacar a linha de tendência em direção à série cálcio-alcalina das rochas ATP.
ii) Elementos maiores e menoresi Na figura 12 encontram-se os diagramas relativos aos elementos maiores (TiO2, Al2O3, Fe2O3, MnO, MgO, CaO, Na2O, K2O e P2O5) em função de SiO2, utilizada como índice de variação (diagramas de Harker). Em linhas gerais verifica-se que em ambos os grupos ATP e ATC, com o aumento de SiO2, ocorre um decréscimo de TiO2, Fe2O3, MgO, CaO, Na2O e P2O5 e um aumento de K2O. Em alguns elementos, tais como TiO2, Fe2O3, CaO e P2O5, esta diminuição é inicialmente acentuada (Fig. 12). No caso do MgO e Al2O3 observa-se uma acentuada dispersão de pontos. Mostra-se, também, que o óxido P2O5 apresenta um comportamento similar ao dos óxidos TiO2, Fe2O3. De modo geral, observa-se que ocorrem variações significativas de vários elementos para o mesmo
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Figura 7 – Fotomicrografias de: (a) feno e microfenocristais de plagioclase imersos em matriz vítrea (N//); (b) fenocristais de plagioclase com vários sinais de desequilíbrio com o líquido magmático, apresentando-se muito fraturado e com bordos corroídos; (c) textura granofírica de aspeto radial; (d) fenocristal de plagioclase com estruturas de embaiamento pela matriz (N//). Figure 7 – Photomicrographs with: (a) plagioclase phenocrysts and microphenocrysts in a glassy matrix (N //); (b) plagioclase phenocrysts fractured and corroded edges; c) granophyric texture of radial aspect; d) phenocrystal of plagioclase with structures of embedding by the matrix (N //).
conteúdo em SiO2, como por exemplo, para o TiO2, CaO, K2O e P2O5. Estas variações são muito acentuadas, indicando que cada grupo possui características geoquímicas particulares e distintas, visto que não se pode obter as diferenças observadas, por exemplo, por meio de um processo de cristalização fracionada. Porém, é no primeiro e no último caso onde são observadas as maiores variações, permitindo uma fácil distinção entre os dois grupos prin-
cipais de rochas ácidas ATP e ATC (Fig. 12). Nota-se também, com bastante clareza, nesses diagramas que rochas ATC apresentam geralmente conteúdo de SiO2 inferiores aos das rochas ATP. Os diagramas de Harker mostram, também, que, as rochas ATC são enriquecidas em TiO2, K2O e P2O5 para o mesmo conteúdo em sílica, quando comparadas às ATP, enquanto estas últimas são enriquecidas em MgO e CaO.
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Figura 8 – Fotomicrografias de: (a) glomerocristal de plagioclase e ortopiroxena, além de microfenocristais e micrólitos de plagioclase e clinopiroxena dispersos pela matriz vítrea (N//); (b) fenocristal prismático de ortopiroxena com inclusões de microfenocristais de plagioclase (textura subofítica) (N+); (c) fenocristal de plagioclase corroído, fraturado, zonado e com inclusões de clinopiroxena (com várias dimensões) e Ti-magnetite, no seio de matriz desvitrificada (N+); (d) inclusões de Ti-magnetite e apatite dentro de cristal de augite (N//). Figure 8 – Photomicrographs of: (a) glomerocrystal of plagioclase and enstatite, in addition to microphenocrysts and micropolitics of plagioclase and clinopyroxene dispersed by the glassy matrix (N //); b) enstatite prismatic phenocryst with inclusions of plagioclase microphenocrysts (sub ophitic texture) (N +); c) corroded, fractured and zoned plagioclase phenocryst with clinopyroxene and Ti-magnetite inclusions in a devitrified matrix (N +); d) inclusions of Ti-magnetite and apatite microphenocrysts within a augite crystal (N //).
Figura 9 – Fotomicrografias de feno e microfenocristais de Ti-magnetite com hábito esquelético, intercrescido com microfenocristais de clinopiroxena em matriz desvitrificada. a) N//; b) N+. Figure 9 – Photomicrographs of Ti-magnetite phenocrysts and microphenocrysts with skeletal habit with clinopyroxene microphenocrysts in a devitrified matrix; a) N //; b) N +.
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Figura 10 – Diagrama Sílica-Alcalis Total (TAS) em base anidra. Campos composicionais segundo le Bas et al. (1986). A linha a tracejado separa as rochas alcalinas das sub-alcalinas (Rickwood, 1989). Todas as amostras possuem quartzo normativo > 10%. Figure 10 – Silica-Total Alkalis Diagram (TAS) on anhydrous basis. Compositional fields according to Le Bas et al. (1986). The dashed line separates the alkaline rocks from the sub-alkaline rocks (Rickwood, 1989). All samples have normative quartz> 10%.
Figura 11 – Diagrama AFM com a subdivisão dos campos toleíticos e cálcio-alcalinos proposto por irvine & Baragar (1971). Ambos os grupos de rochas ácidas da PMP apresentam caráter toleítico. Figure 11 – AFM diagram with the subdivision of the tholeiitic and calcium-alkaline fields proposed by Irvine & Baragar (1971). Both groups of ATP and ATC rocks show a tholeiitic character.
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Figura 12 – Diagramas de Harker de elementos maiores e menores das rochas ATP e ATC. Os valores nas ordenadas são em percentagem do peso do óxido. Figure 12 – Harker diagrams of major and minor elements of ATP and ATC rocks. Values in ordinates in weight percentage of the oxide.
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5. Conclusões finais
Agradecimentos
As descrições petrográficas e mineralógicas e o estudo preliminar geoquímico das rochas ácidas da PMP evidenciam a heterogeneidade e complexidade magmática intrínseca às grandes províncias magmáticas do planeta (liPs). Com os dados apresentados neste trabalho é possível verificar que as rochas ATP diferem das rochas ATC em vários aspetos, sejam eles petrográficos, mineralógicos e composicionais. As rochas ácidas ATP e ATC são distintas do ponto de vista macroscópico e microsópico (Piccirilo et al., 1987; Nardy et al., 2002, 2008). Em termos modais, os traquidacitos ATC apresentam maior quantidade de cristais (até 15% em volume), texturas porfiríticas e ausência de ortopiroxena relativamente aos dacitos ATP que apresentam menor número de cristais (não vão além dos 5%), de reduzidas dimensões e texturas afíricas. Os bordos corroídos e as texturas de embaiamento observadas em quase a totalidade dos fenocristais e microfenocristais de ambos os grupos de rochas ácidas são indicadores de desequilíbrio magmático das principais fases minerais. Para garland et al. (1995), os fenocristais de piroxena nas rochas ATP estão fora de equilíbrio com a matriz, e sugerem ter-se formado em magma mais primitivo, enquanto que para as rochas ATC, os mesmos autores indicam que os fenocristais apresentam uma composição compatível com o líquido coexistente. Os diagramas de variação de elementos maiores e menores, em função da sílica (tomada como parâmetro indicativo do grau de evolução das rochas), referentes às rochas ATP e ATC mostram tendências que sugerem, em termos qualitativos, que não existe possibilidade de que estas rochas estejam relacionadas entre si por algum processo petrogenético, tal como cristalização fracionada, fusão parcial, mistura magmática, entre outros. As grandes diferenças geoquímicas entre os dois grupos indicam que não estão relacionados por nenhum desses processos e muito provavelmente, as rochas ATP e ATC foram geradas em fontes mantélicas distintas (garland et al., 1995; Peate, 1997; Nardy et al., 2008). Estas diferenças nos termos modais, petrográficos, mineralógicos e composicionais das rochas ATP e ATC comprovam as distintas condições de cristalização e o complexo dinamismo geodinâmico no magmatismo ácido da PMP.
Este trabalho contou com o apoio financeiro da FAPESP (n.º 11 / 10508-6). Nuno Vieira agradece a bolsa do CNPq. A. J. R. Nardy é investigador do CNPq.
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Os terraços quaternários do rio Sizandro (Torres Vedras): caracterização de uma área-fonte de sílex P. Jordão1,2,3*, N. Pimentel1,2 1
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Campo Grande 1749-016 Lisboa, Portugal
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IDL, Instituto Dom Luiz, Universidade de Lisboa Campo Grande 1749-016 Lisboa, Portugal
Bolseira FCT, Fundação para a Ciência e Tecnologia, Av. D. Carlos I, 126, 1249-074 Lisboa, Portugal *Autor correspondente: pajordao@fc.ul.pt
Resumo A caracterização dos terraços fluviais faz parte de um trabalho de identificação e estudo detalhado de potenciais áreasfonte de sílex da Estremadura, matéria-prima utilizada, principalmente, em utensílios da Pré-história. No caso do rio Sizandro, observaram-se seis níveis de depósitos de terraço, T1 a T6 (do topo para a base), que conservam uma importante carga detrítica de sílex erodido de formações do Paleogénico, do Cretácico Superior e do Jurássico Superior. Foram cartografados, em pormenor, os afloramentos quaternários conhecidos, identificado o terraço mais antigo - T1, bem como o afloramento de T4 mais a jusante, e caracterizada a fracção detrítica mais grosseira. Consideraram-se as oscilações glacio-eustáticas como factores principais da génese das escadarias de terraços, embora a ocorrência destas formações, somente na margem direita, foi justificada pelo processo de incisão fluvial, que foi erodindo progressivamente os depósitos da margem esquerda, facilitado pela inclinação para sul dos estratos do substrato jurássico. Palavras-chave: Terraços fluviais; Quaternário; sílex; área-fonte. Abstract Fluvial terraces of the Sizandro river were characterized aiming at the identification and the study of the Estremadura flint potential source areas, which is a raw material mainly used in Prehistory tools. Six Quaternary fluvial terraces were identified along the Sizandro river valley, named T1 to T6 (from top to bottom), which show a significant detrital load of the Paleogene, Upper Cretaceous and Upper Jurassic eroded flint. The terrace deposits outcrops were mapped in detail, having been defined a new terrace T1, as well as the most downstream outcrop of T4. The detrital coarse fraction of all terraces has been also characterized. The glacio-eustatic oscillations are considered the main factor in the genesis of the river terrace staircases, although their occurrence only in the right margin of the river valley is interpreted by the fluvial incision process which was structurally controlled, progressively eroding the left margin Jurassic bedrock favoured by its southward tilting.
Keywords: Fluvial terraces; Quaternary; flint; source-areas.
1. Introdução No âmbito do trabalho de identificação e caracterização do potencial de matéria-prima siliciosa disponível para o fabrico e utilização na Pré-história, o estudo dos terraços fluviais reveste-se de grande importância. Por um lado, pelo facto de os elementos detríticos que os constituem se encon-
trarem normalmente em fase de maturação sedimentológica, predominando formas bem roladas e bem calibradas, que são mais facilmente recolhidas e transportadas pelo Homem; por outro lado, quando estes depósitos resultam da erosão de formações com sílex, a probabilidade de esta rocha constituir parte importante dos sedimentos é elevada, devido à sua natureza mineralógica, mais resistente,
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constituindo-se assim uma fonte com grande disponibilidade desta matéria-prima. De montante para jusante vamos encontrando sílex em estádios deposicionais cada vez mais evoluídos culminando, frequentemente, nos terraços quaternários. Esta matéria-prima deve ser entendida no contexto do depósito que a embala, desde a sua génese à fase de recolha antrópica (Fernandes & raynal, 2006), destacando-se as suas características particulares, que resultaram da sua longa “história” geodinâmica. No caso da bacia do rio Sizandro, o entalhe ocorre em formações com sílex do Jurássico, do Cretácico e do Paleogénico. o sílex dos terraços tem uma “história” que, na sua parte mais recente, não pode ser dissociada da evolução da própria rede fluvial, em particular, da génese dessas formações aluviais, que o integram na actualidade. o conhecimento da génese, arquitetura, características sedimentológicas e evolução dos terraços permitirá obter uma caracterização mais detalhada dos elementos detríticos siliciosos desta área-fonte.
2. Enquadramento 2.1. Geologia e geomorfologia da bacia do Sizandro o rio Sizandro localiza-se na orla litoral mesocenozóica, cerca de 50 km a norte de Lisboa, correndo aproximadamente de este para oeste (Fig. 1). A bacia tem uma área de 334,2 km2 (Costa et al., 2001) cuja cota mais elevada é de 320 m, próximo de Sapataria (Sobral de Monte Agraço). o seu percurso estende-se pela plataforma litoral, talhada em formações jurássicas do bordo W do anticlinal de Torres vedras-Montejunto. No percurso inicial, o rio corre encaixado nas unidades siliciclásticas da Formação de Abadia (KimmeridgianoTitoniano Inferior), atravessa os calcários mais competentes da Formação de Amaral (Titoniano) na zona de Sobral de Monte Agraço, até atingir cotas próximas dos 90 m em Dois Portos. A partir daqui até runa continua a percorrer as “margas de Abadia”. Ao entrar na bacia cenozoica de runa, de orientação aproximada NNW-SSE, entalha os calcários, margas e conglomerados do Paleogénico Indiferenciado de runa (Zbyszewski
Figura 1 – Localização da área de estudo (retângulo a negro, representado na figura 2), assinalando o rio Sizandro e seus principais afluentes, com indicação dos Sectores I, II e III do canal fluvial principal. Figure 1 – Location of the study area (black rectangle shown in figure 2) pointing out the Sizandro river and its main tributaries, and indicating the I, II and III Sectors of the main fluvial channel.
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& Torre de Assunção, 1965), bem como as rochas ígneas do Complexo vulcânico de Lisboa (CvL). No rebordo desta bacia afloram os arenitos e conglomerados do Cretácico Inferior, pertencentes ao “Grupo de Torres vedras” e, para o seu interior, formações do Cretácico Superior (Fig. 2). Após passagem pela estreita faixa de calcários do Cretácico Superior, fortemente inclinados para SSE, o rio entalha formações do Jurássico Superior: a Formação da Abadia, dominada por argilitos, siltitos e margas com algumas intercalações de arenitos grosseiros e, por vezes, conglomerados; e a Formação de Amaral, composta por calcários, calcários dolomíticos e conglomerados com intercalações de calcários recifais (Kullberg, 2000). Na zona de Torres vedras, o rio Sizandro entalha, também, os calcários da Formação de Cabaços, caracterizado por fácies lacustres e de transição marinha-estuarina (Azerêdo et al., 2002). A jusante de Torres vedras, depois de passar por estas litologias mais resistentes, o leito actual volta a encaixar-se na Formação de Abadia, correndo com uma orientação paralela à falha de Torres vedrasMontejunto, que se localiza imediatamente a norte.
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Na margem direita do rio, ocorrem depósitos quaternários de terraços fluviais, testemunhando paleo-leitos abandonados devido a encaixe resultante de oscilações do nível de base (Fig. 2). Considerando os terraços do Sizandro como área fonte de sílex remobilizado de formações localizadas a montante, foram distinguidos, para além do sector do rio já focado, mais dois sectores no canal fluvial principal que atravessa formações com sílex in situ. Foram assim definidos três sectores, desde a zona de Dois Portos até à sua foz. Entre Dois Portos e o bordo NW da bacia de runa foi considerado o Sector I (Fig. 1), onde o rio apresenta um pendor aproximado de 0,29%. Para jusante da Bacia de runa foi definido o Sector II, o qual apresenta um traçado mais sinuoso e aumenta ligeiramente o seu declive para cerca de 0,34% (Fig. 10). Para jusante de Torres vedras definiu-se o Sector III, com cerca de 18 km de extensão, entre Torres vedras e a Foz, apresentando um pendor de cerca de 0,15%. No troço com planície aluvial, o traçado atual do rio apresenta-se meandriforme, cortando as aluviões holocénicas. A área estudada neste trabalho restringe-se, apenas, ao troço terminal, no qual se localizam os terraços de idade plistocénica.
Figura 2 – Excerto das folhas 30-C e 30-D da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50 000 (Zbyszewski et al., 1955; Zbyszewski & Torre de Assunção, 1965): terraços quaternários (“Q”, a cinzento), Paleogénico (laranja) e Paleogénico carbonatado (laranja listrado a vermelho), Cretácico Inferior (verde claro), Cretácico Superior (verde escuro), Jurássico Superior (azuis); localização de Ponte rol (estrela) e do corte representado na figura 4 (barra). Figure 2 – Sheets 30-C and 30-D of Geological Map of Portugal 1/50 000 (Zbyszewski et al., 1955; Zbyszewski & Torre de Assunção, 1965): quaternary terraces (Q in grey), Paleogene (in orange) and carbonated Paleogene (in orange striped red), Lower Cretaceous (in light green) Upper Cretaceous (in dark green), Jurassic (in blues); Ponte Rol (star) and the cross-section shown in figure 4 (bar) location.
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2.2. Metodologia o presente trabalho teve como base a análise da bibliografia, nomeadamente das folhas 30-C e 30-D da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50 000 e, respectivas, Notícias Explicativas (Zbyszewski et al., 1955; Zbyszewski &Torre de Assunção, 1965), e a carta militar à escala 1: 25 000, de forma a detalhar a informação topográfica. A informação cartográfica foi complementada com imagens aéreas acedidas através do Google Earth. Foi confirmada a localização e delimitação dos terraços no terreno com recurso a GPS (± 3 m), em coordenadas geográficas WGS 84, cujos dados foram manuseados no programa TrackMaker e transportados para ArcGIS, onde foram produzidos mapas com base num MDT- rASTEr_rES30. o trabalho de campo envolveu, ainda, o registo fotográfico e, sempre que possível, a descrição dos sedimentos fluviais quanto à sua estrutura, cor e textura, o tamanho máximo dos clastos (medida dos 10 maiores clastos em mm = MPS), litologia e arquitetura deposicional dos clastos. A espessura dos depósitos foi calculada pela diferença entre a cota máxima e mínima dos afloramentos observados.
A presença de elementos detríticos em sílex constituiu um indicador importante para o reconhecimento no terreno dos sedimentos plistocénicos, contribuindo também para distingui-los de níveis conglomeráticos cretácicos, sobre os quais algumas assentam em paraconformidade. 2.3. Antecedentes Foram identificados, pela primeira vez, por G. et al. (1955) níveis de terraços quaternários na margem norte do rio Sizandro, registados como “Q” e descritos sumariamente, respectivamente, da Folhas 30-C da Carta Geológica de Portugal, à escala 1/50 000 e na Notícia Explicativa (op. cit.). o autor refere que se podem observar dois níveis quaternários: o primeiro, num patamar de menor altitude, junto à estrada Torres vedras-Santa Cruz, constituído por “areias argilosas acastanhadas com calhaus rolados”, e, o outro, numa posição mais elevada, a cotas próximas de 80 m, constituído por “grés pouco consolidado e areias argilosas com calhaus rolados, entre os quais predomina o sílex, o quartzito e algumas rochas alteradas de tipo granítico” (Zbyszewski et al., 1965) (Fig. 3).
Figura 3 – Terraços do rio Sizandro – T1 a T5, com indicação do corte A-B (Fig. 11); terraços indicados Folha 30-C da Carta Geológica 1/50 000 (Zbyszewski & Torre de Assunção, 1965) assinalados a linha tracejada. Figure 3 – Quaternary fluvial terraces of the Sizandro river – T1 to T5, with location of A-B cross-section marked (Fig. 11); Quaternary fluvial terraces in dashed line are from Sheet 30-C Geological Map of Portugal, 1/50 000, 30C (Zbyszewski & Torre de Assunção, 1965).
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Na bibliografia arqueológica, as formações quaternárias identificadas têm sido referidas, apenas enunciadas como prováveis locais de aprovisionamento de matéria-prima de sítios do Paleolítico Superior, nomeadamente vale Almoinha, Cerrado Novo e vale da Mata (Carvalho et al., 1989; Zilhão, 1997) e do Mesolítico, caso do concheiro de Toledo, na Lourinhã, cujas comunidades parecem ter fre quentado os terraços para recolher “pequenos nódulos” de sílex (Araújo, 2011; Gameiro et al., 2008). No princípio do milénio, J. Shokler (2002) inicia um estudo preliminar de áreas-fonte potenciais na Estremadura durante o Paleolítico Superior, no qual o depósito aluvial da zona de Ponte rol (Fig. 2) é descrito, sucintamente, como uma fonte muito heterogénea do ponto de vista das características físicas do sílex, a comparar com outras fontes de
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deposição secundária estremenhas, como Caxarias (vila Nova de ourém). Dentro da mesma fonte, o autor chegou a agrupar em seis conjuntos diferentes vinte cinco de trinta e duas amostras, sem que a publicação consultada forneça mais pormenores (Shokler, 2002). Com o projeto de estudo da evolução holocénica do rio Sizandro (incluído no “Sizandro-Alcabrichel research Project” - SArP) foi detetado, próximo de Coutada, um nível de terraço LZ-II, situado sob as aluviões entre os +10 m e os -7 m (Cabral et al., 2016), correspondendo à última fase de estabilidade do rio antes do Holocénico e agora definido como T6 (Fig. 4). Este terraço é constituído por sedimentos areno-cascalhentos, o que sugere aos autores uma formação que provavelmente remontará ao período inicial do Último Máximo Glaciar. Para além dos dois níveis de terraços originalmente cartografados
Figura 4 – Corte interpretativo E-W-SW das sondagens próxima de Coutada. Sobre-elevação 12,6 x (adaptado de Cabral et al., 2016) (vd. localização na figura 2). Figure 4 – E-W-SW transect of boreholes, near Coutada. Vertical exaggeration 12,6 x (adapted from Cabral et al., 2016) (vd. location in figure 2).
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por G. Zbyszewski et al. (1965), documenta-se assim a referência a um terceiro. Como veremos mais adiante, este facto foi particularmente útil na deteção de um nível superior de terraço fluvial na mesma zona da margem, que não tinha sido cartografado pelo referido autor. 2.4. Os terraços fluviais do rio Sizandro No Sector III do rio foram agora identificados seis níveis de terraços fluviais, cinco dos quais afloram à superfície. o sexto terraço, referido no ponto anterior, foi apenas identificado em sondagens, sob as aluviões, não sendo por isso aqui descrito. os sedimentos de terraço quaternários encontram-se em parte representados na cartografia já publicada (Fig. 3, a tracejado), tendo alguns outros terraços sido identificados já no decorrer deste trabalho (Fig. 3). Todos os terraços identificados encontram-se bastante erodidos e foram parcialmente removidos por ação antrópica, devido ao povoamento e à atividade agrícola. o nível aluvial mais antigo (T1) encontra-se acima dos 80 m e apenas se observa numa pequena área de menos de 100 m2 a Norte do Bairro do Calvo (Ponte rol) (Fig. 3, a encarnado). Teria uma espessura de pelo menos 7 m, considerando as cotas de base em alguns pontos onde ainda se conserva parte do terraço. o T1 é o único terraço que assenta, em paraconformidade, sobre as unidades cretácicas, tendo como limite sul aproximadamente o traço da falha de Torres vedras. A erosão de ambas as formações que se encontram em contacto sedimentar mesclou o conteúdo detrítico quaternário com os sedimentos cretácicos mais grosseiros tornando, por vezes, pouco clara a distinção dos respetivos limites estratigráficos (Fig. 5A, B, C). Foi através de indicadores granulométricos e litológicos que se conseguiu individualizar ambas as formações: por um lado, os terraços quaternários ostentam um conteúdo detrítico mais heterométrico com intensa ferruginização, não se reconhecendo uma organização das estruturas aluviais, ao mesmo tempo que se identificam balastros de sílex. Por outro lado, a fracção grosseira dos arenitos cretácicos tem uma maior homogeneidade dimensional, com clastos bem rolados e, embora por vezes não apresente estruturas deposicionais orientadas, é evidente a ausência de clastos de sílex. o afloramento da figura 5E mostra que o topo das unidades do Grupo de Torres vedras pode apresentar níveis conglomeráticos que se assemelham a uma acumulação de terraço.
De facto, a rede de drenagem do rio Sizandro atravessa formações com sílex geradas, posteriormente, à deposição das unidades cretácicas mais antigas, nomeadamente no Cretácico final e no Paleogénico, validando a associação das formações observadas ao Quaternário em Calvo. o terraço de maior altitude encontra-se bastante erodido, resistindo a fracção mais grosseira constituída por clastos bastante meteorizados, com pátinas ferruginosas, fissuras e, no caso do sílex, recristalizações. Apresenta um valor de MPS de 103, englobando seis seixos de quartzo e quatro de sílex. Abaixo do T1, os restantes terraços assentam em inconformidade sobre margas e arenitos da Formação de Abadia (Jurássico Superior), cujas camadas inclinam para sul. Esta formação contacta com arenitos e conglomerados das unidades do Grupo de Torres vedras por falha normal, denomidade de falha de Torres vedras-Montejunto (Fig. 2). o segundo nível de terraço (T2), a sul do primeiro, foi previamente cartografado como sendo o mais elevado. Identificou-se em três zonas: a sul do vértice geodésico de Calvo (Fig. 6A e B), e a oeste e nordeste do mesmo, respectivamente, na vertente cortada por uma pequena linha de água, tributária do rio Sizandro, e numa pequena faixa ao longo da estrada (Fig. 3, a azul). Não foi possível recolher os valores de MPS porque não se encontrou um corte representativo. As suas cotas variam entre 63 e 78 m. o material sedimentar observável é arenoargiloso, castanho alaranjado. o terraço T3, também cartografado, aflora numa extensão maior que os anteriores, formando uma mancha, que abrange os marcos geodésicos Galegueira e Gondruzeira (Fig. 7A) e outra para oeste, já em Ponte rol, apenas entalhado por um pequeno vale fluvial de um afluente do rio Sizandro. ocorre a cotas entre 52 m, na base, e 61 m, no topo. o sedimento é areno-argiloso, castanho avermelhado. No seu limite este, a base do terraço encontra-se-se muito erodida devido a exposição recente resultante da construção de um bairro habitacional (Fig. 7B). A fracção grosseira acumulada na vertente facilitou a amostragem de MPS, que aqui atingiu um valor de 122. os elementos detríticos de maior dimensão são maioritariamente de sílex (entre 100-200 mm) e os elementos médios/pequenos (entre 30-60 mm) são na sua maioria de quartzo (Fig. 7E). Foi possível identificar alguns cortes no topo do terraço T3, na zona de Gondruzeira (Fig. 7C) e Ponte rol (Fig. 7D), nos quais o depósito se encontra relativamente bem preservado.
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Figura 5 – A) T1 na linha de horizonte com vista para W e indicação da localização do afloramento da figura 5B; B) afloramento de T1 na rua do Seixinho (Calvo, Ponte rol) onde se observa um bloco de sílex (com setas encarnadas); C) afloramento de T1 no corte em Calvo, onde se observa a “cascalheira” quaternária sobre o arenito cretácico (Ponte rol); D) amostra de clastos de MPS; E) afloramento de sedimentos do topo do Cretácico Inferior, a Norte de Paúl, onde se observa a fracção grosseira mais homométrica e sem sílex, comparada com as litologias dos terraços fluviais. Figure 5 – A) T1 on the horizon line with W view and outcrop location of figure 5B; B) T1 outcrop in Rua do Seixinho (Calvo, Ponte Rol) where a flint block is observed (with red arrows); C) T1 outcrop in Calvo section, where the quaternary gravel layer occurs overlaying Cretaceous sandstone (Ponte Rol); D) MPS clasts samples; E) sediment outcrops from the top of the Lower Cretaceous, North of Paúl, where the coarse fraction is more homometric than in the fluvial terrace sediments, and does not have flint.
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Figura 6 – Aspeto do terraço T2 (Calvo) muito erodido, com localização do afloramento representado à direita, mostrando um pormenor do conteúdo detrítico fluvial. Figure 6 – Eroded T2 terrace (Calvo) with location of the photo at the right showing a detail of the fluvial detrital content.
Figura 7 – A) terraço T3 visto para SE (Gondruzeira); B) aspeto de um afloramento meridional do T3 em Gondruzeira observando-se a fração grosseira do terraço sobre sedimentos jurássicos; C) afloramento de T3 em Ponte rol; D) afloramento de T3 em Gondruzeira; E) amostra de clastos de MPS em Gondruzeira. Figure 7 – A) T3 terrace view to SE (Gondruzeira); B) T3 southern outcrop at Gondruzeira with the coarse fraction over Jurassic sediments; C) T3 outcrop in Ponte Rol; D) T3 outcrop in Gondruzeira; E) MPS clasts sample in Gondruzeira.
o terraço T4 foi identificado na zona de Ponte rol, em dois interflúvios e, mais para jusante, na povoação de Coutada, na margem côncava de um meandro do rio a cerca de 3 km da sua foz atual (Fig. 8A). o referido depósito de terraço foi reconhecido após visita ao local e, embora não se tenham observado cortes ou superfícies conservadas, a identificação de elementos detríticos siliciosos, em particular de grandes balastros de sílex (Fig. 8D), tal como em Ponte rol (Fig. 8C), foi suficiente para delimitar
uma mancha que correlacionámos com as já cartografadas em Ponte rol, com características sedimentológicas e altimetria semelhantes (entre 30-51 m). A observação da topografia da margem direita indiciava a existência de um terraço, o que se veio a confirmar no campo. Mas é em Ponte rol que o terraço, ainda que bastante erodido, se encontra melhor preservado, pelo que se retiraram daqui as amostras de seixos para o cálculo de MPS, que foi de 80 (Fig. 8B).
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Figura 8 – A) Topo de T4 em Coutada (vista para norte); B) amostra de MPS (Ponte rol); C) balastro de sílex (Ponte rol); D: balastro de sílex (Coutada). Figure 8 – A) Top of T4 in Coutada (view towards north); B) MPS sample (Ponte Rol); C) flint ballast (Ponte Rol); D) flint ballast (Coutada).
Por último, reconhecemos o terraço mais recente, T5 (dado que o T6 não aflora), sendo o que se encontra mais destruído devido a ação antrópica: entre a Fonte Grada, passando por Gibraltar e Benfica até à Ponte rol, ao longo da estrada N9, a superfície aplanada correlativa foi intensamente urbanizada (Fig. 9C). Com cotas entre os 11-27 m, o T5 apresenta um sedimento arenoargiloso castanho amarelado e uma cascalheira maioritariamente de quartzo, mais homogénea em termos dimensionais, com clastos de tamanho máximo 65 (MPS), calculado a partir de amostras localizadas em Fonte Grada (Fig. 9A e B).
3. Condicionamento geomorfológico Ao longo do seu percurso inicial, passando pelo Sector I até à bacia de runa, o rio Sizandro atravessa sucessivamente a formação margosa de Abadia e as unidades calco-margosas e conglomeráticas do Paleogénico de runa, em cuja bacia, com o mesmo nome, afloram, também, rochas ígneas do Complexo vulcânico de Lisboa. Já no rebordo ocidental da bacia aflora uma faixa de calcários compactos do Cretácico Superior, correspondente ao bordo Sul do anticlinal de Torres vedras-Montejunto. A trans-
posição desta faixa topograficamente elevada evidencia uma inadaptação da rede de drenagem à estrutura geológica regional, o que implica a existência de epigenia, em consequência, de algum processo de sobreimposição. Esta epigenia poderá estar relacionada com uma cobertura sedimentar ou a superfícies de erosão mais antigas e, também, a soerguimentos neotectónicos locais. A jusante desta passagem constrangida pela for mação cretácica, o rio apresenta um aumento do declive (de 0,29% no Sector I para 0,34% no Sector II), acompanhado de maior sinuosidade do traçado (Fig. 2), parecendo haver uma maior estabilidade do leito, com a formação de um pequeno meandro escavado nos calcários das formações jurássicas de Montejunto e de Cabaços. No entanto, neste Sector II não restam testemunhos de terraços de acumulação fluvial. o principal fator da sua ausência deverá ter sido a dificuldade do leito em se expandir e migrar lateralmente, gerando níveis aplanados e coberturas aluviais passíveis de posterior e sucessivo entalhe. Pelo contrário, a resistência dos calcários atravessados e o seu forte condicionamento estrutural, deverão ter levado o rio a encaixar-se sucessivamente no mesmo traçado, sem registo significativo das oscilações eustáticas que ocorreram ao longo do Quaternário.
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Figura 9 – A) Aspeto dos sedimentos de T5 no solo em Fonte Grada; B) amostra de MPS (Fonte Grada); C) sedimentos de T5 em corte (Gibraltar). Figure 9 – A) Top of the T5 sediments in Fonte Grada; B) MPS sample (Fonte Grada); C) transect of T5 sediments (Gibraltar).
Na passagem do Sector II para o Sector III, na zona de Torres vedras, volta a encontrar-se forte constrangimento estrutural, com passagem pelos
calcários mais competentes da Formação de Cabaços. A jusante deste encaixe com declive acentuado, o rio entra no Sector III menos declivoso, permitindo a
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sua expansão lateral e a acumulação de materiais aluviais. Neste último troço do rio conjugaram-se favoravelmente fatores geomorfológicos e glacioeustáticos para a génese e preservação de terraços fluviais no rio Sizandro. Neste sector, a reduzida resistência dos arenitos cretácicos terá sido propícia à geração de um canal fluvial com um fluxo detrítico importante (considerando a abundância e dimensões da carga de fundo) que rapidamente perdia energia promovendo a deposição e agradação sedimentar. Como foi referido, os terraços do rio Sizandro, organizados numa escadaria na sua margem direita, localizam-se neste troço do rio mais a jusante (Fig. 10). Aqui, a uma distância entre 4 e 16 km da foz, ficaram preservadas superfícies de antigos leitos cuja génese foi certamente condicionada pelas oscilações do nível de base geral que, ao longo do Plistocénico, foi sofrendo ciclicamente alterações (Gibbard & Lewin, 2009). o factor de controlo glacio-eustático parece ter sido fundamental para a elaboração dos terraços escalonados, favorecendo o preenchimento sedimentar nas fases de nível mais elevado e provocando o encaixe fluvial com abandono progressivo do leito anterior, em resposta a descidas eustáticas e, simultaneamente, a um soerguimento progressivo da área continental emersa. A avaliar pela inclinação longitudinal do traçado dos paleo-leitos, do mais elevado para o mais
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próximo do leito atual, o perfil parece ter progredido no sentido de uma redução do declive, observando-se uma quebra de declive, apenas visível a partir do T4. É aliás, a partir deste ponto, na fase do T4 que se observa a meandrização deste sector do rio, testemunhando já uma planície aluvial, com acumulação sedimentar na sua margem côncava. A localização do terraço mais elevado imediatamente a norte da falha de Torres vedras, quase sobre a mesma, faz supor que o leito mais antigo correria aproveitando a própria falha, alargando-se sobre os arenitos cretácicos a Norte e os calcários e margas jurássicos a Sul. A migração e sucessão de terraços, cada vez mais recentes para Sul, deverão ter resultado da gradual migração do leito principal, em consequência da inclinação das camadas jurássicas do substrato nessa direção, tal como se observa no terreno e se pode inferir do pendor do contacto entre a Fm. do Freixial (J5) e a Fm. da Lourinhã (J4) na cartografia geológica (Fig. 2). Esta migração para Sul pode ser também suficiente para explicar a ausência de testemunhos de terraços na margem esquerda do rio, como se observa no corte da figura 11, determinando que o processo de incisão fluvial incidisse no próprio depósito aluvial, obliterando sucessivamente os depósitos da margem esquerda, num constante rejuvenescimento do novo leito sobre o substrato rochoso.
Figura 10 – Perfil longitudinal do rio Sizandro, no qual estão representados os terraços T1 a T5 localizados na margem direita do sector III do rio, com indicação do respetivo traçado do paleo-leito. Figure 10 – Longitudinal profile of the Sizandro River, with the T1 to T5 terraces located at the right bank of sector III represented, indicating its respective paleo-bed.
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Figura 11 – Corte transversal ao rio Sizandro (A-B, figura 3), evidenciando contraste entre a margem direita com escadaria de terraços e a margem esquerda sem terraços (sobre-elevação 10 x). Figure 11 – Sizandro river transverse profile (A-B on figure 3), with contrast between the right bank showing stepped terraces, and the left bank, without terraces (vertical exaggeration 10 x).
4. Caracterização dos seixos de sílex observando os valores de MPS nos diversos níveis de terraço, nota-se uma tendência geral de diminuição dos valores do mais antigo para o mais recente – 103 (T1), 122 (T3), 80 (T4) e 65 (T5), o que corresponde a uma evolução do caudal no sentido de diminuição da sua competência. A presença de blocos de grandes dimensões (>265 mm) foi observada nos terraços T1 a T4, devendo estar relacionada com o constrangimento a que o curso de água foi sujeito no final do Sector II pelos calcários oxfordianos mais resistentes, aumentando depois o declive e impulsionando a velocidade e competência para jusante, onde se localizam aqueles terraços. De salientar ainda a meteorização física (fissuração) e química (ferruginização) dos clastos, mais evidente nos terraços superiores, factor que acabou por limitar a sua utilização como matéria-prima. A presença de geodes no seu interior, porosidade secundária e impregnações de Fe2o3, havia já sido verificada no âmbito de estudos anteriores, visando a caracterização do potencial dos terraços quaternários como fonte de sílex (Jordão & Pimentel, 2017). Quanto à rubefação dos clastos, esta pode indiciar condições climáticas particulares, neste caso um clima temperado fortemente contrastado, correlativo das etapas iniciais de encaixe da rede de drenagem quaternária (Pais, 1989). Pelo contrário, o conteúdo
detrítico do T5 não evidencia idênticos sinais de alteração, apontando para a formação do depósito em condições climáticas próximas das atuais ou eventualmente tempo insuficiente para ter ocorrido alteração significativa. A caracterização das marcas infligidas aos seixos de sílex pela erosão e transporte a que foram sujeitos é importante também no processo de avaliação do potencial de matéria-prima siliciosa dos terraços. verifica-se que, apesar de existir disponibilidade de balastros de sílex de grandes dimensões, a sua qualidade pode ser comprometida pelo respetivo grau de meteorização, particularmente física, o que retira consistência ao sílex, facilitando a sua fracturação. Na exploração destes depósitos na Pré-história, com o objetivo de utilização para talhe, terá sido necessária uma observação cuidada de cada seixo, não sendo provável que a recolha fosse indiscriminada. 5. Conclusões o estudo dos terraços quaternários do rio Sizandro permitiu caracterizar o seu troço fluvial de jusante, evidenciando a formação de leitos que foram progressivamente abandonados desde a fase mais antiga registada (T1), em que o rio fluía próximo da zona da falha de Torres vedras, até à formação do T6, localizado 7 m abaixo do nível
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médio do mar atual, sob as aluviões holocénicas, seguindo um processo de incisão progressiva de migração para Sul. A presença de uma escadaria de terraços somente na margem direita testemunha essa migração, facilitada pela inclinação para Sul das camadas do Jurássico Superior que, logo a partir do T2, a cerca de 60 m de cota, foi servindo de substrato. As oscilações glácio-eustáticas do nível do mar, sobrepostas a uma tendência de levantamento do continente, foram responsáveis pela formação dos terraços do rio Sizandro, mas este mecanismo não é suficiente para justificar a ausência dos mesmos na margem esquerda. A inclinação das camadas jurássicas pode ter orientado o processo de incisão fluvial em direção a Sul, promovendo sempre a erosão da anterior margem esquerda, não deixando preservado qualquer testemunho de terraço nessa margem. A análise sedimentológica dos terraços fluviais permitiu verificar a competência de transporte do rio ao longo do Quaternário, manifestada pela importante fracção grosseira depositada nos terraços do Sector III, a jusante de Torres vedras, com um MPS de 103 no terraço mais antigo, atingindo o máximo de competência no T3, com um MPS de 122, decaindo para 80 (T4) e 65 (T5). No entanto, observou-se que a disponibilidade de sílex sob a forma de balastros, com ocorrência frequente de clastos com dimensão >265 mm, é constante desde o T1 até ao T4, remetendo para o T5 a presença de clastos com uma dimensão sempre menor que 80 mm. Testemunha-se assim a significativa capacidade de remobilização do rio Sizandro que entalha, no seu percurso de montante para jusante, formações do Paleogénico, do Cretácico Superior e do Jurássico Superior, registando uma importante carga detrítica de sílex proveniente destas formações. A acumulação aluvial sob a forma de terraços torna estes depósitos, áreas-fonte privilegiadas para recolha desta matéria-prima, a uma distância de cerca de 10 km até 20 km da rocha original, com sílex de deposição primária. A cartografia dos terraços quaternários do rio Sizandro permitiu localizar com maior precisão os limites destes sedimentos definindo-se, em alguns casos, uma nova configuração seguindo os respetivos níveis de base. Paralelamente, no decorrer do trabalho de prospeção no terreno, a identificação de novos terraços, designadamente o nível mais antigo – T1, e a extensão do terraço T4 mais para jusante, conduziu a um aumento da área fonte potencial de matéria-prima siliciosa em cerca de 1,3 km2.
Agradecimentos os autores agradecem ao Prof. João Cabral a revisão cuidada do manuscrito e as críticas construtivas apontadas ao seu conteúdo textual e gráfico, contribuindo para a melhoria da versão final.
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GEOnOvAS vOL.
ASSOCIAçãO pOrtUGUESA DE GEóLOGOS
32, n.º 1: 111 a 124, 2019 111
Evolução morfológica da duna de São João da Caparica e potencial de transporte sólido eólico D. Rato1*, A. Bastos2, C. Andrade1,2, R. Taborda1,2, M. C. Freitas1,2 1
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Departamento de Geologia, Bloco C6, 1749 016 Lisboa 2
Instituto Dom Luiz, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Bloco C1, 1749-016 Lisboa *Autor correspondente: danielaterato@hotmail.com
Resumo As dunas costeiras formam barreiras eficazes ao galgamento e inundação costeira pelo que o conhecimento dos factores reguladores da sua evolução têm relevância acrescida no contexto das alterações climáticas. Este trabalho tem por objetivo descrever a evolução morfológica da duna de São João da Caparica à mesoescala temporal (sazonal a interanual), e avaliar se essa evolução pode ser explicada considerando unicamente as características do regime de ventos. Os resultados modelados reproduzem qualitativamente o padrão de variação volumétrica observado no campo embora ocorram diferenças significativas entre os valores modelados e observados. Apesar das diferenças, cerca de 75% da variação observada pode ser explicada considerando apenas a acção dos ventos que sopram da praia para a duna. Estes resultados viabilizam a descrição da evolução de sistemas aparentemente complexos a partir de modelos que utilizam um número limitado de variáveis. Palavras-chave: Duna costeira, morfologia, vento, transporte eólico, balanço sedimentar. Abstract Coastal dunes are efficient obstacles regarding wave overtopping and coastal flooding and research of factors modulating their evolution acquired increasing relevance under scenarios of global change. The main objective of this study is to describe the morphological evolution of the São João da Caparica dune, at seasonal to interannual timescales, and assess whether this evolution can be explained considering the characteristics of the wind regime. Modelling results reproduce the qualitative patterns of volumetric changes observed in the field but there are significant differences between modelled and observed values. Despite the differences, about 75% of the observed variation can be explained considering only the action of the winds blowing from the beach to the dune. These results show that the evolution of an apparently complex system can be described using models that use a limited set of variables.
Keywords: Coastal dune, morphology, wind, aeolian transport, sediment budget.
1. Introdução As dunas costeiras formam-se em ambientes marginais com disponibilidade sedimentar, capacidade de acomodação e regime de ventos favorável. Uma vez estabelecidas, formam obstáculo eficaz ao galgamento e inundação pelas ondas de tempestade e, porque interagem em permanência com a praia
adjacente, são reserva de areia imediatamente disponível para alimentar a praia quando afectada por processos erosivos, acumulando-a em períodos de estabilidade. por outro lado, as dunas costeiras constituem aquíferos com potencial para conter o avanço da cunha salina (Davis & Fitzgerald, 2004). Merecem ainda realce os serviços dos ecossistemas associados a dunas costeiras, que além dos já referidos
112 Evolução morfológica da duna de São João da Caparica e potencial de transporte sólido eólico
na defesa costeira e na reserva de água doce, incluem ainda a manutenção da qualidade da água, a regulação do clima e a captura de poluentes do ar pela vegetação (van der Biest et al., 2017). A relevância das dunas no contexto das medidas de protecção costeira é hoje amplamente reconhecida, e a sua reabilitação (ou construção) integra o leque de medidas de adaptação às alterações climáticas, especialmente quando efectuadas em ligação com operações de alimentação ou recarga artificial de praias – práticas implementadas preferencialmente em países tecnologicamente desenvolvidos (Zhu et al., 2010). porém, a eficácia destas medidas de protecção e adaptação depende muito do conhecimento sobre o funcionamento do sistema costeiro, nomeadamente sobre os processos eólicos e respostas morfológicas associadas. Apesar da inquestionável importância em conhecer as condições associadas ao desenvolvimento dos sistemas dunares costeiros, a capacidade de modelar a evolução de uma duna costeira, partindo do conhecimento do regime de ventos e das relações empíricas entre o forçamento eólico e o transporte sólido é ainda reduzida (cf. Frederiksson et al., 2017 e referências nele citadas). De facto, a generalidade dos trabalhos que correlacionam o transporte sólido com as características do forçamento eólico compreende escalas temporais reduzidas (horas a dias) (veja-se por exemplo Jackson & nordstrom, 1997). A complexidade dos processos de transporte de areia pelo vento na zona costeira, expressa pelo elevado número de variáveis associadas e efeitos retroactivos da resposta morfológica sobre a estrutura do vento local, tem dificultado a extrapolação dos resultados daquela investigação para escalas temporais mais alargadas, de meses a anos (Frederiksson et al., 2017). Este estudo tem por objectivo descrever a evolução morfológica de um sistema dunar frontal intervencionado e verificar se essa evolução pode ser explicada considerando unicamente as características do regime de ventos. Selecionou-se, como área de estudo, o sistema praia-duna de São João da Caparica (SJC), no qual decorreu uma intervenção de restauração dunar (projecto reDuna) em associação com uma operação de alimentação artificial da praia. 2. Área de estudo O sistema praia-duna de SJC localiza-se a norte das praias urbanas da Costa da Caparica (concelho de Almada) e apresenta uma orientação geral n30°W, S30°.
A praia tem cerca de 1,4 km de comprimento e largura variável entre 140 m (a norte) e 70 m (a sul), e encontra-se limitada pelo esporão sul da Cova do vapor (Ev1) e pelo esporão norte da Costa da Caparica (EC7). Confina com a duna de SJC, à qual sucede, no terço sul da praia, uma defesa aderente que protege o parque de campismo do InAtEL (Fig. 1).
Figura 1 – Enquadramento geográfico da área de estudo. (a) – portugal continental; (b) – praia e duna de São João da Caparica (SJC) no litoral do concelho de Almada; (c) – praia e duna de SJC. Figure 1 – Location of study area. (a) – Mainland Portugal; (b) – São João da Caparica (SJC) beach and dune in Almada municipality; (c) – SJC beach and dune.
A duna de SJC é constituída por um edifício arenoso mais antigo, remanescente das tempestades do Inverno 2013/14, com cota máxima de 7 a 10 m nMM (acima do nível médio do mar) e cotas de crista mais frequentes entre 6 e 7 m nMM; apresenta 1 km de comprimento e largura variável entre 25 e 80 m. Actualmente, e em consequência do projecto reDuna, formou-se um novo cordão dunar que encosta ao edifício antigo através de uma ligeira depressão.
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A sul, o novo cordão dunar (faixa barlavento) confina com o extremo norte da defesa aderente, mas o edifício dunar mais antigo prolonga-se cerca de 120 m em contacto directo com o tardoz daquela estrutura de defesa (Fig. 1). Este sistema insere-se no troço norte da planície costeira da Caparica, uma unidade morfossedimentar essencialmente arenosa, que se estende desde a margem sul do corredor do tejo até pouco a sul da Fonte da telha, com largura variável entre 1 km, a norte, e 100 m, a sul. A organização morfológica desta planície testemunha um contexto de progradação persistente, promovido por alimentação sedimentar muito abundante e ventos de feição durante o Holocénico (cf. Freire, 1989; Ferraz, 2013). porém, desde meados do século XX, o segmento mais setentrional do sistema costeiro iniciou um processo erosivo com grande expressão, nomeadamente na praia e na duna em estudo. Esta tendência conduziu, ainda no século XX, à construção de um conjunto de defesas rígidas de que se destacam os esporões da trafaria, a defesa aderente e o pente de esporões da Costa da Caparica (Barceló, 1966; veloso-Gomes et al., 2006, 2007). pinto et al. (2007) estimaram um recuo da linha de costa (configurada pelo sopé da duna frontal) em
D. rato, A. Bastos, C. Andrade, r. taborda, M. C. Freitas 113
SJC de cerca de 200 m entre 1958 e 2007, tendência que se mantém no presente, embora com intensidade variável. De facto, este sector costeiro insere-se numa célula sedimentar que apresenta um enorme défice sedimentar (GtL, 2014). na sequência dos eventos extremos de 2014 (ApA, 2014; Diogo et al., 2014) o troço costeiro entre SJC e a praia da Saúde foi alvo de uma operação de alimentação artificial que envolveu a deposição de cerca de 1 x 106 m3 de areia, na praia subaérea, dos quais aproximadamente 400 x 103 m3 foram colocados em SJC. Concomitantemente, e até Janeiro 2015, a Câmara Municipal de Almada (CMA) promoveu, em parceria com a Agência portuguesa do Ambiente (ApA, I.p.), o projecto de restauração dunar reDuna, que visou aproveitar a disponibilidade de areia oferecida pela nova berma para robustecer o edifício dunar e, eventualmente, promover a sua expansão, tirando partido dos processos eólicos. O projecto incluiu remodelação do perfil da duna, colocação de paliçadas de vime formando células de retenção de areia com 5 x 5 a 7 x 7 m de lado, introdução de vegetação dunar para fixação de areias, construção de passadiços e colocação de sinalética informativa (http://www.m-almada.pt/portal/page/portal/AMBIEntE/DEStAQUES/DEtAL
Figura 2 – Duna de SJC em Setembro de 2016. Sector norte (perspectiva para sul) ilustrando as paliçadas de retenção, o novo cordão dunar e a depressão interdunar formados na sequência do projecto reDuna. Figure 2 – SJC dune in September 2016. Northern sector (view towards south) showing sand fences, the recently accreted dune crest and interdune trough developed following ReDuna restoration project.
114 Evolução morfológica da duna de São João da Caparica e potencial de transporte sólido eólico
HE/?ambiente_destaques_detalhe=345375786&cbo ui=345375786). neste contexto, desde 2015 que a duna de SJC é objecto de levantamentos sistemáticos que complementam um programa de monitorização do litoral arenoso do concelho de Almada. Este programa decorreu entre 2011 e 2013, no âmbito do projecto CISML (CISML, 2013) e, após 2013, no âmbito de parcerias entre a CMA e Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), com resultados publicados em Mexia et al. (2015), rato (2017) e rato et al. (2017a, b).
3. Métodos A caracterização morfológica da praia e duna de SJC fundamentou-se em levantamentos sistemáticos com recurso a equipamento GnSS (Global Navigation Satellite System) do tipo GpS-rtK (Global Positioning System-RealTime Kinematic) em modo de aquisição automático com resolução horizontal de 1 m. Em cada campanha o edifício dunar foi coberto pelo levantamento de mais de 12 000 pontos distribuídos de acordo com uma malha de amostragem definida pela geometria das paliçadas de retenção de areia na aba frontal e estendida, tanto quanto possível, ao restante edifício. Os dados topográficos foram processados em ambiente ArcGIS® versão 10.4, a partir dos quais foram gerados Modelos Digitais de terreno (MDt) que serviram de base ao cálculo do volume da duna de SJC. para efeitos de comparação de volumes, foi
considerada uma cota de referência arbitrária (2 m - nMM) que correspondente à cota mínima do sopé da duna no seu tardoz. na determinação destes volumes foram considerados dois domínios espaciais: duna (área total, reduzida da superfície afecta aos apoios de praia/restaurantes) e faixa barlavento (coincidente com a fiada mais externa de células de retenção) na qual cresceu o novo cordão dunar. Os MDt foram ainda utilizados para gerar mapas de diferenças de elevação entre campanhas sucessivas que ilustram a variação espacial da erosão/acumulação na totalidade e em domínios restritos do edifício dunar, no intervalo de estudo. nestes mapas consideraram-se como não significativas as variações altimétricas locais de magnitude inferior a ± 0,1 m (na generalidade do domínio levantado) de acordo com os resultados obtidos por Silveira et al. (2013) e Bastos et al. (2018). De referir que no tardoz da duna, a magnitude da incerteza associada será provavelmente superior devido às dificuldades operacionais no levantamento (densidade da vegetação e inclinação do terreno). na quantificação de diferenças volumétricas entre levantamentos conservaram-se os valores de todas as células dos MDt considerando que os erros de levantamento são essencialmente de natureza aleatória e, por isso, com viés reduzido (c.f. Bastos et al., 2018). A estimativa do transporte sólido eólico potencial inspirou-se no método proposto por Hsu & Weggel (2002), uma metodologia simples que permite relacionar directamente as características do vento
Figura 3 – representação dos domínios considerados na duna de São João da Caparica para efeitos de cálculos de volumes. Figure 3 – Scheme showing domains considered in SJC dune for computation of volumetric changes.
D. rato, A. Bastos, C. Andrade, r. taborda, M. C. Freitas 115
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com o transporte sólido da praia para a duna. Apesar deste método não incluir variáveis que também regulam a evolução das dunas costeiras (e.g. largura da berma, tipologia do perfil de praia, envergadura do edifício dunar, vegetação, precipitação e humidade do solo) inclui os efeitos do principal agente de forçamento que condicionam a evolução do sistema dunar à mesoescala. A parametrização do regime de ventos recorreu a dados disponibilizados pela National Oceanic and Atmospheric Administration (nOAA) acessíveis em: http://polar.ncep.noaa.gov/waves/hindcasts/. O modelo utilizado na geração destes dados é o Global Forecast System (GFS) (Saha et al., 2010) do National Centers for Environmental Prediction (nCEp). Estes dados referemse a uma série tri-horária de valores de intensidade e rumo de vento a 10 m, reconstituídos entre 01/02/2015 às 00:00 e 31/12/2017 às 21:00 para uma célula da malha global regular, com 30’ de lado e centrada em 9,75ºW; 38,75ºn. A utilização de uma série reconstituída garante a continuidade e a consistência dos dados, características que os dados instrumentais disponíveis em estações anemométricas próximas (e.g. estação da praia da rainha) não possuem. Assumiu-se que o perfil vertical de velocidades instantâneas do vento respeita a lei de von Karmanprandtl (Eq. 1) e que as coordenadas do ponto focal (e) podem ser determinadas a partir das relações empíricas de Zingg (1952, in Belly, 1964) (Eqs. 2 e 3). As medições no terreno da altura das marcas de ondulação eólicas confirmam a validade dos resultados obtidos através da equação 2. (Eq. 1) U* – U – U' – 6,13 – Z Z'
velocidade de atrito (m/s); velocidade à distância Z ao solo (m/s); abcissa do ponto focal (m/s); coeficiente empírico adimensional, segundo Zingg (1952, in Belly, 1964); – distância do solo (m); – ordenada (distância ao solo) do ponto focal (m). (Eq. 2) (Eq. 3)
d
– diâmetro médio das partículas (m).
Os dados sedimentológicos obtidos em amostras recolhidas durante os programas de monitorização
foram utilizados para determinar a dimensão média dos grãos de areia envolvidos nas trocas sedimentares entre a praia e a duna. O valor obtido, de 0,29 mm, corresponde à média dos diâmetros médios de cerca de 100 amostras de areia, conduzindo a valores de U' = 2,566 m/s e de Z' = 2,87 x 10-3 m, respetivamente. O início e manutenção do transporte sólido eólico implica que a velocidade de atrito exceda um valor crítico (U*t), o qual foi determinado segundo Bagnold (1954) (Eq.). para o início do movimento, o valor de aqui utilizado foi de 0,247 m/s, a que corresponde uma intensidade de 7,9 m/s, observada 10 m acima do solo; à manutenção do transporte correspondem valores de 0,197 m/s e 6,9 m/s, respetivamente. (Eq. 4) U*t – velocidade de atrito crítica (m/s); A – constante adimensional empírica; segundo Bagnold (1954) A = 0,1 para o início do movimento A = 0,08 em condições de transporte; ps = massa específica das partículas (kg/m3); pa = massa específica do ar (kg/m3); g = aceleração gravítica (m/s2); d = diâmetro médio das partículas (m). A taxa de transporte sólido eólico potencial (q) foi determinada segundo Bagnold (1954) (Equação 5). (Eq. 5) q – taxa de transporte sólido eólico (kg/m.s); C – constante empírica adimensional; segundo Bagnold (1954), C = 1,8 para areia bem calibrada como a da área de estudo; d – diâmetro médio das partículas (m); D – diâmetro médio das partículas-padrão (0,25 x 10-3 m); pa – massa específica do ar (kg/m3); g – aceleração gravítica (m/s2); U* – velocidade de atrito (m/s). A magnitude do transporte sólido eólico potencial foi quantificada em diferentes intervalos temporais, entre Fevereiro 2015 e Dezembro 2017. Estes intervalos foram limitados pelas campanhas de aquisição dos dados topográficos. Os caudais sólidos apurados através da equação 5 reportam-se a transporte através de uma janela de
116 Evolução morfológica da duna de São João da Caparica e potencial de transporte sólido eólico
tabela 1 – Datas e intervalos entre campanhas de levantamentos topográficos da duna de SJC. Table 1 – Date and time intervals between consecutive field surveys of SJC dune. Intervalo entre campanhas 6 Fevereiro 2015 - 20 Maio 2015
9 Junho 2016 - 14 Setembro 2016
20 Maio 2015 - 18 Dezembro 2015
14 Setembro 2016 - 16 novembro 2016
18 Dezembro 2015 - 01 Fevereiro 2016
16 novembro 2016 - 10 Fevereiro 2017
1 Fevereiro 2016 - 5 Março 2016
10 Fevereiro 2017 - 15 Junho 2017
5 Março 2016 - 9 Junho 2016
15 Junho 2017 - 13 Outubro 2017 13 Outubro 2017 - 15 Dezembro 2017
comprimento unitário perpendicular ao rumo do vento. para transformar estes valores em caudais por unidade de comprimento do edifício dunar, determinou-se a magnitude da componente do vector de transporte sólido normal ao alongamento da duna. Os valores de transporte sólido determinado em cada intervalo temporal foram convertidos em volumes de areia considerando uma porosidade de 40%, um comprimento de 880 m para a duna e que: (i) a fronteira nordeste da duna em evolução, materializada pelo sopé sotavento, é impermeável; (ii) as trocas sedimentares através das fronteiras laterais (a nW e SE) são negligenciáveis; (iii) a fronteira sudoeste da duna em evolução (i.e. a fronteira do lado do mar) é semi-permeável, isto é, existe transferência de areia da praia para a duna mas não no sentido inverso, procedimento também adoptado por outros autores (e.g. Durán & Moore, 2013). neste contexto, optou-se por considerar como eficaz o transporte sólido eólico unicamente induzido pelos ventos que sopram da praia para a duna (rumos azimutais entre 150º e 330º). De facto, as acumulações eólicas geradas na sequência do projecto reDuna exibem face de precipitação (sotavento) inclinada para terra, em concordância com este pressuposto. 4. Resultados 4.1. Evolução morfológica da duna Os resultados da variação espacial da retenção sedimentar na duna de SJC entre Fevereiro de 2015 (situação de referência) e Dezembro de 2017 ilustram-se na. Distinguem-se dois padrões espaciais de acumulação/erosão: uma faixa exterior, contínua, de acumulação (faixa barlavento) e um padrão irregular de acreção e erosão na restante superfície.
A faixa barlavento é paralela ao alongamento da duna e apresenta sinal de variação volumétrica espacialmente consistente e positivo. Esta faixa, com 7 a 15 m de largura, corresponde a um novo cordão dunar que se elevava 1 a 1,5 m acima da cota da berma (4,5 a 5 m nMM, no limite praia/duna) em Dezembro de 2017. O cordão é marginado a nascente por uma depressão interdunar que o separa do edifício mais antigo. O interior da duna é caracterizado por pequenas manchas de acreção, de erosão ou de evolução não significativa, espacialmente descontínuas, reflectindo pequenas movimentações de areia dentro da duna, de magnitude geralmente reduzida. na figura 4 observam-se, ainda, três manchas, situadas junto ao sopé do tardoz da duna com alterações aparentemente significativas, mas que no contexto deste trabalho podem ser consideradas espúrias: duas na zona de envolvência dos apoios de praia/restaurantes, provavelmente relacionadas com perturbação antrópica da morfologia, e outra situada entre os apoios de praia Leblon e Bicho d’água, associada a um contraste na densidade de pontos levantados nesse local em Dezembro e na situação de referência. Em Fevereiro de 2015 o volume de areia retido, acima da cota de referência, na totalidade da duna de SJC orçava 1,84 x 105 m3 e em Dezembro de 2017 aquele volume aumentou para 1,91 x 105 m3. A maior parte desta diferença (mais de 4/5) é justificada pela acumulação do novo cordão dunar, na faixa barlavento. Foi nesta faixa que se concentraram as variações morfológicas mais significativas e consistentes, pelo que foram aqui objeto de análise mais detalhada. O volume de areia retida no novo cordão dunar variou entre 1,67 x 104 m3 na situação de referência e 2,17 x 104 m3 em Dezembro de 2017. no primeiro ano de monitorização (Fevereiro de 2015 a
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D. rato, A. Bastos, C. Andrade, r. taborda, M. C. Freitas 117
Figura 4 – Mapa de diferenças de elevação entre Fevereiro de 2015 e Dezembro de 2017. na escala de cores, os tons de verde representam acumulação, os de laranja e vermelho, erosão, e a incolor as alterações consideradas pouco significativas. Figure 4 – Map showing changes in elevation between February 2015 and December 2017. Green colour tones indicate accretion and Orange-red tones indicate erosion; colourless areas correspond to non-significant elevation changes.
Figura 5 – variação da retenção sedimentar na faixa barlavento observada entre campanhas sucessivas no período de Fevereiro de 2015 a Dezembro de 2017. Figure 5 – Time changes of sediment retention within the upwing ribbon observed between field surveys extending from February 2015 to December 2017. Dotted lines correspond to non-linear trendlines.
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tabela 2 – Balanço sedimentar anual da faixa barlavento. Table 2 – Sediment budget within the upwind dune ribbon. Campanhas
Fev’15 - Fev’16
Fev’16 - Fev’17
Fev’17 - Dez’17
Fev’15 - Dez’17
volume (m3)
3614
1506
649
24735
Fevereiro de 2016) ocorreu acumulação significativa e, no ano seguinte (Fevereiro de 2016 a Fevereiro de 2017) aquela tendência persiste, embora com magnitude inferior e incluindo períodos de alguma erosão de muito pequena magnitude. porém, estas erosões correspondem a variações altimétricas que em média são inferiores a 0,03 m. Embora a incerteza associada ao método de levantamento não permita excluir liminarmente erosões ou acumulações de muito pequena magnitude, no contexto deste trabalho, estes períodos de erosão foram considerados como não significativos.
4.2. Regime de vento e transporte sólido potencial A representa a distribuição da direcção e intensidade do vento entre Fevereiro de 2015 e Dezembro de 2017. no período de estudo existiu predominância absoluta de ventos do quadrante norte, padrão partilhado também pelos ventos eficazes.
Considerou-se como eficaz (para a manutenção do transporte), o vento com intensidade média superior a 6,85 m/s. A existência de rajadas associadas à natureza turbulenta do escoamento eólico, permite assegurar que, durante o intervalo de tempo de cada registo, o limiar de arranque de partículas (7,9 m/s) é excedido (Ferreira, 2010; Gutiérrez & Fovell, 2018). Os diagramas da ilustram períodos em que os ventos de norte (incluindo os eficazes) são praticamente exclusivos (e.g. Maio a Dezembro de 2015, Junho a Setembro de 2016, Junho a Outubro de 2017), em contraste com outros nos quais as componentes do quadrante oeste são relevantes (e.g. Fevereiro a Junho de 2016), ou muito relevantes (e.g. Dezembro de 2015 a Fevereiro de 2016 e novembro 2016 a Fevereiro 2017). Os ventos do octante nordeste são pouco frequentes e raramente excedem a velocidade crítica em qualquer dos períodos considerados. Os ventos de sudeste têm importância reduzida, em magnitude e frequência, excepto nos meses de inverno.
Figura 6 – Distribuição da direcção e intensidade do vento entre Fevereiro de 2015 e Dezembro de 2017. A linha a preto representa a direcção média de alongamento da duna de SJC. Figure 6 – Vectorial distribution of wind intensity between February 2015 and December 2017. Black solid line: average trend of SJC dune elongation.
ASSOCIAçãO pOrtUGUESA DE GEóLOGOS
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Figura 7 – Distribuição da direcção e intensidade do vento nos períodos entre campannhas de levantamento. Figure 7 – Vectorial distribution of wind intensity between successive field surveys.
120 Evolução morfológica da duna de São João da Caparica e potencial de transporte sólido eólico
tabela 3 – valores de diferença entre os volumes medidos e inferidos a partir do transporte sólido eólico. Table 3 – Differences between observed and modelled volumes. Campanhas
Fev’15 - Fev’16
Fev’16 - Fev’17
Fev’17 - Dez’17
Fev’15 - Dez’17
volume (m3)
8675
9567
3907
22150
na tabela 3 ilustram-se os resultados do transporte sedimentar estimado através do modelo. Observa-se que o volume de areia potencialmente transportado da praia para a faixa barlavento varia significativamente ao longo do tempo, apresentando maior expressão nos meses de inverno. A acumulação potencial apresenta valores semelhantes nos dois primeiros anos de estudo (cerca de 9 x 103 m3).
5. Discussão na figura 8 compara-se a variação do volume sedimentar observada no novo cordão dunar com a do volume potencial estimado através da estratégia de modelação adoptada. Observa-se que o volume de areia potencialmente transportado da praia para a faixa barlavento (Fig. 8) varia significativamente ao longo do tempo e que o perfil desta variação acompanha o perfil da evolução morfológica observada. Apesar do andamento das duas curvas ser idêntico, os valores derivados do transporte eólico potencial são sistematicamente superiores, embora as diferenças se reduzam significativamente nos períodos de Junho a Setembro de 2016, de Setembro a novembro
2016 e de Junho a Outubro de 2017. Os dados de intensidade e rumo dos ventos mostram que estes períodos correspondem, também, a regimes de vento exclusivamente ou quase dominados pela nortada. nestas condições (ventos com rumos quase paralelos à praia), a magnitude do transporte da praia para a duna é muito reduzida; os dados de campo sugerem que, nestes períodos, pode mesmo ter ocorrido alguma transferência da duna para a praia, também de reduzida magnitude, que a parametrização direcional imposta ao modelo de transporte não permite reproduzir. nos restantes períodos, em que os ventos eficazes são mais oblíquos à duna, a magnitude do transporte sólido calculado pelo modelo é maior, o mesmo acontecendo às diferenças entre valores calculados e observados. A figura 9 mostra que existe uma elevada correlação entre o transporte potencial da praia para a duna e a variação volumétrica medida no campo. De facto, cerca de ¾ da variação observada pode ser explicada considerando apenas a acção dos ventos que sopram da praia para a duna. Apesar da elevada correlação obtida, há diferenças entre transporte observado e calculado que se podem dever ao efeito do incremento da coesão
Figura 8 – precipitação acumulada durantes os períodos estudados. Figure 8 – Total precipitation recorded between successive field surveys.
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Figura 9 –variação do volume potencial de areia transportada da praia para a duna e do volume observado na faixa barlavento. Figure 9 – Volume variation within the upwind ribbon as observed in field surveys and inferred from the beach-dune potential aeolian transport.
aparente dos grãos em resultado da humidificação da superfície arenosa. Esta situação conduz ao incremento da velocidade de atrito crítica requerida para o arranque das partículas e para a manutenção do transporte sólido eólico, reduzindo a magnitude do transporte potencial. A humidade da superfície dos grãos pode resultar quer da precipitação quer do espraio das ondas sobre o perfil da praia. no primeiro caso, a totalidade da superfície da praia é molhada enquanto no segundo, a extensão de praia molhada depende do alcance do espraio das ondas que varia em função das características da agitação marítima e da morfologia do perfil de praia. no caso presente, um exercício de correlação múltipla entre precipitação acumulada (por intervalo entre campanhas) e transporte sólido potencial e observado aumenta o valor do coeficiente de determinação em 5%. Este resultado sugere que a incorporação explícita dos parâmetros de agitação na rebentação e da morfologia do perfil de praia pode melhorar a aproximação entre os valores obtidos através do modelo de transporte e os valores observados.
6. Conclusões no presente trabalho descreve-se a evolução morfológica da duna frontal de São João da Caparica à escala temporal intermédia (34 meses) e avalia-se se essa evolução pode ser explicada através de um modelo de transporte sólido eólico que considere unicamente as características do regime de ventos.
Os dados morfológicos indicam que, no período de estudo (de Fevereiro de 2015 a Dezembro de 2017), a evolução desta duna caracteriza-se por acumulação de areia muito significativa, correspondente à formação de um novo cordão dunar; esta acumulação foi restrita a uma faixa paralela ao alongamento do edifício dunar e é coincidente com as células de retenção mais externas colocadas no âmbito do projecto reDuna. Os resultados estimados pelo modelo de transporte sólido eólico potencial reproduzem qualitativamente o padrão de variação volumétrica observada, embora os valores modelados excedam os observados. Os valores de transporte observado e modelado, assim como as diferenças entre eles, são menores nos períodos com regime de ventos, exclusivamente ou quase dominados pela nortada. nos restantes períodos, a magnitude do transporte sólido calculado pelo modelo é maior, o mesmo acontecendo às diferenças entre valores calculados e observados. Apesar destas diferenças, obteve-se uma elevada correlação entre o transporte previsto pelo modelo e o observado: cerca de 75% da variação observada pode ser explicada considerando apenas a acção do vento que sopra da praia para a duna. Os resultados aqui apresentados encorajam a utilização de abordagens quantitativas à modelação da evolução dos sistemas dunares costeiros, conside ran do um número restrito de variáveis reguladoras.
122 Evolução morfológica da duna de São João da Caparica e potencial de transporte sólido eólico
Agradecimentos Este trabalho é uma contribuição do projecto conjunto da C.M. Almada/DECAM - Instituto Dom Luiz (FCUL) “Mapeamento de vulnerabilidades territoriais, de conceção de medidas de adaptação às alterações climáticas em Almada e promoção da resiliência local”. Os autores agradecem as muitas horas de trabalho de campo generosamente oferecidas pelos colegas do Grupo de processos Costeiros do Departamento de Geologia da FCUL.
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GEONOVAS INSTRUÇÕES AOS AUTORES
A – Estatuto editorial da GEONOVAS GEONOVAS é a revista anual publicada pela APG – Associação Portuguesa de Geólogos, publicada desde 1981, é o principal agente de comunicação com os sócios e edita artigos originais de investigação científica e de divulgação no âmbito da geologia. A revista poderá publicar artigos científicos originais, artigos de divulgação, artigos de autores especialmente convidados que desenvolvam temas no âmbito acima referido ou, ainda, notícias de carácter informativo com interesse para a Comunidade Geocientífica. B – Informação geral Os autores devem seguir as normas aqui estabelecidas e publicadas no final da revista. A submissão de artigos à GEONOVAS implica a aceitação destas normas. Cada artigo será avaliado por um dos membros da Comissão Editorial e por dois revisores anónimos, podendo ser recusada a sua publicação. Os nomes dos revisores não anónimos e respetiva instituição poderão ser incluídos nos agradecimentos dos respetivos artigos, caso autores e revisores estejam de acordo. O conjunto dos revisores de cada número da revista constituem a respetiva Comissão Científica. Os artigos submetidos a publicação não podem ser enviados a outras revistas.
Título(s) curto(s), Resumo(s) e Palavras-Chave; ii) Texto principal; iii) Agradecimentos; iv) Bibliografia; b) Legendas das Figuras e Tabelas (Documento Word); c) Figuras enviadas em ficheiros JPEG ou TIFF à parte com resolução de pelo menos 300 dpi (não inseridas no manuscrito); d) Tabelas enviadas à parte num Documento Word; e) Lista com três possíveis revisores para o artigo (Documento Word) com nomes, afiliações e contactos de e-mail. A comissão executiva não garante que qualquer dos nomes propostos seja escolhido para rever o artigo. Todos os ficheiros deverão ser submetidos com um nome razoável que indique claramente o que esse ficheiro contém e numa ordem sequencial lógica, como por exemplo: – título do trabalho.doc – Legendas.doc – Figura1.jpg – Figura2.jpg – Figura3.jpg – Tabelas.doc – Anexo1.tiff – Revisores.doc (Este exemplo é meramente ilustrativo). 2. Informação adicional
C – Preparação do artigo O último número da revista GEONOVAS deve ser consultado para mais fácil preparação do artigo. Os manuscritos que não sigam as instruções que se seguem poderão ser reenviados aos autores para procederem às alterações necessárias. 1. Submissão Todos os artigos deverão ser submetidos pelo e-mail da APG ( geonovas@apgeologos.pt ). Todos os artigos submetidos deverão conter os seguintes ficheiros: a) Manuscrito (Documento Word) que deverá incluir as seguintes partes: i) páginas iniciais com Título(s), Autor(es), Afiliação e Contactos,
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e) Todos os manuscritos deverão conter palavras-chave a seguir aos resumos. Tanto para o resumo em inglês como na língua original do manuscrito não poderão ter mais de 5 palavras-chave. f) Os artigos recebidos pela Comissão Editorial serão revistos pelo editor e por dois ou mais revisores científicos. g) Para artigos em coautoria, o manuscrito deverá mencionar o autor correspondente. Se a mesma não for providenciada, o autor que submeteu o artigo será considerado o autor correspondente. A submissão de artigos em coautoria implica que o autor correspondente tem o acordo dos restantes autores para submeter e publicar o artigo. 3. Preparação do Manuscrito a) A primeira página do manuscrito deverá conter o título do artigo em tamanho 16, o(s) nome(s) do(s) autor(es) em tamanho 12, a afiliação do(s) autor(es) com endereços institucionais, os telefones (ou faxes) e e-mails em tamanho 9, bem como a indicação a que autor deverá ser enviada a correspondência. b) A segunda página deverá conter o(s) resumo(s) em português e em inglês seguido(s) de até cinco palavras-chave, em tamanho 10. Cada resumo deverá ser inteligível sem referência ao artigo e deverá ser uma compilação objetiva das informações e interpretações originais do artigo, e não apenas uma referência aos assuntos abordados. c) O texto principal, em tamanho 12, deverá seguir-se e poderá ser dividido em secções. d) Os agradecimentos deverão seguir o texto principal e deverão ser reunidos numa secção denominada por Agradecimentos. e) Todas as referências citadas no texto deverão ser organizadas por ordem alfabética no fim do texto (a seguir aos agradecimentos) e deverão estar numa secção denominada Bibliografia. No texto, as referências deverão ser citadas pelo(s) nome(s) do(s) autor(es), e pela data da edição (entre parêntesis) como os exemplos seguintes: Dias & Cabral (1989) Cabral (1995) (Cunha, 1987, 1992, 1996) (Raposo, 1987, 1995a, 1995b; Cunha et al., 2008; Oosterbeck et al., 2010).
As referências a livros devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação, o título da obra em itálico, entidade editora, local de publicação e paginação. As referências a artigos devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação (entre parêntesis), o título do artigo, o título do periódico em itálico, o volume, o número ou fascículo e a paginação. As referências a artigos consultados online devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação (entre parêntesis), o título do artigo, o nome do website em itálico e a data e URL em que foi consultado. Os autores deverão consultar o último número das GEONOVAS para correta listagem das referências. Exemplos: Dias Neto, C., 2001. Evolução tectono-termal do complexo costeiro faixa de dobramentos Ribeira em São Paulo. Unpublished PhD Thesis, Universidade de São Paulo, São Paulo, 160. Faure, G., 1977. Principles of Isotope Geology. John Willey & Sons, New York, 589. Roedder, E., 1984. Fluid Inclusions. Mineralogical Society of America. Reviews in Mineralogy, 12, 644. Crawford, M. L., Hollister, L. S., 1986. Metamorphic fluids: the evidence from fluid inclusions. In: Walther, J. V., Wood, B. J. (Eds) Fluid rock interaction during metamorphism. Springer, New York, 1-35. Bea, F., 1996. Residence of REE, Y, Th and U in granites and crustal protoliths; implications for the chemistry of crustal melts. Journal of Petrology, 37, 521-552. Sabri, K., Ntarmouchant, A., Marrero-Diaz, R., Ismaili, H., Ribeiro, M.L., Bento dos Santos, T., Benslimane, A., Padrón, E., Melián, G.V., Asensio-Ramos, M., Pérez, N.M., Carreira, P.M., 2016. Géochimie des sources thermales du Maroc: contribution à l’amélioration du cadre hydrogéologique. Abstracts of the Journées Géologiques du Maroc, Rabat, Marrocos, 1, 129-129. Bento dos Santos, T., Munhá, J., Fonseca, P., Tassinari, C., 2009a. Petrological cooling rates from central Ribeira Belt (SE Brazil): new breakthroughs and developments. 2009 Goldschmidt Conference, Geochimica et Cosmochimica Acta, 73, 11, 1, A80. Ferreira, N., Castro, P., Godinho, M., Neves, L., Pereira, A., Ferreira Pinto, A., Simões, L., Silva, F.G., Aguado, B., Azevedo, M.R., Esteves, F., Sequeira, A., Meireles, C., Bento
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dos Santos, T., 2009. Folha 17-A Viseu da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50 000. Laboratório de Geologia e Minas, Laboratório Nacional de Energia e Geologia, Lisboa. Wimmenauer, W., Brynhi, I., 2007. 6. Migmatites and related rocks. A proposal on behalf of the IUGS Subcommission on the Systematics of Metamorphic Rocks (http://www.bgs.ac.uk/scmr/docs/papers/ paper_6.pdf, Web Version of 01.02.07, 1-5). f) Todas as ilustrações deverão ser designadas figuras. No início da frase devem ser referidas escritas por extenso (ex: Figura 1). Dentro da frase devem ser escritas de forma abreviada (ex: Fig. 1). Os anexos deverão ser mencionados no texto, referindo-se a estes como Anexo 1, etc. g) Cabeçalhos ou rodapés não poderão ser usados em qualquer circunstância. h) Fórmulas matemáticas. As equações são geralmente introduzidas como parte de frases, requerendo pontuação. Os autores deverão providenciar todos os símbolos a constar na publicação. 4. Ilustrações Todas as ilustrações (figuras, gráficos, mapas, fotos, etc…) são figuras e devem ser referidas como tal. As figuras deverão estar numeradas sequencialmente com numerais arábicos e devem ser providenciadas em ficheiros separados com resolução
adequada para publicação (no mínimo 300 dpi) (submissão eletrónica apenas) que não poderá exceder os 4Mb cada. As figuras deverão ser enviadas com os tipos de letra a usar (Times, Arial, Helvetica, Symbol ou Courier). As partes de uma figura devem estar indicadas como (a), (b), (c), etc., e devem ser referidas como tal nas legendas (ex: Fig. 5 – (a)), mas como a, b, c, etc. no texto (ex. Fig. 5d). 5. Tabelas As tabelas devem ser enviadas num documento Word em separado. As unidades deverão ser referidas uma vez nas colunas ou na legenda e não ao longo da tabela. 6. Legendas As legendas das figuras e tabelas devem ser apresentadas com espaçamento duplo e devem ser enviadas num documento Word em separado. As legendas devem ser providenciadas na língua original do artigo e em inglês, descrevendo brevemente o conteúdo das figuras e/ou tabelas. 7. Separatas Serão fornecidos aos autores ficheiros pdf dos trabalhos publicados.
Associação Portuguesa de Geólogos
A Associação Portuguesa de Geólogos foi fundada em 1976. É uma associação sócio-profissional, sem fins lucrativos, que congrega profissionais da Geologia que se dedicam a domínios diversificados no âmbito das Ciências da Terra. É membro fundador da Federação Europeia de Geólogos. É também membro da Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Ciêntíficas (FEPASC). Os objectivos da Associação Portuguesa de Geólogos são os seguintes: - Representar a profissão de Geólogo junto dos poderes públicos e privados; - Promover a elevação, independência e prestígio da profissão; - Defender os interesses dos Geólogos e da Geologia; - Promover o desenvolvimento científico e técnico dos seus associados; - Cooperar na preparação de leis e regulamentos relativos ao título e ao exercício da profissão; - Aprovar um código português de deontologia profissional (Código Deontológico); - Intervir no planeamento do ensino da Geologia. Quer receber informações sobre as atividades desenvolvidas pela APG? Envie-nos o seu endereço eletrónico para info@apgeologos.pt solicitando a inclusão na nossa lista de divulgação. Consulte como se inscrever como sócio em www.apgeologos.pt Associação Portuguesa de Geólogos Morada social e Endereço Postal Museu Geológico, Rua da Academia das Ciências, n.º 19 - 2º 1200-168 Lisboa Telefone +351 213 477 695 Fax +351 213 477 695 info@apgeologos.pt www.apgeologos.pt
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Nº 29 • 2016 • ISSN 0870-7375 • ANUAL
VOL. 32 • Nº 1 • 2019 • ISSN 0870-7375 • SEMESTRAL
Pág. 1 Editorial José Manuel Correia Romão Pág. 3 Termas de São Pedro do Sul: outros aproveitamentos da água termal que não terapêuticos L. M. Ferreira Gomes Pág. 23 Abordagem teórica ao Projecto Mineiro M. Pacheco
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
ÍNDICE
GE NOVAS REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
Pág. 33 A importância do Modelo Geológico 3D no desenvolvimento de campos de petróleo M. P. de Carvalho Pág. 43 Avaliação do Risco Ambiental de Materiais Contaminados na Planície Aluvionar de uma Unidade Metalúrgica C. Pinho, R. Fonseca, J. Carneiro Pág. 59 Participação de crianças em atividades de garimpo artesanal na Província de Manica: problemáticas educativas A. Manhice, F. Amador Pág. 71 Difusão catiónica e modelação de taxas de arrefecimento petrológicas A. S. Gomes, T. Bento dos Santos
Pág. 97 Os terraços quaternários do rio Sizandro (Torres Vedras): caracterização de uma área-fonte de sílex P. Jordão, N. Pimentel
GE NOVAS
Pág. 81 Aspetos petrográficos, mineralógicos e geoquímicos das rochas ácidas da Província Magmática do Paraná (S-SE do Brasil) N. Vieira, A. J. R. Nardy
Pág. 111 Evolução morfológica da duna de São João da Caparica e potencial de transporte sólido eólico D. Rato, A. Bastos, C. Andrade, R. Taborda, M. C. Freitas
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RECURSOS GEOLÓGICOS GEOLOGIA AMBIENTAL PETROLOGIA