Geonovas n.º 20

Page 1

REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS ISSN 0870-7375

ANUAL

nº 20 po r t o

2 0 0 6

pág. 9

pág. 33

pág. 57

Dois casos de mudanças antrópicas na faixa costeira (praias e dunas) do noroeste de Portugal Segmentos costeiros de Leça da Palmeira-estuário do Douro e de Aguda-Espinho

Modelação Analógica de Fenómenos Geológicos

A Petrograf ia na Avaliação da Reactividade de Agregados para Betão

Uma Experiência na Formação de Professores


Geonovas Revista da Associação Portuguesa de Geólogos Associação Profissional fundada em 1976, membro fundador da Federação Europeia de Geólogos Rua da Academia das Ciências, 19 – 2º Apartado 2109 – 1103-301 LISBOA Tel. 21 347 76 95 – Fax 21 342 46 09 apgeologos@mail.telepac.pt

Comissão Directiva Presidente Fernando Noronha (Univ. do Porto) Vice-Presidente José Brilha (Univ. do Minho) Secretário Geral e Tesoureiro António Mateus (Univ. de Lisboa) Vogais Edite Bolacha (Esc. Sec. D. Diniz, Lisboa) Jorge Neves (EDP) Luísa Borges (Câmara Mun. do Porto) Pedro Proença e Cunha (Univ. de Coimbra)

Assembleia Geral Presidente Maria dos Anjos Ribeiro (Univ. do Porto) Vice-Presidente Alexandre Araújo (Univ. de Évora) Secretário Elisa Preto (Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro) Vogais José Feliciano Rodrigues (INETI) Carlos Meireles (INETI)

Conselho Fiscal Presidente José Brandão (INETI) Vice-Presidente Ana Maria Antão (Inst. Polit. da Guarda) Vogais João Mata (Univ. de Lisboa) Narciso Ferreira (INETI) Zélia Pereira (INETI)

Delegado FEG Rui Moura (Univ. do Porto)

Comissão Editorial Paulo Castro (INETI) Zélia Pereira (INETI) Carlos Meireles (INETI) José Feliciano Rodrigues (INETI) Rua da Amieira 4466-956 S. MAMEDE DE INFESTA Apartado 1089 Tel. 22 951 19 15 – Fax 22 951 40 40 paulo.castro@ineti.pt

Comissão Científ ica António Ribeiro (Univ. Lisboa) Fernando Noronha (Univ. Porto) Galopim de Carvalho (Univ. Lisboa) Diamantino Pereira (Univ. Minho) P. Proença e Cunha (Univ. Coimbra) Luís Masrques (Univ. Aveiro) Rui Dias (Univ. Évora) João Alveirinho Dias (Univ. Algarve) Daniel Oliveira (I.N.E.T.I.)

Graf ismo Filipe Barreira (INETI)

Impressão APPACDM-Braga

Depósito Legal 183140/02 ISSN 0870-7375

Tiragem 850

Foto Capa Simulação de mecanismos de halocinese e diapirismo salino, utilizando o vale tifónico das Caldas da Rainha como exemplo natural a modelar (Zbyszewski, 1946)

FCT Apoio da FCT ao abrigo do regulamento do programa Fundo de apoio à Comunidade Científica – FACC


Associação portuguesa de geólogos

Geonovas no 20, pp. 1 a 7, 2006

Ruptura com palavras e ideias sobre as mudanças actuais do clima e da faixa costeira (praias, dunas e arribas) Gaspar Soares de Carvalho Professor Catedrático Jubilado da Universidade do Minho Rua Elísio de Moura, 62 r/c, 4710-422 Braga, Portugal

Resumo Fazem-se comentários sobre algumas palavras e expressões correntemente utilizadas nas referências à zona costeira, tais como: erosão, desenvolvimento sustentável, gestão integrada, requalificação ambiental e monitorização. O aquecimento global da atmosfera é natural, não sendo possível determinar se a componente antrópica é um facto. A expressão efeito de estufa deve ser substituída por gases poluidores da atmosfera. Todos os esforços devem ser conduzidos para reduzir a sua produção. A monitorização contínua é uma ferramenta útil para as decisões políticas sobre a zona costeira. Palavras-chave: faixa costeira, mudanças climáticas, ocupação humana. Abstract Comments about some words and sentences currently used in references to coastal zone, such as erosion, sustainable development, integrated coastal zone management, environmental requalification and monitoring, are made. The global warming of atmosphere is natural and it is not possible to discriminate if the antropic component is an evidence. Atmosphere polluter gases should replace the expression greenhouse effect. All the efforts should be concentrated to reduce their production. Continued monitoring is a useful tool for a better management of the coastal zone. Key-words: coastal border (beach and dune), climatic changes, human occupation. Recebido: Agosto 2006; aceite: Setembro 2006.

1. Introdução Nos órgãos de comunicação social, em artigos de géneros diferentes, conferências, conversas, etc. repetem-se e repetem-se palavras e expressões, tais como: erosão, desenvolvimento sustentável, gestão integrada, requalificação ambiental e monitorização. E se as analisarmos quanto ao seu significado, na sua aplicação à zona costeira, verifica-se que a sua ligação a recursos naturais é esquecida. Se há desenvolvimento, este só pode ser feito com recurso à exploração ou aproveitamento de recursos naturais; se sustentável, como manter os recursos? Só os renováveis terão possibilidades. A erosão das praias, que preferimos designar por migração das praias (porque é o que se nota quando percorremos a faixa costeira, aqui considerada como o conjunto das praias, dunas e arribas associadas), é um problema preocupante para todos, como se pode verificar nos locais do concelho de Esposende a que se referem as figuras 1, 2 e 3. Esta preocupação nasce pelo facto de na faixa cos-

teira existirem recursos naturais, e outros construídos pelo Homem, que pesam na economia de cada país, podendo beneficiá-lo. Ter ideias sobre as causas das mudanças que levam a essa migração será indispensável para um correcto ordenamento da faixa costeira, isto é, para melhor aproveitar os referidos recursos naturais, no presente e no futuro. Fala-se em ordenamento sustentável (frase na moda e na boca de faladores de momento). Ordenar, com o significado de melhor organizar o aproveitamento de recursos naturais, deve ter a preocupação de prever o que vai acontecer com o aproveitamento de recursos, cuja conservação depende de causas a que o Homem é estranho, o qual não dispõe de poderes para as controlar. Exemplo frequente, na faixa costeira, do aproveitamento do recurso natural que é a paisagem, é a construção de núcleos populacionais, habitações e centros de turismo sobre as formas costeiras


2

Gaspar Soares de Carvalho

Que fazer então em termos de presente e de futuro? 2. Presente e passado No presente, o que ocorre é uma migração das praias, combinada com uma perda de areia e um recuo muito acelerado das arribas associadas. Nem sempre foi assim. O estudo dos depósitos detríticos (areias, limos e argilas), que afloram em vários locais (muitas vezes explorados para inertes), mostra que na zona costeira existiram ambientes totalmente diferentes do actual e nada tendo a ver com o mar. Por exemplo, nos concelhos de Esposende-Póvoa de Varzim, existiu um ambiente fluvial há 117 513 ± 26 367 anos (datação por luminiscência) e um ambiente lagunar de água doce que, de vez em quando, recebia água salgada, entre os anos 2 520 ± 70 anos BP (cal. BC 209) e 4 470 ± 50 anos BP (cal. BC 3 253). Na área de Cepães o mar terá substituído um outro ambiente fluvial entre os anos 52 500 ± 6 400 e 58 100 ± 5 800 (datação por luminiscência) (cascalho de praia sobre depósitos fluviais). Os ambientes lagunares (Aguçadoura) foram substituídos por outros de praia que, por sua vez, foram sobrepostos por dunas, formadas durante um episódio de arrefecimento da atmosfera (Pequena Idade do Gelo) (Carvalho e Granja 2003, Carvalho et al. 2006). Em Fão (Esposende), estas dunas cobrem uma necrópole medieval, provando, assim, serem da Pequena Fig. 1 – Localização dos casos a que se referem as figuras 2 ( S. Idade do Gelo (Carvalho 2003). Esta alternânBartolomeu do Mar) e 3 (Praia do Belinho). cia, no tempo, de ambientes sedimentares (fig. 4) (constituídas por depósitos marinhos, eólicos, prova que a actual zona costeira foi área de regresetc.). Estas não se renovam, porque são fósseis (é sões (recuos do mar) e transgressões (avanços do preciso romper com a ideia de que a maior parte mar), as quais têm origem em processos naturais, ligados às mudanças a que o Globo está sujeito. das formas se geram actualmente), pelo que, uma vez destruídas (pelo mar ou pelas construções), Os argumentos aqui referidos baseiam-se em técnicas e princípios da geologia (sedimentologia e dificilmente se recuperam. geocronologia). O terreno deixa de ter valor e as construções Actualmente, verifica-se uma transgressão, pratambém. ticamente em todo o Globo, ainda que nalguns Se se tivesse em consideração a experiência de segmentos aparentemente haja regressão, pois muitos anos, a qual mostra que a dinâmica cos- ocorre progradação das praias por acumulação de teira provoca resultados (negativos) irreversí- sedimentos, consequência da construção de esveis, grande parte dos problemas costeiros, que truturas costeiras. Como exemplo mencione-se o hoje afligem as sociedades ribeirinhas moder- segmento costeiro entre a Torreira e o quebramar norte da barra de Aveiro. nas, não existiriam.


mudanças actuais do clima e da faixa costeira Ruptura com palavras e ideias

Fig. 2 – Praia de S. Bartolomeu do Mar (Esposende). A praia foi perdendo areia; seixos de quartzito aparecem sobre afloramentos de xistos paleozóicos, cuja superfície exposta aumenta. Uma casa construída sobre a duna da ante-praia vai ruir mais dia menos dia, assim como as outras casas da pequena aldeia.

Contra a transgressão actual o Homem nada pode fazer, porque é um processo de dinâmica natural, consequência da subida do nível do mar. 3. Causas da migração das praias Das diversas causas que podem ser apontadas para a subida do nível do mar, o glacio-eustatismo e o tectono-eustatismo são as principais, podendo considerar-se outras como o termo-eustatismo e a hidro-isostasia. O glacio-eustatismo é a subida do nível do mar devida ao aumento do volume da água do mar por fusão dos gelos acumulados nos continentes, episódios que ocorrem pelo aquecimento natural da atmosfera (recusar o alarme lançado pelos defensores do efeito de estufa antrópico como causa do glacio-eustatismo e das transgressões marinhas, as quais também ocorreram em épocas anteriores ao aparecimento do Homem, e, depois do aparecimento deste, mas antes da época industrial). Ao glacio-eustatismo há a acrescentar o termoeustatismo, que é a expansão do volume da água do mar motivada pelo aumento da temperatura, principalmente por contacto com a atmosfera.

Fig. 3 – Praia do Belinho (Esposende). A praia do Belinho era uma praia arenosa com uma duna frontal vegetada (Ammophila arenaria e outras espécies). A areia foi substituída por cascalho e na duna frontal começou a ser modelada uma arriba em recuo, enquanto que o cascalho aumenta de volume e é empurrado, pela acção da rebentação das ondas, para o interior, através de um galgamento do mar sobre a duna frontal (Loureiro 1999, Loureiro e Granja 2001). A paliçada que se observa na fotografia foi destruída pelo mar e no seu lugar encontra-se, hoje, a praia do concelho.

3


4

Gaspar Soares de Carvalho

Fig. 4 – Cortes geológicos para mostrar que na zona costeira existem depósitos de origem marinha, lagunar e fluvial, além das areias das dunas, do Plistocénico – Holocénico, que servem para explicar a génese da paisagem da área da zona costeira em que se situam os casos das figuras 2 e 3. a) corte geológico esquemático NO-SE entre Sanfins e S. Bartolomeu do Mar (Esposende). b) corte geológico esquemático entre o Monte de S. Lourenço e Cepães (Esposende).

O aquecimento da atmosfera tem causas naturais, ainda não muito bem compreendidas (Houghton 1996, Houghton et al. 2001, Santos et al. 2002, Santos e Miranda 2006). Permanecerá sempre a questão respeitante à separação das consequências do aquecimento da atmosfera por causas naturais e por actividades antrópicas. O efeito de estufa deve ser encarado para reduzir a poluição do ar e não o aquecimento da atmosfera. Deve optar-se pela ruptura contra a sua propaganda actual, lançada por interesses privados, tomando em consideração a sua génese por causas não antrópicas (posição da Terra relativamente a fontes de energia externas, por exemplo). Só assim se poderá explicar a repetição de fenómenos – aquecimento e arrefecimento da atmosfera – noutras épocas da história da Terra.

a área suba. Há quem chame a este fenómeno deformação marginal do continente; já foi designado, também, de flexura continental(Bourcart 1938, 1949, Costa 1941). As ideias, sucintamente apresentadas, rompem com as habituais, que consideram a migração das praias (erosão das praias) provocada pelo aquecimento da atmosfera pelo efeito de estufa antrópico. Penso que é uma falsa ideia, que surgiu por não ter sido considerada a informação paleoclimática revelada pelos arquivos geológicos, isto é, as rochas. 4. Gestão integrada

Duas palavras frequentemente utilizadas por políticos, influenciados por ideias que esquecem que A subida do nível do mar, que provoca a migração se estão a referir a recursos naturais. Quais? Que das praias, pode resultar, fundamentalmente, da tipo? Que situação? Que benefícios trazem? combinação do glacio-eustatismo com a tectóni- Integrada: será o conjunto dos recursos naturais ca. Esta está relacionada com os movimentos das ou os criados a partir destes? placas que constituem a crusta terrestre, que podem levar à deformação do continente na inter- No que se refere à zona costeira, serão os recurface com o oceano, levando a que, a área consti- sos biológicos e não biológicos? Ou só a paisatuída por rochas de um lado (oceano) mergulhe gem costeira, que o turismo e os empresários de sob a água, enquanto que do lado do continente construção civil e proprietários de terrenos cos-


mudanças actuais do clima e da faixa costeira Ruptura com palavras e ideias

teiros exploram? Construir hotéis, apartamentos, residências temporárias ou não, campos de golfe e áreas de lazer na zona costeira é explorar o recurso natural que é a paisagem. Mas quando este recurso, a paisagem costeira, está ameaçado de desaparecer (por processos naturais, ligados às mudanças naturais e Globais), aqui d’El-Rei que a gestão integrada venha, com obras de engenharia, ditas pesadas, pagas pelo orçamento do Estado para defender o recurso, então confundido com a minha casa de praia, o meu campo de golfe, etc.. E porque não serem pagas pelos beneficiados, após imposição de regras bem fundamentadas pelos investigadores científicos de dinâmica costeira?

A faixa costeira (dunas, praias e arribas) é uma área de risco para bens e pessoas. Quando será que os gestores se convencerão que devem tomar certas decisões como: não mais habitações, não mais vias de comunicação, não mais turismo sem informação cientifica, não mais crescimento de centros populacionais ou de lazer na direcção do mar? Recuar, recuar (retirada no pensamento de cientistas), deveria ser o lema. 5. Requalificação ambiental

Requalificação (palavra nova) ambiental é uma expressão ilusória porque leva à construção de estruturas, em geral de madeira (passadiços sobre dunas para acesso à praia, equipamento de praia, Assim, anda-se a confundir gestão com interesses paliçadas, etc.), mas não consegue reconstruir o privados, cujos responsáveis deveriam pagar pelos destruído. Apenas reduzem os efeitos do pisoteio erros de ocupação da faixa costeira (praias, dunas e podem criar obstáculo ao transporte de areia e arribas), erros que se reconhecem analisando a pelo vento, dando uma aparência de “reconstruhistória geológica da zona costeira. ção” da duna. E, agora, que fazer? Venha a gestão integrada Este tipo de estruturas nada pode fazer contra a para resolver as situações de perda de bens cuja acção do mar, embora, à sua sombra, possa criar implantação os responsáveis da gestão de recursos dunas temporárias, que podem dar a ilusão de naturais autorizaram, ignorantes, ou não, de que crescimento da praia; esta aparente estabilidade a actual dinâmica costeira é destruidora da paisa- temporária durará até à próxima tempestade. gem costeira. Afinal vivemos numa época da história da Terra marcada por uma transgressão do Cobre-se a duna de passadiços que apenas podem reduzir o efeito do pisoteio se os utentes das mar que se iniciou há muitos milhares de anos. praias e beira-mar os utilizarem. A gestão integrada é uma associação de uma palavra (gestão) com um interesse (integrada) que 6. Monitorização serve para camuflar a impotência do Homem em controlar ou impedir a acção de processos na- A monitorização, palavra nova, é utilizada neste turais. O mar avançará, ultrapassando os limi- contexto para quantificar a instabilidade da faixa tes actuais, como demonstram factos geológicos costeira (avanço do mar). (transgressões – avanço do mar e regressões – re- A monitorização contínua (em períodos e locais cuos do mar); a destruição da faixa costeira (du- pré-determinados) poderá ser uma ferramenta nas, praias arenosas e arribas), que leva as praias útil, quer para o ordenamento costeiro quer para a migrar para o continente, é o melhor indicador convencer os gestores de que a paisagem costeira do facto. é um “recurso não renovável”, que se modificará por causas naturais, não neutralizáveis, nem conEntão, que fazer? troláveis, pelo Homem. Onde houver interesses económicos e sociais, locais, regionais ou nacionais, devidamente jus- Um número, por exemplo metro-ano do recuo tificados, deverá proceder-se a defesas costeiras de uma arriba, é muito mais convincente do que com obras de engenharia; nas áreas sem aqueles o simples dizer que a arriba recua. E a decisão interesses, recuar para o interior e tomar “opção para o segmento costeiro monitorizado é muito nada fazer”. E deve acabar-se com a ilusão de que mais válida … Isto significa que a monitorização a expressão “gestão integrada” vai impedir os contínua é uma ferramenta valiosa para o ordeefeitos negativos das “invasões do mar”. namento da faixa costeira. Mas não deve criar

5


6

Gaspar Soares de Carvalho

ilusões para a solução do problema da invasão do mar. Não vai resolver o problema, mas ajudará os políticos na decisão de defesa de apenas certos segmentos costeiros (que custará milhões).

8. Conclusões

A ruptura faz-se, então, com a defesa, fundamentada em factos geológicos, de que as mudanças climáticas são naturais e não antrópicas. Pelas mesAs mudanças a nível global que se manifestam na mas razões, se aceita que a subida do nível do mar, migração das praias para o interior (“erosão das que é uma das principais causas da migração das praias”, “erosão costeira”) têm que ser compreen- praias (erosão das praias), tem uma componente didas, para saber viver com elas e conviver com a ligada às mudanças climáticas (glacio-eustatismo), que se combina com outra, também natural, realidade. o tectono-eustatismo. É necessário distinguir o aquecimento natural global da poluição provo7. Preservar recursos cada pelos, impropriamente designados, gases de A ideia também é ilusória, porque sem os recurestufa; mas deve defender-se a ideia de que deve sos naturais (digo naturais e não renováveis) o haver esforço no sentido de reduzir os gases podesenvolvimento é impossível. Melhor aproveita- luidores da atmosfera, embora deixando de usar a mento dos recursos naturais, preservar no senti- expressão “gases de estufa”. do de prolongar é aceitável, mas até quando? A combinação das palavras referidas relembra Mas, a paisagem costeira, como recurso natural, uma grande preocupação com as mudanças que pode ser preservada temporariamente e apenas ocorrem na faixa costeira, quer por parte dos delocalmente, desde que a ocupação pelo Homem cisores responsáveis quer pelas populações. Mas, seja localizada e de expansão controlada, plane- sobretudo, podem servir para decisões e opções ada com bases em conhecimento científico dos sobre quais os segmentos costeiros cuja faixa cosefeitos das mudanças globais e seus reflexos na teira (praias e dunas) irá ser defendida contra a faixa costeira. imparável invasão do mar, isto é, quais as faixas As obras de defesa costeira terão que existir, ain- costeiras nas quais se irá despender “milhões”, a da que criem novos problemas; as opções terão de partir de uma fundamentação científica. ser feitas e, em função delas, deve procurar-se o Serão os decisores capazes de serem realistas e financiamento dos milhões de euros a que obri- pragmáticos a curto prazo? gará a sua manutenção. Tal será prolongar a vida de um doente - a faixa Agradecimentos costeira. Aos amigos e colegas, que tiveram a gentileza de me enviar comentários sobre o artigo, expresso os Os exemplos são fáceis de encontrar: meus agradecimentos, extensivos à Drª Ana Luísa - Esporões que criaram a barlamar áreas de Costa que me ajudou na elaboração do mesmo. acreção de areia e defendem temporariamente a retaguarda (o nível do mar continu- Bibliografia ará a subir), mas a erosão e recuo das arribas é acelerada a sotamar. E como detê-la? Com Bourcart J., 1938. La marge continentale. Esenrocamentos, por exemplo, mas a praia vai sai sur les régressions et transgressions marines. desaparecer frente a eles (a energia da on- Bulletin de la Sociétè Géologique de France, 8 dulação é libertada, o que conduz ao trans- (5-6):393-474, Paris porte da areia pelas correntes litorais). Bourcart J., 1949. La théorie de la flexure con- Estruturas destacadas (quebra-mares des- tinentale. Compte Rendu du XVI Congrés Intacados) originam tômbolos e uma zona de ternational de Géographie, Lisboa, pp. 167-190 erosão a sotamar da estrutura (a sul no caso da ondulação dominante ser oblíqua à linha de costa, como é o caso da zona costeira do NO de Portugal).

Carvalho G. S., 2003. A geologia e os “mitos” sobre as mudanças globais e as da zona costeira (o realismo ignorado por decisores e gestores de recursos naturais e pelas populações costeiras).


mudanças actuais do clima e da faixa costeira Ruptura com palavras e ideias

Geonovas, Revista da Associação Portuguesa de 2001. The Scientific Basis. International InterGeólogos (APG), nº 17, pp. 5-20 governmental Panel on Climate Change. CamCarvalho G. S. e Granja H., 2003. As mudan- bridge University Press, p. 881 ças da zona costeira pela interpretação dos sedimentos plistocénicos e holocénicos (metodologia Loureiro E., 1999. Morfodinâmica das praias aplicada à zona costeira do noroeste de Portugal). de seixos do litoral de Esposende. Dissertação de Revista da Faculdade de Letras - Geografia, I Sé- Mestrado em Ciências do Ambiente (especialidarie, vol.19: 225-236, Porto de de Ensino), Braga, p. 187 Carvalho G. S., Granja H. M., Loureiro E. e Henriques R., 2006. Late Pleistocene and Ho- Loureiro E. e Granja H. M., 2001. Short-term locene environmental changes in the coastal zone morphodynamics of a shingle beach (Esposende, of Northwestern Portugal. Journal of Quaterna- northwest Portugal). In: Packham, RANDALL, ry Science (aceite para publicação) Barnes e Neal (eds.), Ecology and geomorphoCosta J. C., 1941. Evolução do Meio Geográfico logy of coastal shingle, 148-159 na Pré-História de Portugal. Comunicações do I Santos F. D., Forbes K., e Moita R., 2002. Congresso Mundo Português, Lisboa Houghton J. T., 1996. Climate change 1995. Climate Change in Portugal. Scenaries, Impacts The science of climate change. Contribution of and Adaptation measures (SIAM project). Graworking group I to the second assessment report diva Publicações, Ltd, Lisboa, p. 456 of the intergovernment panel on climate change. Santos F. D. e Miranda P., 2006. Alterações Cambridge University Cambridge Press Climáticas em Portugal. Cenários, Impactos e Houghton J. T., Ding Y., Griggs D. J., Noguer M., van der Linden P. J., Daix., Maskell Medidas de Adaptção. Gradiva Publicações, Ltd, K. e Johnson C. A., 2001. Climate Change Lisboa, p. 506

7



Associação portuguesa de geólogos

Geonovas no 20, pp. 9 a 15, 2006

Dois casos de mudanças antrópicas na faixa costeira (praias e dunas) do noroeste de Portugal Segmentos costeiros de Leça da Palmeira-estuário do Douro e de Aguda-Espinho G. Soares de Carvalho*, Helena Granja**, Ana Luísa Costa** *Rua Elísio de Moura, 62 r/c, 4710-422 Braga, Portugal **Centro de Ciências da Terra, Escola de Ciências, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga hgranja@dct.uminho.pt; alcosta@netc.pt

Resumo Referem-se as mudanças provocadas na faixa costeira (praias e dunas) por estruturas de engenharia, umas com a finalidade de defesa costeira e outras de melhoria de acessos a portos. As mudanças reconhecem-se pelo desenvolvimento de praias em cunha e tômbolos, em função da deriva sedimentar e da sua inversão provocada pelas estruturas. Apresentam-se esquemas dos segmentos costeiros entre Leixões e o estuário do rio Douro e entre Aguda e Espinho. Consideram-se as vantagens e desvantagens que devem ser ponderadas quando se projectam novas estruturas de engenharia na faixa costeira. Palavras-chave: faixa costeira, quebramares, esporões, mudanças costeiras. Abstract Changes in the coastal border (beaches and dunes) promoted by engineering structures, some for coastal defence purposes and others for the improvement of harbours are presented. The changes are recognized by the development of wedge beaches and tombolos related with the coastal drift and its inversion due to the structures. Sketches of the coastal segments Leixões-Douro estuary and Aguda-Espinho are presented. Advantages and disadvantages should be considered when new coastal engineering structures are projected. Key-words: coastal border, breakwaters, groins, coastal changes. Recebido: Novembro 2006; Aceite: Novembro 2006.

1. Introdução A zona costeira do noroeste de Portugal (entre o estuário do rio Minho e o Cabo Mondego–Serra da Boa Viagem) (fig. 1) tem sido, desde há duas dezenas de anos, motivo das nossas investigações sobre a dinâmica costeira actual e a de um passado próximo (Plistocénico–Holocénico), o que permitiu observar os efeitos da construção de obras de engenharia na morfologia da faixa costeira (praias e dunas).

mas apresentados nas figuras baseados nas fotografias do ano de 2004. 2. Dinâmica sedimentar

Admite-se que a ondulação ao rebentar gera uma corrente longitudinal (ou longilitoral) cujo sentido dependerá da angularidade da ondulação (relativamente à faixa costeira), a qual transportará os sedimentos (deriva sedimenAs obras são sobretudo de três tipos: enrocamentar), qualquer que seja a sua fonte de alimentos, esporões e quebra–mares portuários (destatação (rios, formações postas a descoberto nas cados ou não). arribas em recuo, depósitos aflorantes ou subA metodologia utilizada baseia-se na interpreta- mersos na pré-praia). ção de fotografias aéreas verticais e de observações no terreno (Carvalho 1999, Carvalho e Granja Os indicadores de mudança são as áreas de 1997). Utilizaram-se fotografias aéreas verticais acreção, as áreas de erosão e o emagrecimento executadas nos anos de 1955, 1965, 1968, 1970, das praias, bem como a sua migração para o in1983, 1995, 1996, 1998 e 2004, sendo os esque- terior (figs. 2 e 3).


10

Gaspar Soares de Carvalho e outros

Figura 1 – Esquema de localização dos segmentos costeiros Leça da Palmeira–estuário do Douro e Aguda–Espinho.

Contra os obstáculos à deriva (afloramentos rochosos, quebra-mares, esporões, etc.) criam-se áreas de acreção, sob a forma de praias em cunha, com a largura maior junto do obstáculo e a menor do lado de onde vem a deriva. Do outro lado do obstáculo desenvolve-se a área de erosão, com arriba em recuo e migração da praia para o interior.

Figura 2 – Esquema sobre o significado das praias em cunha e a deriva sedimentar.

Figura 3 – Esquema da formação de um tômbolo como consequência da construção de um quebra-mar destacado.

No caso de obstáculos destacados na praia (afloramentos e quebra-mares) criam-se tômbolos ou praias em ponta (crescendo no sentido do obstáculo). 3. Os casos Como exemplos, serão apresentados dois segmentos costeiros: o caso do segmento onde se localiza o porto de Leixões e o estuário do Douro e o segmento costeiro da Aguda-Granja-Espinho (fig. 1). 3.1 – Caso do segmento costeiro entre Leixões e o estuário do rio Douro As mudanças provocadas pelas estruturas de engenharia costeira entre Leixões e a praia da Madalena estão esquematizadas na figura 4. Em 1882 (Dias e Coutinho, 1992-1999) começou a construir-se o porto de Leixões, mediante dois quebra-mares exteriores. As obras foram sendo completadas em anos sucessivos. As cartas antigas mostram uma praia arenosa na qual se encontrava a foz do rio Leça, hoje transformada numa doca no interior do porto. A construção da doca mostrou a existência de depósitos

Figura 4 – Esquema da deriva sedimentar entre o porto de Leixões e Madalena e localização das praias em cunha.


Dois Casos de Mudanças Antrópicas

finos com conchas, troncos e diatomáceas (Carvalho e Ribeiro 1962). Estes depósitos eram semelhantes aos que, a norte e sul deste segmento costeiro, são considerados holocénicos (Carvalho et al. 2002, Carvalho e Granja 2003). A doca desenvolveu-se no antigo estuário do rio Leça. As cartas antigas mostram indicadores de deriva sedimentar norte-sul, o que actualmente se mantém para as áreas a barlamar (norte) do quebramar norte do porto, evidente pela manutenção de uma praia em cunha, com a largura máxima encostada ao quebra-mar e que se estende para norte até à praia rochosa do farol da Boa Hora (fig.4). Para sotamar do quebra-mar sul, uma praia em cunha, cuja largura diminui para sul, na direcção do Castelo do Queijo, e uma praia rochosa a norte do forte S. Francisco Xavier, mostram que a deriva se faz no sentido sul-norte. Este facto prova uma situação de inversão da deriva provocada pelos quebra-mares do porto de Leixões. A favor desta explicação está a erosão que ocorre no local do “Edifício Transparente”, construído em local impróprio (previsão: o mar invadirá a área ocidental do Parque da Cidade do Porto). Foi esquecida a experiência de defesa com blocos e a muralha do aterro sobre o qual passava a avenida que ligava a rotunda do Castelo do Queijo a Matosinhos; substituíram-na por uma ponte e alargaram o espaço (para construir o referido Edifício Transparente) abrindo, deste modo, uma entrada que facilita a “invasão do mar”.

Instituto Geográfico do Exército, mostra a referida pluma, provavelmente originada em situação de cheia do rio Douro. Na margem esquerda do estuário observa-se a restinga, para cuja génese terá funcionado uma deriva sedimentar local sul-norte, decorrente da difracção da ondulação noroeste dominante nos bancos do delta de maré jusante da desembocadura. As mudanças da restinga do Douro O segmento a sul do porto de Leixões inclui o estuário do rio Douro, cuja restinga enraíza no lado sul. A análise de fotografias aéreas verticais, executadas de 1955 a 2004, mostra que: - a restinga tem uma tendência para se deslocar para o interior do estuário, tomando formas diversas (fig. 6). Toma-se como referência a posição do miradouro designado por “meia laranja” e o pequeno cais dos pilotos da barra (Foz); - há uma tendência para emagrecimento, sendo uma das causas a exploração das suas areias para a construção civil (anos 1960-1970); só após as cheias do rio Douro, como a de 2001, a largura da restinga aumenta (fig. 6) e o bordo exterior (lado do mar) alinha-se sensivelmente pelo do ano de 1995 (com referência à “meia laranja”).

Projectos para melhoria do acesso ao estuário, com a construção de quebra-mares e desassoreamento do canal, têm levantado polémicas; o acesso é perigoso para a navegação, particularmente durante as tempestades. O projecto de construÉ, também, prova deste facto o emagrecimento da ção envolveria dois quebra-mares: o setentrional praia da Foz, hoje transformada em praia rochosa seria o prolongamento do quebra-mar da praia com areia grosseira. A deriva sedimentar faz-se do Ourigo; o meridional intersectaria a restinga de sul para norte entre a Foz (Castelo do Queijo) na sua área norte. Este projecto, depois de muie Leixões, enquanto que entre a Praia do Ourigo to debate público, foi rejeitado e substituído por e a fortaleza da Foz do Douro a deriva sedimentar outro, o qual deu origem às obras iniciadas em se faz de norte para sul (a área de inversão da de- 2005, sem debate público. riva situa-se nas praias rochosas da Foz - Avenida O actual projecto consta de: Marginal). - construção de um novo quebra-mar norte; Um argumento a favor da deriva norte-sul na área em frente do estuário do Douro é a pluma de - construção de um quebra-mar destacado associado a um “molhe” que parte da restinga, na sedimentos voltada a sudoeste. Uma foto aérea de sua forma e posição de finais de 2004. 1974 (fig. 5), na escala 1:15 000, distribuída pelo

11


12

Gaspar Soares de Carvalho e outros

Figura 5 – Pluma túrbida do rio Douro quando de uma cheia em 1974.

É necessário aguardar o estudo das consequências ção de habitações e a construção de um sistema de da obra. saneamento sobre a faixa costeira, impossibilitando as trocas sedimentares e agravando os efei3.2 – Caso do segmento costeiro Aguda-Granjatos decorrentes da migração e emagrecimento das Espinho praias – surgimento de afloramentos rochosos e Este segmento costeiro encontra-se entre a ci- recuo acelerado das arribas – indicadores evidendade de Espinho (a sul) e a povoação do núcleo tes de uma zona de risco. piscatório da Aguda (a norte). Entre as duas há a Granja, povoação essencialmente de férias. O A cidade de Espinho, desde há mais de um sédesenvolvimento desta área motivou a prolifera- culo, quando era uma aldeia de pescadores, que


Dois Casos de Mudanças Antrópicas

Figura 6 – Variação da posição da restinga entre 1995 e 2004, no sentido do interior do estuário.

sente os efeitos da migração das praias (Carvalho 1995, Carvalho e Granja 1992). Espinho, Granja e Aguda são pontos de passagem da linha-férrea que liga Porto a Lisboa. Os responsáveis pelas comunicações por via férrea não têm dado importância a estes factos, que apontam para a chegada do mar à via férrea, logo a norte da cidade, entre o ribeiro do Mocho e o rio do Juncal. Os efeitos da dinâmica costeira foram modificados com a construção de obras de defesa (Espinho e Granja) e, mais recentemente (2002–2003), com a construção de um quebra-mar destacado, cuja concepção se destinava a criar um melhor abrigo à pequena frota de pesca artesanal que existe na aldeia. O esquema da figura 7 procura sintetizar os efeitos das obras de engenharia que se podem observar neste segmento costeiro. As obras de defesa da cidade incluem um quebramar a norte (sul do ribeiro do Mocho), o qual criou uma área de acreção através de uma praia em cunha que defendeu a área a norte de Espinho (a deriva sedimentar faz-se de norte para sul). Ficou, assim, defendida a linha do caminho-deferro à saída de Espinho ao mesmo tempo que se passou a dispor de uma praia arenosa.

O quebra-mar destacado da Aguda A deriva sedimentar norte–sul fez crescer um tômbolo contra a estrutura, cuja acreção defendeu a povoação da Aguda (zona norte). Contudo, a estrutura provocou a inversão da deriva sedimentar a sul, que passou a fazer-se de sul para norte, originando uma área de erosão em frente à Estação Litoral da Aguda. A erosão tem progredido para sul, tendo atingido as condutas do sistema de saneamento a norte da piscina da Granja; tenderá a prosseguir nesse sentido e alcançará a área de acreção provocada pelo quebra-mar norte de Espinho. Actualmente desenvolve-se uma pequena arriba de erosão nas dunas da faixa costeira situadas a norte da foz do rio do Juncal, ao mesmo tempo que as praias se tornam rochosas, por perda sedimentar. Os efeitos da erosão podem influenciar a segurança da linha-férrea nesta área pois o mar está a poucas dezenas de metros dela. Conclusões Não se tendo a preocupação, neste trabalho, de discutir as fontes de alimentação dos sedimentos das praias (são várias, como as formações das arribas em recuo, o caudal sólido dos rios, as acumulações de sedimentos da plataforma continental gerados quando das transgressões e regressões

13


14

Gaspar Soares de Carvalho e outros

emagreceu, sendo uma das causas a exploração das suas areias para a construção civil (anos 1960-1970). - A construção de um quebra-mar destacado, mais ou menos perpendicular ao alongamento da restinga (obras iniciadas em 2005), vai alterar a dinâmica no estuário e na orla costeira envolvente. Não se dispõe ainda de informação suficiente para prever as mudanças no estuário. - A construção das obras para a defesa de Espinho, pelo menos desde 1910 (Perdigão 1931) e, hoje incluindo dois grandes esporões; criou a barlamar do esporão norte uma praia em cunha que se estreita na direcção do rio do Juncal. Esta área de acreção tem impedido que o mar alcance o caminho-de-ferro que liga Porto a Lisboa. Figura 7 – Segmento costeiro entre Aguda e Espinho. Esquema da posição das praias em cunha contra obstáculos (esporões e quebra-mares). Indicação do sentido da deriva sedimentar e das áreas da sua inversão. Baseado em fotografia aérea de Outubro de 2004.

ocorridas durante o Quaternário, etc.), o facto é que elas emagrecem e migram para o interior. Um obstáculo introduzido no percurso da deriva sedimentar (exemplo: quebra-mar, esporão, etc.) obriga os sedimentos a acumularem-se do lado de onde vem a corrente, criando-se uma área de acreção (praia em cunha, tômbolo, etc.). Pode, ainda, inverter localmente o sentido da corrente longitudinal e, portanto, o sentido da deriva sedimentar. Os casos apresentados, sumariamente expostos, mostram que: - Os quebra-mares do porto de Leixões invertem localmente a deriva (era norte-sul) para sul-norte, emagrecendo as praias entre Matosinhos e Foz do Douro; a norte da praia do Ourigo o sentido norte-sul da deriva mantém-se.

- O quebra-mar destacado da Aguda, que criou um tômbolo e uma área de acreção a norte, defendeu a zona da aldeia (a acreção continua na direcção de Miramar), mas, a sul, a erosão e o emagrecimento da praia foram intensificados. O efeito negativo será a erosão atingir o caminho de ferro na área da ribeira do Juncal, onde termina a acreção provocada pelo quebra-mar norte de Espinho. Esta situação deveria ser considerada pelos responsáveis da gestão e conservação do caminho-de-ferro. - As obras costeiras de defesa ou de melhoria de acesso à navegabilidade de portos têm duas consequências: por um lado defendem contra o mar mas, por outro lado, facilitam a “invasão do mar”, razão porque as opções para recusar ou aceitar as obras de engenharia devem ser bem ponderadas. Valerá a pena? Que outra(s) alternativa(s)? Agradecimentos

Os autores agradecem ao Dr. Renato Henriques, do Centro de Ciências da Terra da Universidade do Minho, a disponibilidade e todo o apoio prestado na execução das fotografias aéreas, nas - A restinga do estuário do Douro migra para quais se baseiam os esquemas que acompanham o interior do mesmo, ao mesmo tempo que este trabalho.


Dois Casos de Mudanças Antrópicas

Bibliografia Carvalho A. M. G. e Ribeiro A., 1962. Geologia dos depósitos pós-wurmiamos da foz do Leça. Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico, Faculdade de Ciências, 9(1), 53-74 Carvalho G. S., 1995. A história geológica da zona costeira de Espinho nos últimos 30 000 anos. História Local de Espinho. Câmara Municipal de Espinho, pp. 155-168 Carvalho G. S., 1999. A responsabilidade da estruturas portuárias na migração das praias para o interior (“erosão costeira”) – o exemplo dos segmentos costeiros onde se encontra o porto de Leixões. Comunicações das 1º Jornadas de Engenharia Costeira e Portuária. Associação Internacional de Navegação, Delegação Portuguesa, Porto, pp. 209-226 Carvalho G. S. e Granja H. M., 1992. A subida do nível do mar demonstrada através da evolução geomorfológica da zona costeira entre Furadouro e Espinho. Actas da 3ª Conferência Nacional sobre Qualidade do Ambiente, Universidade de Aveiro, vol. II, 1065-1078 Carvalho G. S. e Granja H. M., 1997. Realismo e pragmatismo: uma necessidade para o apro-

veitamento dos recursos naturais da zona costeira (o exemplo da zona costeira do noroeste de Portugal). Colectânea de Ideias Sobre a Zona Costeira de Portugal, Associação EUROCOAST-PORTUGAL, Porto, pp. 25-66 Carvalho G. S. e Granja H. M., 2003. As mudanças da zona costeira pela interpretação dos sedimentos plistocénicos e holocénicos (metodologia aplicada à zona costeira do noroeste de Portugal). Revista da Faculdade de Letras - Geografia, I Série, vol.19: 225-236, Porto Carvalho G. S., Granja H. M., Gomes P., Loureiro E., Henriques R., Carrilho I., Costa A. L. e Ribeiro P., 2002. New data and new ideas concerning recent geomorphological changes in the NW coastal zone of Portugal, Littoral 2002, The Changing Coast, II:399-410, editado por EUROCOAST - Portugal Dias B. e Coutinho A., 1992-1999. Dragagens no porto de Leixões e Barra do Douro – Década de 90. Alimentação artificial da faixa costeira adjacente. Administração dos Portos do Douro e Leixões, S. A. Direcção de Obras e Património Perdigão F., 1931. Defesa da costa marítima de Espinho. Ed. Autor, Oficinas de O Comercio do Porto, Porto, 31p

15



Associação portuguesa de geólogos

Geonovas no 20, pp. 17 a 32, 2006

Novos dados para o conhecimento dos icnofósseis da Formação Santa Justa (Arenigiano, Ordovícico Inferior) na região de Arouca (Zona Centro-Ibérica, Portugal Central) Artur Abreu Sá1, Manuel Valério2, Carla Santos1, Tânia Magalhães1 & Pedro Almeida1 1

Departamento de Geologia, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Ap. 1013, 5001-801 Vila Real. asa@utad.pt 2 Centro de Interpretação Geológica de Canelas, Cima, Canelas, 4450-252 Arouca.

Resumo Nos quartzitos da Formação Santa Justa (Arenigiano, Ordovícico Inferior) aflorantes na região de Arouca foram identificados numerosos icnofósseis, alguns dos quais referenciados pela primeira vez nos afloramentos ordovícicos do eixo Valongo-Tamames, num total de vinte e um táxones distintos. A preservação e singularidade excepcionais de algumas jazidas tornam-nas passíveis de classificação como Património Geológico. Palavras-chave: Icnofósseis, quartzitos, Formação Santa Justa, Ordovícico, Património Geológico, Portugal Abstract Numerous trace fossils are recognized in the quartzitic rocks of the Santa Justa Formation (Arenigian, Lower Ordovician) that outcrops in the Arouca region. Someone of these trace fossils was recognized for the first time in the Valongo-Tamames geological domain, and the assemblage identified until now in six different sectors corresponds to twenty one distinct forms. Due to the quantity and preservacional quality of several of these occurrences, we can classify them as Geological Heritage. Key-words: Trace fossils, quartzites; Santa Justa Formation, Ordovician, Geological Heritage, Portugal Recebido: Outubro 2006 ; Aceite: Novembro 2006.

1. Introdução Desde a publicação dos trabalhos clássicos de Delgado (1885, 1887, 1908) que é reconhecida a existência, mais ou menos ubíqua, de icnofósseis nas unidades quartzíticas de idade Arenigiano (Ordovícico Inferior) aflorantes um pouco por toda a Zona Centro-Ibérica. No que respeita aos materiais da Formação Santa Justa (Romano & Diggens, 1974), característicos do eixo ValongoTamames (Fig. 1) onde se insere a região estudada neste trabalho, são bastantes e bem documentadas as ocorrências de icnofósseis (Delgado, 1887; Costa, 1931; Thadeu, 1956; Medeiros, 1964; Romano, 1974, 1982, 1991; Romano & Diggens, 1974; Medeiros et al., 1980; Teixeira, 1981; Hammann et al., 1982; Pickerill et al., 1984; Oliveira et al., 1992; Couto, 1993; Couto et al., 1997; Sá et al., 2006). Contudo, no que concerne às ocorrências na região de Arouca, a documentação relativa ao achado destas estruturas biogénicas é muito escassa (Thadeu, 1956; Medeiros, 1964;

Sá et al., 2006), razão pela qual se pretende dar a conhecer com este trabalho as recentes descobertas efectuadas nesta área, onde se encontra um conjunto verdadeiramente excepcional de icnofósseis, ao nível do que de melhor se conhece em Portugal, nomeadamente na região de Buçaco e de Penha Garcia (Delgado, 1885, 1887; Teixeira, 1981; Carvalho, 2003, 2004), ou mais raramente em Trás-os-Montes (Sá, 2005a, 2005b). Todavia, chamamos a atenção para o facto de os dados agora apresentados serem ainda preliminares, fruto de uma inventariação em maior escala actualmente em decurso, com vista à identificação e catalogação destas ocorrências na região de Arouca. 2. Breve Enquadramento Geológico Os afloramentos quartzíticos de idade Arenigiano da região de Arouca enquadram-se numa longa e estreita estrutura, de aspecto sinusoidal


18

Artur Abreu Sá e outros

Fig. 1 – Mapa geológico simplificado do noroeste peninsular, com o eixo Valongo-Tamames devidamente enquadrado (Adap. IGME, 2004)

e localizada na parte centro-meridional da Zona Centro-Ibérica, compreendida entre Caminha e Figueira de Castelo Rodrigo, que se prolonga para Norte até San Juan de Tabagón (Toyos, 2003) e para Este até Ahigal de los Aceiteros – Tamames ( Julivert & Truyols, 1983; Gutiérrez-Marco & Rábano, 1983), numa extensão aproximada de 320 km (Fig. 1). A sucessão ordovícico-carbónica aflorante na região de Arouca enquadra-se no prolongamento oriental do flanco Sudoeste do Anticlinal de Valongo, correspondendo desta forma ao flanco Nordeste de uma dobra sinclinal de eixo praticamente vertical, formada por rochas do Ordovícico e do Silúrico, recobertas tectonicamente por materiais do Carbónico continental (Medeiros, 1964; Pereira et al., 1980; Sá, 2006). Este conjunto de idade paleozóica pós-câmbrica termina abruptamente contra uma grande falha que delimita o Sulco Carbonífero Dúrico-Beirão. A Formação Santa Justa equivale aos “Quartzites à Bilobites” de Delgado (1908), tendo sido formalmente descrita por Romano & Diggens (1974) nas proximidades da localidade de Belói (S. Pedro da Cova). Esta unidade litoestratigráfica é essen-

cialmente constituída por quartzitos e arenitos maciços ou estratificados, alternantes com xistos argilosos. No seu terço inferior apresenta por vezes um “conglomerado de base”, constituído pela intercalação de níveis areníticos e conglomeráticos, com elementos essencialmente quartzosos e de granulometria variável (Couto et al., 1997). A parte superior desta unidade apresenta uma característica alternância pelítico-arenosa, que assinala a passagem gradual aos xistos ardosíferos fossilíferos suprajacentes, pertencentes à Formação Valongo (Romano & Diggens, 1974), com idade Oretaniano – Dobrotiviano inferior. Observa-se ainda uma variação significativa da fácies sedimentar e da espessura ao longo da estrutura, sendo referidas potências estratigráficas de 3-4, 45-60 e 150-200 m, respectivamente nas regiões de Viana do Castelo, Arouca e Valongo (Romano, 1974; Romano & Diggens, 1974; Sá, 2006). 3. Jazidas de icnofósseis da Formação Santa Justa na região de Arouca Os trabalhos de campo realizados até ao momento permitiram seleccionar um conjunto de seis sectores distintos, onde os afloramentos quartzíticos


Novos dados de icnofósseis da Fm. Santa Justa em Arouca

possibilitam a observação de um conjunto excepcional de icnofósseis. Assim temos (Fig. 2, A-F): i) Sector de Vila Cova (Espiunca) – compreende os afloramentos da crista quartzítica sobranceira à povoação de Vila Cova (Fig. 2, A), onde se observa uma significativa quantidade e diversidade de icnofósseis (Fig. 3); ii) Sector de Gralheira d’Água (Canelas) – reúne os afloramentos quartzíticos que se estendem desde Vale Ladrão até à Estrada Nacional 326-1, nas proximidades da “Pedreira do Valério” (Fig. 2, B). Neste local merece destaque a existência de uma superfície de estratificação, com cerca de 12 m2, com inúmeras pistas de Cruziana ispp. com um alinhamento unidireccional, facto que deixa antever um forte condicionalismo imposto à actividade dos organismos produtores pela presumível existência de correntes de fundo unidireccionais;

Fig. 2 – Localização dos sectores da Formação Santa Justa estudados neste trabalho. A, Vila Cova (Espiunca); B, Gralheira d’Água (Canelas); C, Vilarinho (Canelas); D, Cabanas Longas (Alvarenga); E, Mourinha ( Janarde); F, Meitriz ( Janarde).

iii) Sector de Vilarinho (Canelas) – congrega as ocorrências ao longo da crista quartzítica localizada a Oeste de Vilarinho e sobranceira ao Rio Paiva (Fig. 2, C), que a intersecta epigenicamente. Nos afloramentos quartzíticos deste sector são comuns as superfícies de estratificação de grandes dimensões onde pontificam muitos e diversificados icnofósseis (Fig. 3); iv) Sector de Cabanas Longas (Alvarenga) – corresponde aos afloramentos de quartzitos sub-verticalizados localizados a Sudeste deste lugar. Estes assumem particular relevância pelas grandes superfícies de estratificação, que expõem grande quantidade e diversidade de icnofósseis (Fig. 3), com destaque para as ocorrências de Cruziana ispp., verdadeiramente singulares e dignas de registo. v) Sector de Mourinha (Janarde) – Os afloramentos deste sector (Fig. 2, D), localizam-se no flanco curto da estrutura anticlinal situada a Sudoeste do Sulco Carbonífero Dúrico-Beirão (vd. Pereira et al., 1980). As grandes superfícies de estratificação observáveis neste local contêm inúmeros e diversificados icnofósseis (Fig. 3), com destaque para um exemplar de Cruziana furcifera com 3,5 m de comprimento, e para a ocorrência de ripples de ondulação. A verticalização e exposição destes materiais rochosos mereceram já a designação de “Livraria do

Fig. 3 – Icnofósseis identificados nos sectores da Formação Santa Justa estudados neste trabalho. A-F, vd. Legenda da Fig. 2;  > 15 exemplares;  entre 5 e 15 exemplares; R < 5 exemplares.

19


20

Artur Abreu Sá e outros

Paiva” (Sá et al., 2006), numa clara analogia com os famosos afloramentos das margens do Rio Mondego, na região de Penacova. vi) Sector de Meitriz (Janarde) – afloramentos quartzíticos localizados nas duas margens do Rio Paiva (Fig. 2, E), sendo um local verdadeiramente emblemático pela significativa ocorrência e diversidade de icnofósseis (Fig. 3). Para além dos achados icnológicos destaca-se a existência de amplas superfícies de estratificação cobertas por ripples de ondulação. 4. Sistemática icnológica

Icnogénero Arenicolites Salter, 1857 Arenicolites isp. (Est. 1, fig. 1) Observações – a ocorrência deste icnogénero foi registada no sector de Vilarinho, correspondendo a pequenas secções transversais de tubos em U, preservadas como epirelevos côncavos e desprovidas de conexões. Este icnogénero é interpretado como resultado da escavação de tocas de habitação por uma grande diversidade de invertebrados tais como poliquetas, crustáceos, equinodermes ou enteropneustas (Mángano et al., 2002).

Icnogénero Bergaueria Prantl, 1945

Em virtude dos resultados agora apresentados te- Este icnotáxon corresponde a hiporrelevos herem sido obtidos no decurso de um primeiro le- misféricos ou cilíndricos convexos, na base dos vantamento destinado a avaliar a riqueza icnoló- quais podem existir pequenas covinhas regulagica destes materiais, com vista à sua inclusão no res, dispostas centralmente, ou depressões rodeadas por tubérculos ou saliências, possuindo um dossier de candidatura do “Geoparque Arouca” à enchimento maciço (Fillion & Pickerill, 1990, European Geoparks Network, a generalidade dos especom referências prévias). Os exemplares de Bercimens inventariados é figurada apenas através de gaueria são normalmente interpretados como esfotografias de campo, não se tendo procedido à truturas de repouso (cubichnia) ou de habitação (domichnia) de anémonas (Mángano & Buatois, recolha de quaisquer amostras. 2003, com referências prévias). A catalogação efectuada mostra que as associações de icnofósseis da Formação Santa Justa correspondem a pistas e marcas de bioturbação e estão

Bergaueria cf. perata Prantl, 1945

notavelmente dominadas por pistas de Cruziana

(Est. 1, fig. 4)

ispp., facto que vai de encontro ao expresso em Observações – um exemplar fotografado no sector múltiplos trabalhos sobre esta temática realizados de Meitriz, correspondendo a um hiporrelevo noutros locais da Zona Centro-Ibérica (Delga- convexo localizado no muro de um estrato quartdo, 1885, 1887, 1908; Seilacher, 1970; Perdi- zítico, com uma depressão central (2 mm) concêntrica, de aspecto liso. Apresenta um diâmetro gão, 1971; Romano & Diggens, 1974; Crimes & de 22 mm e uma profundidade de 12 mm. Marcos, 1976; Baldwin, 1977; Cooper & RomaEste exemplar apresenta uma menor profunno, 1982; Hammann et al., 1982; Pickerill et al., didade do que as amostras típicas de B. perata 1984; Rebelo & Romano, 1986; Couto et al., 1997; (Fillion & Pickerill, 1990, com referências préMcDougall, 1988, Carvalho et al., 1998; Sá et al., vias), provavelmente devido à forte compactação 2003; Carvalho, 2004; Sá, 2005a, 2005b). destes materiais.


Novos dados de icnofósseis da Fm. Santa Justa em Arouca

ginavam uma marca em forma de V, resultante do movimento entre os dois lóbulos do sulco, e (Est. 1, figs. 5-6) cujo vértice indica o sentido oposto ao da desloObservações – este icnotaxon está representado pelo cação. Chama-se a atenção para o facto de nem registo de um exemplar no sector de Vila Cova e dois outros no sector de Meitriz. São estruturas todas as pistas de Cruziana correspondem a sulcos que na sua base apresentam duas pequenas cristas, bilobulados extensos. Neste sentido, observam-se separadas por uma depressão central, em forma comummente formas largas e relativamente curde ranhura, mais ou menos distinta. Correspon- tas, ditas rusoficiformes, que corresponderão a dem a hiporrelevos com 30-36 mm de diâmetro escavações pontuais do sedimento pelo organise uma profundidade de 6-10 mm. Assinala-se mo produtor (Gutiérrez-Marco & Sá, 2006). ainda a observação de algumas cristas, mais ou menos bem marcadas, com disposição radial, que constituem uma característica típica deste icnoCruziana barriosi Baldwin, 1977 género (Alpert, 1973; Fillion & Pickerill, 1990). (Est. 2, figs. 1-2) Bergaueria radiata Alpert, 1973

Embora muito populares e quase omnipresentes no registo paleontológico do Ordovícico, o estudo dos icnofósseis de Cruziana gera ainda hoje acesas discussões relacionadas, entre outras, com a classificação, morfologia, bioestratigrafia, paleobiogeografia ou organismo produtor destas estruturas.

Observações – no decurso do presente trabalho foram reconhecidos nove exemplares deste icnotáxon, com um comprimento máximo de 66 cm e largura de 3-5 cm, nos sectores de Cabanas Longas, Vilarinho e Mourinha. A característica distintiva deste icnotáxon reside no facto de os lóbulos apresentarem um conjunto de estrias paralelas ou sub-paralelas ao sulco central e estarem desprovidos de cristas marginais (Baldwin, 1977). Esta morfologia é interpretada como tendo sido produzida pelo arrastamento passivo dos apêndices multidigitados posteriores do animal produtor, apagando as marcas deixadas durante a escavação activa de cada sulco pelos apêndices anteriores.

De uma forma mais ou menos simplista, podemos dizer que estas pistas corresponderiam inicialmente a um duplo sulco, escavado em fundos argilosos consistentes, posteriormente preenchidos por areias que mais tarde originaram os actuais quartzitos. Os icnofósseis, tal e qual os vemos hoje em dia, correspondem a um molde em relevo inverso dos sulcos bilobulados originais, razão pela qual ocorrem sempre no muro dos estratos quartzíticos, e as estrias que apresentam são as marcas dos arranhões realizados pelos membros locomotores esclerotizados dos animais produtores. Actualmente os exemplares de Cruziana são interpretados como marcas de locomoção e alimentação elaboradas por trilobites, ou outros artrópodes trilobitomorfos, cujos apêndices ori-

Os exemplares inventariados no decurso deste trabalho apresentam 8-9 estrias por lóbulo, sendo que num deles, localizado no sector de Vilarinho, as estrias endopodais mais internas se encontram paralelas ao sulco central, enquanto as mais externas formam um apertado ângulo agudo com o eixo da pista, tornando-se progressivamente paralelas ao mesmo. Num outro exemplar, proveniente do mesmo sector, observa-se uma transição de C. barriosi para C. furcifera, facto que poderá indiciar uma alteração do comportamento do animal produtor, passando de um arrastamento passivo dos apêndices posteriores para uma escavação do tipo opistoclina activa.

Icnogénero Cruziana d’Orbigny, 1842 O icnogénero Cruziana corresponde grosso modo às populares “bilobites”, inicialmente interpretadas como restos de vegetais fossilizados e só mais tarde consideradas como pistas produzidas por animais, facto que originou uma acesa discussão científica no início do Séc. XX (Costa, 1935; Pemberton & Frey, 1991, ambos com referências prévias).

21


22

Artur Abreu Sá e outros

Cruziana furcifera d’Orbigny, 1842

Cruziana cf. imbricata Seilacher, 1970

(Est. 2, figs. 3-5)

(Est. 2, fig. 10)

Observações – até ao momento apenas foi identificado um exemplar desta icnoespécie, nos quartzitos aflorantes no sector de Cabanas Longas. Este raro icnotáxon caracteriza-se por apresentar os lóbulos ornamentados por uma série bem definida e incisa de caneluras, de secção assimérica, facto que lhes confere um aspecto imbricado (Seilacher, 1970; Pickerill et al., 1984). O exemplar catalogado apresenta uma largura de 8 cm e um comprimento de 17 cm. O facto de lóbulo esquerOs exemplares de C. furcifera inventariados cor- do se apresentar praticamente liso devido à erosão respondem a pistas bilobuladas, com morfolo- e as caneluras da ornamentação fazem um ângugias rectas, encurvadas ou de traçado sinuoso, lo agudo de 30-35º com o sulco central, quando com dimensões que atingem um comprimento na diagnose original do icnotáxon se estabelece máximo de 3,5 m, registado num exemplar in- a quase perpendicularidade entre estas estrutuventariado no sector de Mourinha, e uma largura ras, constituem as razões pelas quais recorremos máxima de 14 cm. No conjunto dos exemplares à classificação deste exemplar em nomenclatura catalogados é ainda muito comum verificar que se aberta. encontram adornados por um conjunto de cristas A esta forma acresce a importância bioestratigrámúltiplas de secção angulosa, que formam um V fica de ser exclusiva dos materiais de idade Ordoretrodirigido superior a 35-40º e que diversas vícico Inferior (Seilacher, 1990, 1992, 1994). vezes se agrupam em conjuntos pouco definidos, chegando a entrecruzar-se com os agrupamentos consecutivos, originando o típico padrão romboCruziana cf. lefebvrei d’Orbigny, 1842 édrico. (Est. 2, fig. 11) Observações – este icnotáxon compreende a esmagadora maioria dos icnofósseis catalogados até ao momento nos afloramentos da Formação Santa Justa, na região de Arouca. Caracteriza-se fundamentalmente por apresentar dois lóbulos bem marcados, desprovidos de cristas ou lóbulos laterais e com estrias bifurcadas e oblíquas ao sulco central (Baldwin, 1977; Durand, 1985; Fillion & Pickerill, 1990, com referências prévias).

Cruziana goldfussi (Rouault, 1850) (Est. 2, fig. 6) Observações – os exemplares de C. goldfussi distinguem-se de C. furcifera por apresentarem cristas marginais contínuas ao longo da pista, e pelo facto de as cristas que ornamentam os lóbulos formarem um V de menor ângulo, podendo chegar a ficar paralelas na parte média, em direcção média-posterior (Crimes & Marcos, 1976; Durand, 1985; Fillion & Pickerill, 1990). Durante os nossos levantamentos de campo, foi possível inventariar esta icnoespécie em todos os sectores definidos, em pistas com comprimento máximo de 122 cm e largura máxima de 6 cm, normalmente de traçado linear, embora por vezes se tenham observado estruturas arqueadas, e um exemplar proveniente de Meitriz apresentasse uma forma “teichichniforme”.

Observações – a presença deste icnotáxon na região de Arouca é testemunhada pela ocorrência no sector de Vilarinho de um exemplar com 8 cm de comprimento e 2 cm de largura, caracterizado por apresentar cristas simples e grossas, com secção arredondada e formando um ângulo muito agudo com o sulco central. Apresenta ainda no lóbulo direito marcas de exopoditos ao longo de parte da pista, que parecem conferir um aspecto quadrilobulado ao hiporrelevo, uma característica típica deste icnotáxon, (Durand, 1985; Sá, 2005b). Cruziana rugosa d’Orbigny, 1842 (Est. 2, figs. 7-9) Observações – os exemplares característicos desta icnoespécie apresentam normalmente uma forma de banheira (“bathtub furrows” sensu Seilacher, 1992), mais o menos profundas, possuindo cris-


Novos dados de icnofósseis da Fm. Santa Justa em Arouca

tas endopodiais com disposição angular e constrições transversas muito vincadas, praticamente perpendiculares ao sulco central. Esta icnoespécie corresponde à variedade prosoclina do grupo rugosa, que se considera originada quando muito pela acção dos dois primeiros pares de apêndices do organismo produtor (Seilacher, 1970, 1992). Os conjuntos de marcas múltiplas revelam a possível existência de apêndices multidigitados, que rastreavam o sedimento, gerando conjuntos consecutivos de arranhões bem individualizados, formados pela deslocação do organismo produtor de forma similar à de uma pessoa a rastejar com movimentos simultâneos e sincronizados dos antebraços (Gutiérrez-Marco & Sá, 2006). A transição de C. rugosa a outras icnoespécies dentro de uma morfologia do tipo cuvete é interpretada pela mudança de uma escavação prosoclina a outra opistoclina, que facilitaria a saída do animal da pista. A origem das morfologias rusoficiformes nesta icnoespécie é actualmente interpretada como evidência de uma actividade predatória de certos grupos de trilobites sobre vermes ou outros pequenos organismos ( Jensen, 1990; Carvalho et al., 1998; Fortey & Owens, 1999; Sá, 2005b, com referências prévias). Ao longo deste trabalho foi possível catalogar um conjunto verdadeiramente excepcional de exemplares de C. rugosa, em termos quantitativos e qualitativos, em todos os sectores, embora se realcem pela sua qualidade preservacional as ocorrências dos sectores de Cabanas Longas, Mourinha e Meitriz. Neste último local foi identificado um exemplar com 15 cm de largura e 17 cm de comprimento. Icnogénero Daedalus Rouault, 1850 As estruturas biogénicas pertencentes ao icnogénero Daedalus aparecem várias vezes designadas em trabalhos prévios como Vexillum. Tal facto ficou a dever-se a problemas de sobreposição nomenclatural relacionados com o trabalho original de Rouault (1850), posteriormente sanados pelo trabalho de Sarle (1906), mas que não conseguiu evitar durante que muito tempo se aplicasse erroneamente a designação Vexillum em detrimento de Daedalus.

Daedalus halli (Rouault, 1850) (Est. 1, fig. 7) Observações – este icnofóssil foi catalogado nos sectores de Gralheira d’Água e Meitriz, ocorrendo em secções paralelas ao plano de estratificação. Estas correspondem aos traçados arqueados ou espiralados das conexões produzidas pela deslocação vertical e espiralada efectuada por um animal vermiforme, que frequentemente se auto-intersectam ou intersectam estruturas adjacentes. Quando observada em três dimensões, esta estrutura corresponde a um cone simples assimétrico, que se desenvolve de tecto a muro dentro do estrato. No caso específico desta icnoespécie, esta estrutura é resultado da escavação de uma galeria de habitação (Durand, 1985). Icnogénero Didymaulichnus Young, 1972 A origem destas pistas é normalmente atribuída à actividade de gastrópodes, bivalves ou artrópodes, sendo uma marca comum desde ambientes continentais a marinhos (Fillion & Pickerill, 1990, com referências prévias). Didymaulichnus cf. alternatus Pickerill, Romano & Meléndez, 1984 (Est. 1, fig. 11) Observações – no sector de Vilarinho foi identificada uma possível forma de D. alernatus, caracterizada pela sua morfologia bilobulada de superfície lisa, traçado sinuoso e ondulado em vista lateral, resultado da alternância de secções mais e menos profundas ao longo da marca fóssil, característica intrínseca desta icnoespécie (Pickerill et al., 1984). Didymaulichnus lyelli (Rouault, 1850) (Est. 1, figs. 8-9) Observações – os exemplares deste icnogénero foram catalogados nos sectores de Vilarinho e Meitriz. Correspondem a pistas bilobuladas estreitas, rectas ou ligeiramente encurvadas, com máximo de 11 mm de largura, preservadas em hiporelevo convexo. Os lóbulos são lisos e o sulco cen-

23


24

Artur Abreu Sá e outros

tral é nítido mas pouco profundo. Não se obser- lídeos ou por anfípodes, tanto sedimentívoros vam cristas longitudinais nos flancos dos lóbulos como suspensívoros (Mángano et al., 2002, com principais. referências prévias). Didymaulichnus rouaulti (Lebesconte, 1883) (Est. 1, fig. 10) Observações – no decurso deste trabalho foram identificados dois exemplares deste icnotáxon, provenientes dos quartzitos dos sectores de Vilarinho e Meitriz. Correspondem a pequenas pistas bilobuladas, lisas, com largura de 9-10 mm e comprimento de 65-85 mm, que se distinguem pela presença de sulcos longitudinais pouco profundos. A ausência de arranhões nestas marcas é um dos critérios para a sua inclusão no icnogénero Didymaulichnus em detrimento de Cruziana (Pickerill et al., 1984; Fillion & Pickerill, 1990). Icnogénero Diplocraterion Torell, 1870 Diplocraterion isp. (Est. 1, figs. 2-3) Observações – este icnogénero foi identificado nos sectores de Vilarinho e de Meitriz, correspondendo a secções transversais de estruturas tubulares em forma de U, apresentando por isso um aspecto de halter, preservadas sob a forma de epirelevos côncavos e apresentando conexões entre os dois braços do tubo. Este último critério permite distinguir Diplocraterion de outras tocas em U, como Arenicolites Salter e Rhizocoralium Zenker. As secções transversais podem ainda ser confundidas com Arthraria Billings ou com Bifungites Desio, mas estas últimas apresentam um desenvolvimento fundamentalmente horizontal ou em forma de π invertido sem conexões, respectivamente (Fillion & Pickerill, 1984). O exemplar observado em Meitriz apresenta-se deformado, com uma conexão de apenas 3 mm. Uma vez que a classificação de Diplocraterion requer a existência de secções longitudinais completas do tubo em U (Fürsich, 1974), e o nosso material é composto exclusivamente por secções transversais, não foi possível estabelecer uma identificação icnoespecífica do mesmo. Este icnogénero é comummente interpretado como uma marca de habitação ou de equilíbrio, produzida por ane-

Icnogénero Monocraterion Torell, 1870 Monocraterion? isp. (Est. 1, fig. 12) Observações – no sector de Vilarinho foi catalogado um conjunto de icnofósseis que correspondem a tubos verticais simples, que em alguns casos parecem apresentar uma abertura afunilada, com diâmetro médio de 5 mm, que se apresenta perfurada centralmente por um tubo aprumado. Apesar de este icnogénero se considerado por alguns autores como uma variante preservacional de Skolithos, outros mantêm a distinção entre ambos os icnogéneros (Sá, 2005b, com referências prévias). Este icnofóssil é interpretado como uma toca de habitação de um organismo suspensívoro, provavelmente um poliqueta ( Jensen, 1997)

Icnogénero Monomorphichnus Crimes, 1970 Monomorphichnus cf. bilinearis Crimes, 1970 (Est. 1, fig. 13) Observações – a ocorrência deste icnotáxon foi registada no sector de Vilarinho, através de uma amostra que preserva sete cristas em hiporrelevo, com um máximo de 72 mm de comprimento e 2 mm de largura. Verifica-se que quatro destas cristas se apresentam duplas, sendo que em cada um destes pares uma das cristas é mais proeminente. O icnogénero Monomorphichnus corresponderá a uma marca produzida no substrato pela deslocação lateral de artrópodes, principalmente trilobites, mas também euripterídeos ou xiphosurídeos ( Jensen, 1997).


Novos dados de icnofósseis da Fm. Santa Justa em Arouca

Icnogénero Palaeophycus Hall, 1847 Palaeophycus isp.

potenciais presas localizadas no sedimento imediatamente infrajacente ( Jensen, 1990; Fortey & Owens, 1999).

(Est. 1, fig. 14) Observações – a presença deste icnotáxon é corroborada pela ocorrência no sector de Vilarinho de uma pista tubular horizontal, ligeiramente encurvada, com 4 mm de diâmetro e 75 mm de comprimento, apresentando um enchimento por material idêntico ao da rocha matriz. De acordo com Mángano & Buatois (2003), este tipo de estrutura corresponderia ao enchimento passivo de uma toca sustentada por muco, produzida por um animal suspensívoro ou predador, muito provavelmente um poliqueta. Icnogénero Planolites Nicholson, 1873 Este icnogénero corresponderá a galerias de alimentação de seres sedimentivoros ou outros grupos de invertebrados (Pemberton & Frey, 1982; Fillion & Pickerill, 1990). Planolites beverleyensis (Billings, 1862) (Est. 1, fig. 15) Observações – este icnofóssil foi identificado em todos os sectores estudados neste trabalho, sendo particularmente abundante no sector de Gralheira d’Água. Os exemplares catalogados correspondem a galerias mais ou menos horizontais, por vezes onduladas, com aspecto cilíndrico, liso e não ramificadas. Dois exemplares excepcionais, catalogados no sector de Meitriz, possuem comprimento de 62 cm e 109 cm. O recheio destas estruturas caracteriza-se por ser de natureza distinta da rocha matriz, de cor mais clara e de textura mais grosseira. Icnogénero Rusophycus Hall, 1852 Rusophycus é um termo morfológico utilizado durante muito tempo para designar uma marca que indicava o repouso de uma trilobite. Contudo, actualmente é vista também como uma marca de predação estacionária, em que o animal produtor estaria equipado com um sistema sensorial que lhe permitiria detectar sinais vitais das

Rusophycus isp. 1 (Est. 2, fig. 12) Observações – icnofóssil identificado no sector de Meitriz, apresentando um contorno subquadrangular, com 43 mm de comprimento e 50 mm de largura. Preserva algumas cristas endopodiais, dispostas perpendicularmente ao sulco axial, que lhe conferem um aspecto grosseiramente imbricado, fazendo lembrar um exemplar erodido de R. leifeirikssoni Bergström. Aparenta ainda intersectar uma toca vertical de um pequeno organismo, realidade característica deste icnogénero. Rusophycus isp. 2 (Est. 2, fig. 13) Observações – pequena marca fóssil catalogada nos quartzitos do sector de Vilarinho, com comprimento de 24 mm e largura de 9 mm. Apresenta contorno elíptico, sulco bem vincado e aspecto liso, assemelhando-se a R. didymus (Salter), facto que a escassez e qualidade preservacional do exemplar encontrado não permite confirmar. Icnogénero Skolithos Haldeman, 1840 Skolithos linearis Haldeman, 1840 (Est. 1, fig. 16) Observações – a ocorrência deste icnofóssil foi registada em todos os sectores estudados, com particular incidência nas áreas de Gralheira d’Água e Meitriz. Os exemplares observados apresentam-se sob a forma de tubos verticais simples e lisos, orientados perpendicularmente aos planos de estratificação, embora por vezes ocorram com inclinações significativas, devido à deformação tectónica das rochas. Registou-se uma variação no diâmetro destas estruturas compreendida entre 4 e 12 mm, sendo de notar a homogeneidade deste parâmetro nas estruturas que constituíam uma mesma concentração. Em Gralheira d’Água foi possível observar a ocorrência de palimpsestos entre icnofácies consecutivas de Cruziana e de Sko-

25


26

Artur Abreu Sá e outros

lithos, devidos à intersecção de exemplares prévios de Cruziana por Skolithos.

(dados preliminares). Comunicações do Instituto Geológico e Mineiro, 84(1), A7-A10.

5. Conclusões

Costa, J.C. (1935). O Problema das Bilobites (A O escasso conhecimento facultado pelos traba- propósito de três cartas de Nery Delgado). Publilhos prévios, relativo ao conteúdo icnológico dos cações do Museu e Laboratório Geológico da Famateriais da Formação Santa Justa aflorantes na culdade de Ciências do Porto, [1], 2, 1-27. região de Arouca, dificilmente deixava antever a Costa, J.C.S. (1931). O Paleozóico Português excelência da preservação, quantidade e dimen- (Síntese e Crítica). Porto, 143 p. são das ocorrências catalogadas no decurso deste trabalho. Sem dúvida alguma que diversas das Couto, H. (1993). As mineralizações de Sb-Au ocorrências entretanto assinaladas constituem da região Dúrico-Beirã. Tese de Doutoramento pela sua qualidade científica e preservacionl um n. publ. Faculdade de Ciências da Universidade inestimável Património Geológico. O facto de do Porto, 2 vols., 607 p. estes resultados terem sido obtidos no decurso de Couto, H., Piçarra, J.M. & Gutiérrez-Marum estudo preliminar, que facultou a identifica- co, J.C. (1997). El Paleozoico del Anticlinal de ção de vinte e um icnotáxones diferentes, deixa Valongo. In: Grandal D’Anglande, A., Guem aberto o enorme potencial paleontológico dos tiérrez-Marco, J.C. & Santos Fidalgo, L. afloramentos da Formação Santa Justa no Vale do (eds.). XIII Jornadas de Paleontología y V ReuniPaiva. ón Internacional del Proyecto 351 PICG. A Coruña, Libro de Resúmenes e Excursiones, 270Agradecimentos 290. Os autores agradecem à Prof. Doutora Helena Couto e à Doutora Fernanda Lima os comentá- Cooper, A.H. & Romano, M. (1982). The Lower Ordovician stratigraphy of the Dornes – Firios e sugestões a este trabalho. gueiró dos Vinhos area, Central Portugal, with descriptions of Merostomichnites ichnosp. and Bibliografia Rosselia socialis, two previously unrecorded traAlpert, S.P. (1973). Bergaueria Prantl (Cam- ce fossils. Comunicações dos Serviços Geológicos brian and Ordovician), a probable actinian trace de Portugal, Lisboa, 68(1), 73-82. fossil. Journal of Paleontology, 47, 919-924. Crimes, T.P. & Marcos, A. (1976). Trilobite Baldwin, C.T. (1977). The stratigraphy and fatraces and the age of the lowest part of the Ordocies associations of trace fossils in some Cambrian vician reference section for NW Spain. Geologiand Ordovician rocks of north western Spain. In: cal Magazine, 113(4), 349-356. Crimes, T.P. & Harper, J.C. (eds) Trace Fossils 2. Geological Journal, Special Issue, 9, 9-40. Delgado, J.F.N. (1885). Estudo sobre os bilobiCarvalho, C.N. (2003). Serpenteando pelo tes e outros fosseis das quartzites da base do Systeparimónio paleontológico das serranias de Penha ma Silurico de Portugal. Memória da Secção dos Garcia. Workshop “Fósseis de Penha Garcia – que Trabalhos Geológicos de Portugal, Lisboa, 111 p. classificação?”, C.M. Idanha-a-Nova, Idanha-a- Delgado, J.F.N. (1887). Terrains Paléozoiques Nova, 21 p. du Portugal. Étude sur les Bilobites et autres fosCarvalho, C.N. (2004). Os testemunhos que as siles des quartzites de la base du Système Silurique rochas nos legaram: Geodiversidade e potencia- du Portugal – (supplément). Memória da Secção lidades do Patrmónio do canhão fluvial de Penha dos Trabalhos Geológicos de Portugal, Lisboa, 76 p. Garcia. Geonovas, 18, 35-65. Carvalho, C.N., Detry, C. & Cachão, M. (1998). Paleoicnologia da Formação do Quartzito Armoricano (Ordovícico Inferior) em Portugal: implicações em Paleoecologia e Paleoetologia

Delgado, J.F.N. (1908). Système Silurique du Portugal. Étude de stratigraphie paléontologique. Memórias e Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa, 245 p.


Novos dados de icnofósseis da Fm. Santa Justa em Arouca

Durand, J. (1985). Le Grés Armoricain. Sé- Julivert, M. & Truyols, J. (1983). El Ordovídimentologie – Trace Fossils. Milieux de dépôt. cico en el Macizo Ibérico. In: Comba, J.A. (coCentre Armoricain d’Étude Structurale des So- ord.) Livro Jubilar J.M. Ríos, Geología de Escles. Mémoires et Documents, 3, 1-150. paña, Tomo I, Instituto Geológico y Minero de Fillion, D. & Pickeril, R.K. (1984). On Ar- España, Madrid, 192- 246. thraria antiquata Billings, 1872 and its relationship to Diplocraterion Torell, 1870 and Bifungites Desio, 1940. Journal of Paleontology, 58, 683-696.

Mángano, M.G. & Buatois, L. (2003). Trace Fossils. In: Benedetto, J.L. (ed.). Ordovician fossils of Argentina. Secretaría de Ciencia y Tecnología, Universidad Nacional de Córdoba, 507Fillion, D. & Pickerill, R.K. (1990). Ichno- 553. logy of the Upper Cambrian? to Lower Ordovi- Mángano, M.G., Buatois, L.A., West, R.R. & cian Bell Island and Wabana Groups of eastern Maples C. G. (2002). Ichnology of a PennsylNewfoundland, Canada. Palaeontographica Ca- vanian Equatorial Tidal Flat – The Stull Shale nadiana, 7, 1-119. Member at Waverly, Eastern Kansas. Bulletin of Fortey, R.A. & Owens, R.M. (1999). Feeding the Kansas Geological Survey, 245, 1-133. habitats in trilobites. Palaeontology, 42(3), 429- Mcdougall, N.D. (1988). The Sedimentology 465. of the Armorican Quartzite group in Portugal. Fürsich, F.T. (1974). On Diplocraterion Torell Ph.D. Thesis unpubl. University of Liverpool, 1870 and the significance of morphological fea- Liverpool, 353 p. tures in vertical, spreiten-bearing, U-shaped tra- Medeiros, A.C. (1964). Carta Geológica de Porce fossils. Journal of Paleontology, 48, 952-962. tugal na escala 1/50.000. Notícia explicativa da Gutiérrez-Marco, J.C. & Rábano, I. (1983). folha 13-B Castelo de Paiva, Serviços Geológicos Bioestratigrafía de las pizarras ordovícicas en la de Portugal, Lisboa, 58 p. Sierra de Tamames (Prov. de Salamanca). Colo- Medeiros, A.C., Pereira, E. & Moreira, A. quios de Paleontología, 38, 13-25. (1980). Carta Geológica de Portugal na Escala Gutiérrez-Marco, J.C. & Sá, A.A. (2006). 1:50.000 e notícia explicativa da Folha 9-D (PeIcnofósseis. In: SÁ, A.A. & Gutiérrez-Marco, nafiel), Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa, J.C. (Coords.), Trilobites gigantes das ardósias 46 p. de Canelas (Arouca), Ardósias Valério & Figuei- Oliveira. J.T., Pereira, E., Piçarra, J.M., redo, Canelas, 163-179. Young, T. & Romano, M. (1992). O Paleozóico Hammann, W., Robardet, M. & Romano, M. Inferior de Portugal: síntese da estratigrafia e da (1982). The Ordovician System in south-western evolução paleogeográfica. In: Gutiérrez-MarEurope (France, Spain and Portugal). Correla- co, J.C., Saavedra, J. & Rábano, I. (eds.). Pation Charts and Explanatory Notes. Internatio- leozóico Inferior de Ibero-América, Universidad de Extremadura, 359-375. nal Union of Geological Sciences, 11, 1-47. IGME (2004). Mapa Geológico de España con Pemberton, S.G. & Frey, R.W. (1982). Trace la inclusión de Portugal continental y Pirineos fossil nomenclature and the Planolites-Palaeophycus dilemma. Journal of Paleontology, 56, franceses. Escala 1:2.000.000, Madrid. 843-881. Jensen, S. (1990). Predation by early Cambrian trilobites on infaunal worms – evidence from the Pemberton, S.G. & Frey, R.W. (1991). J.W. DaSwedish Mickwitzia sandstone. Lethaia, 23(1), wson and the interpretation of Rusophycus. Ichnos, 1, 237-242. 29-42. Jensen, S. (1997). Trace fossils from the Lower Perdigão, J.C. (1971). O Ordovícico de Fajão, Cambrian Mickwitzia sandstone, south-central de Unhais-o-Velho, de Salgueiro do Campo e de Penha Garcia (Beira Baixa). I Congresso HisSweden. Fossils & Strata, 42, 1-111.

27


28

Artur Abreu Sá e outros

pano-Luso-Americano de Geologia Económica, Madrid-Lisboa, 2, 525-541.

Sá, A.A. (2005b). Bioestratigrafia do Ordovícico do nordeste de Portugal. Tese de Doutoramento n. publ. UTAD, Vila Real, 571 p.

Pereira, E., Severo, L. & Gonçalves, M. (1980). Carta Geológica de Portugal na Esca- Sá, A.A. (2006). Enquadramento Geológico. la 1:50.000 e notícia explicativa da Folha 13-D In: SÁ, A.A. & Gutiérrez-Marco, J.C. (Coor(Oliveira de Azeméis), Serviços Geológicos de ds.), Trilobites gigantes das ardósias de Canelas Portugal, Lisboa, 68 p. (Arouca), Ardósias Valério & Figueiredo, CanePickerill, R.K., Romano, M. & Meléndez, B. las, 19-27. (1984). Arenig trace fossils from the Salamanca area, western Spain. Geological Journal, 19, Sá, A.A., Meireles, C., Coke, C. & Gutiérrez-Marco, J.C. (2003). Reappraisal of the 249-269. Ordovician stratigraphy and paleontology of Rebelo, J.A. & Romano, M. (1986). A Contri- Trás-os-Montes (Central-Iberian Zone, NE Porbution to the Lithostratigraphy and Palaeontolotugal). INSUGEO, Serie Correlación Geológica, gy of the Lower Palaeozoic rocks of the Moncorvo 17, 131-136. region, Northeast Portugal. Comunicações Serviços Geológicos de Portugal, 72 (1-2), 45-57. Sá, A.A., Valério, M., Santos, C., MagaRomano, M. (1974). The Palaeoenvironment lhães, T. & Almeida, P. (2006). Icnofósseis and Ichnology of the Lower Ordovician rocks at da Formação Santa Justa (Arenigiano, OrdovíApúlia, North Portugal. Boletim do Museu e La- cico inferior) no Vale do Paiva (Arouca) e a sua boratório Mineralógico e Geológico da Faculda- contribuição para o Património Paleontológico nacional. In: Mirão, J. & Balbino, A. (Coorde de Ciências, Lisboa, 14(1), 63-76. Romano, M. (1982). The Ordovician biostrati- ds.) VII Congresso Nacional de Geologia, Pólo graphy of Portugal – A review with new data and de Estremoz da Universidade de Évora, Estremoz, Livro de Resumos, 3, 897-900. re-appraisal. Geological Journal, 17, 89-110. Romano, M. (1991). Lower to Middle Ordovician trace fossils from the Central Iberian Zone of Portugal and Spain. In: C.R. Barnes & Williams, S.H. (eds.). Advances in Ordovician Geology. Geological Survey of Canada, Paper 90-9, 191-204.

Sarle, C.J. (1906). Arthrophycus and Daedalus of burrow origin. Rochester Academy of Sciences, Proceedings, 4, 203-210.

Seilacher, A. (1970). Cruziana stratigraphy of “non-fossiliferous” Palaeozoic sandstones. In: Crimes, T.P. & Harper, J.C. (eds.) Trace FosRomano, M. & Diggens, J.N. (1974). The stra- sils. Geological Journal, Special Issue, 3, 447tigraphy and structure of Ordovician and asso- 476. ciated rocks around Valongo, north Portugal. Comunicações dos Serviços Geológicos de Por- Seilacher, A. (1990). Paleozoic trace fossils. In: Said, R. (ed.) The Geology of Egypt. Balkema, tugal, 57, 23-50. Rotterdam, 649-670. Rouault, M. (1850). Note préliminaire sur une nouvelle formation découvert dans le terrain si- Seilacher, A. (1992). An updated Cruziana stralurien inférieur de la Bretagne. Bulletin de la tigraphy of Gondwanan Palaeozoic sandstones. Société Géologique de France, [2], 7, 724-744. In: Salem, M.J. (ed.) The Geology of Libya, 4, Sá, A.A. (2005a). O Ordovícico do NE de Por- 1565-1581. Elsevier, Amsterdam. tugal: de materiais quase “azóicos” a muito pro- Seilacher, A. (1994). How valid is Cruziana Stramissores para a paleontologia.-Nota preliminar. tigraphy? Geologische Rundschau, 8,: 752-758. In: Carvalho, C.N. (Coord.). Cruziana ’05. Actas do encontro Internacional sobre Património Teixeira, C. (1981). Geologia de Portugal. Vol. Paleontológico, Geoconservação e Geoturismo, I – Precâmbrico, Paleozóico. Fundação Calouste Idanha-a-Nova, 17-22. Gulbenkian, Lisboa, 629 p.


Novos dados de icnofósseis da Fm. Santa Justa em Arouca

Thadeu, D. (1956). Note sur le silurien beirodurien. Boletim da Sociedade Geológica de Portugal, 12, 1-38.

Toyos, J.M. (2003). Litoestratigrafía de la banda esquistosa de Monteferro-El Rosal (Macizo Ibérico, provincia de Pontevedra). Revista de la Sociedad Geológica de España, 16(3), 213-226.

29


30

Artur Abreu Sá e outros

Estampa 1 – Icnofósseis da Formação Santa Justa na região de Arouca. 1, Arenicolites isp.; exemplar proveniente de Vilarinho, apresentando nítida deformação tectónica secção direita do tubo em U e não exibindo marcas de conexão, x 2; 2-3, Diplocraterion isp. (2, exemplar proveniente de Meitriz, x 1,6; 3, exemplar de Vilarinho com conexão assinalada pela seta amarela, x 1,5); 4, Bergaueria cf. perata Prantl, 1945; marca fotografada em Meitriz, exibindo uma protuberância central, x 0,7; 5-6, Bergaueria radiata Alpert, 1973 (5, exemplar de Meitriz, x 0,9; 6, marca catalogada em Vila Cova, x 0,8); 7, Daedalus halli Rouault, 1850; superfície preenchida por secções paralelas ao plano de estratificação, com traçados arqueados e espiralados, fotografados em Meitriz, x 0,5; 8-9, Didymaulichnus lyelli (Rouault, 1850) (8, exemplar catalogado em Meitriz, x 0,4; 9, pista encontrada em Vilarinho, x 0,8); 10, Didymaulichnus rouaulti (Lebesconte, 1883), amostra fotografada em Vilarinho, apresentando as características cristas laterais, x 0,6; 11, Didymaulichnus cf. alternatus Pickerill, Romano & Meléndez, 1984; exemplar referenciado no sector de Vilarinho, sendo visíveis os característicos aspecto ondulado e traçado sinuoso da pista, x 0,5; 12, Monocraterion? isp.; concentração de secções paralelas à estratificação, fotografadas em Vilarinho, sendo visível o aspecto afunilado apresentado por algumas aberturas, x 1; 13, Monomorphichnus cf. bilinearis Crimes, 1970; exemplar fotografado em Vilarinho, observando-se o aspecto duplo de quatro das cristas, x 0,6; 14, Palaeophycus isp.; pista tubular com um enchimento de natureza idêntica à da matriz, inventariada em Vilarinho, x 0,5; 15, Planolites beverleyensis (Billings, 1862); icnofóssil fotografado em Mourinha, observando-se o seu aspecto linear e liso e um enchimento de natureza díspar do da rocha matriz mais xistenta, já parcialmente erodida, x 0,5; 16, Skolithos linearis Haldeman, 1840; secções de tubos fotografadas em Meitriz, x 0,3.

Estampa 2 – Icnofósseis da Formação Santa Justa na região de Arouca. 1-2, Cruziana barriosi Baldwin, 1977; fragmentos de pistas com arranhões praticamente paralelos ao sulco central (1, exemplar fotografado em Vilarinho, x 0,7; 2, pista catalogada em Mourinha, x0,8); 3-5, Cruziana furcifera d’Orbigny, 1842; (3, fragmento de pista com lóbulos bastante simétricos, observado em Cabanas Longas, x 0,3; 4, secção de pista com cerca de 1 m, catalogada em cabanas longas, x 0,1; 5, pormenor do padrão romboédrico comum neste icnotáxon, patente num exemplar fotografado em Mourinha, x 0,3); 6, Cruziana goldfussi (Rouault, 1850); exemplar fotografado em Vilarinho, exibindo as típicas cristas marginais ao longo da pista (setas amarelas), x 0,4; 7-9, Cruziana rugosa d’Orbigny, 1842; [7-8, exemplares característicos, com nítidas constrições transversas e forma de banheira, fotografados em Cabanas Longas (x 0,5) e Mourinha (x 0,4), respectivamente; 9, pormenor dos conjuntos de arranhões sobre as constrições transversas de exemplar catalogado em Meitriz, x 0,7]; 10, Cruziana cf. imbricata Seilacher, 1970; exemplar fotografado em Cabanas Longas, exibindo o característico aspecto imbricado no lóbulo direito, x 0,6); 11, Cruziana cf. lefebvrei d’Orbigny, 1842; amostra observada em Vilarinho, ornamentado por cristas simples e grossas e exibindo marcas de exopoditos no lóbulo direito da pista, x 1); 12, Rusophycus isp. 1; exemplar fotografado em Meitriz, exibindo um contorno subquadrangular e cristas


Novos dados de icnofósseis da Fm. Santa Justa em Arouca

endopodiais perpendiculares ao sulco central, x 0,5; 13, Rusophycus isp. 2; pequena marca fóssil inventariada em Vilarinho, com aspecto de “grão de café”, x 1,3.

Estampa 1

31


32

Artur Abreu Sรก e outros

Estampa 2


Associação portuguesa de geólogos

Geonovas no 20, pp. 33 a 56, 2006

Modelação Analógica de Fenómenos Geológicos Uma Experiência na Formação de Professores Bolacha, E. 1,a; Moita de Deus, H. A. 2,b; Caranova, R. 2,b; Silva, S. 2,b; Costa, A. M. 2,b; Vicente, J. 2,b e Fonseca, P. E. 2,b 1

APG – Associação Portuguesa de Geólogos 2 LATTEX, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa a apgeologos@clix.pt b lattex@fc.ul.pt

Resumo Uma das metodologias que se destaca nos curricula dos Ensinos Básico e Secundário é o trabalho experimental, nem sempre do agrado e da familiaridade dos professores. Descrevem-se neste artigo alguns dos trabalhos experimentais realizados numa acção de formação contínua de professores, com utilização de modelos analógicos. Apresentam-se também as respectivas contextualizações didácticas, assim como as suas limitações espaço-temporais. Por fim, pondera-se nos resultados da acção e na importância destas acções terem lugar nos espaços privilegiados de reflexão e debate: as Universidades. Palavras-Chave: Ensino da Geologia, trabalho experimental, modelação analógica, geodinâmica interna, geodinâmica externa, formação contínua de professores. Abstract The curricula for Middle and High School science teaching strongly recommend the use of experimental work in the classroom. Nevertheless, teachers frequently express their dislike and lack of proficiency towards that methodolog y. This paper describes a program for teacher professional development, focused on enhancing the laboratorial skills of geolog y teachers. The experimental activities here presented include the didactics of analogical modelling and, in particular, the discussion of its limitations connected with the correct use of space ant time scales in Geolog y. Further along, the evaluation of this training program is reported, providing a wide range of information capable of leading to a better performance in the field of teacher professional development, in the University context. Key-words: Teacher professional development, experimental work, analogical modelling, internal geodynamics, external geodynamics Recebido: Outubro 2006; aceite: Novembro 2006.

Introdução

Os autores gostariam de prestar uma singela homenagem com este trabalho ao Geólogo Georges Zbyszewski pioneiro da modelação analógica em Portugal, com a simulação de mecanismos de halocinese e diapirismo salino, utilizando o vale tifónico das Caldas da Rainha como exemplo natural a modelar (Zbyszewski, 1946).

No contexto actual do desenvolvimento profissional dos professores, a formação contínua no Ensino da Geologia assume uma importância inquestionável, fortalecendo as competências dos docentes que, vindos de diferentes tipos de formação inicial, hoje leccionam conteúdos de Geologia nos Ensinos Básico e Secundário. Simultaneamente, as reformas curriculares, implementadas nos últimos anos, nesses níveis de ensino, exigem a adopção de metodologias pouco familiares a muitos docentes. É o caso do trabalho experimental com a aplicação de modelos analógicos. A acção 5.1- nº 211.023/04, acreditada pelo CCPFC, como acção nº536 “Curso de experiências em Geologia: a Natureza no Laboratório” foi de carácter essencialmente prático. O seu primeiro objectivo foi demonstrar que a utilização expe-


34

Edite Bolacha e outros

rimental de modelos analógicos na sala de aula é uma estratégia relevante para o ensino-aprendizagem de processos geológicos. Estes decorrem naturalmente em escalas de espaço-tempo muito alargadas e, por isso, pouco perceptíveis aos seres humanos. Esta acção decorreu por duas vezes, respectivamente, entre 4 e 12 de Julho, e entre 1 e 9 de Setembro de 2005, nas instalações do LATTEX – Laboratório de Tectonofísica e Tectónica Experimental, Centro de Investigação Científica do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em parceria com a Associação Portuguesa de Geólogos. Frequentaram-na 48 formandos (46 com aproveitamento), número que correspondeu a um acréscimo de 8 inscritos relativamente ao número inicialmente previsto por turma (20 formandos). A Acção de Formação (AF) desenvolveu-se ao longo de 36 horas de trabalho prático efectivo, 7 horas de conteúdo teórico e 7 horas de discussão e avaliação. Subdividiu-se em 4 módulos: um módulo introdutório em que se abordaram temas didácticos directamente relacionados com o trabalho experimental, modelos analógicos e assuntos científicos de acordo com as áreas da Geologia que viriam a ser afloradas; um segundo e um terceiro módulos em que se desenvolveram, respectivamente, trabalhos experimentais de Geodinâmica Interna e de Geodinâmica Externa; um último módulo que contemplou a avaliação da acção e dos formandos. Este último envolveu a planificação didáctica de trabalhos experimentais utilizando modelos analógicos diferentes daqueles que tinham sido construídos ao longo da acção. As actividades decorreram com a construção (parcial a total) pelos próprios formandos, de aparatos experimentais (modelos analógicos) prontos a ser utilizados na sala de aula. Os materiais escolhidos tinham como características principais a fácil aquisição pelas escolas, a simplicidade e o baixo custo. São disso exemplo: balões, areias, gesso, cimento, caril, pimentão, esferovite e contraplacado. É importante referir que todos os aparatos experimentais construídos foram testados e postos em funcionamento pelos formandos, tendo sido, no final da AF, doados a algumas escolas.

Durante a realização de cada actividade experimental os formandos foram convidados a construir um V de Gowin (Novak & Gowin, 1996), instrumento de estruturação do conhecimento que permite contextualizar teórica e epistemologicamente uma investigação e, ao mesmo tempo, interrelacionar em cada momento as componentes conceptual e factual da mesma. Os resultados dos inquéritos (Deus et al., 2006) e o entusiasmo dos formandos revelaram a importância da realização deste tipo de acções, que se deverão agora repercutir a outros pontos do país e a outras Universidades, pois é, potencialmente, nestas instituições que reside o conhecimento necessário a uma satisfatória e contínua actualização nas diversas vertentes da profissão docente. 1. Enquadramento didáctico Há actualmente uma maior preocupação e insistência na utilização do trabalho experimental/laboratorial no ensino das Ciências. A valorização deste tipo de estratégia didáctica está legitimada nas orientações curriculares dos diversos programas dos Ensinos Básico (Galvão, 2001) e Secundário (Amador et al., 2001; 2002) e em alguns manuais escolares. No entanto, o discurso oficial, que chega aos professores através dos documentos publicados pelo Ministério da Educação, nem sempre é consistente com a importância atribuída a esta metodologia, quer na formação inicial quer na formação contínua de professores. Assim, é razoável concluir que alguns professores tenham algumas dificuldades na implementação de estratégias que se baseiem no trabalho experimental. Entre outros factores limitantes, sentem a falta de apoio do pessoal não docente (preparadora de laboratório ou alguém que dê apoio para transportar os materiais) e/ou a insegurança de quem fez, durante a formação inicial, pouco trabalho experimental que se relacione com os conteúdos curriculares que têm que leccionar. Entretanto, as propostas de formação contínua que são oferecidas aos professores revelam-se insuficientes para colmatar as lacunas sentidas pelos docentes quer em relação ao conhecimento científico, quer em relação ao conhecimento pedagógico, quer, acima de tudo, em relação à articulação destes dois tipos de conhecimentos quando


Formação de Professores A Geologia no Laboratório

postos ao serviço de um ensino das Ciências verdadeiramente experimental.

ratório ou numa sala normal (desde que tal não ponha em causa a segurança dos alunos). O “traPartindo destas preocupações emergentes no balho de campo” pode até utilizar materiais de lacontextuo actual do ensino das Ciências, planifi- boratório mas realiza-se ao ar livre. Finalmente, cou-se cuidadosamente a acção de formação a que as actividades que envolvem controlo e manipuse refere este trabalho, nela incluindo aspectos lação de variáveis, podendo ser laboratoriais ou metodológicos do ensino da Geologia que deri- outro tipo de actividades práticas, caracterizam o varam da reflexão sobre alguns itens de natureza “trabalho experimental”. teórica que a seguir se apresentam. Os recentes avanços em termos de conceptualização da aprendizagem segundo a perspectiva 1.1. Importância do trabalho experimental no construtivista (…) provocaram o convergir de Ensino da Geologia atenções para uma nova forma de utilizar o traO trabalho experimental, é de per si, uma mais balho laboratorial, as actividades P-O-E, ou seja, valia para a aprendizagem uma vez que permite Prevê-Observa-Explica (Gunstone, 1991; citado atingir múltiplos objectivos, bem como desenvol- por Leite, 2001). Estas actividades têm a finaliver no aluno capacidades em todos os domínios dade de facilitar a mudança conceptual do aluno. psicológicos (Domingos et al., 1981). Este tipo de Iniciam-se com um pedido de previsão, em que o trabalho, sendo mais centrado no aluno, amplifi- aluno é confrontado com a necessidade de pensar ca a sua motivação para os conteúdos programáti- sobre o que acontece se um dado acontecimento cos. Trata-se de uma estratégia de aprendizagem for provocado (fundamentando a sua previsão) que permite desenvolver uma relação mais pró- ou sobre a explicação que possui para um deterxima, quer aluno-aluno, quer aluno–professor, minado acontecimento ou fenómeno. De seguiesbatendo eventuais fronteiras que possam existir da ele terá oportunidade de realizar observações dentro da sala de aula. e recolher dados que lhe permitam testar as suas Torna-se importante clarificar os termos quando previsões (recorrendo, por exemplo a trabalho estamos a aplicá-los de acordo com um determina- experimental), confrontando o que aconteceu do quadro teórico. No contexto educativo actual com o que ele previu. Espera-se que encontre proliferam quadros teóricos que atribuem valores explicações para o que efectivamente acontece, semânticos distintos a expressões como “traba- especialmente se os dados obtidos não estiverem lho prático”, “trabalho laboratorial”, “trabalho de acordo com as suas previsões. Contudo, a mesde campo” e “trabalho experimental”. Assim, ao ma autora refere que actividades estruturadas de longo desta AF adoptámos o quadro teórico pro- acordo com esta perspectiva são difíceis de enposto por Leite (2001) baseado noutros autores contrar na literatura, pelo que prevê a sua redu(Hodson, 1998, Pedrinaci et al, 1992), que pas- zida utilização na sala de aula. Muitas vezes, usasamos a sintetizar. De acordo com aquela autora, se apenas o trabalho laboratorial com o objectivo “trabalho prático” é o conceito mais geral e inclui de ilustrar/confirmar os conceitos e princípios todas as actividades que exigem que o aluno esteja apresentados previamente pelo professor. activamente envolvido. Este envolvimento pode ser de tipo psicomotor, cognitivo ou afectivo, podendo assim incluir actividades laboratoriais, trabalhos de campo, actividades de resolução de exercícios ou de problemas de papel e lápis, utilização de um programa informático de simulação, pesquisa de informação na Internet, realização de entrevistas a membros da comunidade, entre outras. Em particular, o “trabalho laboratorial” inclui actividades que envolvem a utilização de materiais de laboratório (mais ou menos convencionais). Estas actividades realizam-se num labo-

As aulas de Ciências devem, ainda, incluir estratégias investigativas. No entanto, no contexto laboratorial, só poderão ser consideradas investigações aquelas actividades que confrontem o aluno com uma situação problemática e exijam que ele faça previsões acerca de um problema (preferivelmente gerado por ele). Ele terá que planificar uma ou mais estratégias de resolução de problemas que permitam testar as suas previsões. Deverá ser dada oportunidade ao aluno de implementar essas estratégias, bem como de analisar os dados recolhidos, com o objectivo de tentar en-

35


36

Edite Bolacha e outros

contrar a resposta ao problema, a qual poderá ser ou não concordante com as previsões iniciais. Em conclusão, decorre daqui que as investigações são incompatíveis com procedimentos laboratoriais fechados, fornecidos previamente pelo professor, com instruções para análise de dados muito dirigidas. No que diz respeito à metodologia do ensino da Geologia, estando esta fortemente alicerçada na essência desta mesma Ciência, deve reflectir claramente as respectivas preocupações e métodos de trabalho. Para tal, Mateus (2000) propõe que as estratégias de ensino da Geologia assentem no estudo dos sistemas naturais através de percursos investigativos onde as componentes prática e experimental (a realizar no campo e no laboratório) desempenhem um papel determinante. Tais percursos investigativos podem partir de abordagens pluridisciplinares, incluindo assim uma forte componente de interdisciplinaridade. O mesmo autor refere que a partir destes percursos investigativos, contextualizados geologicamente para a região envolvente à escola, é possível introduzir e discutir a maioria dos conceitos-chave em Geologia. Só após a devida compreensão dos sistemas, objecto de estudo, se devem introduzir questões de âmbito sócio-económico-político e histórico, gizando assim percursos didácticos verdadeiramente CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), para os quais os alunos estão cientificamente preparados, sendo portanto capazes de mobilizar os seus conhecimentos e as suas competências científicas necessárias para interpretar as situações-problema envolvidas em cada percurso CTS proposto. Esta abordagem pedagógica envolve uma metodologia muito própria, ajustada à natureza do trabalho geológico, e que assenta em vários passos enunciados por Mateus (2000) em que se salienta claramente a importância a atribuir ao trabalho experimental: deve o professor “ fomentar o aparecimento de questões/problema específicos cuja resposta possa ser obtida através de tarefas práticas adicionais, como por exemplo: a) a recolha e subsequente caracterização de exemplares devidamente referenciados com vista à identificação dos constituintes básicos do objecto em análise; b) a projecção em carta apropriada de elementos colhidos durante o trabalho de campo; c) a concepção e elaboração de modelos analógicos; ou ainda, d) a realização de actividades experimentais complementares que se afigurem relevantes para a resolução dos problemas levantados”.

Torna-se assim claro que o ensino da Geologia, no qual se coadjuvam o trabalho de campo e o trabalho experimental, permite tornar mais significativas as aprendizagens em sala de aula, uma vez que se recorre a modelos que simulam aquilo que é observado na natureza. Simultaneamente, o trabalho experimental transmite ao aluno uma perspectiva única da construção da Ciência. Sem dúvida que o trabalho experimental exige mais tempo do que a resolução de uma ficha ou de um exercício do manual, mas os alunos precisam de tempo para compreender e aprender. Note-se que, apesar da credibilidade científica e da competência pedagógica do professor, as afirmações deste não substituem automaticamente as concepções que os alunos trazem para a escola, já que estas últimas são efectivamente sólidas, tendo funcionado bem durante toda a vida do aluno. Na maior parte dos casos, os conceitos que os alunos trazem para a escola permanecem, apesar das contradições em que entram com as palavras do professor: é como se o aluno inventasse a cada momento a sua própria coerência. Somente o contacto com os fenómenos reais estudados durante o trabalho experimental, modifica em profundidade a sua percepção das coisas permitindo a evolução dos conceitos (Charpak, 1996). 1.2. Importância dos modelos analógicos no Ensino da Geologia De acordo com Mateus (2001) a essência do pensamento geológico assenta no uniformitarismo, princípio epistemológico formulado por J. Hutton nos finais do século XVIII. “Trata-se de uma base racional de funcionamento empírico que permite a descrição dos efeitos resultantes de um conjunto de eventos sucessivos, permitindo estabelecer a sua cronologia relativa” (Idem). A aplicação deste princípio considera que o registo geológico resulta da actuação, em intervalos de tempo longos, de processos geológicos idênticos aos actuais. No entanto, o princípio do uniformitarismo, se considerado em sentido estrito, pressupõe ainda que, sob as mesmas condições, uma determinada causa produzirá os mesmos efeitos (Mateus, 2001). A aplicação “deste” princípio do uniformitarismo, de acordo com o mesmo autor, “requer uma dialéctica por analogia, ou seja, um raciocínio e uma demonstração que se fundamentam no reconhecimento prévio da semelhança entre as coisas”. Deste modo, a analogia torna-se uma peça fundamental no processo da


Formação de Professores A Geologia no Laboratório

extrapolação em Geologia e na formulação de hipóteses de trabalho que orientarão o percurso investigativo. Concordantemente, os professores recorrem a analogias para simplificar conceitos difíceis e transformar noções abstractas em noções concretas, pelo recurso à comparação de sistemas, conceitos ou objectos invulgares com outros que nos são mais familiares. Reconhecendo que a aprendizagem é um processo individual de construção de saberes, os professores encontram nas analogias uma ferramenta muito útil para a reestruturação dos processos de assimilação do conhecimento (Dagher,1998). De acordo com o objectivo da sua utilização, as analogias dizem-se Simples, se o seu objectivo for o de encontrar semelhanças entre duas situações, ou Analogia de Inferência, se o seu objectivo for desenvolver a capacidade de prever uma situação com base no que sabemos sobre outra (Idem). Existem vários modelos para abordar o uso de analogias no ensino das Ciências. Contudo, todos eles assentam em 3 pressupostos fundamentais: primeiro, aceitar que a aprendizagem é um processo individual de construção de saberes. Em segundo lugar, perceber a importância que os conhecimentos prévios dos alunos têm na facilitação ou na rejeição das aprendizagens e, por fim, reconhecer o papel que o professor desempenha na mediação do fluxo de conhecimento exacto. A diversidade de modelos que regulam a utilização de analogias instrucionais resulta do grau de detalhe por eles proposto para uma eficaz utilização das analogias. Apesar de recentemente terem surgido vários modelos para a exploração didáctica das analogias, adaptados às diferentes ciências experimentais, apresentamos de seguida o modelo mais detalhado, cabendo ao professor proceder à sua recontextualização, mediante a aplicação que lhe vai atribuir. Trata-se do Modelo Geral do Ensino das Analogias (MGEA), proposto por Zeitoun (1984). Este modelo sugere o seguinte procedimento: 1. Avaliar as características dos alunos no que diz respeito à capacidade de raciocinar analogicamente, à sua capacidade de lidar com estímulos visuais (imagens) ou, ainda, à sua capacidade para usar capacidades cognitivas complexas.

2. Avaliar os conhecimentos prévios dos alunos, uma vez que tal permite avaliar se as analogias a utilizar são apropriadas ou não. Tal pode ser feito recorrendo a estratégias de discussão no espaço turma, a entrevistas clínicas ou a questionários escritos. 3. Analisar o material didáctico disponível sobre o tema em estudo para verificar se já contém analogias. Se não existirem analogias propostas pode o professor construir analogias novas ou procurá-las na bibliografia disponível. 4. Avaliar o grau de adequação da analogia escolhida, tentando perceber se ela é familiar e/ou demasiado complexa, i.e., tendo demasiados atributos que correspondem ao domínio alvo. Para tal, Zeitoun recomenda fazer-se uma pilotagem prévia das analogias, com um grupo restrito de alunos, ao mesmo tempo que se ensaiam diferentes estratégias de ensino e diferentes meios de apresentar os conteúdos. 5. Determinar de que modo as características de uma analogia se ajustam às características dos alunos-alvo. 6. Seleccionar a estratégia de ensino e a forma de apresentação dos conteúdos, adequadas à integração da exploração didáctica da analogia. 7. Apresentar a analogia obedecendo a uma metodologia muito própria: primeiro, apresentar o conceito-alvo; segundo, apresentar a analogia; terceiro, fazer a ligação entre a analogia e o conceito-alvo; quarto, apresentar os atributos da analogia um por um, começando pelos mais relevantes e deixando os irrelevantes para o fim; quinto, discutir os atributos irrelevantes. 8. Avaliar o resultado do uso da analogia, determinando a apropriação dos saberes feita pelos alunos sobre os atributos do tópico em estudo, identificando ideias incorrectas que podem advir do uso da analogia. 9. Rever as várias etapas depois desta avaliação (1-8), para determinar se serão necessárias, uma discussão adicional, uma analogia alternativa ou uma estratégia diferente. A utilização de analogias no ensino das Ciências caracteriza-se pela sua versatilidade pedagógica,

37


38

Edite Bolacha e outros

pois permite aos alunos aprenderem a interpretar de modo crítico e reflexivo, aquilo que fazem e observam. Tal pode ser realizado quer em discussões aluno-aluno, assim como em discussões aluno-professor. Deste modo ajuda-se os alunos a olhar para um problema de diferentes perspectivas, o que levará a uma compreensão mais profunda dos conceitos abordados e a relacionar estes com outros conceitos, também eles pertinentes para uma compreensão mais abrangente do fenómeno em estudo. O uso de analogias estimula alunos e professor a, continuamente, imaginarem outras analogias capazes de se ajustar a novos conteúdos. Deste modo, como resultado da inclusão de analogias nas estratégias do ensino experimental da Geologia pode esperar-se que os alunos desenvolvam competências cognitivas de nível elevado, num padrão semelhante àquele usado pelos cientistas no desempenho da sua

profissão. De facto, muitas descobertas científicas decorreram do recurso a analogias. O uso deste recurso pedagógico demonstra também a importância que o melhoramento constante dos modelos analógicos tem no refinamento permanente das teorias científicas. Motiva-se, assim, os alunos para uma prática científica fortemente interactiva, que decorre da necessidade de imaginar, construir, avaliar e aperfeiçoar modelos analógicos. Esta prática cativa os alunos para falarem de Ciência, humanizando a linguagem científica, o que facilita a sua apropriação por quantos a utilizem. 1.3. O V de Gowin como instrumento de estruturação do conhecimento geológico A utilização do V de Gowin (fig. 1) como ferramenta de planificação didáctica, possibilitou

Experimentação analógica: Colisão Continental – Formação de uma Cadeia de Montanhas (metodológico) Acção

Pensamento (conceptual) Filosofia: •O conhecimento geológico assenta na observação e na experimentação. •A Tectónica de Placas assenta numa visão mobilista da superfície terrestre. •A utilização de modelos analógicos permite simplificar conceitos difíceis e transformar noções abstractas em conhecimento concreto, comparando o modelo com outros objectos/processos que nos são menos familiares. São uma ferramenta útil para a reestruturação dos saberes desde que discutidas as suas limitações, principalmente, espaciais e temporais. Teoria:

•A Terra é formada, basicamente, por três zonas: crusta, manto e núcleo. A zona do manto superior e crusta formam a litosfera, que é rígida. Segue-se a astenosfera, da qual faz parte o restante manto e apresenta propriedades plásticas; •A Tectónica de Placas propõe uma visão dinâmica dos fenómenos geológicos que ocorrem na Terra. Segundo a Teoria da Tectónica de Placas, os continentes e o fundo dos oceanos formam enormes placas litosféricas que se movem umas em relação às outras e que ao deslocarem-se, podem aproximar-se e colidir, afastar-se ou deslizarem lateralmente entre si. Pensa-se que estas placas se movimentam devido a correntes de convecção do manto.

Princípios:

•As placas litosféricas contactam entre si de diferentes formas: colidem, afastam-se ou deslizam, reagindo de forma diferente consoante a natureza dos materiais; •Consoante a natureza dos materiais, estes reagem de forma diferente às tensões provocadas originando diferentes tipos de deformações; •Para além dos factores intrínsecos aos próprios materiais, factores extrínsecos como: temperatura, pressão confinante, velocidade de deformação e presença de água, afectam o comportamento reológico das rochas.

Conceitos: Crusta, manto, núcleo, placas litosféricas, litosfera, astenosfera, correntes de convecção, forças compressivas, forças distensivas, falhas, dobras, erosão.

Juízos de valor: Levar em conta as diferenças de escala temporal e espacial. Note-se ainda que a qualidade da deformação vai depender das condições dos materiais e do modo como foram distribuídos.

· Como se formam os Himalaias?

Juízos cognitivos: O choque entre duas placas litosféricas, continentais pode dar origem a uma cadeia montanhosa, como acontece com a formação dos Himalaias. Os materiais, consoante a sua natureza e condições a que são submetidos reagem de forma diferente, criando, para além do fenómeno de orogenia, estruturas associadas como falhas e dobras.

· Que estruturas se formam ao longo da orogenia?

Transformações: No estado inicial todas as camadas estavam horizontais. Quando começa a compressão a força exercida sobre a placa Indo – Australiana fez enrugar a plasticina e consequentemente, a areia; No marcador notam-se falhas inversas e dobras. Registos/dados: Desenhos e/ou fotos do modelo analógico nomeadamente das alterações do das camadas da plasticina e dos marcadores cinemáticos.

Acontecimento: Entre os blocos de madeira que simulam parte das Placas Eurasiática e Indo – Australiana, colocam-se vários níveis de plasticina separados por uma folha de acetato. Por cima, colocam-se vários níveis de areia e pós (marcadores cinemáticos). Aproximam-se lentamente as duas placas.

Adaptado de Barreiras, S. (2005). Trabalho prático na tectónica experimental: Os diários de aula como instrumento de Investigação e desenvolvimento prof issional (Tese de mestrado não publicada). FCUP.

Fig. 1- Exemplo de V de Gowin fornecido durante a acção.


Formação de Professores A Geologia no Laboratório

a reflexão sobre o trabalho experimental como uma metodologia que obriga à interrelação constante entre factos (domínio metodológico) e conteúdos (domínio conceptual) mas, também ao enquadramento teórico e epistemológico da actividade, e decorrentemente, ao entendimento da verdadeira natureza da Geologia como ciência individualizada. Por outro lado, este instrumento adapta-se a percursos investigativos permitindo, a quem o utiliza, a formulação e a decomposição de diversas hipóteses de trabalho, que conduzem à aquisição de conhecimento geológico assim como ao desenvolvimento de múltiplas competências. O V que se apresenta na figura 1 constitui um exemplo dos que foram distribuídos, no final de cada actividade experimental (Fonseca et al., 2005), após a discussão dos V construídos pelos formandos (Anexo I). Trata-se apenas de uma possibilidade, não definitiva, da construção deste instrumento para esta actividade experimental.

através da sua caracterização e explicação coerente “tornando inteligíveis as leis que os governam e o modo como na realidade actuam” (Idem). Considerámos assim, que o preenchimento deste campo do V, que em muitos livros é omitido, exigiria aos formandos, assim como aos formadores, uma reflexão sobre a especial natureza da Geologia e, particularmente sobre as metodologias específicas da Geologia que guiam a investigação e, consequentemente, o ensino desta Ciência. Ainda no campo “Filosofias” inseriram-se as premissas relativas aos modelos analógicos, para que, se discutissem as suas limitações e esclarecessem os “perigos” em sala de aula, decorrentes da sua utilização para a compreensão de processos geológicos.

Insistimos também na importância do preenchimento do campo “Teorias” dado que, como verificámos pelos resultados dos inquéritos (Deus, 2006), não estava generalizada entre os formanComo é possível visualizar na fig. 1, o primeiro dos a necessidade de se contextualizar teoricacampo da componente conceptual do V, refere-se mente qualquer trabalho experimental. ao enquadramento filosófico/epistemológico das teorias que suportam a actividade em causa. De À medida que o trabalho ia prosseguindo, os foracordo com Marques, Praia e Trindade (2001), a mandos iam preenchendo o V, com o objectivo epistemologia no Ensino das Ciências tem como sempre presente de interrelacionar conceitos e principais objectivos: contribuir para uma ima- factos, revendo sistematicamente, os campos já gem da Ciência de acordo com a nova filosofia da preenchidos e verificando a existência de coerênCiência; fomentar a mudança das representações cia entre os dois lados do V. É sempre importante de Ciência elaboradas por alunos; revelar a com- reforçar que no final de uma investigação surgiponente metodológica da Ciência. Foi, princi- rão novas dúvidas e variáveis a investigar, do que palmente, para implementar as últimas duas pre- deverá resultar uma nova investigação e a consmissas que demos relevância ao preenchimento trução de outro V de Gowin. do campo “Filosofias” do V de Gowin. Mas tam- Realçámos igualmente a importância de reflexão bém porque a Geologia utiliza metodologias que sobre o nível de ensino/situação de aprendizagem lhe são exclusivas, e que se relacionam particular- a que se aplica o trabalho experimental e, consemente com a história do pensamento geológico, quentemente, o V. Também se chamou à atenção ao qual, tradicionalmente, não se dá importância para o objectivo da aplicação do V: como instru(Mateus, 2001). Assim, para se contextualizar e mento de planificação didáctica (fig. 2) ou como compreender as teorias que explicam o funcio- relatório científico que poderá permitir avaliar o namento dos sistemas terrestres, constituídos por desempenho dos alunos. Mas ao contrário de um elementos que interagem e que se transformam qualquer relatório científico, este meio de estruno decurso dos diversos processos geológicos, é turação do conhecimento tem como principais necessário compreender que toda a investigação vantagens: ser de fácil leitura e realçar as relações geológica se desenvolve em duas vertentes: histó- entre as duas principais componentes da invesrica e causal. O mesmo seria dizer que a investi- tigação. Para além disso, dado o pouco conhecigação em Geologia se faz à custa da compreen- mento deste instrumento por parte de professosão dos processos actuais para decifrar o registo res e alunos, os docentes que o utilizarem terão da sua acção no passado, mas, ao mesmo tempo, a certeza que se pedirem aos alunos o seu preen-

39


40

Edite Bolacha e outros

vertentes conceptuais e factuais. Como considerámos que seria importante que as actividades experimentais tivessem ou pudessem vir a ter em sala de aula um carácter investigativo, para cada uma, os formandos formularam questões de investigação, que foram desdobrando noutros problemas de maior grau de especificidade.

Fig. 2 – Formandas empenhadas na construção do V epistemológico.

chimento, este reflectirá a originalidade necessária a qualquer documento onde se pretende ver reflectida a aprendizagem efectiva de cada aluno individualmente. 2. Actividades experimentais desenvolvidas na Acção Os processos geológicos podem ser divididos em exógenos (externos) e endógenos (internos) não perdendo de vista que os mesmos interactuam e se complementam mutuamente de forma complexa. Assim, subdividimos a componente prática da acção em dois módulos distintos, Geodinâmica Interna e Geodinâmica Externa. Como já, anteriormente, referimos, pretendeuse que os formandos fizessem uma reflexão aprofundada de cada uma das actividades experimentais em causa, com vista ao seu enquadramento epistemológico e científico, e relacionando as

Fig 3 - Construção do aparato experimental

Deste modo, e pensando que este artigo se destina principalmente aos professores dos Ensinos Básico e Secundário, apresentamos sugestões de enquadramento didáctico para cada trabalho experimental desenvolvido na acção (consultar quadros I, II, III, IV e V, no anexo II). Pretendese que sejam apenas simples sugestões, dado que o professor deve adequar a actividade à situação de aprendizagem em causa, de acordo com o tipo de alunos, o seu nível etário e as competências e objectivos que pretende que os mesmos atinjam. Para além disso, tentámos diversificar as várias propostas com a convicção de que caberá, idiossincraticamente, a cada professor, a reconstrução do conhecimento que aqui veiculamos. Sugerese ainda a consulta de bibliografia complementar para cada actividade que contempla a fundamentação teórica e/ou actividades semelhantes, contudo, com algumas diferenças quanto aos materiais utilizados ou às variáveis em estudo. Tendo sido previamente feita a descrição dos modelos e respectivos materiais nos artigos referenciados, optámos pela utilização de fotografias para proceder à respectiva ilustração. 2.1. Geodinâmica Interna Neste módulo desenvolveram-se duas actividades experimentais, com construção parcial dos modelos analógicos pelos formandos, em que se


Formação de Professores A Geologia no Laboratório

estudaram, respectivamente, os processos asso- 2.1.2. Diapirismo magmático/salino~ ciados a formação de cadeias de montanhas e a O modelo analógico utilizado, tal como o referidiapirismo magmático/salino. do anteriormente, foi, em parte, construído pelos formandos e, apresenta também a vantagem 2.1.1. Formação de Cadeias de Montanhas: os de poder ser explorado em trabalhos interdisciHimalaias A colisão de placas continentais, com formação plinares com outras Ciências, como a Física, dado de cadeias de montanhas, é um assunto abordado que exige a aplicação de leis físicas, mas também nos três níveis do Ensino Secundário (10º, 11º e com a Matemática através da quantificação das 12º anos), assim como no Ensino Básico (7º ano), variáveis que, aqui como nas outras actividades, e que, por isso, pode e deve ser leccionado com são controladas ou manipuladas, ou de cálculos diversos graus de aprofundamento e interrelacio- de escala e/ou de tempo. nado com outros conteúdos (e.g. Metamorfismo, A deformação é um processo que surge também Magmatismo, Deformação, Deriva continental, em diversas unidades dos programas quer no EnEstrutura interna da Terra). Pois quanto mais sino Básico (7º ano) assim como no Secundário elos forem estabelecidos com outras matérias, ou e, que provoca sempre alguns problemas de comseja, quanto maior for o grau de integração/in- preensão dada a dificuldade, em níveis etários teracção de conteúdos, maior será o paralelismo mais baixos, do estabelecimento de relações cauconseguido entre o modelo e os processos geosa-efeito de alguma complexidade. Agrava este lógicos que pretendemos simular. Na literatura, problema os exemplos que os manuais escolares é frequente encontrar-se modelos didácticos do veiculam onde, geralmente, não é revelada a retipo “Caixa de Areias” mais simples do que este, lação entre as estruturas de deformação e o promas com menores potencialidades, permitindo uma discussão restrita às características geomé- cesso geológico que as origina. tricas e à evolução das estruturas geradas (Dias & Cardoso, 2005). Outros autores (Barreiras et al., 2006) apresentam modelos semelhantes aos que aqui se apresentam ou outros que possibilitam o estudo da relação entre a deformação e outros processos como sejam o metamorfismo (Dias & Cardoso, 2005).

O exemplo que aqui apresentamos, para além de ilustrar bem a relação entre a causa e os efeitos, também permite facilmente estabelecer a relação entre o modelo analógico e o Mundo Natural, desde que, seja complementado com esquemas elucidativos e com uma visita de estudo a um dos diapiros salinos ou magmáticos do país. AcresPara modelar a formação de cadeias de montanhas, ce dizer que este modelo analógico pode simular seleccionámos o exemplo da cadeia dos Himalaias todas as fases de deformação da instalação de um por se tratar da colisão entre a microplaca indiana diapiro, permitindo a visualização das estruturas e a placa euroasiática, permitindo a exploração de formadas que, na realidade podem ser observadas uma gama de conteúdos bastante abrangente. na sua totalidade, no maciço de Monchique, ou,

Fig 4- Construção do aparato experimental

41


42

Edite Bolacha e outros

Exemplos como este, que surgem na comunicação social, ou que ocorrem na região em que a Escola se encontra inserida, podem ser utilizados como 2.2. Geodinâmica Externa forma de incentivar o estudo dos sistemas terNeste módulo desenvolveram-se três actividades restres e, consequentemente, da Geologia. Mas experimentais, com construção total ou parcial não podemos descurar a importância dos conhedos modelos analógicos pelos formandos, em cimentos científicos prévios (C de Ciência) para que se estudaram, respectivamente, os processos resolver questões do quotidiano (T de Tecnoloassociados a dinâmica fluvial, dinâmica eólica e gia, S de Sociedade e A de Ambiente). Ou seja, e, variação do nível do mar associada a alterações na perspectiva de Mayer (2001), defende-se aqui o que o autor denomina de “alfabetização cientíclimáticas. fica global” em que se valoriza, em primeiro lu2.2.1. Dinâmica fluvial gar, o conhecimento científico, necessário a uma No já distante Inverno de 2001, um acontecimen- postura crítica e responsável face aos problemas to trágico, a queda da ponte Hintze Ribeiro, en- da sociedade do século XXI. cheu páginas de jornais e revistas mas, permitiu No seguimento desta fundamentação, optou-se colocar em destaque a dinâmica e a complexidade por estudar em primeiro lugar, o sistema rio, e dos sistemas terrestres, assim como a singulari- os seus processos geológicos e, posteriormente, dade do sistema em causa: o rio Paiva, afluente tentar perceber a sua evolução face a alterações do Douro. Durante alguns meses discutiram-se antropogénicas: construção de pontes seguida de e colocaram-se em destaque hipóteses múltiplas extracção de areias. para identificar as causas que concorreram para a queda do pilar da ponte. É, de acordo com Mateus 2.2.2. Dinâmica eólica e dunar (2000), fundamental para se entender a respos- Na paisagem litoral portuguesa, as dunas ocupam ta do sistema, a procura de explicações compósi- cerca de 450 km da linha de costa. Os cordões tas concorrendo para a compreensão da natureza dunares são sistemas geológicos extremamensingular e complexa do mesmo. Foi esta proble- te sensíveis a quaisquer alterações das condições matização que se transpôs para o laboratório, necessárias à sua génese. Tais alterações podem, através da modelação analógica do rio em causa, por um lado, impedir a formação de novas dunas dando a perceber, os processos inerentes ao siste- ou podem, simplesmente, modificar a morfologia ma, e que factores extrínsecos poderão alterar o da duna ou a velocidade a que a mesma se move. seu funcionamento. Esta modelação já teve outras Assim, a dinâmica dunar pode relacionar-se com abordagens anteriores, com utilização de outros a quantidade e o tipo de areia, a direcção do venmateriais, e com uma morfologia do curso fluvial to, a existência ou não de obstáculos, entre outras diferente (Abreu et al., 2004). (Prost, 1999; Silva et al., 2006). parcialmente, em Sintra, bem como em alguns diapiros salinos da Estremadura.

Fig 5 - Construção do aparato experimental


Formação de Professores A Geologia no Laboratório

Nos últimos anos, o litoral português tem sido alvo de uma série de pressões (construção civil abusiva, pisoteio excessivo). A destruição do cordão dunar, em determinados locais, tem conduzido ao avanço da linha de costa, com implicações directas na destruição dos habitats de espécies variadas e com impactes bastante sérios em construções habitacionais. Também as alterações das condições de formação das dunas podem levar ao aumento da velocidade a que as dunas se deslocam para o interior do continente, promovendo, deste modo, a desertificação (LPN, 1991). Dada a importância desta temática, muito em particular no contexto nacional, pareceu-nos apropriada a exploração didáctica de um modelo analógico sobre a dinâmica eólica e dunar. Note-se, porém, que, por se tratar de um modelo analógico, há várias limitações que restringem a comparação com a realidade, nomeadamente, as escalas do tempo e do espaço, a que o fenómeno está ser analisado. Assim, propomos uma actividade experimental que se pode adaptar às orientações curriculares quer das Ciências Naturais do 3º Ciclo, quer da Biologia/Geologia do Secundário. Efectivamente, o estudo destes fenómenos pode ser abordado primeiramente numa perspectiva geológica mais restrita (análise do sistema dunar), para, subsequentemente, vir a abranger temáticas mais latas, nomeadamente, incluindo aspectos relacionados com ecossistemas dunares, ordenamento do território, desertificação, entre outros, em que se destaquem as intervenções antropogénicas, e as relações CTS. Esta abordagem pode trazer para a sala de aula desafios éticos muito actuais, capazes de enriquecer bastante as

Fig 6 - Construção do aparato experimental

aulas de Ciências-Naturais do 8º ano e as aulas de Geologia dos 11º e 12º anos. 2.2.3. Alterações climáticas e variação do nível do mar Em plena articulação com as duas actividades experimentais anteriores, apresenta-se, desta feita, uma actividade experimental de modelação analógica para estudar o impacte das alterações climáticas na variação do nível médio das águas do mar. Perspectivando, de um modo muito especial, o estudo dos fenómenos geológicos ao longo do tempo, esta actividade experimental promove uma reflexão singular, que dilata a escala temporal, desde o passado longínquo (porém fundamental para o pensamento geológico), passando pelo presente, até um futuro inquietante, mais ou menos determinado pelas escolhas que fazemos todos os dias. Assim, há que contextualizar os alunos numa História da Terra caracterizada por constantes alterações climáticas, com as respectivas consequências. Por exemplo, há 15 mil anos, o nível dos oceanos era cerca de 100 metros inferior ao actual. Nessa altura o continente americano estava coberto com um volume de água superior ao da Antártida. Quando todo esse gelo derreteu, a água libertada foi suficiente para elevar o nível do mar de cerca de 74 metros. Há cerca de 8 mil anos o nível do mar estabilizou no nível actual (Flannery, 2005). Na actualidade assiste-se a uma mediatização constante das alterações climáticas, uma vez que os cientistas prevêem que qualquer elevação mí-

43


44

Edite Bolacha e outros

nima do nível do mar seria desastrosa, pois a densidade populacional no litoral é enorme. (por exemplo, só no Bangladesh mais de 10 milhões de pessoas vivem até um metro acima do nível do mar). Os factos científicos têm vindo a justificar esta preocupação. De facto, no Verão de 2002, as calotes de gelo da Gronelândia e do Árctico diminuíram um milhão de quilómetros quadrados – a maior diminuição de que há registo (Clarke, citado por Flannery, 2005). Dois anos mais tarde, descobriu-se que os glaciares da Gronelândia estavam a derreter dez vezes mais depressa do que se pensava anteriormente (Flannery, 2005). Deste modo, é possível prever que, se a humanidade não alterar os seus comportamentos que, directa ou indirectamente, aceleram as alterações climáticas, a superfície da Terra será, muito em breve, bem diferente daquela que hoje conhecemos. Tal implica alterações profundas na linha da costa das diferentes zonas costeiras: em zonas em que o relevo exibe maiores declives, a subida do nível do mar tem um impacto mais limitado; em zonas mais planas (dunas ou estuários) a invasão das águas do mar é muito rápida e devastadora, alterando dramaticamente a geografia e o equilíbrio biológico da zona abrangida. A actividade experimental aqui proposta, devendo levar em conta as diferenças de escala temporal e espacial, permite fazer a ponte entre a interpretação de fenómenos registados na História da Terra e a previsibilidade do que acontecerá no futuro, devido à combinação de causas naturais e antrópicas. Esta actividade experimental pode adaptar-se às orientações curriculares quer das Ciências Naturais do 3º Ciclo, quer da Biologia/ Geologia do Secundário. Esta temática pode ser

Fig 7 - Construção do aparato experimental

abordada numa perspectiva geológica mais restrita, estudando aspectos de geomorfologia com a ajuda de cartas topográficas. De seguida, pode também abranger temáticas mais latas, nomeadamente, incluindo aspectos relacionados com os ecossistemas litorais e estuarinos, dinâmica das correntes oceânicas, ordenamento do território, entre outros. Mais uma vez, se destaca que a actividade pode ser desenvolvida numa perspectiva C-T-S, com inicial ênfase nos conteúdos científicos para que posteriormente, os alunos compreendam a importância do conhecimento científico para mitigar problemas decorrentes das actividades antropogénicas. Salienta-se ainda a oportunidade de utilizar esta actividade experimental como parte de um projecto interdisciplinar, com particular articulação com a disciplina de Inglês, cujas orientações curriculares sugerem a abordagem de questões de natureza ecológica, tais como “Climate change”. 3. Avaliação O último módulo desta Acção de Formação foi dedicado à avaliação. Esta recaiu, por um lado, sobre as aprendizagens realizadas pelos formandos e, por outro, sobre o formato e qualidade da acção de formação. 3.1. Avaliação dos formandos Ao longo da realização dos vários trabalhos experimentais, cada grupo de formandos construiu o V de Gowin correspondente à actividade em estudo, sendo esse documento entregue à equipa de formadores para proceder à respectiva discus-


Formação de Professores A Geologia no Laboratório

são/reformulação (ver anexo I). Assim, no final da acção de formação, cada grupo tinha tornado disponível à equipa de formadores um conjunto de Vês de Gowin que reflectiam as aprendizagens do grupo ao longo dos vários módulos de trabalho. Entretanto, no último módulo da AF recorreu-se a um momento de avaliação formal durante o qual os formandos, na presença dos formadores, planificaram e realizaram outras experiências, nas quais toda a formação adquirida durante esta AF foi posta à prova. Depois de quase duas semanas de trabalho intenso, quase todos os formandos deram provas inequívocas de entusiasmo, empenho e competência, aquando da planificação e apresentação dos respectivos trabalhos experimentais. Entre outros destacamse propostas para trabalhos experimentais, com modelação analógica, sobre:

• Poluição e contaminação de aquíferos; • Vulcanismo – colapso e formação de caldeiras; • A “exposição” de pegadas de dinossáurios da Praia Grande do Rodízio; Salienta-se que para todos os trabalhos apresentados, os materiais analógicos propostos são de fácil obtenção e de preço acessível. Foram também discutidas as eventuais aplicações de cada modelo quer para o Terceiro Ciclo, quer para o Secundário, partindo da discussão do V de Gowin proposto para cada trabalho experimental.

3.2. Avaliação da Acção de Formação A avaliação da AF foi realizada através das respostas a questionários propostos pela equipa de formação. A partir delas foi possível recolher informação relevante sobre formação contínua de • Os efeitos, nas praias, decorrentes da constru- professores em geral, e sobre esta acção em particular, que a seguir se passa a expor. ção de esporões; • Caracterização da permeabilidade dos sedi- O principal instrumento de recolha de dados utilizado para avaliar a AF foi um questionário mentos; heterogéneo, com perguntas de resposta fechada • Efeitos da pressão e deformação sobre as ro- e de resposta aberta. Contudo, a presente análichas; se refere-se unicamente às questões de resposta • Fenómeno da expansão dos fundos oceânicos; aberta, pois destas resulta informação muito rica, contendo indicadores muito claros da qualida• Alteração dos calcários pela água da chuva; de da AF, sob diversas perspectivas. De seguida enunciam-se as referidas questões: • Condições de formação de um aquífero; • Fenómeno de elevação da Escandinávia (isostasia); • Perigosidade associada às zonas de vertente/ barreiras de estrada;

• Questão 6. Indique os aspectos que, na sua opinião, foram melhor e/ou pior conseguidos durante esta acção de formação. • Questão 7. Indique qual o impacto que pensa poder ter nos seus alunos o facto de ter frequentado esta acção de formação. • Questão 8. E que impacto na sua vida profissional, em geral? • Questão 9. Outros comentários que julgue oportunos e relevantes: De seguida, fez-se a análise de conteúdo das respostas dos formandos, tendo também sido incluídas algumas notas registadas em papel por uma das formadoras ao longo de cada acção.

Fig. 8 – Aparato experimental construído e apresentado por um formando.

Os aspectos positivos destacados nas respostas à questão 6 fornecem pistas muito úteis para se proceder a um maior ajuste quer da formação contínua, quer da formação inicial, às necessida-

45


46

Edite Bolacha e outros

des reais dos professores de Geologia. Salienta-se a ênfase atribuída pelos formandos à descoberta/confirmação de que a Geologia também pode ser ensinada na sala de aula recorrendo a actividades experimentais. Por outro lado, foi muito valorizada a oportunidade que os formandos tiveram para mexer nos materiais e realizarem eles mesmos as experiências, avaliando as suas vantagens e limitações. Das notas de campo de uma das formadoras evidencia-se a seguinte situação: “No grupo, todos os formandos querem mexer; uma das formandas confessa animadamente: - Ainda não conhecia esta vertente da nossa profissão; já sabia que, além de professora, se tem que ser mãe, psicóloga e outras coisas... mas esta faceta da bricolage eu nunca tinha experimentado. Entretanto, ninguém se queixa, todos querem a sua vez; nem a serra de rodear, nem a aparafusadora assusta os formandos.” A modelação analógica, no contexto do ensino experimental da Geologia, foi considerada, em diversos aspectos, uma mais valia para o desenvolvimento profissional dos formandos. Durante a AF foram feitos alguns ensaios de recontextualização, adaptando a exploração didáctica de cada modelo a diferentes níveis de escolaridade (Ensino Básico e Secundário). Desses ensaios resultaram discussões muito profícuas, das quais se sublinha a importância de destacar, na sala de aula, as limitações dos modelos analógicos, especialmente nas dimensões espaço e tempo. De acordo com os dados recolhidos, a oportunidade de fazer formação em contexto universitário foi também um dos aspectos positivos desta AF. Efectivamente, no referido contexto, os formandos tinham à sua disposição permanentemente um leque muito variado de recursos de elevada qualidade científica: as bibliotecas, o Centro de Investigação em Educação (CIE), o laboratório (LATTEX), uma livraria especializada. Acima de tudo, tinham também um contacto permanente com investigadores do departamento de Geologia, a quem puderam recorrer para discutir os mais variados aspectos da sua prática pedagógica. Entre notas recolhidas durante a Acção de Formação destaca-se esta: “O Professor António Ribeiro visitou o nosso laboratório e, com vivacidade, questionou o funcionamento das actividades. Num ápice foi-se embora, deixando-nos com um sorriso enigmático.”

Uma leitura atenta dos dados fornecidos pelas respostas à questão 6, no que diz respeito aos aspectos negativos apontados, permite concluir que os formandos tinham expectativas enviesadas em relação aos objectivos desta AF. De facto, da análise dos objectivos da AF percebe-se claramente que todo o trabalho seria desenvolvido em torno da didáctica das actividades experimentais em Geologia, restringindo os aspectos teóricos ao mínimo necessário, ao contrário das expectativas de alguns formandos que esperavam uma componente teórica mais aprofundada, para reforçarem os seus conhecimentos de Geologia. Esta necessidade parece ser confirmada pelas frequentes expressões de insegurança científica dos formandos, de que são exemplos as seguintes frases: “Eu pensava que a Índia colidia com a Eurásia, mas que não havia zona de subducção.” “O que é diapirismo?” “O calcário é o mais mole e o granito é o mais duro deles todos.” “Como é possível não haver registo da Era Mesozóica, entre a Cenozóica e a Paleozóica?” A repetição da mesma experiência tantas vezes quanto necessárias, é um procedimento muito importante, que visa aferir as diferentes variáveis em estudo, optimizando o potencial didáctico do aparato experimental em causa. Ao mesmo tempo, lidar com uma actividade experimental que corre mal durante uma aula pode ser um desafio que o professor encara com mais ou menos ansiedade, dependendo do grau de preparação dedicado previamente a esse trabalho experimental. Fazer emergir este tipo de desafios na formação contínua pode funcionar como uma oportunidade de partilhar informações e estratégias que, a longo termo, venham a aliviar tais ansiedades. Alguns dos formandos não gostaram de construir o V epistemológico de Gowin respectivo (Novak & Gowin, 1996), de forma sistemática, ou seja, em todos os trabalhos que fizeram. Contudo, esta contrariedade viria a revelar que os formandos têm dificuldade em integrar os conteúdos de natureza científica numa análise de carácter epistemológico, e a consciencialização dessa dificuldade foi-se tornando cada vez mais evidente para os formandos ao longo da acção. Tal percebe-se na


Formação de Professores A Geologia no Laboratório

seguinte afirmação de uma das formandas: “Não percebo nada de filosofias, não sei explicar e nem vejo necessidade de o fazer.” Ou: “O conhecimento epistemológico não cabe explicar aos alunos do 7º ano. O que interessa é que os alunos aprendam os conceitos (científicos)”. Para explicar este facto apontam-se algumas possíveis razões. A grande maioria dos formandos terá entrado em contacto, pela primeira vez com esta metodologia, nesta acção. Por isso, podemos afirmar que, a maioria dos professores que participou nesta acção, terá visto o V como uma metodologia totalmente nova. Os professores, principalmente aqueles que leccionaram disciplinas de Técnicas Laboratoriais, estariam mais familiarizados com outro tipo de metodologia para avaliar as aprendizagens dos alunos, que igualmente pressupõe uma estrutura de organização do conhecimento: o relatório científico, que segundo alguns dos formandos “permite um maior desenvolvimento das ideias e conteúdos”.

lógicos e promove a respectiva transposição para o mundo real. Assim, os formandos passaram a encarar positivamente o aumento na frequência das aulas práticas de Geologia, pois sentem-se mais preparados, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista pedagógico, para as implementar.

Para que os impactos positivos nas aprendizagens dos alunos venham a ser efectivos foi consensual que terão que ser introduzidas modificações significativas nas práticas, o que foi corroborado pelas respostas à questão 8. Assim, no final AF, os formandos referiram que se sentiam mais seguros no ensino experimental da Geologia e, por isso, capazes para diversificar mais as suas metodologias. Mencionaram ainda a importância de desenvolver uma atitude mais reflexiva em relação às suas práticas, o que obriga a uma busca constante da coerência entre a importância atribuída aos aspectos teóricos e aos aspectos experimenContudo, o V trará outras dificuldades que po- tais, no ensino da Geologia. Muitos passaram a dem ser, ou não, confirmadas em futuras inves- encarar o estudo e a planificação das actividades tigações e que se relacionam directamente com experimentais como oportunidades para pôr à a sua estrutura e com as categorias ontológicas prova e desenvolver a sua criatividade. Tal foi cla(campos) que apresenta. Sugerem-se algumas ramente ilustrado pela variedade de experiências hipóteses e convicções devidamente fundamen- apresentadas no momento de avaliação individual tadas. Não sabemos se, de uma forma geral e sis- dos formandos. temática, os professores planificam as suas acti- Para rematar, a questão 9 oferecia uma oportunividades experimentais levando em conta o qua- dade para os formandos se expressarem livremendro teórico e epistemológico que as enquadra. te sobre algum aspecto que merecesse particular Quanto a este último aspecto, parece difícil que atenção. As respostas obtidas destacam as carências os professores o contemplem, dado que a forma- de formação sentidas pelos professores e, por isso, ção inicial/contínua em Filosofia e/ou História orientam-se no sentido da exigência de mais fordas Ciências parece-nos ser escassa, levando em mação nos mesmos moldes em que esta AF foi reconta a raridade de disciplinas desta natureza nos alizada. Desejam-se Acções de Formação articulacursos de licenciatura/pós-graduação em Ensino das, de modo a ser possível continuar a aprofundar de Biologia e Geologia nas Universidades Portu- os estudos realizados anteriormente; por exemplo, guesas. A par da dificuldade em identificar qual foi muito solicitada uma acção de formação sobre a Filosofia subjacente ao trabalho a desenvolver, a exploração didáctica de saídas de campo que se terá existido algum embaraço por parte de alguns relacionem com os modelos analógicos estudados. formandos na elaboração do quadro teórico que Espera-se também que mais destas acções de foriria servir de enquadramento. mação sejam realizadas nas Departamentos de GeRelativamente à questão 7, as respostas sugerem ologia de todo o país, evitando assim a deslocação que os conteúdos desta AF terão um impacto sig- dos formandos que, para a AF aqui descrita, vienificativo nas aprendizagens dos alunos. Acima ram do Algarve a Trás-os-Montes. de tudo, os formandos referiram que o ensino da Geologia centrado em actividades experimentais motiva os alunos para o estudo desta Ciência, pois permite compreender melhor os fenómenos geo-

4. Conclusões A realização da AF “A Natureza no Laboratório” obedeceu a uma metodologia muito bem definida

47


48

Edite Bolacha e outros

e resultante de um estudo cuidadoso de investigação feita na área da formação de professores. Tal metodologia foi apresentada, discutida e acordada com os formandos, durante a apresentação do primeiro módulo.

teve oportunidade de participar, permanecendo em lista de espera.

Da avaliação que os formandos efectuaram à acção e das notas de campo recolhidas, ressaltam algumas dificuldades que os mesmos apresentaram nomeadamente de carácter científico, mas também de carácter epistemológico e no estabelecimento da articulação entre a componente científica e a componente pedagógica das actividades experimentais. A mesma avaliação revelou que os formandos consideraram muito intensiva a planificação das actividades que lhes foi apresentada pela equipa de formadores. Contudo, esta metodologia de trabalho foi escolhida com intencionalidade, uma vez que permitiu que os formandos reflectissem sobre as actividades propostas e nelas se envolvessem activamente, ajustando-as sempre que necessário aos cenários pedagógicos das escolas onde leccionavam.

to, S.; Vasconcelos, C.; Praia, J.; Marques, L.; Chaminé, H.; Fonseca, P.E. (2004). O trabalho experimental em Geologia: Simulação das causas da queda de uma ponte. GeoCiências, 16. 41-51.

Uma vez que os formandos demonstraram terminar esta AF com uma forte motivação para implementar o trabalho experimental para a aprendiSendo que o tema principal desta AF foi o ensino zagem da Geologia, a equipa dos formadores enexperimental da Geologia, privilegiou-se acima volvidos projecta, neste momento, futura investide tudo a articulação dos aspectos epistemoló- gação sobre o impacto real desta AF na prática de gicos, pedagógicos e científicos, das actividades cada formando. propostas. Os aspectos teóricos abordados foram os estritamente necessários para uma plena com- Agradecimentos preensão de cada trabalho experimental realiza- Os autores desejam expressar os seus agradecido. Foi realizado um percurso de formação que mentos aos revisores do trabalho, Profs. Doutose pretendia ser isomórfico em relação a futuras res Frederico Sodré Borges (Univ. Porto) e Luís práticas pedagógicas dos formandos e por isso Dourado (Univ. Minho) pelos comentários e sufacilitador da transferência destas metodologias gestões. São de igual modo devidos agradecimenpara a sala de aula. Assim, desde a construção dos tos à Sr. D. Cristina Pereira e Prof. Doutor Fermodelos, à aferição e contextualização de cada nando Noronha (A.P.G.) e ao Prof. Doutor João actividade experimental, para diferentes anos de Cabral (LATTEX), pelo incentivo e facilidades escolaridade, à planificação das respectivas aulas concedidas na preparação, promoção e divulgae à discussão dos resultados obtidos, tudo foi feito ção da AF. Finalmente, mas não menos imporem conjunto com a equipa de formadores. Deste tante, a todos os Formandos, colegas dos Ensinos modo, foi possível que os formandos, individual- Básico e Secundário, que connosco partilharam mente, ultrapassassem ideias preconcebidas, tais esta experiência formativa. como, as de que a Geologia não se pode abordar experimentalmente, nos vários níveis da escola- Bibliografia ridade. Abreu, J.; Barros, M.; Jaques, I.; Sacramen-

Amador, F.; Perdigão Silva, C.; Pires Baptista, J; Adérito Valente, R. (2001). Programa de Biologia e Geologia. 10 º ano. Curso Geral de Ciências Naturais. ME. DES. Lisboa. Amador, F.; Perdigão Silva, C.; Pires Baptista, J; Adérito Valente, R. (2002). Programa de Biologia e Geologia. 11 º ano. Curso Geral de Ciências Naturais. ME. DES. Lisboa.

Barreiras, S.; Vasconcelos, C. e Fonseca, P.E. (2006) - La Tectónica Experimental en la Enseñanza de la Geología: importancia de los Espera-se agora que outras AF, promovidas em diarios de clase en la reflexión-acción. Enseñanza de las Ciencias de la Tierra.146-155. contexto universitário, com estas mesmas características, venham a satisfazer as necessidades Bolacha, E.; Deus, H. M.; Caranova, R. ; dum grande número de interessados, que não Costa, A.M., Silva, S. M.; Vicente, J.; Fonse-


Formação de Professores A Geologia no Laboratório

ca, P. E. (2006). “A Geologia no Laboratório” – Actividades Experimentais de Modelação Analógica: Uma Experiência na Formação de Professores. Actas do VII Congresso de Geologia. Universidade de Évora, pólo de Estremoz. 813-816.

no Futuro do Planeta.. Editorial Presença. Lisboa.

Caranova, R.; Silva, S. M.; Bolacha, E.; Vicente, J.; Deus, H. M. ; Costa, A. M.; Fonseca, P. E. (2006). Formação de cadeias de montanhas e instalação diapírica: Actividades experimentais de modelação analógica em Geodinâmica Interna, Actas do Simpósio Ibérico do Ensino da Geologia. Universidade de Aveiro. Aveiro. 221225.

ranova, R.; Costa, A. M.; Silva, S. M.; Vicente, J. (2005). Dossier de Apoio à Acção de Formação nº 536 “Curso de experiências em Geologia: a Natureza no Laboratório”, LATTEX-APG, GeoFCUL.

Caron, J. M.; Gauthier, A.; Lardeaux, J. M.; Schaaf, A.; Ulysse, J.; Wozniak, J. (2003). Comprendre & Enseigner la Planète Terre. Ophrys. Paris.

Gunstone, R. (1991). Reconstructing theory from practical experience. In Woolnough, B. (Ed.). Practical Science. Milton Keynes: Open University Press, 67-77.

Charpak, G. (1996). As Ciências na Escola Primária. Uma proposta de acção. Lisboa. Editorial Inquérito

Hamblin, W. K. & Christiansen, E. H. (2001). Earth’s Dynamic Systems. 9ª Ed. Prentice Hall. New Jersey.

Christofoletti, A. (1980). Geomorfologia. 2ªed. Edgar Blücher, Gilsanz, J. P . São Paulo.

Hodson, D. (1988). Experiments in science teaching. Educational Philosophy and Theory, 20(2), 53-66.

Fonseca, P.E.; Ribeiro, L. P.; Caranova, R. e Filipe, P. (2001). Experimentación analógica sobre el desarrollo de un diapiro y la deformaciCabral, J. (2001). Elementos de Geomorfolo- ón producida en las rocas encajantes. Enseñanza gia. 2ªed. Associação de Estudantes da Faculdade de las Ciencias de la Tierra.Vol. 9 (3), 270-276. de Ciências da Universidade de Lisboa. Lisboa. Fonseca P. E.; Bolacha, E; Deus, H. M.; Ca-

Dagher, Z. (1998). Case for analogies in teaching science for understanding. In: Teaching Science for Understanding. Academic Press , San Diego.

Galvão,C. (Coord.) (2001). Ciências Físicas e Naturais. Orientações Curriculares. 3º Ciclo. MES. DEB. Lisboa.

Leite, L. (2001). Contributos para uma utilização mais fundamentada do trabalho laboratorial no Ensino das Ciências. Cadernos Didácticos de Ciência. Ministério da Educação. Lisboa. 1. 7995.

Deus, H. M.; Bolacha, E.; Vicente, J.; Caranova, R.; Costa, A. M.; Silva, S. M. (2006). Formação contínua de professores em contexto LPN (1995). Portugal natural. Edideco. Lisboa. universitário: “A Natureza no laboratório”. AcMayer, V. (2001). A alfabetização global em Citas do Simpósio Ibérico do Ensino da Geologia. ências no currículo da escola secundária. GeoUniversidade de Aveiro. Aveiro. 39-44. Ciências nos Currículos dos Ensinos Básico e SeDias. R.; Cardoso, R. (2005). Da deformação cundário. Universidade de Aveiro. Aveiro. 167experimental de leitos de areia à compreensão 190. das rochas metamórficas. Geonovas. Porto. 19. Marques, L.; Praia, J.; Trindade, V. (2001). 57-62. Situação da Educação em GeoCiências em PortuDomingos, A. M. (presentemente Morais), gal: um confronto com a investigação didáctica. Galhardo, l., & Neves, I. (1981) Uma forma GeoCiências nos Currículos dos Ensinos Básico de estruturar o ensino e a aprendizagem. Lisboa: e Secundário. Universidade de Aveiro. Aveiro. Livros Horizonte. 15-38. Flannery, T. (2005). Os Senhores do Tempo: o Mateus, A. (2000). Actividades práticas e expeImpacto do Homem nas Alterações Climáticas e rimentais no Ensino da Geologia: uma necessi-

49


50

Edite Bolacha e outros

dade incontornável. Trabalho prático e experimental na Educação em Ciências. Universidade do Minho. Braga. 427-437.

P.E. (2006). Dinâmica Fluvial, Dinâmica Eó-

Novak, J. & Gowin, D. (1996). Aprender a Aprender. Plátano Edições Técnicas. Lisboa.

Zbyszewski, G (1946) - Éssai d’étude expéri-

Pedrinaci, E., Sequeiros, L. & Garcia, E. (1992). El trabajo de campo y el aprendizaje de la Geologia. Alambique, 2, 37-45.

blic. da Sociedade Geológica de Portugal, Anais

lica e Variações do Nível do Mar: Actividades

Experimentais de Modelação Analógica em GeMateus, A. (2001). Perspectivas actuais da Geologia; sua importância educativa. O Ensino Ex- odinâmica Externa. Actas do Simpósio Ibérico perimental das Ciências – (Re)pensar o Ensino da Ensino da Geologia. Universidade de Aveiro. das Ciências. III.. Ministério da Educação. 107Aveiro. 199-204. 128. mentale sur les phénomènes “Tiphoniques”. Puda Fac. Cienc. da Univ. do Porto vol. XXXI, Fasc.

Prost, A. (1999) . La Terre – 50 expériences IV, pp. 5-59. pour découvrir notre planète. Éditions Belin. Zeitoun, H. H. (1984). Teaching scientific anaParis. Silva, S. N., Costa, A. M., Bolacha, E., Deus, logies: A proposed model. Research in Science H.M., Caranova, R., Vicente, J., Fonseca,

and Technological Education, 2, 107-125.


Formação de Professores A Geologia no Laboratório

ANEXO I

V de Gowin construído por um grupo de formandos.

51


52

Edite Bolacha e outros

ANEXO II

Problema(s)

Como se formaram os Himalaias? Que estruturas se formam ao longo da orogenia? O princípio do uniformitarismo norteia a investigação em Geologia.

Filosofias (epistemologia)

Teorias (e princípios)

O conhecimento geológico baseia-se principalmente na observação, na descrição e na experimentação (com quantificação de variáveis). Os modelos analógicos promovem a compreensão de conceitos difíceis, através da comparação dos objectos e processos simulados, mais concretos, com os reais, que exigem maior capacidade de abstracção. Permitem a aprendizagem de processos geológicos de grande complexidade desde que discutidas as suas limitações, principalmente, espaciais e temporais. Segundo a Teoria da Tectónica de Placas, os continentes e o fundo dos oceanos formam enormes placas litosféricas que se movem umas em relação às outras (sobre a astenosfera) e, que ao deslocar-se, podem aproximar-se e colidir, afastar-se ou deslizar lateralmente entre si. Consoante a natureza dos materiais, estes reagem de forma diferente às tensões provocadas, originando diferentes tipos de deformações (falhas e dobras). Para além dos factores intrínsecos aos próprios materiais, factores extrínsecos como: temperatura, pressão confinante, velocidade de deformação e presença de água, afectam o comportamento reológico das rochas.

Procedimento (ou acontecimento)

Orientações para a discussão (ex: variáveis a manipular, limitações do modelo, etc.)

Referências

Entre os blocos de madeira que simulam parte das placas Euroasiática e Indiana (fig. 3), colocam-se vários níveis de plasticina separados por uma folha de acetato (para simular a descontinuidade de Mohorovicic – Moho). Por cima, colocam-se vários níveis de areia e pós (marcadores cinemáticos). Provoca-se a aproximação muito lenta das duas placas. O empilhamento e extensão das camadas de areias e pós estão respectivamente limitados pela espessura e pela distância que separa as placas de contraplacado. Esta distância pode ser variável de acordo com os objectivos pretendidos. O número de camadas de areias e pós pode variar tendo em conta que quanto maior o número de leitos, melhor será a visualização das estruturas geradas. Se aquando da realização desta actividade experimental, em sala de aula, os aparatos utilizados tiverem diferentes ângulos de inclinação da zona de subducção (30º a 60º), será possível, durante a discussão subsequente, a abordagem, por exemplo, da relação entre o ângulo de inclinação da referida zona e a distância a que ocorrerão fenómenos de vulcanismo associados à génese da cadeia de montanhas. Barreiras et al. (2006); Bolacha et al. (2006); Caranova et al. (2006); Caron et al. (2003); Dias & Cardoso (2005); Fonseca et al. (2005); Hamblin & Christiansen (2001).

Aspectos da actividade experimental

Quadro I – Formação de Cadeias de Montanhas: os Himalaias


Formação de Professores A Geologia no Laboratório

Como se forma um diapiro (magmático ou salino)? Problema(s)

A que é devida a deformação nas plataformas encaixantes do maciço de Sintra (dobras com flancos invertidos e falhas inversas)? O princípio do uniformitarismo é a base do pensamento geológico.

Filosofias (epistemologia)

Em Geologia, a reconstituição de um objecto geológico assim como do processo que o originou passa pelo estabelecimento de relações causa-efeito. Os modelos analógicos simulam a formação de objectos geológicos, simplificando-a e obliterando muitas variáveis. A quantificação das variáveis torna mais objectivo o conhecimento que se adquire a partir da simulação de um processo geológico.

Teorias (e princípios)

A instalação do Maciço de Sintra (intrusão magmática) está relacionada com a deformação das rochas circundantes (rochas encaixantes), materializada sob a forma de dobras de flancos invertidos, e de falhas inversas. De acordo com diversos factores (quantidade de água, contida nos sedimentos, velocidade de deformação, tipo de materiais, temperatura, profundidade/andar estrutural) o mesmo processo de deformação pode originar dobras ou falhas. É possível modelar, à escala desejada, um processo de deformação, a várias profundidades da crosta continental. Coloca-se no fundo de uma caixa de acrílico um balão, cuidadosamente ligado a um tubo de plástico. Para melhor observação das estruturas formadas, fixa-se o balão muito próximo de uma das arestas da caixa.

Procedimento (ou acontecimento)

Colocam-se camadas consecutivas de areia, intercaladas com finas camadas de pós de várias cores. O conjunto das camadas deve ter 6 a 7 cm. Insufla-se o balão de modo lento e contínuo. Nota: se a dilatação do balão for controlada por um tecido com alguma elasticidade, produzir-se-ão estruturas melhor definidas.

Orientações para a discussão (ex: variáveis a manipular, limitações do modelo, etc.)

Para além das diferenças de escala temporal e espacial este modelo analógico apresenta outras limitações, nomeadamente, a simulação do magma é feita através do balão com ar. Também a qualidade da deformação vai depender das condições dos materiais e do modo como foram distribuídos e/ou localizados. Fazendo variar a espessura total das camadas, ou seja, a carga litostática, estamos a fazer variar o tipo de estruturas formadas Este modelo sugere que uma intrusão provoca deformação (compressiva e distensiva) nas rochas encaixantes. É possível visualizar deformações deste tipo no Guincho, na Praia do Abano, na Malveira da Serra e na Praia Grande, por exemplo. É importante discutir com os alunos o grau de similitude entre o balão (e o seu conteúdo) e o corpo magmático/ salino de modo a evitar a aquisição de concepções erróneas.

Referências

Bolacha et al. (2006); Caranova et al. (2006); Caron et al. (2003); Fonseca et al. (2001); Fonseca et al. (2005);

Aspectos da actividade experimental

Quadro II – Diapirismo magmático/salino

53


54

Edite Bolacha e outros

Como evolui a morfologia do leito de um rio? Problema(s)

Quais as variáveis que modificam a dinâmica fluvial? Por que caiu a ponte de Entre-os-Rios? O princípio do uniformitarismo norteia a investigação em Geologia. A construção do conhecimento geológico decorre da utilização de diversas metodologias nomeadamente da observação/descrição e da experimentação.

Filosofias (epistemologia) Teorias (e princípios)

A reconstituição dos processos geológicos passa pela compreensão das diversas relações causa-efeito de um determinado sistema geológico (neste caso, o curso de um rio). A analogia é importante em Geologia para extrapolar, correlacionar e prever. Qualquer curso de água, pequeno ou grande, partilha algumas características básicas de escoamento de fluidos. A erosão vertical é o processo principal na estabilização do perfil longitudinal do rio. À medida que o rio tende para a aquisição do perfil de equilíbrio, o poder erosivo diminui devido à progressiva diminuição do declive. O perfil lateral é influenciado principalmente por processos de erosão e de sedimentação diferencial, dependentes da litologia, tais como a formação de meandros e de terraços fluviais.

Procedimento (ou acontecimento)

Colocar água no modelo analógico de modo a que esta entre, no sistema, em regime laminar. Observar as alterações ao longo de um intervalo de tempo. Registar os comportamentos dos diferentes sedimentos que constituem o leito do rio. Aumentar e reduzir o caudal da água e observar as consequências. Colocar a ponte numa região intermédia do percurso do rio, região essa em que o leito já se encontre relativamente estável no perfil transversal. Retirar sedimentos do leito do rio a jusante do local onde se encontra a ponte.

Orientações para a discussão (ex: variáveis a manipular, limitações do modelo, etc.)

No trabalho experimental realizado na AF, consideraram-se as variáveis inerentes ao canal de escoamento: a) variações de forma do perfil longitudinal, morfologia da sua secção transversal e a sinuosidade do seu traçado e b) fluxo de água: o caudal, a velocidade, a carga sedimentar (Abreu et al., 2004; Cabral, 2001; Christofoletti, 1980). No início decidiu-se fixar estas variáveis, a fim de se assistir à evolução do curso de água simulado. De seguida, introduziu-se uma perturbação no leito (afundamento do leito por extracção de inertes a jusante), de forma a observar o reajustamento do sistema.

Referências

Bolacha et al.(2006); Christofoletti (1980); Fonseca (2004); Fonseca et al. (2005); Silva et al. (2006); Hamblin & Christiansen (2001)

Aspectos da actividade experimental

Quadro III – Dinâmica fluvial


Formação de Professores A Geologia no Laboratório

Problema(s)

Como se formam as dunas? Como se movimentam as dunas? O princípio do uniformitarismo é a essência do pensamento geológico.

Filosofias (epistemologia)

Em Geologia utilizam-se como principais métodos, a observação, a descrição e a experimentação. Os modelos analógicos permitem simular processos e objectos geológicos, desde que discutidas as suas limitações. A quantificação de variáveis permite tornar mais objectivo o conhecimento construído a partir da simulação de processos geológicos. As dunas são o resultado do transporte e deposição de areias por acção do vento. A sua forma dependerá da direcção preponderante do vento e da existência ou não de obstáculos.

Teorias (e princípios)

Consoante a intensidade do vento e a forma e dimensão das partículas, os materiais são transportados de diversas maneiras: reptação, saltação e suspensão. Para que a areia não invada terrenos agrícolas, como acontece frequentemente em vários locais da costa portuguesa, é necessário colocar obstáculos naturais (plantando vegetação) ou antrópicos (colocando vedações). Deitar uma porção de areia sobre uma superfície lisa. Distribui-la de modo a formar uma barreira de areia.

Procedimento (ou acontecimento)

Orientações para a discussão (ex: variáveis a manipular, limitações do modelo, etc.) Referências

Dirigir o fluxo de ar de um secador de cabelo perpendicularmente à barreira de areia e durante algum tempo. Numa zona da barreira, colocar um obstáculo que pode ser uma vedação feita com pauzinhos de gelados ou bloco de madeira, ou pequenas plantas para simular vegetação. No trabalho experimental realizado na AF usou-se um fluxo de ar unidireccional para formar dunas longitudinais, perpendiculares à direcção do vento, e simétricas. Variáveis como a quantidade de areia, a direcção do vento e a existência ou não de obstáculos fazem variar a forma e a progressão das dunas. Os materiais são transportados por vários processos e quanto maior for a sua dimensão, mais próximos ficam da fonte de fluxo de ar. Bolacha et al. (2006); Hamblin & Christiansen (2001); LPN (1991); Prost (1999); Silva et al. (2006);

Aspectos da actividade experimental

Quadro IV- Dinâmica eólica e dunar

55


56

Edite Bolacha e outros

Problema(s)

Como é que as alterações climáticas influenciam a variação da linha de costa? Como varia o impacte da subida do nível do mar em zonas com diferentes topografias? O princípio do uniformitarismo é a essência do pensamento geológico.

Filosofias (epistemologia)

A construção do conhecimento geológico decorre da utilização de diversas metodologias nomeadamente da observação/descrição e da experimentação. A previsão (extrapolação) dos processos geológicos passa pela compreensão das diversas relações causaefeito de um determinado sistema (a nível local, regional ou global). A analogia é importante em Geologia para extrapolar, correlacionar e prever, desde que se considerem as suas limitações espaço-temporais.

Teorias (e princípios)

O aumento do efeito de estufa tem sido responsável pelo aquecimento global. O aquecimento global tem acelerado o degelo das calotes polares e dos glaciares de montanha, conduzindo à subida do nível médio das águas do mar. Colocar amaciador azul (para simular a água) no recipiente até ao nível assinalado. Colocar a massa de gelo num dos cantos do tabuleiro.

Procedimento (ou acontecimento)

Dispor alfinetes com cabeça da mesma cor a marcar a cota atingida pelo nível inicial da “água do mar” em diferentes locais do modelo da ilha. Com o auxílio do secador acelerar a fusão do gelo. A intervalos regulares de tempo, marcar a cota da linha de costa com alfinetes com cabeça da mesma cor (cor essa que deve ser diferente da cor usada no momento imediatamente anterior).

Orientações para a discussão (ex: variáveis a manipular, limitações do modelo, etc.) Referências

No trabalho experimental realizado na AF usou-se gelo que, enquanto flutuava à superfície da “água”, foi fundindo. A fusão do gelo marca o início da subida do nível da linha de água. O aumento da temperatura do ar acelerou a fusão do gelo e o “nível médio das águas do mar” começou a subir mais rapidamente. Esta subida teve um impacte diferente consoante a topografia da área em estudo. A temperatura do ar e a topografia da área em estudo foram variáveis com impacto na subida do “nível médio das águas do mar”. Bolacha et al. (2006); Clarke, T. (2002); Flannery, T. (2005); Silva et al. (2006).

Aspectos da actividade experimental

Quadro V- Alterações climáticas e variação do nível do mar


Associação portuguesa de geólogos

Geonovas no 20, pp. 57 a 72, 2006

A Petrografia na Avaliação da Reactividade de Agregados para Betão Isabel Fernandes Departamento de Geologia, FCUP, Rua do Campo Alegre, 687, 4169-007 Porto, Portugal ifernand@fc.up.pt

Resumo A utilização das técnicas de petrografia no estudo do betão teve início no final do século XIX e tem vindo a ser desenvolvida desde então, com diferentes objectivos. A avaliação da reactividade potencial dos agregados é apenas uma das aplicações da petrografia ao betão, sendo ainda utilizada no estudo dos constituintes do clinquer e no diagnóstico da deterioração do betão. A reactividade potencial dos agregados está relacionada com a existência de formas de sílica amorfa ou pobremente cristalina. Pode ser verificada através de ensaios laboratoriais de expansibilidade, com resultados pouco satisfatórios em rochas de reacção lenta/retardada como os granitos. O presente trabalho pretende resumir o estado do conhecimento acerca da identificação de agregados potencialmente reactivos com aplicação de técnicas petrográficas. São referidos aspectos relativos à composição do betão para enquadramento e melhor compreensão da eventual reacção dos agregados com os componentes do cimento. Palavras-chave: petrografia, betão, agregado, reactividade potencial Abstract The application of petrographic techniques to concrete started at the XIX century and since then has been developed with various goals. One of the applications is the evaluation of the potential reactivity of aggregates to alkaline environments but it is also used in the study of clinker and in the detection of deterioration signs in concrete structures. The potential reactivity is due to the presence of amorphous or low crystalline forms of silica. Expansibility tests can be performed to confirm the results of petrographic analysis, though with unsatisfactory results in low/delayed reactive rocks as granite. This paper presents the state-of-the-art in the identification of potentially reactive aggregates by petrographic techniques. The composition of the concrete is referred in order to allow a better understanding of the phenomena involved in the reactions with cement components. Keywords: petrography, concrete, aggregates, potential reactivity Recebido: Outubro, 2006. Aceite: Dezembro, 2006

Introdução A distinção entre ligante, argamassa e betão é relativamente recente, datando do final do século XVIII. Até então, a palavra cimento designava qualquer destes materiais. O primeiro ligante inerte, encontrado nas escavações realizadas na Turquia, na cidade de Catal Hüyük (cerca de 6000 anos A.C.), foi o gesso não calcinado. Não se possuem elementos para precisar quando teve origem a aplicação dos ligantes quimicamente activos – cal e gesso calcinado – sendo possível que a sua descoberta esteja ligada à utilização racional do fogo.

O exame de monumentos demonstra que os egípcios utilizavam como ligante nas suas construções o gesso impuro calcinado, aparecendo, por exemplo, a unir os blocos da pirâmide de Quéops (2600 A.C.). Os gregos e os romanos usavam a cal obtida por calcinação de pedras calcárias às quais adicionavam areia e certas terras de origem vulcânica, o que melhorava a sua resistência, mesmo quando submetidas à acção da água. Estas argamassas eram de excelente qualidade, tendo algumas resistido até aos nossos dias.


58

Isabel Fernandes

Na Idade Média a aplicação de ligantes foi muito limitada e o produto utilizado de baixa qualidade, até meados do século XVIII, quando da construção do farol de Eddystone (Eddystone Lighthouse) por John Smeaton. Por as argamassas utilizadas neste farol terem de resistir à acção da água, o construtor estudou o endurecimento da cal hidráulica, então formada exclusivamente por cal e pozolana. Durante o século XIX assistiu-se ao desenvolvimento dos ligantes hidráulicos, com a criação, em 1824, de um “cimento de qualidade superior, semelhante à Pedra de Portland”, por Joseph Aspdin. O protótipo do cimento actual foi fabricado em 1845 por Isaac Johnson (Neville, 1999), que aqueceu os ingredientes a uma temperatura suficientemente elevada para que ocorresse fusão parcial. Após a invenção do cimento portland, a utilização do betão como material de construção torna-se possível não só por ser um ligante hidráulico, mas também pelas elevadas resistências mecânicas atingidas.

Existem registos ainda mais recentes na Bélgica, em que o primeiro caso de reacção álcali-agregado foi detectado em 1984, e na República Checa, com o primeiro caso identificado em 1999. Em Portugal, a identificação de degradação em estruturas de betão devida a reacções álcali-agregado é relativamente recente e o percurso difícil de reconstituir, dado que, na sua maioria, os documentos sobre este assunto constituem relatórios confidenciais. Foi durante a década de 90 do século XX que foram divulgados, pela primeira vez, em artigos técnicos e científicos, casos de obra nos quais foi diagnosticada deterioração do betão devida a reacções álcali-agregado (Silva e Rodrigues, 1993). Principais constituintes do betão

O betão é constituído por uma mistura de partículas em geral rochosas - os agregados - cimento, água e, eventualmente, adjuvantes e adições. Os agregados constituem cerca de 75% do volume Sendo o betão considerado nas primeiras déca- do betão. Designa-se por argamassa a mistura na das do século XX como um material de elevada qual são utilizadas partículas de agregado de didurabilidade, foram publicados na década de 30 mensão igual ou inferior a 4 mm. os primeiros trabalhos acerca da existência de fenómenos de deterioração do betão por reacções O cimento é um material inorgânico, granular e entre os agregados e o cimento, o que foi con- muito fino, com propriedades adesivas e coesivas firmado por estudos desenvolvidos em betão de que o tornam capaz de ligar fragmentos de rochas pavimentos na Califórnia na década de 40 (ACI, e/ou minerais e formar um todo compacto (Ne1998). Desde então, as questões relativas à dete- ville, 1999; NP EN 197-1, 2001). rioração do betão por reacções internas têm vindo Os cimentos são ligantes que endurecem em rea ser investigadas com o objectivo de determinar sultado de reacções químicas com a água, sendo as causas, estudar métodos de detecção e imple- ligantes hidráulicos por endurecerem dentro de mentar medidas de recuperação das obras afecta- água e serem resistentes à sua acção. das por este fenómeno. A designação de “cimento portland” deve-se à seAs reacções entre os agregados e a pasta de cimen- melhança de cor e qualidade entre o cimento ento, designadas por reacções álcali-agregado, afec- durecido e a pedra de Portland, um calcário extam todos os tipos de estruturas, destacando-se plorado em Dorset. Este tipo de cimento é obtido as barragens, pontes, estradas e quebra-mares. A pela mistura proporcionada de materiais calcábarragem de Parker, nos Estados Unidos da Amé- rios (cerca de 80%) e materiais argilosos (cerca de rica, foi uma das primeiras estruturas em que estas 20%), ou outros que contenham sílica, alumina reacções foram identificadas, em 1941. Processos e ferro, reduzida a pó e submetida a temperatura idênticos foram reconhecidos na Dinamarca em elevada da ordem de 1450ºC (Neville, 1999). As 1950 e na Alemanha em 1960 (Hobbs, 1988). Em matérias reagem entre si e fundem parcialmente França, este fenómeno foi reconhecido pela pri- para produzir, por arrefecimento rápido, o clinmeira vez na barragem de Chambon em 1976 e no quer (Coutinho, 1988). O produto habitualmenReino Unido, em 1971, foi atribuída a reacções te conhecido por cimento resulta da mistura do álcali-agregado a fissuração do betão da barra- clinquer com uma quantidade de gesso próxima gem de Val de la Mare, em Jersey (Sims, 1992). de 5%, actuando, este último, como retardador


A Petrograf ia na Avaliação da reactividade do Betão

Óxidos

Teor (%)

CaO (cal)

60 - 67

SiO2 (sílica)

17 - 25

Al2O3 (alumina)

3-8

– e adições do tipo II – adições pozolânicas ou hidráulicas latentes.

A adição do tipo I mais utilizada é um filler calcário, material finamente dividido com, apro0,5 – 6,0 Fe O ximadamente, a mesma finura do cimento que, Tabela 1 – Composição habitual do cimento portland (Neville, 1999). em virtude das suas propriedades físicas, tem um efeito benéfico em algumas propriedades do de presa, ao intervir sobre a hidratação do alumi- betão, como, por exemplo, a trabalhabilidade, a nato tricálcico (St John et al., 1998) e, eventual- compactação (Neville, 1999) e a tendência para mente, outros aditivos para facilitar a moagem. A fissurar. composição do cimento é frequentemente apresentada sob a forma de óxidos (Neville, 1999), As adições do tipo II mais comuns são as pozolanas naturais, artificiais ou subprodutos indusconforme indicado na Tabela 1. triais – cinzas volantes e sílica de fumo - e a escóExistem ainda outros óxidos, não necessariamente ria de alto forno. Qualquer destas adições é utide menor importância, metais alcalinos, magné- lizada para melhorar o comportamento químico sio, manganés, titânio, fósforo e, eventualmen- do betão, diminuindo o conteúdo em hidróxido te, sulfatos, que constituem apenas uma pequena de cálcio, para baixar o calor de hidratação, papercentagem da massa do cimento (Coutinho, râmetro importante quando se colocam grandes 1988; Neville, 1999). volumes de betão, ou para diminuir o custo de Por reacção com a água, os óxidos formam com- produção do cimento (St John et al., 1998). A popostos dos quais se destacam (Neville, 1999) (Fi- zolana consiste essencialmente em sílica e alumina. É constituída por partículas finas que têm a gura 1): característica de reagir com o hidróxido de cálSilicato tricálcico: cio em presença de água, e formar produtos de (C3S) – 3CaO.SiO2 (50 a 70%); hidratação com propriedades ligantes. As cinzas volantes constituem os resíduos da combustão do Silicato bicálcico: carvão pulverizado nas centrais térmicas. A sílica (C2S) – 2CaO.SiO2 (15 a 30%); de fumo é um material amorfo rico em sílica, com partículas de 0,02-0,05mm e com propriedades Aluminato tricálcico: hidráulicas. A escória de alto forno tem os mes (C3A) – 3CaO.Al2O3 (5 a 10%); mos componentes do cimento mas em proporções diferentes, o que origina um material com Aluminoferrato tetracálcico: propriedades hidráulicas e velocidades de reacção (C4AF) – 4CaO.Al2O3.Fe2O3 (5 a 15%). extremamente baixas. A sua inércia natural pode (Nota: abreviaturas correntemente utilizadas na quí- cessar sob a influência catalítica de um meio de mica do cimento - CaO = C; SiO2 = S; Al2O3 = A; pH elevado, como sucede no betão. Fe2O3 = F; H2O = H; SO3 = S) A designação clássica de “inerte” deu lugar à de O betão pode ainda conter adjuvantes e adições, agregado, por se entender que aquela designaque são materiais aplicados com diversos objecti- ção não correspondia ao comportamento real de vos e que modificam certas características da pas- algumas rochas e minerais no seio do betão, ou ta de cimento, da argamassa ou do betão devido a seja, os agregados nem sempre são quimicamente uma acção química ou físico-química (Coutinho, estáveis durante a vida útil da estrutura. 1988). No domínio de conhecimento do betão, designaAs adições, também designadas por substituições, se geralmente por agregado o material granular são substâncias que devem ser acrescentadas à pas- constituído por substâncias naturais, artificiais ta de cimento em quantidades superiores a 5% da ou recicladas, com partículas de tamanho e formassa de cimento (Neville, 1999). São classifica- ma adequadas para o fabrico do betão. Considedas em adições do tipo I – materiais quase inertes ram-se naturais os de origem mineral que foram 2

3

59


60

Isabel Fernandes

Composição de um CPA C 3S e C 2 S e C2S

C 3A

C 3A e CaSO 4.2 H2O

C4AF

C4AF + CaSO 4.2 H2O

Adição de água

Composição de uma pasta de cimento endurecida

Silicatos de cálcio hidratados Ca(OH)2

Aluminatos de cálcio hidratados

Sulfoaluminatos de cálcio hidratados Aluminato de cálcio hidratado

Aluminoferratos de cálcio hidratados

Sulfoaluminoferratos de cálcio hidratados Aluminoferrato de cálcio hidratado

Fig. 1 - Formação dos principais compostos do betão (CPA – cimento portland anidro). Adaptado de Larive, 1990.

sujeitos apenas a processamento mecânico; artificiais os de origem mineral que resultaram de processos industriais, compreendendo modificações térmicas ou outras; e reciclados os resultantes de processamento de materiais inorgânicos anteriormente utilizados na construção (NP EN 12620, 2004). Os agregados correntes diferem dos leves e dos pesados porque os leves têm massa volúmica inferior a 2000 kg/m3 e, os pesados, superior a 3000 kg/m3 (NP EN 206-1, 2005).

que ficam retidos no peneiro de 4 mm (NP EN 12620, 2004). Os agregados constituem pelo menos três quartos do volume do betão (St John et al., 1998) (Figura 2). A utilização dos agregados na composição do betão deve-se a razões de ordem económica, dado que os agregados são mais baratos do que o cimento, e a aspectos de ordem técnica como, por exemplo, a diminuição da retracção das pastas de cimento. As propriedades físicas e químicas são controladas pela composição mineralógica, pelo grau de alteração e pela textura das partículas minerais e rochosas. A análise petrográfica, que deve estar a cargo de um petrógrafo com conhecimentos relativamente à composição e características do betão, permite estudar as propriedades principais dos agregados, prever, dentro do possível, o seu desempenho e identificar a presença de impurezas e constituintes indesejáveis ou prejudiciais (Sims e Brown, 1998).

Embora tenha havido tentativas para uma sistematização dos agregados por grupos de características semelhantes, as classificações actuais em petrografia do betão baseiam-se na divisão tradicional quanto à origem em rochas ígneas, sedimentares e metamórficas, apresentando uma listagem de termos petrográficos simples, aplicáveis à maior parte dos tipos de rocha usados como agregados (NP EN 932-3, 2002). É recomendado que a classificação do agregado contenha A classificação dos agregados de origem mineral três elementos essenciais: a descrição do tipo de difere, no entanto, conforme o ponto de vista agregado; a descrição das características físicas e a considerado. A forma mais simples refere-se ex- classificação petrológica (Smith e Collis, 2001). clusivamente à origem, podendo distinguir-se os Verifica-se que a designação petrológica de uma agregados obtidos a partir da exploração de mate- rocha é insuficiente quando é necessário classifiriais granulares que existem em depósitos natu- cá-la, em termos de reactividade, em inócua, porais e os agregados resultantes de britagem de ro- tencialmente reactiva ou reactiva. A experiência cha explorada em pedreira. Nesta perspectiva, a tem mostrado a existência de uma forte condiciodistinção entre um agregado britado e uma areia natural é feita essencialmente com base na observação da forma das partículas e da uniformidade de composição. Dentro do conjunto de materiais granulares, fazse a classificação quanto à dimensão das partículas, o que permite distinguir os agregados finos dos agregados grossos. A divisão é feita a partir de peneiração, e consideram-se agregados grossos os

Fig. 2 – Carote de betão indicativa da proporção de agregados relativamente ao volume do betão.


A Petrograf ia na Avaliação da reactividade do Betão

nante regional e local, sendo que um mesmo tipo de rocha tem classificação diferente em países diversos. O exame petrográfico pormenorizado, com a descrição exaustiva da litologia e textura, é, por esta razão, essencial, como complemento da designação. No entanto, a forma mais correcta de conhecer a adequabilidade para o fabrico do betão deve ser baseada no conhecimento do desempenho em obra (Neville, 1999). Para os novos materiais, a avaliação deve ser fundamentada na experiência do petrógrafo e na sua comparação com materiais idênticos. Aplicação da petrografia ao estudo do betão Os componentes do betão provêm, em geral, directa ou indirectamente de formações rochosas, pelo que o estudo do betão tem, necessariamente, uma vertente que se enquadra no âmbito da Geologia. Refere-se em particular a importância da intervenção do geólogo no estudo dos agregados para avaliação da reactividade potencial aos álcalis, tirando partido das potencialidades de equipamentos como o microscópio óptico de polarização e de reflexão, a microssonda electrónica, o microscópio electrónico de varrimento e a difracção por raio-X. Apesar da subjectividade que lhe é intrínseca, a petrografia é a técnica menos discutida e aquela cujos resultados melhor traduzem o comportamento dos agregados em obra. No entanto, a melhor forma de conhecer as características de um agregado é a verificação do seu desempenho em obra, ou seja, a análise do seu comportamento em betão fabricado há algumas dezenas de anos.

• Caracterização dos agregados quanto a tipos de rochas, composição mineralógica e grau de alteração; • Forma, textura superficial e granulometria das partículas de agregado (naturais ou britadas) (Figura 3); • Presença ou ausência de agregados artificiais e adições do cimento; • Natureza, tipo e proporção dos poros; • Identificação do tipo de cimento e da relação água/cimento; • Identificação de grãos de cimento não hidratados (Figura 4); • Existência de segregação ou orientação preferencial das partículas de agregado ou lixiviação de componentes do betão; • Investigação de problemas de durabilidade química e física; • Indicação de existência de carbonatação; • Evidência de ataque por sulfatos, reacções álcali-agregado (Figura 5) e sua extensão. Na Tabela 2, apresenta-se um resumo das técnicas que podem ser utilizadas no estudo do betão e sua principal aplicação. Reacções álcali-agregado

As reacções álcali-agregado são reacções expansivas, nas quais intervêm os iões sódio e potássio presentes na solução intersticial do betão e alguns A aplicação das técnicas de petrografia ao estu- minerais dos agregados (St. John et al., 1998). Os do dos agregados teve início em 1935 e maior de- hidróxidos de sódio, potássio e cálcio provêm senvolvimento a partir de 1940, com trabalhos essencialmente do cimento portland. Os álcalis publicados inicialmente por Rhoades e Mielenz, podem, por vezes, ter origem também nos agregados (Sims e Brown, 1998). 1946. Estas técnicas são também aplicadas em alguns países como processo de rotina na identificação de indícios de reacção álcali-agregado, através da observação de lâminas delgadas e polidas de betão. No entanto, a sua utilização é mais vasta, sendo possível identificar as seguintes características (St John et al., 1998):

No estado actual do conhecimento, consideramse três tipos de reacção álcali-agregado, dependendo da composição dos agregados presentes (Hobbs, 1988; Poole, 1992; ACI, 1998; St John et al., 1998):  • Reacções álcali-carbonato;

 • Reacções álcali-sílica; • Volume relativo de agregados grossos, finos, cimento e poros;  • Reacções álcali-silicato.

61


62

Isabel Fernandes

etringite

a

a

gel

b

b

Fig. 3 – Identificação da natureza dos agregados finos (resultantes de britagem ou de depósitos naturais), com base na sua forma: a) grãos angulosos e de textura superficial rugosa; b) grãos de bordos arredondados.

c

Fig. 4 – Presença no betão de grãos de cimento (c) não hidratados.

Fig. 5 – Identificação de reacções internas no betão: (a) Ataque por sulfatos, com etringite em cristais aciculares ; (b) Reacções álcali-agregado, com formação de gel sílico-alcalino e fissuras.

A reacção mais frequente designa-se por reacção álcali-sílica. Trata-se de uma reacção química entre os hidróxidos alcalinos, libertados durante a hidratação do cimento portland, e formas de sílica reactiva presentes nos agregados. Este fenómeno é atribuído à maior solubilidade das formas de sílica amorfa, desordenada ou fracamente cristalina em soluções de elevado pH, formando-se um gel que absorve água e expande (Sims e Brown, 1998), podendo gerar tensões suficientemente elevadas para originar fissuração das partículas de agregado e do betão e causar danos à estrutura (West, 1996). As reacções álcali-agregado dão origem a mecanismos de deterioração lentos e não catastróficos


A Petrograf ia na Avaliação da reactividade do Betão

*

*

*

Lupa binocular com superfícies polidas

*

Lâminas delgadas Lâminas/superfícies polidas

+ *

+

* *

*

o

o

*

*

o

o

*1

*1

Mic. electrónico de varrimentoo Microssonda electrónica

*

o o

o

*

*2

*

*2

*

+ *

+

Microscopia de fluorescência

*

Retracção

Lixiviação

*

* *

* *

Acção do fogo

*

*

Acção do gelo

*

Lupa binocular

Carbonatação

Reacção álcali-sílica

Estudos de deterioração

Ataque químico

Razão água / cimento

Razão agregado grosso / fino

Razão agregado / cimento

Poros

Tipo de agregado

*

Proporção da mistura

Sílica de fumo

*

Pozolanas naturais

Escórias de alto forno

*

Cinzas volantes

Cimento aluminoso

Inspecção visual

Substituições do cimento

Cimento branco

Cimento Portland resistente aos sulfatos

Cimento Portland de endurecimento rápido

Cimento Portland de clinquer

Cimentos

*

*

*

*

*

*

*

*

* o

*

o

* Método preferido ou combinação de métodos; o Método alternativo; + Análise difícil, mas melhor método ou combinação conhecidos. Notas: 1 – Método preferencial para análise quantitativa; 2 – Necessita de outros métodos Tabela 2 – Selecção de métodos microscópicos para análise do betão (Concrete Society, 1989).

Silva e Rodrigues, 1993

Le Roux et al., 1999

Rochas:

Rochas:

Jaspe (opala, cherte, calcedónia), lidito (opala, cherte, calcedónia), ftanito (opala, cherte, calcedónia), diatomito (opala, cherte, calcedónia), xistos siliciosos (>30% quartzo tectonizado) (cherte, sílex), filito (>30% quartzo tectonizado) (cherte, sílex), grauvaque (>30% quartzo tectonizado) (cherte, sílex), corneana (>30% quartzo tectonizado) (cherte, sílex), quartzito (>30% quartzo tectonizado) (cherte, sílex), granitóide (>30% quartzo tectonizado) (cherte, sílex), vulcanitos (riólito, dacito, andesito, basalto), calcário (silicioso) (sílex, cherte), dolomito (silicioso) (sílex, cherte).

Magmáticas: granitos, granodioritos, riólitos, dacitos, andesitos, traquiandesitos, basaltos, obsidiana, tufos vulcânicos, retinitos. Metamórficas: Gnaisses, micaxistos, quartzitos, corneanas. Sedimentares: Grés, quartzitos, grauvaques, siltitos, xistos quartzosos, ardósia, sílex, calcário, calcário dolomítico, dolomito.

Minerais: Opala, calcedónia, sílex, cherte, quartzo tectonizado, tridimite, cristobalite, obsidiana.}

Tabela 3 – Minerais e rochas considerados potencialmente reactivos aos álcalis.

e frequentemente ocorrem sem provocar danos significativos na estrutura. Os efeitos das reacções surgem normalmente 5 a 15 anos após a construção, mas por vezes este período pode ir até 25 a 40 anos (Poole, 1992).

microestruturais específicas do que pela composição petrológica e mineralógica.

Desde que as reacções álcali-agregado foram identificadas pela primeira vez, têm surgido diversas propostas para o agrupamento dos agregados, na tentativa de identificar tipos que sejam tradicioAtendendo à eventualidade de ocorrência de nalmente reactivos, com base no seu desempenho reacções álcali-sílica, um dos requisitos rela- em obra. Apesar destas classificações serem aintivamente às características dos agregados para da controversas, existe um conjunto de rochas e o fabrico de betão é que não sejam reactivos no minerais considerados, em geral, potencialmente meio fortemente alcalino a que ficarão expostos. reactivos por conterem formas de sílica reactivas A reactividade de um agregado, ou seja, a veloci- (Tabela 3). dade com que reage, depende da composição, da Os minerais mais citados na literatura como poorigem e da textura da rocha (ACI, 1998), sendo tencialmente reactivos são os minerais do grupo mais influenciada pelas características texturais e da sílica – opala, calcedónia, cristobalite, tridi-

63


64

Isabel Fernandes

mite, quartzo microcristalino e quartzo deformado e recristalizado – e também as rochas que contêm quartzo fortemente deformado, como: grauvaques, filitos, xistos, gnaisses e arenitos. São ainda consideradas potencialmente reactivas as rochas vítreas como riólito, andesito, alguns vidros artificiais e também cherte, ardósia e alguns tipos de calcário (Smith e Collis, 2001). As várias formas de sílica podem, muitas vezes, ser identificadas por exame microscópico, embora esta identificação seja dificultada quando existe quartzo criptocristalino. Têm sido propostos vários métodos para estimar a reactividade potencial de agregados siliciosos, medindo o grau de cristalinidade e os defeitos da malha cristalina. Estes métodos baseiam-se no conceito de energia livre do quartzo, que condiciona a sua solubilidade e a reactividade potencial (Grattan-Bellew, 2001). As formas de sílica identificadas como reactivas têm uma malha cristalina defeituosa ou são vítreas ou amorfas, pelo que a opala, a calcedónia e o jaspe são consideradas as formas de sílica mais reactivas aos álcalis. O quartzo em mirmequites, devido à sua baixa cristalinidade e instabilidade, deve ser considerado na avaliação da reactividade potencial (Wigum, 1995). Não existe, no entanto, uma relação linear entre a proporção de um dado constituinte reactivo, a magnitude da reacção álcali-sílica e a consequente expansão (Sims e Brown, 1998). Para algumas rochas, como os quartzitos, a expansão aumenta progressivamente com a proporção de constituintes reactivos no agregado. Já no caso, por exemplo, de existir opala, há uma concentração de constituinte reactivo que conduz à máxima expansão, a qual decresce abruptamente para concentrações mais altas ou mais baixas do mineral. A proporção de sílica reactiva, na quantidade total do agregado, à qual corresponde a máxima expansão, é designada por “conteúdo péssimo” ou “efeito péssimo” (Hobbs, 1988; Le Roux, 2001; RILEM A AR-1, 2003) (Figura 6). Para cada agregado existe um “conteúdo péssimo”, ou seja um teor crítico de material reactivo presente num agregado ou mistura de agregados que pode originar uma expansão máxima. Para agregados fortemente reactivos, como os que contêm opala, a percentagem correspondente ao teor péssimo é em geral inferior a 10%, mas, para

Fig. 6 – “Conteúdo péssimo”: a relação água/cimento e agregado/cimento são de 0,4 e 2,75, respectivamente; o teor em álcalis é de 6 kg/m3 (Hobbs, 1988).

agregados pouco reactivos, pode atingir os 100% (BRE Digest 330, 1991; Poole, 1992). Quando a proporção de sílica reactiva é superior ao “conteúdo péssimo”, a concentração de iões hidróxidos não é suficiente para manter a reacção e a expansão decresce. A expansão está relacionada não só com a quantidade de gel produzida pela reacção mas também com a sua composição. Se existe consenso quanto à reactividade das formas de sílica, é ainda polémica a definição de reactividade de um conjunto de rochas comuns que mostram indícios de deformação. O relatório da Concrete Society, 1987, apresenta uma lista de rochas e minerais com baixa probabilidade de reactividade (Tabela 4) e o relatório BRE Digest 330, 1991, refere um conjunto de rochas com baixa susceptibilidade ao ataque por álcalis: basalto, diorito, dolerito, gabro, gnaisse, granito, calcário, mármore, microgranito, sienito, traquito, tufito, xisto argiloso, argilito e, nos minerais, o quartzo, quando não intensamente deformado.


A Petrograf ia na Avaliação da reactividade do Betão

Andesito Basalto Gesso1 Diorito Dolerito Dolomito

Feldspato2 Gabro Gnaisse Granito Calcário Mármore

Microgranito Quartzo2,3 Xisto Argilito Sienito Traquito Tufo

Notas: 1 O gesso está incluído na lista dado que pode ocasionalmente ser um componente menor dos agregados para betão; 2 O feldspato e o quartzo não são rochas mas grãos minerais que ocorrem principalmente nos agregados finos; 3 Não inclui quartzo fortemente deformado nem quartzito. Tabela 4 – Rochas e minerais com baixa probabilidade de serem reactivos (Concrete Society, 1987).

Identificação petrográfica de agregados potencialmente reactivos É comum o quartzo apresentar extinção ondulante, o que não constitui, por si só, indicação da existência de deformação na rocha. Quando uma rocha é submetida a tensões tectónicas, a deformação do quartzo intensifica-se e a extinção ondulante acentua-se, enquanto que os planos de clivagem das micas e as maclas dos feldspatos encurvam. Por vezes, observa-se também quartzo microcristalino resultante de recristalização, o que conduz ao aumento da área de contacto entre os grãos de quartzo e a solução intersticial (Michel et al., 2003). Diz-se que existe extinção ondulante quando a zona de extinção varia ao longo do cristal, à medida que a platina é rodada, em observação ao microscópio com nicóis cruzados (Wigum, 1995; West, 1991) (Figura 7).

Fig. 7 – Cristal de quartzo exibindo extinção ondulante (NX).

Designa-se por ângulo de extinção ondulante o ângulo entre a posição de primeira extinção e a posição de sombra quase invisível, lido numa platina graduada quando se faz a rotação da primeira para a segunda posição (Dolar-Mantuani, 1981). É habitual utilizar o método desenvolvido para a medição deste ângulo (Figura 8), procedendo em quatro fases:  Posição A – aparecimento da primeira sombra de extinção  Posição B – primeira posição de máxima extinção  Posição C – última posição da máxima extinção  Posição D – desaparecimento da última sombra de extinção, sendo o ângulo dado por: [(C-A)+(D-B)]/2 Pode também ser utilizado o método mais simples e mais antigo, proposto por De Hills e Corvalán, 1964, em que é medida a posição do primeiro aparecimento e do último desaparecimento da sombra de extinção nos grãos de quartzo.

Fig. 8 – Ilustração do procedimento para determinação do ângulo de extinção ondulante (Dolar-Mantuani, 1981).

No que se refere à deformação dos cristais de quartzo, Gogte, 1973, foi o primeiro investigador a sugerir uma relação entre o ângulo de extinção

65


66

Isabel Fernandes

ondulante do quartzo deformado e a reactividade potencial aos álcalis. Concluiu, num estudo envolvendo granitos, charnoquitos e granodioritos, que as rochas que continham 35 a 40% de quartzo com extinção fortemente ondulante, fracturado e granulado, apresentavam forte expansão nos ensaios de reactividade. Nestas rochas, o ângulo de extinção ondulante variava entre 18º e 27º e a plagioclase e a biotite mostravam efeitos da deformação. As rochas com menos de 20% de quartzo deformado, ou em que o quartzo tinha extinção ligeiramente ondulante, mostravam-se inócuas nos ensaios de reactividade. O autor concluiu, assim, que a reactividade potencial destas rochas estava relacionada com a percentagem e efeitos de deformação no quartzo. Durante a década de 80 do século XX diversas publicações debruçaram-se sobre a possibilidade de existir uma relação entre o grau de deformação dos grãos de quartzo, medida pelo seu ângulo de extinção ondulante, e a reactividade potencial das rochas. Dolar-Mantuani, 1981, referia que, embora encontrasse nas rochas analisadas uma relação entre o aumento do valor médio do ângulo de extinção e a reactividade das rochas, este critério podia não ser rigoroso, dada a variabilidade do ângulo de extinção ondulante numa mesma lâmina delgada, em função da orientação dos cristais e da subjectividade do método. Concluía que parecia haver indicação de que as rochas que continham quartzo com ângulo de extinção inferior a 15º eram não reactivas, mas que seria necessário aprofundar os conhecimentos para determinar a partir de que valor seriam consideradas reactivas, dando como referência o valor de 25º. O método de avaliação da reactividade potencial com base no valor do ângulo de extinção ondulante começou, entretanto, a ser contestado. Este facto deve-se à fraca relação encontrada entre o ângulo de extinção ondulante e a expansibilidade de argamassas e betão fabricados com agregados contendo quartzo. O valor do ângulo de extinção é afectado por outros factores para além do grau de deformação da malha cristalina e do observador. Há a considerar a orientação dos grãos relativamente aos seus eixos ópticos e a dimensão dos cristais, obtendo-se valores inferiores do ângulo

de extinção em cristais mais pequenos (GrattanBellew, 2001). Em trabalho desenvolvido sobre granitos e rochas graníticas da Grã-Bretanha, West, 1991 concluiu que o ângulo de extinção não constitui um diagnóstico seguro, mas é apenas indicativo da reactividade de uma rocha, sendo necessário atender também à textura e dimensões dos cristais. A ênfase na dimensão dos grãos de quartzo foi implementada e aprofundada nos últimos anos. Relativamente a este assunto, merece referência o trabalho desenvolvido por Grattan-Bellew, 1992, que defende ser a dimensão dos grãos de quartzo o factor condicionante da reactividade aos álcalis. A solubilidade do quartzo aumenta significativamente para dimensões do grão inferiores a 100 mm, devido à maior superfície exposta. O quartzo microcristalino será, muito provavelmente, o componente reactivo em rochas que contêm quartzo deformado, como os quartzitos, granitos, gnaisses miloníticos e grauvaques. A mesma opinião é partilhada pelos autores do relatório RILEM A AR-1, 2003, em que se afirma que a extinção ondulante do quartzo sugere a presença de quartzo micro ou criptocristalino, mas a medição do ângulo de extinção ondulante não pode isoladamente ser utilizada para quantificar o grau de reactividade dos agregados. No entanto, Fernandes, 2005, em estudo desenvolvido sobre o betão de duas barragens em que foram utilizados agregados graníticos, chegou a conclusão diversa. A avaliação da reactividade potencial dos agregados baseou-se essencialmente na identificação de cristais de quartzo evidenciando extinção ondulante. Apenas num dos agregados foi observado quartzo microcristalino, em muito pequena percentagem. A inspecção às estruturas relevou a presença de indícios de deterioração por reacções álcali-sílica, incluindo a existência de exsudações de gel sílico-alcalino. Deste modo, concluiu que a ocorrência de reacções álcali-sílica seria, nestes casos, devida à reactividade dos cristais de quartzo deformado, mostrando extinção ondulante. Uma das dificuldades na determinação da reactividade potencial de um agregado por métodos petrográficos é a sua quantificação. Wigum, 1995, reviu o estudo petrográfico dos agregados


A Petrograf ia na Avaliação da reactividade do Betão

na Noruega e propôs um método para quantificar os componentes potencialmente reactivos através da mineralogia e da microestrutura. O método proposto tem em atenção a área superficial de cada grão de quartzo, para classes de tamanho definidas, assumindo que tem forma cúbica. A área obtida é multiplicada pela proporção de grãos de quartzo de cada classe granulométrica e as áreas somadas. Multiplicando a área obtida pela quantidade de quartzo estimada por difracção de raio-X, obtém a área total do quartzo em metros quadrados por unidade de volume. Mais tarde, Wigum et al., 2000, apresentam resultados que demonstram que a redução da dimensão dos grãos de quartzo agrava a reactividade, uma vez que aumenta a área superficial dos grãos disponível para a reacção. Os autores encontraram uma boa correlação entre os resultados obtidos nos ensaios acelerados de expansibilidade e dois parâmetros de reactividade para o quartzo: a) o inverso da dimensão média dos grãos de quartzo, 1/d50 (mm-1); b) a área total da superfície dos grãos por unidade de volume (m2/cm3) (Figuras 9 e 10). Silicatos potencialmente reactivos

Fig. 9 – Correlação entre o inverso da dimensão média dos grãos de quartzo, 1/d50 (mm-1), e a expansão média aos 14 dias, para um total de 29 amostras de agregado diferentes, examinadas por três operadores (Wigum et al., 2000).

Fig. 10 – Correlação entre a área superficial total dos grãos de quartzo (m2/cm3) e a expansão média aos 14 dias, para um total de 29 amostras de agregado diferentes, examinadas por três operadores (Wigum et al., 2000).

O estudo da relação entre a existência de quartzo deformado e microcristalino e a reactividade de algumas rochas comuns permitiu analisar o comportamento de outros minerais potencialmente reactivos, em especial do grupo dos filossilica- Monteiro et al., 2001, identificaram biotite com tos e feldspatos alterados e deformados (Wigum, orientação preferencial, devido à existência de 1995). uma foliação, e os ensaios de expansibilidade inUm dos primeiros trabalhos sobre este tema é da dicaram uma relação entre a expansão e a deforautoria de Gillot et al., 1973, que refere a vermi- mação daquele mineral. culite e a esmectite como minerais possivelmente No trabalho de Broekmans, 2002, é referido que relacionados com as reacções com álcalis de caa dissolução da sílica é incrementada em grãos rácter lento/retardado. Segundo estes investigadetríticos pela interacção catalítica de mica dedores, estudos de grauvaques, filitos e argilitos da Nova Escócia forneceram evidência de que, nes- trítica e minerais neogénicos de argila, pois insas rochas, os filossilicatos são, pelo menos par- fluenciam o pH da solução existente nos poros. cialmente, responsáveis pela expansão devida a A investigação desenvolvida por Leemann e Holreacções álcali-agregado. zer, 2003, mostrou que também o feldspato apreReacções envolvendo filossilicatos, incluindo mica, senta indícios de dissolução em solução alcalina, vermiculite, clorite e minerais do grupo das argi- assim como a biotite e a clorite, embora o grau de las, foram referidas, também, em estudos realiza- dissolução mostre que a reacção é mais lenta do que no caso do quartzo. dos no Canadá e na África do Sul (BCA, 1992).

67


68

Isabel Fernandes

Apesar destas observações, e de acordo com os au- pontos ou contagem de grãos, que permite incluir tores do relatório RILEM, A AR-1, 2003, a in- os agregados numa das seguintes categorias: dicação de que os filossilicatos, incluindo mica, Classe I – reactividade aos álcalis pouco prováclorite, vermiculite e outros minerais do grupo vel; das argilas podem participar nas reacções internas do betão, não foi ainda devidamente confir- Classe II – potencialmente reactivo ou de reactividade incerta; mada. Classificação dos agregados quanto à reactividade potencial

Classe III – reactividade muito provável.

Para agregados novos, ou seja, relativamente aos quais não existe experiência de aplicação em O exame petrográfico dos agregados e do betão obra, a classe II é frequente, exigindo a realização tornou-se, em alguns países, um procedimento de ensaios complementares, e a classe III é essende rotina no projecto e construção de estruturas, cialmente limitada a agregados que contenham em estudos forenses em casos de deterioração e na opala ou sílica criptocristalina. previsão da vida útil sob diferentes ambientes. Ainda com base na análise petrográfica, pode reO exame petrográfico dos agregados por si só não ferir-se também a classificação apresentada pelos pode, no entanto, fornecer informação quanto à autores franceses, que distinguem três classes de expansibilidade de um betão, mas apenas prever agregados (Le Roux et al., 1999): o comportamento de certos agregados (Wigum, 1995). Para tal, é necessário que seja feita a des- Não reactivos (NR): os agregados para betões hidráulicos que, sejam quais forem as condições crição completa das rochas e não apenas atribuir de utilização, não conduzem a desordens deum nome de acordo com a terminologia internavido a reacções álcali-sílica; cional, pelo que é imprescindível a participação do geólogo no processo de avaliação das caracte- Potencialmente reactivos (PR): aqueles que são rísticas de um agregado. susceptíveis de, em certas condições, originar danos devido a reacções álcali-sílica; Este exame, realizado geralmente segundo as normas e recomendações ASTM C 294-98, 2002; Potencialmente reactivos ao efeito péssimo ASTM C 295-98, 2002; RILEM A AR-1, 2003; (PRP): os agregados que, embora ricos em síe Especificações LNEC E415-1993 e E461-2004, lica reactiva, podem ser utilizados sem risco de consiste na identificação da presença de espécies danos devido a reacções álcali-sílica, se satisfipotencialmente reactivas nos agregados por obzerem certas condições. servação ao microscópio polarizante. As normas não fornecem, contudo, indicações quanto Existem outros exemplos de classificação dos ao facto das espécies reactivas poderem provocar agregados, verificando-se que não há uma classificação universal quanto à reactividade dos miefectivamente danos por expansão. nerais e das rochas. A classificação de um agreActualmente, o exame petrográfico dos agrega- gado, com base na sua designação petrográfica, dos é o método mais seguro para despistagem da apresenta uma variabilidade regional quanto à reactividade potencial aos álcalis, tal como referisua reactividade, de país para país, pelo que, em do em Fernandes, 2005 e Fernandes et al., 2006. cada caso, deve ser tomada em consideração a exTrata-se de um método de aplicação relativamenperiência e as recomendações nacionais. te rápida, que permite avaliar a reactividade potencial de agregados contendo quartzo, particu- No nosso País, a descrição petrográfica dos agrelarmente os que provocam reacção lenta/retarda- gados está contemplada na norma NP EN 932-3, da. Apresenta como limitação, a dependência da 2002, encontrando-se também as designações das rochas mais frequentemente utilizadas como sensibilidade e experiência do petrógrafo. agregados na Especificação LNEC E 415, 1993. O relatório da RILEM A AR-1, 2003, propõe uma classificação dos agregados com base na aná- A especificação LNEC E 461-2004 apresenta lise petrográfica quantitativa, por contagem de uma relação dos minerais e rochas considerados


A Petrograf ia na Avaliação da reactividade do Betão

potencialmente reactivos (Tabela 5). Quanto à presença de álcalis, são indicados os minerais e as rochas potencialmente fornecedores de álcalis, que podem participar nas reacções álcali-sílica (Tabela 6). Nesta especificação, é referida a metodologia a seguir para a avaliação da reactividade dos agregados, a qual permite uma classificação em:

Minerais

Rochas

Principais minerais reactivos nas rochas

Opala Calcedónia Cherte Quartzo tectonizado Tridimite Cristobalite Obsidiana

Jaspes, liditos, Ftanitos, diatomitos, Xistos siliciosos, Filitos

Opala, calcedónia, cherte, quartzo tectonizado

Grauvacóides Corneanas Quartzitos Granitóides

Quartzo cherte

Vulcanitos (riólito, dacito, andesito, basalto)

Sílica vítrea

Calcários Dolomitos

Inclusões siliciosas (cherte)

Classe I – agregado não reactivo (sílica reactiva <2%, determinada por análise petrográfica segundo a Especificação LNEC E415-1993); Classe II – agregado potencialmente reactivo; Classe III – agregado potencialmente reactivo, com maior probabilidade de ocorrência de reacções expansivas, sendo a distinção relativamente à classe II realizada com base em ensaios de expansibilidade, em complemento da análise petrográfica. Conclusões O exame petrográfico dos agregados é considerado em vários países essencial na avaliação da reactividade potencial dos agregados aos álcalis. Trata-se de uma técnica de aplicação relativamente rápida, com especial importância para os agregados que originam reacções álcali-sílica lentas/retardadas. Efectivamente, embora o exame petrográfico apresente limitações inerentes à subjectividade do próprio método e dependa da experiência do petrógrafo, os resultados obtidos, para as rochas de reacção lenta/retardada, aproximam-se mais do desempenho real dos agregados do que os encontrados a partir dos ensaios de expansibilidade. A classificação das rochas mais comuns relativamente à reactividade potencial é, ainda, alvo de investigação e discussão. O desenvolvimento de extinção ondulante é a manifestação da primeira fase de um processo que, se a tensão for muito elevada, pode levar um grão de quartzo a transformar-se num aglomerado de grãos de pequena dimensão. Os trabalhos realizados nas últimas décadas do século XX indicam que o ângulo de extinção ondulante, que é influenciado pela dimensão dos cristais, não deve ser utilizado como único parâmetro para avaliar a reactividade potencial. Em

tectonizado,

Tabela 5 – Tipos de rochas e minerais potencialmente reactivos aos álcalis (Especificação LNEC E461-2004).

Minerais fornecedores de:

Rochas:

Potássico

Sódio

Sanidina Ortoclase Microclina Leucite Biotite Moscovite

Albite Oligoclase Nefelina Sodalite

Granitóides Sieníticas Traquíticas Corneanas Feldspáticas Leptiníticas Arcózicas Grauvacóides

Tabela 6 – Tipos de minerais e rochas potencialmente fornecedores de álcalis (Especificação LNEC E461-2004).

rochas que sofreram metamorfismo regional, pode ser indicativo de reactividade, uma vez que a extinção fortemente ondulante está quase sempre associada à existência de quartzo microcristalino. A existência de formas de sílica amorfa e a dimensão dos grãos de quartzo devem ser quantificadas para enquadramento nas classificações relativas a reactividade potencial. No entanto, a importância da ocorrência de extinção ondulante nos cristais de quartzo não está, ainda, devidamente esclarecida. Verifica-se que não existe uma classificação universal quanto à reactividade dos minerais e das rochas. Se considerarmos o exemplo da Europa, a situação é de tal modo complexa que o relatório CR 1901, 1995, considera não ser realista procurar especificações totalmente harmonizadas para evitar as reacções álcali-sílica, devendo ser apresentados os princípios gerais, complementados por especificações nacionais. Conclui-se que, apesar das classificações de agregados se basearem na divisão clássica em rochas ígneas, metamórficas e sedimentares, não é suficiente classificar uma rocha como reactiva ape-

69


70

Isabel Fernandes

nas com base na designação petrológica, devendo BRE Digest 330, 1991, “Alkali aggregate reacprivilegiar-se, também, uma descrição das carac- tions in concrete”, Building Research Establishterísticas microestruturais e os resultados da ex- ment, U.K, 7 p. periência de utilização do agregado em obra. Broekmans, M.A.T.M., 2002, “The alkali-siA experiência relativa a constituintes reactivos lica reaction: mineralogical and geochemical difere de país para país e, por esta razão, a apre- aspects of some Dutch concretes and Norwegian ciação final e a classificação devem seguir a ex- mylonites”, PhD. Thesis, University of Utrecht, periência nacional ou regional e respectivas re- 144 p. comendações e especificações, sendo a avaliação Concrete Society, 1987, “Alkali-silica reaction: realizada por um petrógrafo com conhecimentos minimising the risk of damage to concrete. Guiquanto à composição e características do betão. dance notes and model specification clauses”, Agradecimentos A autora agradece aos Professores Doutores Madalena Teles e Fernando Noronha o apoio prestado durante o desenvolvimento do trabalho, a leitura crítica e a disponibilidade demonstrada para interessantes e produtivas trocas de impressões. Este trabalho foi realizado no âmbito do projecto GRANMAT - POCTI/CTA/45936/ 2002. Referências Bibliográficas

Technical Report nº 30, 3rd Edition, Concrete Society, London, 34 p. Concrete Society, 1989, “Analysis of hardened concrete – a guide to tests, procedures and interpretation of results”, Report of a Joint Working Party of the Concrete Society and Society of Chemical Industry, Technical Report nº 32, Concrete Society, London, 111 p. Coutinho, A.S., 1988, “Fabrico e propriedades do betão”, 3 volumes. Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Lisboa.

ACI, 1998, “State-of-the-art report on alkaliCR 1901, 1995, “Regional specifications and reaggregate reactivity”, Reported by ACI Commitcommendations for the avoidance of damaging tee 221, American Concrete Institute, Michigan, alkali silica reactions in concrete”, CEN Report, 31 p. Comité Européen de Normalisation, Brussels, ASTM C 289-94, 2002, “Standard test method 63 p. for potential alkali –silica reactivity of aggregates De Hills, S.N., Corvalán, J., 1964, “Undula(Chemical method)”, The American Society for tory extinction in quartz grains of some Chilean Testing and Materials, Philadelphia, 7 p. granitic rocks of different ages”, Geological SoASTM C 294-98, 2002, “Standard descriptive ciety of America Bulletin, 75: 363-366. nomenclature for constituents of natural mineral Dolar-Mantuani, L.M.M., 1981, – “Unduaggregates”, The American Society for Testing latory extinction in quartz used for identifying and Materials, Philadelphia, 7 p. potentially alkali-reactive rocks”, Proceedings of ASTM C 295-98, 2002, “Standard guide for the 5th International Conference on Alkali-agpetrographic examination of aggregates for con- gregate Reaction in Concrete, Cape Town. Nacrete”, The American Society for Testing and tional Building Research Institute Pretoria, paMaterials, Philadelphia, 8 p. per S252/36. ASTM, C 1260-94, 2002, “Standard test method for potential alkali-aggregates (Mortar-Bar Method)”, The American Society for Testing and Materials, Philadelphia, 4 p.

Especificação LNEC E 415, 1993, “Inertes para argamassas e betões – Determinação da reactividade potencial com os álcalis. Análise petrográfica”, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, BCA, 1992, “The diagnosis of alkali-silica reac- Lisboa, 6 p. tion. Report of a working party”, British Cement Especificação LNEC E 461, 2004, “Betões. MeAssociation Publication 45.042, 44 p. todologias para prevenir reacções expansivas in-


A Petrograf ia na Avaliação da reactividade do Betão

ternas”. Laboratório Nacional de Engenharia l’alcali-réaction”, Laboratoire Central des Ponts et Chaussées, Paris, 98 p. Civil. Lisboa, 6 p. Fernandes, I., 2005, “Caracterização Petrográfica, Química e Física de Agregados Graníticos em Betões. Estudo de casos de obra”, tese submetida para a obtenção do grau de Doutora em Geologia pela Universidade do Porto, Porto, 334 p.

Leemann, A., Holzer, L., 2003, “Alkali-aggregate reaction – identification of reactive silicates”, Proceedings of the 9th Euroseminar on Microscopy Applied to Building Materials, Trondheim (CD-Rom).

Fernandes, I., Noronha, F., Ribeiro, M.A., 2006, “A petrografia na caracterização de agregados para betão”, In: Mirão, J. & Balbino, A. (Coord.), VII Congresso Nacional de Geologia, Évora, Livro de Resumos, Volume I, 1011-1014.

Michel, B., Thiébaut, J., Wackenheim, C., 2003, “Intérêt de la minéralogie des granulats dans la connaissance des risques de l’alcali-réaction, Bulletin of Engineering Geology and the Environment, Vol. 62 (2): 145-153.

Gillott, J.E., Duncan, M.A.G., Swenson, E.G., 1973, “Alkali-aggregate reaction in Nova Scotia. IV-Character of the reaction”, Cement and Concrete Research, Vol 3 (5): 521-535.

Monteiro, P.J.M., Shomglin, K, Wenk, H.R., Hasparyk, N.P., 2001, “Effect of aggregate deformation on alkali-silica reaction”, ACI Materials Journal, American Concrete Institute, Vol. 98 (2) : 179-183.

Gogte, B.S., 1973, “An evaluation of some common Indian rocks with special reference to alka- Neville, A.M., 1999, “Properties of concrete”, li-aggregate reactions”, Engineering Geology, 4th edn. Pearson Education Limited, Essex, 844 p. Vol. 7: 135-153. Grattan-Bellew, P.E., 1992, “Microcrystalli- NP EN 197-1, 2001, “Cimento. Parte 1: Compone quartz, undulatory extinction & the alkali-si- sição, especificações e critérios de conformidade lica reaction”, Proceedings of the 9th Internatio- para cimentos correntes.”, Norma Portuguesa, nal Conference on Alkali-Aggregate Reaction in Instituto Português da Qualidade, 35 p. Concrete, London: 383-394. NP EN 206-1, 2005, “Betão. Parte 1: EspecifiGrattan-Bellew, P.E., 2001, “Petrographic cação, desempenho, produção e conformidade”, and technological methods for evaluation of con- Norma Portuguesa, Instituto Português da Quacrete aggregates”, In: Ramachandran, V.S. e lidade, 72 p. Beaudoin, J.J. (editors), Handbook of analytical NP EN 932-3, 2002, “Ensaios das propriedades techniques in concrete science and technology. gerais dos agregados. Parte 3: Método e terminoPrinciples, techniques, and applications, Noyes logia para a descrição petrográfica simplificada” Publications, EUA : 63-230. (Ed. 2), Norma Portuguesa, Instituto Português Hobbs, D. W. (Editor), 1988, “Alkali-silica reac- da Qualidade, 14 p. tion in concrete”, Thomas Telford Ltd. London, NP EN 12620, 2004, “Agregados para betão”, 183 p. Norma Portuguesa, Instituto Português da QuaLarive, C., 1990, “Les réactions de dégrada- lidade, 56 p. tions internes du béton – Où, quand, comment, Poole, A.B., 1992, “Introduction to alkali-agpourquoi?”, Relatório do Laboratoire Central gregate reaction in concrete”, In: Swamy, R.N. des Ponts et Chaussées, Série OA-6, Paris, 70 p. (Editor), The alkali-silica reaction in concrete, Le Roux, A., 2001, “Les mécanismes mis en jeu Blackie and Son Ltd., London, pp. 1-29. dans les dégradations dues à l’alcali-réaction”, Se- Rhoades, R., Mielenz, R.C., 1946, “Petrograminário Degradação de Estruturas por Reacções phy of concrete aggregate”, Journal of the AmeriExpansivas de Origem Interna, LNEC, Lisboa. can Concrete Institute, Vol. 17 (6): 581-600. Le Roux, A., Thiebaut, J., Guédon, J.-S., Wa- RILEM A AR-1, 2003, “Detection of potential ckenheim, C., 1999, “Pétrographie appliquée à alkali-reactivity of aggregates – Petrographic me-

71


72

Isabel Fernandes

thod”, TC 191-ARP: Alkali-reactivity and prevention – Assessment, specification and diagnosis of alkali-reactivity, prepared by I. Sims and P. Nixon, Materials and Constructions, Vol. 36: 480-496.

St John, D.A., Poole, A.B., Sims, I., 1998, “Concrete petrography – A handbook of investigative techniques”, Arnold, U.K, 474 p.

West, G., 1991, “A note on undulatory extinction of quartz in granite”, Quarterly Journal of Silva, H.S., Rodrigues, J.D., 1993, “Importân- Engineering Geology, Vol. 24: 159-165. cia, ocorrência em Portugal e métodos de diagnóstico das reacções álcali-agregado em betões. West, G., 1996, “Alkali-aggregate reaction in Contribuição dos conhecimentos geológicos”, concrete roads and bridges”, Thomas Telford Publications, London, 167 p. Geotecnia, Nº 67: 65-76. Wigum, B. J., 1995, “Alkali-aggregate reactions in concrete – properties, classification and testing of Norwegian cataclastic rocks”, PhD. Thesis, University of Trondheim, The Norwegian Sims, I., Brown, B., 1998, “Concrete aggrega- Institute of Technology, Norway, 227 p. tes”, In Peter C. Hewlett (Editor), Lea’s Che- Wigum, B.J., Hagelia, P., Haugen, M., Bromistry of Cement and Concrete, 4th Edition, ekmans, M.A.T.M., 2000, “Alkali aggregate Arnold. London: 903-1011. reactivity of Norwegian aggregates assessed by Smith, M.R., Collis, L. (Editores), 2001, “Ag- quantitative petrography”, Proceedings of the gregates. Sand, gravel and crushed rock aggregates 11th International Conference on Alkali-Aggrefor construction purposes”, 3rd edition, Revised gate Reaction, Québec: 533-542. by Fookes, P.G., Lay, J., Sims, I., Smith, M.R., West, G., Geological Society Engineering Geology Special Publication Nº 17, London, 339 p. Sims, I., 1992, “Alkali-silica reaction – UK experience” In: Swamy, R.N. (Editor), The alkalisilica reaction in concrete, Blackie and Son Ltd., London: 122-187.


Associação portuguesa de geólogos

Geonovas no 20, pp. 73 a 85, 2006

A Qualidade da Água na Bacia Hidrográfica do Rio Sôrdo (Norte de Portugal) I. Caracterização Físico-química e Bacteriológica da Água Superficial Pereira, M. R.*; Saavedra, M. J. **;Alves, C.***; Martins, F.***; Machado, M.*** e Lopes, S.*** Dep. de Geologia UTAD; ** Dep. de Ciências Veterinárias da UTAD e CECAV *** Lic. em Biologia e Geologia (Ensino de)

Resumo A realização de estudos no âmbito da caracterização da qualidade dos recursos hídricos é da maior importancia, na medida em que estes constituem um recurso vital para o Homem. Compreender quais as actividades humanas que mais interferem na qualidade da água e de que forma alteram as suas propriedades, é fundamental para se definirem quais as acções a desenvolver para a protecção dos recursos hídricos. A eleição da bacia hidrográfica como unidade de estudo permite caracterizar os factores naturais e os factores relativos à sua topografia e geologia, assim como identificar as actividades antropogénicas que se desenvolvem dentro da área da bacia. Todos estes factores podem interferir na qualidade da água drenada dentro da bacia. Neste trabalho é feita a caracterização fisiográfica da bacia hidrográfica do rio Sôrdo e a identificação das actividades económicas desenvolvidas na região e das principais origens de poluição da água. A importância do rio Sôrdo para a região de Trás-os-Montes e Alto Douro prende-se essencialmente com o facto de este constituir a principal fonte de abastecimento público de água à cidade de Vila Real e a Santa Marta de Penaguião, servindo actualmente cerca de 14500 habitantes. A caracterização físico-química da água foi feita com base na medição de alguns parâmetros no campo (temperatura, pH, total de sólidos dissolvidos e condutividade eléctrica), e no laboratório (teor em nitrato, em nitrito e em fosfato). A caracterização bacteriológica da água foi feita com base na determinação dos coliformes totais, Escherichia coli e Enterococcus presentes nas amostras analisadas no laboratório (UFC/100ml). A evolução dos parâmetros físico-químicos e bacteriológicos da água do rio Sôrdo ao longo do seu percurso permitiu identificar um aumento da contaminação para jusante proveniente essencialmente dos esgotos e das práticas agrícolas. Palavras-chave: bacia hidrográfica, qualidade da água, poluição Abstract Studies of water quality are of primary importance because water constitutes a vital resource for mankind. The understanding of which human activities interfere more in water quality and how they change water properties is fundamental to determining what should be developed in order to protect water resources. The choice of the watersheds as a basic unit allows characterising the physiographic and geologic factors, as well as the anthropogenic ones that are developed inside the watershed area. All these factors may affect the water quality draining from inside the watershed. Physiographic characterisation of the Sôrdo river watershed was carried out in this study as well as the identification of economic activities developed in the region and the main water pollution sources. The Sôrdo river is very important to the Trás-os-Montes e Alto Douro region because it’s the main source of drinking water to the town of Vila Real and Santa Marta de Penaguião, serving about 14,500 inhabitants. Physico-chemical water characterisation was achieved by the measurement of some field parameters (temperature, pH, total dissolved solids, and electrical conductivity) in addition to some laboratory parameters (nitrate, nitrite and phosphate). Characterisation of bacteriological quality was based on total coliforms, Escherichia coli and intestinal enterococci that are present in samples analysed in lab (CFU/100ml). The evolution of physico-chemical and bacteriological parameters along the Sôrdo watershed permitted the identification of an increase in contamination downstream that comes mainly from sewers and agricultural practices. Key-words: watershed, water quality, pollution Recebido: Outubro 2006; Aceite: Novembro 2006.


74

Maria Rosário Pereira e outros

1 - Introdução

De acordo com os critérios descritos, foi feita a A água foi considerada até há pouco tempo como delimitação da área da bacia hidrográfica do rio um recurso inesgotável, o que levou as popula- Sôrdo (Fig.1), tendo por base topográfica a Folha ções a desvalorizar a necessidade de a poupar. nº 10, à escala 1:100000 publicada pelos ServiTorna-se necessário mudar as mentalidades, para ços Cartográficos do Exército. A área da bacia foi que as populações tomem consciência que a água medida várias vezes com a ajuda dum planímetro potável deve ser preservada cada vez mais, pois os digital e o valor médio é de 51,5 km2. gastos são cada vez maiores, devido ao crescente A bacia hidrográfica do Rio Sôrdo localiza-se aumento da população e à melhoria das condições no Norte de Portugal e pertence ao Concelho de de vida. Também as fontes de poluição são cada Vila Real. Confina, a oriente, com a bacia hivez mais numerosas em resultado do progresso drográfica do rio Corgo e a ocidente com a do e da falta de tratamento dos efluentes urbanos e rio Tâmega, afluentes do rio Douro (Alencoão, industriais e ainda do uso excessivo de adubos na 2005). Os limites da bacia são definidos a Norte, por uma linha de cumeada que é formada pelo agricultura. Monte do Velão (1113,2m), Alto do Sabugueiro O facto da água ser um recurso natural indispen(1085,5m), Mina dos Fontelões (1244,1m), Alto sável para a vida e para grande número de actividada Cota (1189,3m) e Alto das Cabeças (1030,1m) des económicas, implica que deva haver uma gese a Sul pela linha de cumeada definida pela Botão cuidada desse recurso. Para tal, é importante avista (809,4m), Sardano (817,4m), Torgueda conhecer as características dos cursos de água, (793,6m) e Senhora dos Romérios (671,5m). uma vez que estes têm como função conduzir as águas na bacia hidrográfica em que se inserem, As formas de relevo mais características desta reatravés de processos de drenagem (escoamento e gião são as elevações com vertentes íngremes e liinfiltração) e têm funções importantes, enquanto nhas de água muito encaixadas, na zona de Vila elemento estruturante do meio natural. Por ou- Cova, dominando na zona da Campeã, um grantro lado a frequente utilização das águas superfi- de vale aberto que se estende até à povoação da ciais como fonte de abastecimento público torna Foz. A partir desta povoação, voltam a dominar fundamental conhecer o grau e tipo de contami- os vales encaixados até à confluência com o rio Côrgo. nação que apresentam. 2. Caracterização da Bacia Hidrográfica do Rio Sôrdo Uma bacia hidrográfica ou bacia de drenagem é uma área drenada por um curso de água, ou por um sistema interligado de vários cursos de água, de forma que todos os caudais efluentes são descarregados através de uma única saída – a foz (Lencastre & Franco, 1984). De acordo com o mesmo autor, o contorno de uma bacia hidrográfica é definido pela linha de separação de águas que divide as precipitações que caem na bacia das que caem em bacias vizinhas, e que são drenadas superficialmente para um ou outro sistema fluvial. A linha que faz a separação das águas – linha de cumeada -, passa pelos pontos de máxima cota entre as bacias vizinhas, o que não impede que no interior de uma bacia existam picos isolados com cota superior (Lencastre & Franco, 1984).

2.1 Caracterização do Sistema de Drenagem do Rio Sôrdo O Rio Sôrdo nasce a uma cota de, aproximadamente, 1200 metros de altitude, perto do limite do Concelho de Vila Real, a Nordeste de Vila Cova, junto das minas de Fontelões. A sua direcção, desde a nascente até à Campeã, é NE-SW, inflectindo nesta zona para Este, direcção que mantém até Torgueda. Nesta localidade inflecte para Sudeste até Chão das Eiras. Aqui, retoma a sua direcção para Este até à confluência com o rio Corgo, à cota de, aproximadamente, 200 metros, do qual é afluente da margem direita. O percurso faz-se atravessando diferentes tipos de litologias que condicionam as características morfológicas apresentadas pelo curso de água (Fig. 2). Assim, na parte superior da bacia, o rio atravessa quartzitos, xistos e grauvaques, escavando vales encaixados em terrenos com declives acentuados até à localidade de Vila Cova.


Bacia Hidrográf ica do sordo Caracterização da Água Superficial

N

1: 100 000 Fig. 1 – Limite da área da bacia hidrográfica do Rio Sôrdo no extracto da Folha nº 10 à escala 1:100 000. Locais de amostragem de água do rio: 1- Nascente; 4 – Aldeia da Foz; 5 – Albufeira da barragem.

Fig. 1 – Limite da área da bacia hidrográfica do Rio Sôrdo no extracto da Folha nº 10 à escala 1:100 000. Locais de amostragem de água do rio: 1- Nascente; 4 – Aldeia da Foz; 5 – Albufeira da barragem.

te inferior da bacia o percurso é feito através de A bacia hidrográfica do Rio Sôrdo localiza-se no Norte de Portugal e pertence ao formações constituídas por granitos, e o rio corre vale novamente encaixado, à sua foz Concelho de Vila Real, confina, a oriente, com em a bacia hidrográficamais do rio Corgo eaté a ocidente no Rio Corgo. com a do rio Tâmega, afluentes do rio Douro (Alencoão, 2005). Os limites da bacia são definidos 2.2 Perfil Longitudinal e Inclinação Média do a Norte, por uma linha de cumeada que é formada pelo Monte do Velão (1113,2m), Alto do Leito Sabugueiro (1085,5m), Mina dos Fontelões (1244,1m), Alto da Cota (1189,3m) e Alto das O perfil longitudinal relaciona as cotas do respectivo leito com distâncias à foz. Na elaboCabeças (1030,1m) e a Sul pela linha de cumeada definida pelaasBoavista (809,4m), Sardano ração de um perfil longitudinal é conveniente (817,4m), Torgueda (793,6m) e Senhora dos Romérios (671,5m). considerar as suas variações mais significativas, as decorrentes da com eventual exisAs formas de relevo mais característicasnomeadamente desta região são as elevações vertentes Fig. 2 – Limite da área da bacia hidrográfica do Rio Sôrdo ( ) tência de quedas importantes (Lencastre & Frane linhas de deágua muito encaixadas, de Vila Cova, dominando na zona da no íngremes extracto da Carta Geológica Portugal à escala 1:200 000 na co,zona 1984). (Pereira, 2000) com indicação das litologias. Campeã, grande vale aberto que se Armoriestende até à povoação da Foz. para A partir desta povoação, O perfil longitudinal o Rio Sôrdo é apreLegenda: DE – um Formação da Desejosa; Od –Quartzíto cano; a – Depósitos aluvionares do Quaternário; g’4 – Granitos sentado na Fig. 3. A nascente está à cota de 1200 voltam de duas micasa dominar os vales encaixados até à confluência com o rio Côrgo. m e a foz a 200 m, sendo a extensão horizontal de 21 km. A 2.1 partir desta localidade,DO e ao longo de toda a A inclinação média do leito principal entre duas CARACTERIZAÇÃO SISTEMA DE DRENAGEM DO RIO SÔRDO zona da Campeã e Arrabães, o percurso é feito secções calcula-se dividindo a diferença total O Rioatravessando Sôrdo nascerochas a umada cota de, aproximadamente, metros altitude, perto do em vale aberto formação de elevação do1200 leito, entredeambas, pela extendalimite Desejosa, cobertos na vale, porde Vila são horizontal dodas curso de água entre as mesmas do Concelho dezona Vilacentral Real, ado Nordeste Cova, junto minas de Fontelões. A sua depósitos aluvionares (Pereira, 2000). Na par- (Lencastre & Franco, 1984). Este valor quando direcção, desde a nascente até à Campeã, é NE-SW, inflectindo nesta zona para Este, direcção que mantém até Torgueda. Nesta localidade inflecte para Sudeste até Chão das Eiras. Aqui,

75


76

Maria Rosário Pereira e outros

3.1.1 Resinagem Esta actividade pode funcionar como suplemento de “benefícios” financeiros imediatos da floresta, pois o montante das verbas a receber pode ser cerca de 100% para a pessoa que recolhe a resina. A resinagem de pinheiro é uma das actividades económicas que se pratica na zona em estudo, sendo a resina uma matéria-prima natural valiosa por constituir o ponto de partida para a obtenção de uma larga gama de produtos com interesse comercial.

Fig. 3 – Perfil longitudinal do rio Sôrdo da nascente à foz.

convertido em percentagem representa o declive médio. Desta forma calculou-se o valor do declive médio para três secções do rio Sôrdo, que se consideraram representativas das variações do relevo: o percurso inicial (até ao quilómetro 1,3) em que o declive médio é acentuado – 19% -, o percurso intermédio, até ao quilómetro 12,45 em que o declive médio é muito mais suave –3% -, e o percurso final em que o rio se torna de novo mais encaixado e o declive médio volta a ser mais acentuado –5%.

3.1.2 Recolha de Lenhas e Matos Esta é uma actividade económica importante dos baldios na área em questão, oferecendo alguns lucros às populações. O baldio é para usufruto das populações, isto é, é a área dos compartes e portanto qualquer comparte lá pode recolher lenha, matos, etc. A recolha de matos está intimamente ligada à existência de animais nas explorações agrícolas, sendo usados para servir de “cama” ao gado e consequentemente como estrume para os campos e leiras de cultivo.

3.1.3 Apicultura A apicultura diz respeito à obtenção de mel por intermédio de abelhas. Esta actividade aproveita os recursos naturais disponíveis, tornandose mais uma fonte de receita para as populações locais. Nesta região, a maior parte da actividade apícola é caracterizada por explorações de redu3. Caracterização das Actividades Económicas zida dimensão e ainda artesanais. Desenvolvidas 3.1.4 Cinegética Da bacia hidrográfica do Rio Sôrdo fazem parte A caça, como actividade exercida pelo Homem, 5 freguesias do Concelho de Vila Real, que são: evoluiu ao longo dos tempos, do simples acto de Campeã, Torgueda, Vila Cova, S. Miguel da Pena sobrevivência a uma das alternativas que maior e Quintã. Todas estas freguesias são predomi- incremento teve na actividade de lazer. nantemente rurais. 3.2 Outras Actividades Económicas 3.1 Actividades Florestais 3.2.1 Pastorícia A produção de material lenhoso, embora não ex- A pastorícia é considerada uma das maiores e mais clusivo da actividade florestal, constitui um sector antigas actividades da região. fundamental do aproveitamento da potencialida- Podem ser destacadas duas zonas de pastorícia: de produtiva dos sistemas de produção florestal. - zonas de baixa altitude, nomeadamente nos vaA madeira é um recurso muito valioso, que não les da Campeã: aqui há gados que são mantidos se obtém unicamente a partir do corte final de essencialmente de pastos cultivados (ovinos e um povoamento florestal, podendo, também, ser bovinos), fazendo parte da rotação de culturas obtida aquando dos desbastes desse povoamento. em período invernal e início da Primavera.


Bacia Hidrográf ica do sordo Caracterização da Água Superficial

- zonas de maior altitude ocupada pelos matos: o pastoreio tem uma acção diferente, as espécies arbustivas são as mais consumidas, principalmente por caprinos e bovinos. Existem nas regiões em estudo algumas vacarias e pocilgas. 3.2.2 Turismo O turismo pode também ser uma actividade economicamente rentável para as populações ou para os proprietários de estabelecimentos de turismo, quer se trate de turismo rural, turismo de habitação ou agroturismo. Infelizmente, verifica-se uma acumulação de lixo, em resultado de algum turismo que se realiza, como passeios neste local nas épocas em que há neve, ou no verão, nas peregrinações à capela de Nossa Senhora de Lassalete. 3.2.3 Agricultura A agricultura é a principal actividade económica desta região pois os terrenos são bastante férteis. De acordo com o Plano Director Municipal, praticamente toda a freguesia da Campeã está classificada como Reserva Agrícola Nacional (RAN). A zona envolvente continua a ser agrícola, mas não pertencente à RAN. Podemos afirmar que, em termos agrícolas, os terrenos são ocupados com a produção de batata, vinha, milho e forragens para animais. De acordo com os dados fornecidos pela Junta de freguesia da Campeã, as árvores de fruto existentes não têm grande expressão, à excepção do castanheiro. 4. Origens da Poluição da Água Detectadas na Área em Estudo A água é um excelente solvente, podendo conter inúmeras substâncias dissolvidas. Ao longo do seu percurso, a água vai interagindo com o solo e com formações rochosas dissolvendo e incorporando substâncias, ou transportando-as sob a forma coloidal (Instituto Geológico e Mineiro, 2001). Uma água está poluída quando a sua composição foi alterada de tal modo que se torna imprópria para um determinado fim. A qualidade da água refere-se à sua aptidão para determinado uso

como abastecimento público, irrigação, recriação, etc. De uma forma simples, a contaminação da água pode ser definida como a adição de substâncias estranhas que deterioram a sua qualidade. Um contaminante pode ser de origem inorgânica, como chumbo ou arsénio, ou orgânico como coliformes provenientes de esgotos domésticos. A deterioração da qualidade da água pode ser provocada de modo directo ou indirecto, por actividades humanas, ou por processos naturais, sendo normalmente a acção combinada de ambos os factores (Instituto Geológico e Mineiro, 2001). Com base no Código de Boas Práticas Agrícolas, publicado pelo Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (1997), as principais fontes de contaminação da água são os despejos domésticos, as indústrias e as práticas agrícolas. 4.1 Poluição de origem doméstica Este tipo de poluição é provocado por fossas, lixeiras e pela descarga de efluentes domésticos não tratados na rede hidrográfica. Os efluentes domésticos contêm sais minerais dissolvidos, matéria orgânica, restos de compostos não biodegradáveis, vírus e microrganismos fecais. Os lixiviados que resultam da circulação de água através das lixeiras, são geralmente redutores e enriquecidos em amónio, ferro ferroso, manganês e zinco para além de apresentarem valores elevados de dureza, do total de sólidos dissolvidos e da concentração de bicarbonato, sódio, potássio, cálcio e magnésio. A decomposição da matéria orgânica na lixeira origina a produção de gases como o dióxido de carbono e o metano (Custódio & Llamas, 1983). Este tipo de poluição pode originar um aumento da mineralização, aumento da temperatura, aparecimento de cor, sabor e odor desagradáveis na água. Na maior parte das localidades da área em estudo e principalmente nas pertencentes à freguesia da Campeã, não existe saneamento básico nem tratamento de esgotos. Os habitantes possuem fossas sépticas, ou sumidouras, para onde são descarregadas as águas resultantes das actividades domés-

77


78

Maria Rosário Pereira e outros

ticas. Estes esgotos, infiltram-se no solo, atingem os aquíferos que alimentam o rio, e contribuem para a poluição das águas subterrâneas e fluviais, principalmente com nitratos, cloretos, fosfatos e coliformes.

difusa devido às práticas agrícolas como acontece, por exemplo, com a contaminação das águas superficiais e subterrâneas por substâncias poluentes contidas nos fertilizantes que se distribuem e incorporam no solo.

Na fertilização dos solos e das culturas pode utilizar-se uma extensa gama de fertilizantes fornecedores de azoto, sejam adubos, ou correctivos orgânicos. Neles, o azoto pode encontrar-se sob diferentes formas químicas a que correspondem diversos comportamentos no solo. Nos fertilizantes vulgarmente utilizados o azoto pode encontrarse sob a forma nítrica, sob a forma amoniacal ou As principais indústrias poluentes do meio hí- sob a forma orgânica. Em condições normais de drico são as indústrias alimentares, metalúrgicas, temperatura e de humidade no solo, quer o azoto petroquímicas, nucleares, mineiras, farmacêuti- amoniacal quer o azoto orgânico tendem a passar cas, electroquímicas, de fabrico de pesticidas e gradualmente à forma nítrica, por um conjuninsecticidas, etc (Instituto Geológico e Mineiro, to de transformações operadas por diversos or2001). ganismos. As plantas absorvem, de forma fácil e Na área em estudo regista-se muito pouca activi- rápida, o azoto sob a forma nítrica, ou seja, na dade industrial, havendo apenas algumas sucatas forma de ião nitrato. e escombreiras de minas abandonadas. Os nitratos são sais muito solúveis em água e o Na zona de Vila Cova (localidade situada mais a ião nitrato não é susceptível de ser retido, pelo N na bacia hidrográfica), foi explorado um jazigo menos em quantidade apreciável, pelo complexo de magnetite com uma extensão de vinte quiló- de adsorção do solo (argila e húmus) nem reametros (Neiva, 1944). As rochas encaixantes das ge com outros constituintes para dar origem a camadas de magnetite são quartzitos, xistos sili- compostos insolúveis ou de solubilidade mais ou ciosos, xistos cloríticos e ainda xistos argilosos. menos reduzida podendo ser transportados para Nos filões pegmatíticos e hidrotermais que atra- os cursos de água e para os aquíferos, originanvessam a área do jazigo magnetítico de Vila Cova do progressivamente a sua poluição (Hem, 1985). encontram-se, para além da magnetite e granada A contaminação das águas com nitratos, quando (grunerite), outros minerais acessórios de que se ultrapassa certos limites, pode ter consequências destacam os sulfuretos (calcopirite, pirite e arse- nefastas para o ambiente e para a própria saúde nopirite) (Neiva, 1944; Pereira, 1987). A presen- humana, pelo que deverá ser evitada. ça de sulfuretos nas escombreiras e a sua oxidação Contrariamente ao que acontece ao azoto nítrico, e dissolução, podem constituir uma fonte de aci- o azoto amoniacal (sob a forma de ião amónio) é dificação da água de escorrência que é drenada facilmente retido pelo complexo de absorção do para o rio Sôrdo. solo não ficando sujeito às perdas por lixiviação nas águas de percolação. No entanto, em condi4.3 Poluição de origem agro-pecuária ções normais de humidade e temperatura vai-se A utilização desregrada de adubos e pesticidas e convertendo progressivamente em nitrato, antes a incorrecta gestão das volumosas quantidades de ser absorvido pelas plantas. Uma vez converde resíduos orgânicos gerados nas explorações tido em nitrato, o azoto amoniacal passa a ter o agrícolas, agropecuárias e pecuárias poderão ser mesmo comportamento do azoto nítrico do solo. fontes de poluição ambiental, seja dos solos, das águas e/ou do ar. Tal poluição poderá ter carác- O azoto orgânico pode encontrar-se nos fertiliter pontual como acontece no caso da descarga zantes orgânicos sob diferentes formas, em espedirecta dos efluentes não tratados das pecuárias cial sob a forma proteica, e uma vez incorporado intensivas nos cursos de água, ou ser de natureza no solo, fica sujeito a um conjunto de sucessivas 4.2 Poluição de origem industrial A poluição industrial apresenta um carácter pontual e encontra-se relacionada com a eliminação de resíduos de produção através da atmosfera, do solo, das águas superficiais e subterrâneas e de derrames durante o seu armazenamento e transporte.


Bacia Hidrográf ica do sordo Caracterização da Água Superficial

transformações (aminização, amonificação, e nitrificação) realizadas por diversos microrganismos. Estas transformações, designadas por mineralização do azoto, têm como resultado final a conversão do azoto orgânico em azoto nítrico, depois de passar por azoto amoniacal. O azoto orgânico não se encontra imediatamente disponível para as plantas e estas só o podem absorver depois de mineralizado. Antes disso ele é retido pelo solo e não é perdido nas águas de lixiviação. A mineralização do azoto orgânico é um processo gradual, muito complexo e a rapidez com que se desenvolve está dependente de vários factores ambientais, particularmente das condições de temperatura, humidade, arejamento e grau de acidez no solo (Hem, 1985).

são. Os resíduos resultantes destas explorações não sofrem qualquer tipo de tratamento, sendo lançadas indiscriminadamente para o meio ambiente, o que contribui para o aumento da contaminação bacteriológica (Saavedra, 2000) e para o aumento do teor em cloreto e amónio da água (Pereira et al., 1999). 5. Resultados das Águas Analisadas Para a caracterização da qualidade da água ao longo do rio Sôrdo foi analisada água em três locais (Fig. 1): 1 – Nascente 4 – Aldeia da Foz

5 – Albufeira da Barragem É de grande interesse o conhecimento destes asOs critérios que presidiram à selecção destes lopectos para a tomada de decisões correctas no cais foram: estabelecimento de técnicas adequadas de fertilização, tendo em vista harmonizar uma boa nu- - caracterizar a zona da nascente do rio (1); trição azotada das culturas com a preservação da - caracterizar a água depois de ter atravessado qualidade das águas relativamente à sua poluição o vale da Campeã, onde há intensa actividade por nitratos. agrícola e povoações sem saneamento (4); A utilização de dejectos de animais, principal- - caracterizar a água que é captada para tratamente de bovinos é uma das práticas mais antimento na ETA e posterior distribuição ao doga e comum utilizada para a fertilização dos somicílio (5). los nesta região. Estes dejectos são espalhados no solo, principalmente na primavera e provocam No campo foram medidos, com um medidor porum odor fortíssimo, sentido a grandes distâncias. tátil de eléctrodo multiparamétrico (HI991300 O lançamento indiscriminado destes dejectos no Hanna Instruments) os seguintes parâmetros: solo, pode poluir quer as águas superficiais quer as temperatura, pH, total de sólidos dissolvidos subterrâneas. As águas das chuvas infiltram-se já (TDS) e condutividade eléctrica. Foram também poluídas com componentes orgânicos, principal- colhidas amostras de água em frascos de polietimente ureia, responsável pelo incremento de ni- leno de 1 litro, para análise laboratorial do teor em nitrito, nitrato e fosfato. Para análise bactratos, nitritos e amónio nas águas subterrâneas. teriológica foram colhidas amostras de água em A agricultura praticada é essencialmente uma frascos de vidro esterilizados para a determinaagricultura de subsistência havendo, no entanto, ção de coliformes totais, Escherichia coli e Enterococcus. alguns produtos tais como a castanha e a bata- As análises foram realizadas nos laboratórios da ta, que são produzidos em grandes quantidades, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. constituindo uma boa fonte de rendimentos. Os resultados obtidos para os parâmetros físicoDe acordo com os dados fornecidos pela Câmara químicos são apresentados na Tab. 1 e para os paMunicipal de Vila Real não se encontram regista- râmetros bacteriológicos na Tab. 2. das, na área em estudo, explorações pecuárias de grandes dimensões. No entanto, no decorrer do 5.1 Temperatura trabalho de campo, no contacto com a população Os valores obtidos para a temperatura da água, local, verificou-se que, de um modo geral, a ex- medida no campo, permitem constatar que a ploração pecuária assenta em pequenas unidades temperatura aumenta desde a nascente até à barfamiliares existindo algumas de maior dimen- ragem (Fig. 4). Este aumento pode ser devido à

79


80

Maria Rosário Pereira e outros

diminuição da velocidade da corrente, uma vez que a inclinação do leito do rio vai diminuindo da nascente até à barragem, ficando a água exposta à temperatura ambiente durante um maior período de tempo, em particular na albufeira da barragem. Também o aumento da quantidade de matéria orgânica em decomposição pode contribuir para o aumento de temperatura da água. 5.2 pH O termo pH (potencial hidrogeniónico) é usado universalmente para expressar o grau de acidez ou basicidade de uma solução, ou seja, é o modo de expressar a concentração de iões de hidrogénio nessa solução. A escala de pH varia de 0 a 14. Os valores abaixo de 7 e próximos de zero indicam um aumento da acidez, enquanto que valores de 7 a 14 indicam um aumento da basicidade (Custódio & Llamas, 1983). Segundo a mesma fonte, a medição do pH é de extrema utilidade, pois fornece inúmeras informações a respeito da qualidade da água. As águas superficiais possuem, em geral, um pH entre 4 e 9. Por vezes são ligeiramente alcalinas, devido à presença de carbonatos e bicarbonatos. Naturalmente, nesses casos, o pH reflecte o tipo de solo e rochas por onde a água passa. Nas lagoas onde existe grande população de algas, nos dias ensolarados, o pH pode subir muito, chegando a 9 ou mesmo mais. Este fenómeno deve-se ao facto de as algas, ao realizarem a fotossíntese, retirarem muito CO2, que é a principal fonte natural de acidez da água. Geralmente um pH muito ácido está associado à presença de lixos industriais, nomeadamente no caso de escombreiras de minas com presença de sulfuretos, em que por oxidação desses minerais há libertação de enxofre, sob a forma de ião sulfato, de iões metálicos e de iões H+. Este último é responsável pela descida do pH das águas de escorrência.

Temperatura (ºC)

Nascente

Aldeia da Foz

Barragem

11.5

12.3

15.5

pH

5

6

6.94

TDS (ppm)

6

17

19

Conductividade (ms/cm)

14

36

39

Nitritos (mg/L)

0

0

0

Nitratos (mg/L)

2.215

9.303

9.303

Fosfatos (mg/L)

4.6

0.5

0

Tab. 1 – Valores dos parâmetros físico-químicos das amostras de água colhidas no rio Sôrdo. Nascente

Aldeia da Foz

Barragem

Coliformes totais

0

5

1

Enterococcus

28

0

4

Tab. 2 – Valores dos parâmetros bacteriológicos das amostras de água colhidas no rio Sôrdo.

5. 3 TDS O TDS (Total de Sólidos Dissolvidos) é um parâmetro que representa a soma dos teores de todos as substâncias inorgânicas e orgânicas presentes na água, quer estejam sob a forma iónica, molecular ou coloidal (Hem, 1985) e o seu valor expressase em partes por milhão (ppm). Os valores mais elevados, medidos ao longo dum mesmo curso de água, estão muitas vezes associados à entrada de poluentes no sistema hídrico que aumentam o teor de substâncias dissolvidas na água. Este parâmetro é usado como indicador da presença de grandes quantidades de substâncias químicas poluentes (Custódio & Llamas, 1983). Relativamente a este parâmetro verificámos que o valor de TDS aumenta, desde a nascente até à barragem (Fig. 6).

O valor do TDS na água da zona da nascente é reduzido. O aumento do TDS na Aldeia da Foz Analisando os dados obtidos verificámos que o traduz o aumento de poluentes provocado pela pH vai aumentando desde a nascente até à barra- intensa actividade agrícola e uso de fertilizantes gem (Fig. 5). Uma das possíveis causas para este e pela descarga de efluentes domésticos. Na albufacto poderá ser o aumento da flora aquática, à feira da barragem o valor do TDS é ainda mais medida que caminhamos da nascente para a bar- elevado demonstrando que há transporte e acuragem. As plantas absorvem o CO2 dissolvido na mulação de contaminantes para juzante. água para realizarem a fotossíntese, levando a um aumento do pH. Também a reacção da água com 5.4 Conductividade os minerais das rochas contribui para a sua dis- A condutividade eléctrica, ou frequentemente solução e para o aumento do pH, por consumo de designada apenas por condutividade, é a capaciiões H+ na hidrólise dos minerais silicatados. dade que a água possui de conduzir uma corrente


Bacia Hidrográf ica do sordo Caracterização da Água Superficial

18

Para medir a condutividade usa-se um sensor que determina quanta electricidade é conduzida através de 1cm de água. A conductividade específica é expressa em Siemens por centímetro (S/cm), ou em microsiemens por centímetro (µS/cm) (Stevens Water, 2006).

Temperatura ºC

16 14 12 10 8 6 4 2 0 Nascente

Aldeia da Foz

Barragem

Fig. 4 – Variação da temperatura da água das amostras colhidas no rio Sôrdo. pH 8 7 6 5 4 3 2 1 0 Nascente

Aldeia da Foz

Barragem

Fig. 5 – Variação do pH da água das amostras colhidas no rio Sôrdo. TDS (ppm) 20

Em águas continentais, os iões directamente responsáveis pelos valores da condutividade são, entre outros, o cálcio, o magnésio, o potássio, o sódio, carbonatos, sulfatos e cloretos. A condutividade eléctrica, não determina, especificamente, quais os iões que estão presentes na água, mas quantifica o total de iões dissolvidos capazes de conduzir a corrente eléctrica. Quando são lançadas grandes quantidades de água poluída num curso de água é normal haver um aumento significativo da condutividade dessa água (Custódio & Llamas, 1983). A condutividade das amostras de água analisadas (Fig. 7) é baixa na zona da nascente do rio (14µS/ cm) apresentando aí um valor próximo do valor da água da chuva na região e que é da ordem dos 10µS/cm (Pereira et al., 1999). O ligeiro aumento no valor da condutividade da água da zona da nascente pode ser explicado pela entrada de iões na solução provenientes dos processos de dissolução de minerais das rochas provocados pelas águas de escorrência. Quanto à condutividade da água na amostra da Aldeia da Foz o valor mais do que duplica em relação à nascente e na zona da albufeira quase triplica. Estes resultados confirmam a interpretação já apresentada para o aumento do valor do TDS.

18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Nascente

Aldeia da Foz

Barragem

Fig. 6 – Variação do TDS (unidades em ppm) da água das amostras colhidas no rio Sôrdo.

eléctrica. Este parâmetro está relacionado com a quantidade de iões dissolvidos na água, que são partículas carregadas electricamente. Quanto maior for a quantidade de iões dissolvidos, maior deverá ser a condutividade eléctrica da água.

5. 5 Nitritos Pela análise dos resultados (Tab. 1), verifica-se que não se regista a presença de nitritos em qualquer dos locais estudados. Os nitritos tendem a ser rapidamente convertidos em nitratos por bactérias nitrificantes. Por essa razão, constituem um importante indicador da presença de despejos orgânicos recentes. A ausência de nitritos nas amostras analisadas é apenas sinal que não existe poluição orgânica muito recente. 5.6 Nitratos As águas naturais não contaminadas, em geral, contêm muito pouco ião nitrato, já que este não entra na composição dos minerais. Contudo o

81


82

Maria Rosário Pereira e outros

Condutividade (m S/cm)

30

45

25

40 35

Enterococcus Coliformes totais

20

30 25

15

20

10

15 10

5

5

0

0 Nascente

Aldeia da Foz

Barragem

Fig. 7 – Variação da condutividade (unidades em µS/cm) da água das amostras colhidas no rio Sôrdo.

Nascente

Aldeia da Foz

Barragem

Fig. 10 – Variação do teor de Coliformes totais e em Enterococcus da água das amostras colhidas no rio Sôrdo.

Nitratos (mg/L)

grande solubilidade do nitrato, este é facilmente arrastado pela água da chuva, ou da rega, poluindo as águas superficiais e as águas subterrâneas.

10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 Nascente

Aldeia da Foz

Barragem

Fig. 8– Variação do teor em nitrato (em mg/L) da água das amostras colhidas no rio Sôrdo. Fosfatos (mg/L)

5.7 Fosfatos O teor em fosfato na água dos rios está normalmente afectado pela descarga de efluentes domésticos e de esgotos. O uso de detergentes com fosfato provoca o aumento da concentração em ião fosfato nos efluentes domésticos e o facto do fósforo ser um elemento sempre presente no metabolismo animal faz com que seja um componente sempre presente nos esgotos (Hem, 1985).

5 4.5 4 3.5 3 2.5 2 1.5 1 0.5 0 Nascente

Os resultados obtidos nas amostras analisadas (Fig. 8) revelam um aumento de poluição por nitratos na Aldeia da Foz, que se mantém até à barragem. Este aumento do teor em nitrato é certamente causado pela utilização de adubos químicos usados nos terrenos agrícolas do Vale da Campeã, a montante da Aldeia da Foz, e também pelos estrumes dos animais utilizados na fertilização dos campos.

Aldeia da Foz

Barragem

Fig. 9 – Variação do teor em fosfato (em mg/L) da água das amostras colhidas no rio Sôrdo.

nitrato é uma substância muito solúvel na água e é um dos principais constituintes de muitos adubos químicos e resíduos orgânicos (estrumes, águas residuais, lamas de depuração e outros produtos), incluindo a matéria orgânica do solo. Em zonas agrícolas, intensamente adubadas, e devido à

O consumo de fósforo pelas algas e a adsorção do ião fosfato aos oxi-hidróxidos de Ferro e Manganês, controlam a quantidade de fósforo em solução, evitando que ultrapasse algumas dezenas de mg/L (Hem, 1985). Cerca de 95% do fósforo presente na água dos rios é transportado sob a forma coloidal (Hem, 1985). Os problemas ambientais provocados com a presença de elevados teores deste ião estão relacionados com a elevada produção de algas e a consequente eutrofização da água.


Bacia Hidrográf ica do sordo Caracterização da Água Superficial

Nas águas analisadas o teor em ião fosfato (Fig. 9) diminui da nascente para a foz. O desaparecimento deste ião em solução na zona da albufeira da barragem, deve estar relacionado com o seu consumo por parte das algas e com a adsorção aos oxi-hidróxidos de Ferro e Manganês presentes.

foram detectados Coliformes totais mas detectaram-se Enterococcus feacalis. A ausência de Coliformes totais pode ser explicada pela inexistência, acima do local de colheita da amostra, de aglomerados populacionais que poderiam implicar a descarga, no rio, de esgotos ou matérias fecais. Relativamente aos isolados bacterianos do género Enterococcus, exis5.8 Coliformes Totais e Enterococcus tentes nesta amostra, dever-se-ão possivelmente O rio é habitado, normalmente, por muitos ti- a actividades ligadas à pastorícia, dado serem tal pos de bactérias, assim como por várias espécies como o grupo anterior úteis como indicadores da de algas e de peixes. Essas bactérias são impor- qualidade microbiológica da água uma vez que são tantíssimas porque, alimentando-se de matérias habitantes comuns do tracto intestinal do homem orgânicas, são elas que consomem toda a carga e animais. poluidora que lhe é lançada, sendo assim as principais responsáveis pela auto-depuração, ou seja, Na amostra de água da aldeia da Foz é onde se pela limpeza do rio. Porém, quando o rio recebe registam maiores quantidades de Coliformes totais. esgotos, ele passa a conter outros tipos de bacté- A concentração destes microrganismos está dirias que não são da água e que podem ou não cau- rectamente relacionada com a poluição de orisar doenças às pessoas que beberem dessa água. gem fecal humana. Acima deste local de colheita Um grupo importante é o grupo das bactérias co- existem várias populações ao longo do vale, nas liformes. As fezes humanas contêm um número quais, como já foi dito, não existe saneamento astronómico dessas bactérias: cerca de 200 bili- básico nem tratamento de esgotos. A ausência de ões de coliformes são eliminados por cada um de Enterococcus faecalis pode ser explicada pelo facto de nós, todos os dias (Mendes, 1998). Isso tem uma que, no momento de recolha da amostra, não hagrande importância para a avaliação da qualidade via contaminação recente, provocada pelas fezes da água dos rios: se as suas águas recebem esgotos, animais. fatalmente receberão coliformes. Relativamente à água na zona da barragem, obA presença das bactérias coliformes na água de um servou-se menor quantidade de Coliformes totais do rio significa, pois, que esse rio recebeu matérias que na aldeia da Foz. Isto pode dever-se ao facto fecais, ou esgotos. Por outro lado, são as fezes das de a seguir à Aldeia da Foz o rio passar a correr pessoas doentes que transportam, para as águas em rochas graníticas, num vale mais encaixado, o ou para o solo, os agentes causadores de doenças. que leva a uma maior agitação da água, permitinAssim, se a água recebe fezes, ela pode muito bem do uma relativa auto-depuração natural. A preestar a receber agentes patogénicos. Por isso, a sença de Enterococcus faecalis pode ser explicada pela presença de coliformes na água indica a presença existência de campos de cultivo e de pastagens a de fezes e, portanto, a possível presença de agen- montante da barragem. Este resultado revela uma contaminação recente e, se a recolha tivesse sido tes patogénicos (Mendes, 1998). realizada noutro dia, os resultados poderiam ser Foram recolhidas amostras de água do rio, nos diferentes. três locais já referidos, para pesquisa e contagem de bactérias coliformes totais, fecais (Escherichia coli) Pela análise dos resultados conclui-se que nee de Enterococcus. Essas análises foram realizadas no nhuma das águas é bacteriologicamente própria laboratório de Microbiologia do Departamen- para consumo humano. to de Ciências Veterinárias da UTAD. A análise bacteriológica da água foi efectuada pelo proce- 6. Conclusão dimento descrito no “Standard Methods for the O Rio Sôrdo, afluente da margem esquerda do Examination of Water and Wastewater” (Apha, Corgo, tem origem junto das minas de Fontelões, Awwa & Wef, 2005). a Nordeste de Vila Cova, percorrendo 21 km até Pela análise dos resultados das análises bacterio- à sua foz. A bacia de drenagem, com 51,5 km2, lógicas (Fig. 10), verificou-se que na nascente não situa-se entre as bacias do Tâmega e do Corgo.

83


84

Maria Rosário Pereira e outros

A nascente do Rio Sôrdo encontra-se à cota de 1200 m e a foz à cota de 200 m. O percurso do canal principal faz-se atravessando diferentes tipos de litologias que condicionam a morfologia. Assim, na parte superior da bacia, o rio atravessa quartzitos, xistos e grauvaques, escavando vales encaixados em terrenos com um declive médio de 19%, desde a nascente até à localidade de Vila Cova. A partir desta localidade, e ao longo de toda a zona da Campeã e até à Aldeia da Foz, o percurso é feito em vale aberto atravessando depósitos aluvionares. Na parte inferior da bacia o rio corre em vale novamente mais encaixado, até à sua foz no Rio Corgo, através de rochas graníticas. Pelas análises químicas e bacteriológicas que foram feitas, pode afirmar-se que as fontes de contaminação das águas do Sôrdo são essencialmente provenientes dos fertilizantes químicos e naturais utilizados na agricultura, dos efluentes provenientes das explorações pecuárias e da inexistência de saneamento básico e tratamento de esgotos, que são a causa mais provável de a água ser bacteriologicamente imprópria para consumo humano. A evolução dos parâmetros físico-químicos da água do rio Sôrdo ao longo do seu percurso indica um aumento do total de sólidos dissolvidos (TDS) e da condutividade, a partir do vale da Campeã, que se traduz também por um aumento do pH da água (por consumo de iões H+ nos processos biológicos e nas reacções de interacção com as rochas do substrato) e ainda de um aumento da temperatura da água. Os iões dissolvidos, provenientes da contaminação, em particular por nitratos, também aumentam com a intensificação das actividades agrícolas. O desaparecimento dos fosfatos em solução na zona da albufeira da barragem são sintomáticos de que deverá haver elevado consumo por parte das algas que se desenvolvem na albufeira contribuindo para a eutrofização da água.

tório. M. R. Pereira (Ed.). Vila Real (C-11 a C16). APHA, AW WA & WEF (2005). Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. American Public Health Association, Washington D.C., 21º Edição. Custódio, E. & Llamas, M. R. (1983). Hidrologia Subterrânea. Tomo I e II. Ediciones Ómega, S. A. – Barcelona. 2350 pp. Hem, J. D. (1985). Study and interpretation of the chemical characteristics of natural waters. 3ª ed., U. S. Geol. Survey Water-Supply Paper 2254, 249 pp. Instituto Geológico e Mineiro (2001). Água Subterrânea: Conhecer para Preservar o Futuro. Instituto Geológico e Mineiro. Versão Online no site do INETI: http://e-Geo.ineti.pt/geociencias/edicoes_online/diversos/agua_subterranea/ indice.htm Lencastre, A. & Franco, F.M. (1984). Lições de Hidrogeologia. Universidade Nova de Lisboa. Lisboa. Mendes B. (1998). In: Ferreira, W. & Sousa, J. (Ed.) Microbiologia: Lidel, edições técnicas. Lisboa. Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (1997). Código de Boas práticas Agrícolas para a Protecção da água contra a poluição com nitratos de origem agrícola. Lisboa. Neiva, J.M.C. (1944). Jazigos portugueses de cassiterite e de volframite. Com. Serv. Geol. Portugal. Lisboa. Pereira, E. (1987). Estudo geológico-estrutural da região de Celorico de Basto e sua interpretação geodinâmica. Tese de Doutoramento. FCUL. SGP.

Referências Bibliográficas

Pereira, E. (2000). Coordenador da Carta Geológica de Portugal, Folha 2, escala 1: 200 000. Serviços Geológicos de Portugal.

Alencoão, A. M. P. (2005). Análise multivariada do quimismo de águas subterrâneas na bacia hidrográfica do rio Sordo (norte de Portugal). In DVD das Actas do IV Seminário dos Recursos geológicos, Ambiente e Ordenamento do Terri-

Pereira, Mª R., Almeida, C. e Ribeiro, L. (1999). Caracterização da Qualidade da Água Subterrânea na Região de Mirandela. Actas do II Congresso Ibérico de Geoquímica e no VIII Congresso de Geoquímica de Espanha, pp. 489-492.


Bacia Hidrográf ica do sordo Caracterização da Água Superficial

Saavedra, Mª. J. F. (2000). Susceptibilidade Stevens Water (2006). Conductivity/TDS. de Bactérias Isoladas de Águas para Consumo a Online version: www.stevenswater.com/water_ Antibióticos. Caracterização Molecular de uma quality_sensors/conductivity_info.html Carbapenemase, SfhI. Tese de Doutoramento. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real.

85



Associação portuguesa de geólogos

Geonovas no 20, pp. 87 a 93, 2006

A Qualidade da Água na Bacia Hidrográfica do Rio Sôrdo (Norte de Portugal) II. Roteiro Didáctico Pereira, M. R.*; Alves, C.**; Martins, F.**; Machado, M.** e Lopes, S.** * Dep. de Geologia UTAD; ** Lic. em Biologia e Geologia (Ensino de)

Resumo De modo a sensibilizar a população mais jovem para a importância da preservação da qualidade da água, foi elaborado este roteiro, em que foram seleccionados diferentes locais na bacia hidrográfica do rio Sôrdo para uma visita de estudo. Pretende-se que os alunos façam, no campo, a medição de alguns parâmetros físico-químicos da água do rio (pH, teor de sólidos dissolvidos, temperatura, condutividade eléctrica e nitratos), analisem as variações desses parâmetros desde a nascente até à foz do rio e interpretem essas variações com base na influência de fontes de poluição presentes. Palavras-chave: qualidade da água, fontes de poluição, saída de campo Abstract An itinerary through Sôrdo river watershed was prepared in order to take students to the field to have contact with water quality issues and be sensitive to water preservation importance. During the field trip they will learn how to measure some water physico-chemical parameters (temperature, pH, total dissolved solids, electrical conductivity and nitrates), analyse their variations between the creek and the mouth and interpret them in relation to the presence of pollution sources. Key-words: water quality, pollution sources, field work Recebido: Outubro 2006; aceite: Novembro 2006.

1. Introdução

2. Objectivos

A água assume um papel fundamental no desenvolvimento das populações. A sua importância é salientada na alimentação, na higiene, na produção de energia, na agricultura, na indústria, etc.

Sensibilizar a população mais jovem para a influência das actividades humanas na qualidade da água;

Para o consumidor directo a qualidade da água é avaliada pela cor, turbidez, cheiro e sabor. Mas para esta água ser adequada para o consumo humano deverá respeitar, além destas, muitas outras exigências. Análises químicas e bacteriológicas deverão ser realizadas em laboratório para verificar a qualidade da água e no caso de estarem contaminadas, quais os tratamentos necessários para a tornar potável. A medição de alguns parâmetros físico-químicos da água no campo, permite ter uma ideia prévia das suas características e da possível entrada de poluentes no sistema hídrico.

Conhecer alguns locais da bacia hidrográfica do Rio Sôrdo a partir da qual é abastecida grande parte da população da cidade de Vila Real e de Santa Marta de Penaguião; Observar aspectos da morfologia e da geologia da região; Identificar algumas práticas agropecuárias usadas ao longo da bacia hidrográfica; Identificar potenciais focos de poluição das águas (minas, agricultura e esgotos); Registar alguns parâmetros físico-químicos da água ao longo do Rio Sôrdo;


88

Maria Rosário Pereira e outros

Analisar a variação na qualidade da água ao longo do Rio Sôrdo e relacioná-la com os focos de poluição identificados. 3. Material necessário Chapéu

A bacia hidrográfica do rio Sôrdo (Fig.1), que confina a oriente com a Bacia Hidrográfica do rio Corgo e a ocidente com a do rio Tâmega, é formada por cinco freguesias: Vila Cova, Campeã, Torgueda, S.Miguel da Pena e Quintã.

Em relação à geologia local, podemos encontrar diferentes tipos de rochas que condicionam as caLápis racterísticas morfológicas da bacia hidrográfica. Borracha Assim, na parte superior da bacia, o rio atravessa Kit de análises de água: medidor portátil de rochas muito duras - quartzitos e xistos -, escaeléctrodo multiparamétrico (HI991300 Hanvando vales encaixados em terrenos com declives na Instruments) para os seguintes parâmetros: temperatura, pH, total de sólidos dissolvidos acentuados até à localidade de Vila Cova. A par(TDS) e condutividade eléctrica; teste kit (HI tir desta localidade, e ao longo de toda a zona da 93728-0 Hanna Instruments) para o nitrato. Campeã e Arrabães, o percurso é feito em vale aberto atravessando xistos cobertos por depósi4. Caracterização da Região tos aluvionares, na zona central do vale. Na parA região em estudo encontra-se localizada no te inferior da bacia o percurso é feito através de Norte de Portugal, faz parte da região de Trásos-Montes e Alto Douro e pertence ao concelho granitos, e o rio corre em vale novamente mais de Vila Real. encaixado, até à sua foz no Rio Corgo. Roupa e Calçado Adequados

Fig. 1 –Extracto da Carta Militar nº 10 à escala 1:100000 onde se encontra delimitada a bacia hidrográfica do Rio Sôrdo, com os locais das paragens a realizar ao longo do roteiro. Paragens: 1- Nascente; 2 – Mina de Vila Cova; 3 – Aldeia de Pepe; 4 – Aldeia da Foz; 5 – Albufeira da Barragem


Bacia Hidrográf ica do sordo Roteiro Didáctico

0 < pH < 7 Ácido pH = 7 Neutro 7 < pH < 14 Básico Tab. 1 - variação do potencial hidrogeniónico (pH)

5. Parâmetros a determinar Usando um kit portátil de análises de água, vão ser medidos alguns parâmetros tais como: Temperatura da água Totais de sólidos dissolvidos (TDS): representa a soma dos teores de todos as substâncias inorgânicas e orgânicas presentes na água, quer estejam sob a forma iónica, molecular ou coloidal (Hem, 1985) e o seu valor expressa-se em partes por milhão (ppm). Os valores mais elevados, medidos ao longo dum mesmo curso de água, estão muitas vezes associados à entrada de poluentes no sistema hídrico que aumentam o teor de substâncias dissolvidas na água (Custódio & Llamas, 1983). pH: O termo pH significa potencial hidrogeniónico e é medido numa escala que varia de 0 a 14 (Tab. 1). Os valores abaixo de 7 indicam um aumento da acidez, enquanto que valores de 7 a 14 indicam um aumento da basicidade (Custódio & Llamas, 1983). A medição do pH é de extrema utilidade, pois fornece inúmeras informações a respeito da qualidade da água. A água da chuva tem geralmente um pH ligeiramente ácido porque o CO2 atmosférico reage com a água da chuva e dá origem à formação de ácido carbónico, que por sua vez se dissocia e liberta iões H+ para a água, tornando-a mais ácida (Appelo & Postma, 2005). À medida que a água da chuva escorre à superfície e se vai infiltrando através do solo e das rochas vai reagindo com os minerais presentes e vai modificando o seu pH. A presença de efluentes industriais ou domésticos nas águas dos rios é também responsável por uma variação considerável no pH (Custódio & Llamas, 1983).

parâmetro está relacionado com a presença de iões dissolvidos na água, que são partículas carregadas electricamente. Quanto maior for a quantidade de iões dissolvidos, maior será a condutividade eléctrica da água. Em águas continentais, os iões directamente responsáveis pelos valores da condutividade são, entre outros, o cálcio, o magnésio, o potássio, o sódio, carbonatos, sulfatos e cloretos. O parâmetro condutividade não determina, especificamente, quais os iões que estão presentes em determinada amostra de água, mas pode contribuir para reconhecer a existência de impactos ambientais que ocorram na bacia de drenagem ocasionados por lançamentos de resíduos industriais, exploração mineira, esgotos, etc. Nitrato: As águas naturais não contaminadas, em geral, contêm muito pouco ião nitrato, já que este não entra na composição dos minerais. O nitrato é um dos principais constituintes de muitos adubos químicos e resíduos orgânicos como, por exemplo, os estrumes. Em zonas agrícolas, intensamente adubadas, e devido à grande solubilidade do nitrato, este é facilmente arrastado pela água da chuva, ou da rega, poluindo as águas superficiais e as águas subterrâneas. 6. Paragens da Visita 1ª PARAGEM: Nascente do rio Sôrdo Conceitos Importantes:

Linha de cumeada: é formada pelo conjunto de cumes de uma cadeia de montanhas. Bacia Hidrográf ica: É uma área definida topograficamente, drenada por um curso de água ou por um sistema interligado de cursos de água tal que todos os caudais efluentes sejam descarregados através de uma única saída. É limitada pela linha de cumeada. Este local encontra-se a NE de Vila Cova, a uma altitude de 1400m, sendo o acesso (bastante fácil) feito por caminhos florestais, assim como por alguns caminhos particulares.

Neste ponto é possível a observação das linhas de Condutividade eléctrica: é a capacidade que a água cumeada que separam a nossa bacia hidrográfipossui de conduzir corrente eléctrica. Este ca de outras, é possível também a observação de

89


90

Maria Rosário Pereira e outros

Fig. 2 – Aspecto da topografia na nascente do rio.

Fig. 3 – Local da 1ª paragem

Fig. 4 – Medição dos parâmetros físico-químicos da água no rio (A) e numa amostra da água do rio (B).

xistos. O leito do rio corre em vale encaixado e o 2ª PARAGEM: Minas de Vila Cova declive é acentuado (Fig. 2). Um dos aspectos que mais caracteriza este local é a presença de vegetação ripícula em bom estado de conservação (Fig. 3). Esta paragem situa-se cerca de 500m abaixo da nascente propriamente dita, mas constitui um ponto onde os efeitos da poluição se encontram minimizados, uma vez que a montante não existem focos populacionais registando-se apenas a existência de dois campos agrícolas. Notas: Qual o aspecto apresentado pela água, turva ou límpida? Há habitações nesta zona?  Há lixo espalhado? pH Nascente do Rio Sôrdo

TDS (ppm) Temperatura (ºC) Condutividade (μs/cm) Nitratos (mg/L)

Conceitos Importantes:

Jazigo mineral: concentração anormal de minerais, cuja exploração é economicamente rentável Mina subterrânea: exploração de um jazigo mineral através da abertura de túneis, ou galerias Escombreira: restos de rochas, sem interesse económico, resultantes da exploração da mina e acumulados no exterior Drenagens ácidas: águas que atravessam zonas mineralizadas em sulfuretos dissolvendo-os e tornando-se ácidas e com teores elevados de metais Este local encontra-se a uma altitude de 1000m e fica localizado a Norte da localidade de Vila Cova (Fig. 5). É um local de fácil acesso pois, com um veículo todo o terreno consegue-se atingir este ponto, sendo possível o registo da qualidade da água numa galeria da mina. Nesta mina, actualmente abandonada foi explorada magnetite, que é um mineral rico em ferro. A análise da qualidade da água nesta estação reveste-se de especial interesse porque, sendo uma


Bacia Hidrográf ica do sordo Roteiro Didáctico

3ªPARAGEM: Aldeia de Pepe Conceitos Importantes:

Fig. 5 – Instalações da mina

Poluentes da água: são caracterizados pela presença: de micróbios patogénicos, de minerais em excesso, de detergentes e produtos tóxicos, provenientes de descargas industriais e agrícolas. Poluição: deverá ser definida como a introdução pelo ser humano, directa ou indirectamente, de substâncias ou energia no ambiente, resultando em efeitos nocivos que prejudiquem os recursos vivos, sejam um perigo para a saúde humana, se tornem um obstáculo para as actividades fluviais, incluindo a pesca, ou diminuam a qualidade da água para ser utilizada.

Fig. 6 – Galeria da mina

Fig. 7 –Rio Sôrdo na Aldeia de Pepe

água que circula através das galerias da mina (Fig. 6), em que ocorrem sulfuretos – que são minerais ricos em enxofre e em metais, facilmente solúveis quando expostos à acção do ar e da água da chuva, as características químicas da água deverá ser afectada.

Este local encontra-se à altitude de 710 m e fica localizado junto da ponte que se encontra à entrada da localidade de Pepe (Fig. 7). Estando em pleno vale da Campeã, podemos observar um elevado número de terrenos de cultivo. Este vale, segundo o plano director Municipal, apresenta zonas classificadas como Reserva Agrícola Nacional (RAN). A colheita das amostras de água foi efectuada junto da ponte apresentando um fácil acesso.

Notas: Qual o aspecto das instalações? Comentar o facto das instalações e minas estarem abandonadas

Notas:

As máquinas abandonadas apresentam ferrugem: porque se forma a ferrugem?

Registar:

Porque será o pH ácido?

há muita agricultura?

pH Minas de Vila Cova

TDS (ppm) Temperatura (ºC) Condutividade (μs/cm) Nitratos (mg/L)

há gado a pastar? Reflectir sobre o destino dos dejectos dos animais Qual a diferença entre o valor dos nitratos nesta paragem e na primeira paragem? Qual poderá ser a origem dos nitratos?

91


92

Maria Rosário Pereira e outros

pH Aldeia do Pepe

TDS (ppm) Temperatura (ºC) Condutividade (μs/cm) Nitratos (mg/L)

4ª PARAGEM: Aldeia da Foz Este local encontra-se à altitude de 680m e fica situado junto à ponte da localidade de Foz, sendo possível observar a qualidade da água, depois desta atravessar todo o vale da Campeã (Fig. 8).

Figura 8 – Local de estudo na Aldeia da Foz

Figura 9– Barragem do Sôrdo e torre de captação

Figura 10 – Albufeira da barragem do Sôrdo

Notas: Qual o aspecto apresentado pela água, turva ou límpida? Há lixo espalhado nas margens do rio? pH Aldeia da Foz

TDS (ppm) Temperatura (ºC) Condutividade (μs/cm) Nitratos (mg/L)

5ª PARAGEM: Albufeira da Barragem Conceitos Importantes:

Barragem: é uma represa construída em rios, que cria uma albufeira ou apenas eleva o nível natural das águas, aproveitando-as geralmente com o objectivo de produzir energia eléctrica ou simplesmente para funcionar como reservatório de água para abastecimento público, como é o caso. Albufeira: área ocupada pela água. Este local encontra-se a 460m de altitude. Podemos observar o local onde se encontra a torre de captação (Fig. 9), em betão armado, a partir da qual se eleva a água a cerca de 300m para

dar entrada na Estação de Tratamento das Águas (ETA). A análise da qualidade da água na albufeira (Fig. 10) permite comparar a evolução da água desde a nascente até ao local onde é colhida para ser tratada e, posteriormente, entrar na rede de abastecimento público. Esta barragem está implantada num vale fluvial encaixado em rochas granitóides. Este local apresenta zonas pouco favoráveis à agricultura, porque os solos são pouco férteis. O impacto desta construção faz-se sentir a jusante da barragem, pela diminuição drástica do caudal, com consequências negativas para a flora e a fauna local. As albufeiras das barragens apresentam em geral uma qualidade de água muito inferior à dos rios em que estão instaladas. O desaparecimento da vegetação ribeirinha faz diminuir muito a capacidade natural de depuração biológica. A eliminação da corrente, da área de sombra e o aumento


Bacia Hidrográf ica do sordo Roteiro Didáctico

da altura da coluna de água, provocam uma diminuição do oxigénio dissolvido (quantidade de oxigénio que existe na água e que é indispensável para a sua boa qualidade) e um aumento da temperatura. A deposição de matéria orgânica e sedimentos a grande profundidade, onde não chega a luz solar, cria um meio pobre em oxigénio, onde os processos de decomposição são anaeróbios com produção de substâncias tóxicas para a maior parte dos organismos.

Referências Bibliográficas Appelo, C. A. J. & Postma, D. (2005). Geochemistry, groundwater and pollution, 2ª ed. A. A. Balkema Publ., Leiden, The Netherlands, 649 pp. Custódio, E. & Llamas, M. R. (1983). Hidrologia Subterrânea. Tomo I e II. Ediciones Ómega, S. A. – Barcelona. 2350 pp.

Hem, J. D. (1985). Study and interpretation of the chemical characteristics of natural waters. 3ª ed., U. S. Geol. Survey Water-Supply Paper Sugere-se, nesta paragem, fazer uma visi- 2254, 249 pp. ta à ETA (Estação de Tratamento de Águas) que deverá ser previamente marcada. A visita a esta estação permite conhecer todos os processos intervenientes no tratamento da água, desde o momento da sua captação (na barragem) até à entrada na rede de distribuição. Notas: Comentários às alterações que a água sofreu ao longo do seu percurso (da nascente até à barragem). pH Albufeira da Barragem

TDS (ppm) Temperatura (ºC) Condutividade (μs/cm) Nitratos (mg/L)

93



Associação portuguesa de geólogos

Geonovas no 19, pp. 95 a 104, 2005

Movimentos de Vertente Factores de Ocorrência e Metodologia de Inventariação Manuel Teixeira Geógrafo, mane.teixeira@gmail.com

Resumo: Neste artigo mostraremos que, para realização de um estudo sobre movimentos de vertente, é importante utilizar um conjunto de técnicas de levantamento de campo e de gabinete, articuladas para permitir a identificação e caracterização dos movimentos de forma sistemática, bem como analisar os factores desencadeantes e condicionantes dos mesmos. O estudo desta temática é uma mais-valia e um imperativo para o bom ordenamento do território, bem como para um avanço do conhecimento no domínio das Geociências. O objectivo deste trabalho é a catalogação dos movimentos de vertente no concelho de Arcos de Valdevez e a determinação das suas principais causas. É estabelecido um confronto de cinco áreas diferentes, determinando as de maior perigosidade geomorfológica. Esse confronto tem em conta as diferentes litologias, o declive, a exposição das vertentes, o coberto vegetal, a ocupação do solo e a influência antrópica. De facto, as causas naturais são aquelas que mais contribuem para a ocorrência de movimentos de vertente na nossa área de estudo. Palavras-chave: Movimentos de Vertente; Factores Desencadeantes e Factores Condicionantes de Ocorrência; Métodos de Registo (Levantamentos de Campo), Ficha – Inventário; Risco. Abstract: This article underlines the importance of good field and desk survey techniques, necessary to make a complete and systematic inventory of slope movements and also the importance of a good analysis of their triggering and conditioning factors. This kind of study is very important in the domain of the Geosciences and is an imperative for a good territory management. The purpose of this study is to perform an inventory of slope movements in Arcos de Valdevez and to determine their main causes. We define the most susceptible areas to geomorphological hazard of that region, taking in account the specificities of each in terms of geological materials, slope angle, slope aspect, existence and types of vegetation, ground use and human action. In fact, the natural causes are those that most contribute for slope movements in our study area. Key-words: Slope Movements; Triggering and Conditioning Factors, Field Survey; Inventory-Sheet; Risk. Recebido: Outubro, 2006; Aceite: Dezembro, 2006.

1. Introdução O estudo da instabilidade de vertentes assume cada vez mais um papel fundamental nas questões do ordenamento do território, e é extremamente importante no contexto das Geociências. A interpretação da evolução de vertentes envolve uma grande multidisciplinaridade, quer para o estudo dos seus processos e mecanismos, quer para o estudo dos seus efeitos na população e no meio. Para o estudo dos efeitos dos movimentos de vertente recorre-se aos já bem conhecidos conceitos de Perigosidade Geomorfológica, de Vulnerabilidade e de Risco. Para o estudo da evolução das mesmas, há alguns pontos a ter conta. Assim, do ponto de vista Geológico há factores como a litologia, a textura, a estrutura e a rede de fractura-

ção que são da maior importância na interpretação da dinâmica de vertentes. Por outro lado, a nível Geomorfológico, torna-se fundamental analisar a morfologia das vertentes, a sua exposição, os declives, a densidade da rede de drenagem bem como a ocupação do solo. Também o estudo da precipitação, em termos de quantidade, intensidade e duração é fundamental, uma vez que a precipitação é o factor (natural) desencadeante de movimentos de vertente, no Norte de Portugal. Neste sentido, para o estudo dos movimentos de vertente há a necessidade de obter informação volumosa e com carácter necessariamente sistemático para permitir o posterior tratamento estatístico e representação cartográfica. A organização


96

Manuel Teixeira

deste trabalho implica a elaboração de fichas-inventário, que são utilizadas no trabalho de campo para o registo sistemático de todas as características consideradas fundamentais ao estudo da dinâmica de vertentes.

de vertente, Zêzere (1997) elaborou o quadro da figura 1.

Relacionada com os movimentos de vertente está, também, a temática dos Riscos Naturais, que contempla um vasto conjunto de conceitos que devem A elaboração de uma ficha-inventário tem que ter ser tidos em atenção antes, durante e após a ocorsempre em conta o contexto geológico e geomor- rência dos movimentos de vertente. fológico da área a estudar. Assim, para as diferentes áreas estruturais existentes em Portugal, Já no âmbito específico dos Riscos Naturais depor exemplo, há a necessidade de avaliar e definir fine-se Perigosidade Geomorfológica (Hazard in com clareza quais os parâmetros a ter em conta na Varnes, 1984) como a “…probabilidade de ocorelaboração da ficha-inventário para estudo pos- rência num período específico de tempo e numa determinada área, de um fenómeno potencialterior da área. mente danoso”. A Perigosidade corresponde basicamente ao mesmo que Susceptibilidade. Estes 2. Conceitos importantes conceitos são bastante restritos porque comporPor movimentos de vertente entende-se todo o conjunto de movimentações que ocorrem ao lon- tam apenas a dimensão espacial. O Hazard ingo de uma vertente, que envolvam uma desloca- clui, para além da dimensão espacial, a dimensão ção de materiais. Segundo Cruden (1991), Movi- temporal que não é contemplada no conceito de mento de Vertente é um “Movimento de descida, Perigosidade. Surge então o conceito de Evennuma vertente, de uma massa de rocha, terra ou tualidade, proposto por Baterira (2001), como designação alternativa a Perigosidade Geomorfodetritos”. lógica. A Eventualidade, para além da dimensão No entanto, os movimentos de vertente variam espacial, inclui também a dimensão temporal do quanto ao tipo, apresentando diferentes morfoHazard. logias e mecanismos. Segundo Zêzere (1997), a tipologia de movimentos de vertente hoje aceite A Vulnerabilidade é outro conceito que está ascomo mais correcta é a proposta por Dikau et al. sociado aos Riscos Naturais e corresponde ao (1996), que se baseia nas classificações de Varnes “grau de dano ou perda de um elemento ou de (1978) e WP/WLI (1993). No sentido de sistema- um conjunto de elementos em risco, resultante tizar a classificação da tipologia dos movimentos da ocorrência de um fenómeno natural com determinada magnitude ou intensidade” (Varnes, 1984), ou seja, equivale aos danos materiais e huTERMO ABRANGÊNCIA manos causados num local devido à ocorrência de Movimentos de vertente Desabamento um processo danoso. (Landslides) Balançamento Deslizamento Expansão lateral Escoada / fluxo Movimentos complexos Movimentos de terreno

Movimentos de vertente Subsidência (abatimentos; assentamentos) Expansão – retracção em solos argilosos

Movimentos de massa

Movimentos de terreno Movimentos associados ao gelo e à neve

Fig 1. – Abrangência dos termos movimentos de vertente, movimentos de terreno e movimentos de massa: proposto por Zêzere (1997).

O Risco (Risk) é o outro conceito que é importante referir no domínio dos Riscos Naturais, uma vez que não é mais do que o produto da Eventualidade pela Vulnerabilidade, multiplicado pelos elementos em risco: Risco = Eventualidade x Vulnerabilidade x Elementos em Risco. Assim, o risco assume-se como uma quantificação da probabilidade de ocorrência de um fenómeno natural e das perdas potenciais que possam advir da sua ocorrência e expressa-se pela relação entre meio activo / agente passivo (fig. 2).


Movimentos de Vertente

MEIO FÍSICO EVENTUALIDADE Probabilidade de ocorrência de um processo natural potencialmente destruidor num determinado momento

MEIO ACTIVO

HOMEM RECURSOS

INTERVENÇÃO Todo o conjunto de modificações que o Homem introduz no meio natural

Todo o conjunto de elementos que fazem parte do meio ambiente natural

MEIO PASSIVO

AGENTE ACTIVO

VULNERABILIDADE Do Homem e suas actividades face às agressões do meio

AGENTE PASSIVO

IMPACTE AMBIENTAL

RISCO NATURAL

Fig 2. Esquema interpretativo da relação entre homem e ambiente, Panizza (1990). Adaptado.

3. Factores importantes para a ocorrência de Movimentos de Vertente “Os movimentos de vertente podem ter múltiplas causas, incluindo as geológicas, morfológicas, físicas e humanas (Alexandrer, 1992; Cruden e Varnes, 1978, in Wieczorek: 1996). Os movimentos de vertente desencadeiamse e evoluem a partir de determinados factores (desencadeantes e condicionantes), de origem natural ou antrópica. O primeiro de entre eles é o Factor Hidroclimático. A precipitação é o factor desencadeante, sobretudo no Norte de Portugal, uma vez que os movimentos de vertente nesta área do país ocorrem sempre na sequência de períodos de precipitação abundante (Bateira, 2001), independentemente da existência, ou não, de influência antrópica que prepare a sua ocorrência. No caso de existir influência antrópica, a quantidade de precipitação necessária para o desencadeamento de movimentos de vertente é bastante inferior. De acordo com vários estudos feitos no Norte de Portugal, o desencadeamento dos movimentos de vertente (fig. 3) efectua-se, maioritariamente, após um longo período de precipitação, sendo geralmente mais importante a duração (Bateira, 2001) do episódio chuvoso do que a sua intensidade, para este efeito, pois é pelo acumular de precipitação que ocorrem rupturas nas vertentes por perda de coesão destas e pelo peso que aquela exerce sobre estas. No entanto, a intensidade torna-se importante no desencadear de movimentos

Fig. 3 – Efeitos da precipitação nas vertentes.

rápidos, em mantos de alteração peliculares, pois através de um “pico de precipitação” estes atingem rapidamente a saturação e desencadeiam-se movimentos rápidos e torrenciais. A precipitação é determinante, no entanto depende da litologia, isto é, são as condições de infiltração, circulação e armazenamento da água no solo que determinam a sua maior ou menor capacidade de resistência à ruptura. É, normalmente, após a saturação das formações superficiais que se processa a movimentação dos materiais nas vertentes. Assim, as características litológicas determinam uma maior ou menor taxa de infiltração. Caso haja formações impermeáveis, a capacidade

97


98

Manuel Teixeira

de escoamento é baixa e regista-se uma grande acumulação de água a montante das mesmas, aumentando o peso e a pressão, daquela, que irá determinar a instabilidade na vertente. O aumento do peso da água e da sua pressão a montante, ou no interior, das formações promove a sua perda de coesão desencadeando a ruptura. Se os maciços, ou formações, forem permeáveis, significa que têm boa capacidade de infiltração e de circulação de água no seu interior, sendo difícil a sua saturação, o que torna mais difícil a ruptura dos materiais das vertentes. A existência de mantos de alteração com uma textura grosseira e/ou textura fina com elevada porosidade poderá significar uma boa condutividade hídrica no interior das vertentes e, por consequência, uma boa capacidade de descarga do escoamento interno, aliviando a pressão da água no interior da vertente. Os Factores de ordem Geológica são a litologia, a estrutura, a presença de mantos de alteração e outras formações superficiais, falhas, filões e rede de fracturas. A litologia assume um papel importante, pois o tipo de mecanismo (de movimentos de vertente) varia de acordo com a litologia. No entanto, mais importante ainda, é a existência de formações superficiais (mantos de alteração, depósitos de vertente, coluviões, solos residuais) as quais são bastante susceptíveis de se movimentarem. As formações superficiais caracterizamse por ser um material menos resistente e mais susceptível à alteração do que a rocha-sã. Uma vez assentes sobre a rocha-mãe (sã), as formações superficiais, devido à sua menor coerência face a esta, são mais susceptíveis de se movimentarem, pois assentam sobre um substrato sólido, resistente e impermeável, que promove a saturação e instabilidade no contacto entre as duas formações. Também a existência de uma densa rede de fracturação é muito importante, facilitando a infiltração da água no interior dos maciços, o que promove a sua ruptura no contacto com o manto de alteração ou outro tipo de formação superficial como os depósitos, uma vez que o plano de descontinuidade, se impermeável, ao saturar com água, comporta-se como plano de ruptura e de deslizamento dos materiais sobrejacentes, pois as forças tangenciais, reforçadas pelo peso da água, sobrepõem-se às forças de atrito dos materiais (Bateira, 2001).

Os Factores de ordem Geomorfológica incluem o declive, que se assume como fundamental para a ocorrência de movimentos de vertente, na ausência de vegetação, pois quanto maior for o declive maior será a influência da força de gravidade sobre os materiais existentes nas vertentes que, caso estejam fragilizados, facilmente se desagregam e se movimentam ao longo da vertente. Nas áreas graníticas do Norte de Portugal, os declives necessários para que um movimento de vertente ocorra são, em geral, elevados, entre 30º a 34º (Bateira, 2001). Já nas áreas sedimentares, argilosas e dos Complexos silto-argilosos, os declives necessários para a ocorrência de movimentos de vertente são, geralmente, menores (Bateira, 1991). O Coberto Vegetal é outro factor de grande importância, sobretudo pela sua ausência, uma vez que funciona como sustentáculo dos materiais das vertentes, pela acção das suas raízes. No entanto, a existência de vegetação pode funcionar como um factor desencadeante de movimentos de vertente, pelo alargamento das raízes que penetram nas fendas das rochas e podem desencadear quedas de blocos. As raízes também podem impedir a normal circulação da água nas vertentes, armazenando-a a montante. Em condições de elevada precipitação, o solo desagrega-se. A Forma da Vertente é também muito importante. Se as vertentes forem rectilíneas, muito declivosas e constituídas por materiais impermeáveis, a infiltração é difícil, havendo muito escoamento superficial e, por isso, pouca pressão no interior das vertentes devida a excessiva acumulação de água. Se estas forem entremeadas por rechãs, aumenta a infiltração de água podendo ocorrer a consequente saturação, seguida de ruptura na vertente. Em vertentes muito declivosas, e geologicamente coerentes, dificilmente se desenvolverão processos geomorfológicos desencadeados pelo factor hidrológico. Os Encaixes da Rede de Drenagem são outro factor que facilita a ocorrência de movimentos de vertente pelo seu carácter convergente, o que promove a confluência para um mesmo ponto de todo o escoamento, saturando-o. Neste sentido, em áreas com encaixes vigorosos da rede de drenagem, a probabilidade de ocorrência de movimentos de vertente é elevada. Também em vales estreitos, a torrencialidade das águas é forte, levando a um forte trabalho de sapa na base das vertentes, o que leva à sua instabilização por


Movimentos de Vertente

perda de sustentação na base, e ao consequente desencadeamento de processos de instabilidade, retrogressivamente, ao longo da vertente. Os Factores de ordem Antrópica podem preparar e desencadear movimentos de vertente sem que ocorra nenhum dos factores de origem natural atrás enunciados. Neste sentido, a alteração do perfil natural das vertentes, pela remoção dos seus materiais constituintes, assume um importante contributo para o desencadear de processos de instabilidade. Também o empilhamento de materiais com características diferentes das dos materiais originais, nos sectores mais elevados das vertentes, assume um papel determinante para a sua instabilidade. Desta forma, o Homem está a criar impacte ambiental, pois actua activamente sobre o meio passivo e desencadeia o Hazard que, aliado à vulnerabilidade, gera o risco. Neste sentido, o Homem promove o impacte ambiental, vindo depois a ser afectado pelo resultado da sua acção (fig. 2). O Homem pode ser causador de instabilidade nas vertentes ao ocupar e obstruir linhas de água, levando a uma forte acumulação de água, a montante, que desencadeará um processo de ruptura e consequente movimento de vertente com carácter rápido, do tipo dos fluxos e dos deslizamentos de lama e de detritos. O desvio de linhas de água, bem como a falta de um sistema de drenagem eficaz também permitem a acumulação da água em pontos de convergência nas vertentes, provocando altos níveis de instabilidade nas mesmas e consequentes movimentações ao longo destas. O deslocamento / retirada da base de apoio das vertentes para a construção de estradas ou habitações é outro factor potencialmente gravoso na instabilidade de vertentes. Assim, a acção destruidora do Homem tem um papel cada vez mais importante no desencadear de fenómenos de instabilidade de vertentes, pelo aumento da sua intensidade e frequência. Outras acções antrópicas incompreensíveis são a ocupação de leitos de inundação ou a ocupação de áreas litorais por construções sem regulamentação nem qualquer rigor. 4. Metodologia de Inventariação e Análise dos Movimentos de Vertente “ (…) O estudo dos movimentos de vertente à escala regional deve basear-se numa inventariação sistemática conducente à

criação de um banco de dados, que permita a quantificação das relações entre as manifestações de instabilidade e as características geológicas e geomorfológicas do terreno” (Carrara et al., 1982). Todos os movimentos de vertente, por nós levantados e catalogados, foram acompanhados de uma ficha-inventário, criada especificamente para a área de estudo (Arcos de Valdevez), tendo em conta as suas características geológicas e geomorfológicas . Neste caso, o inventário tem uma identificação com o nome do local, o número do inventário, a data, localização (coordenadas UTM), a classificação do acidente, a data de realização do levantamento, o número da carta correspondente, à escala 1/25 000, e ainda alguns relatos caracterizadores do local. A nível dos parâmetros de inventariação, propriamente ditos, o inventário começa pela descrição dos parâmetros morfológicos do movimento, em que são postos em evidência a altitude no local da ruptura do movimento; a orientação do movimento; a forma da vertente (côncava, convexa, rectilínea) a sua exposição; o declive da vertente na área afectada; a área afectada e a extensão longitudinal e transversal do movimento. Dentro deste ponto é descrita a Morfologia do movimento, na qual se registam a altura e a largura do movimento, o tipo de cisalhamento (simples ou múltiplo) e ainda o tipo de cicatriz (área onde se desencadeia o primeiro arranque do movimento) que pode ser simples ou múltipla. Também é importante caracterizar a Morfometria do movimento em que são determinadas todas as medidas: comprimentos e larguras da área de deplecção e da área de acumulação e, ainda, é calculada a extensão de deslocação do movimento de vertente. A Morfodinâmica é outro aspecto de grande importância na análise e estudo dos movimentos de vertente. A este nível apresenta-se um quadro, (Santos et al., 2003), no qual são inseridos dados relativos ao tipo de movimento e ao seu estilo de actividade, estado de actividade e, ainda, dados relativos à distribuição espacial da actividade do mesmo. A Morfologia das Vertentes é outro parâmetro muito importante, no qual se apresentam a distância topo-base, paralela à vertente, a exposição da vertente, a sua altitude máxima e o seu perfil longitudinal e transversal – côncavo, convexo, rectilíneo – (fig. 4).

99


100

Manuel Teixeira

Fig.4 Esboço do Fluxo de Detritos da Fraga dos Pastorinhos (referente à fig. 6) e da área envolvente. Fonte: Carta topográfica à escala 1: 10 000, Câmara Municipal de Arcos de Valdevez. 1. Curva de Nível Mestra; 2. Curva de Nível Secundária; 3. Rio Peneda; 4. Canais de Escoamento Activos; 5. Cone de Dejecção / Depósito de Vertente; 6. Sector de Arranque e Área de Transporte; 7. Blocos Rolados; 8. Ponto cotado; 9. Falha; 10. Falha, provável.

No final da componente geomorfológica do inventário faz-se uma referência à Hidromorfologia (densidade da rede de drenagem, linhas de água de primeira ordem e secundárias) e à ocupação do solo (inculto, matagal, floresta, tipo de cultura). Também é registada a existência, ou não, do factor antrópico quer pela existência de construção que altere o perfil natural e a estabilidade das vertentes, quer pela criação de patamares agrícolas nas mesmas, sendo determinada a sua importância no desencadeamento de processos de instabilidade. Quanto aos parâmetros Geológicos, o inventário deverá conter informações acerca do tipo de substrato rochoso (qual o tipo de rocha), se existem formações superficiais, que tipo de formação (manto de alteração, depósito ou solo) e qual a sua espessura no local.

Fig. 5 - Carta de declives da Gavieira. P- Peneda; R- Rouças; FPFraga dos Pastorinhos.

lizámos a ficha-inventário. No terreno, guiámonos por cartografia de base com recurso às Cartas Militares nº 8, 9 Gavieira (Arcos de Valdevez), 16 e 17 à escala 1:25 000. Para obter as coordenadas e as altitudes, no campo, foi utilizado um aparelho GPS, enquanto que para se efectuarem as medições relativas ao comprimento e largura bem como da altura das vertentes e dos movimentos, foi utilizado um Medidor de Distâncias. Também foi utilizado outro material (câmara de filmar e fotográfica), para registo digital das ocorrências, um Martelo de Geólogo para avaliar directamente o estado dos materiais e uma Bússola para determinar a orientação dos movimentos. No gabinete foi produzida cartografia – mapas de declives (ex.: fig. 5), exposição de vertentes, mapas de relevos 3D, mapas hipsométricos, esboços morfolóPara a realização dos referidos levantamentos de gicos, esboços litológicos e esboços de pormenor campo, utilizámos vários instrumentos de tra- (fig. 4) – para além da já realizada no campo e balho. Assim, para a anotação das características foram analisados todos os dados recolhidos nas principais de cada movimento e das vertentes, uti- fichas-inventário, fazendo contraponto entre as


Movimentos de Vertente

CZ

CM

BM

Fig. 6 Fluxo de Detritos da Fraga dos Pastorinhos. CZ- Cicatriz do movimento; CM- Corpo do movimento; BM- Base do mivimento.

diferentes litologias e toda a condicionante geomorfológica que envolvia cada uma das áreas. 5. Casos de Estudo Práticos A nossa área de estudo principal, corresponde à área de transição entre a Serra da Peneda e a Serra Amarela, área abrangida pela Carta Militar nº 9, à escala 1: 25 000, bem como as áreas de Ermelo, Várzea e Enxerto, as quais têm algumas variações litológicas entre si. As diferenças litológicas registadas nos diferentes sectores da área de estudo evidenciaram diferentes comportamentos das vertentes face à instabilidade. Assim, em áreas com mantos peliculares, os movimentos de vertente são de maior frequência e atingem velocidades elevadas como os fluxos de lama e detritos, sobretudo, visíveis na Fraga dos Pastorinhos (fig.6). Geologicamente, esta área é constituída por granito porfiróide de grão grosseiro a médio, biotítico. Os declives elevados, na ordem dos 40º – 45º (fig. 5), não permitem a fixação de materiais pouco coerentes (formações superficiais) na

vertente nem a possível formação de solos. Logo, a vegetação ali existente é de pequeno porte, quer pela falta de solo, quer pela falta de sustentação, devido aos elevados declives. Nesta área os afloramentos rochosos são uma constante, fruto das movimentações frequentes que se registam nas vertentes que deixam a rocha-mãe a descoberto, como se pode ver na figura nº 6. Este fluxo tem um comprimento máximo superior a 200m, uma largura máxima de 45m, tendo uma orientação ENE-WSW. A sua superfície de ruptura situa-se a uma altitude de 633m, precisamente, e a sua frente de sedimentação encontrase nos 400m, junto ao Rio da Peneda. Na mesma área (Gavieira – no lugar de Rouças) foi encontrado um outro tipo de movimento assente sobre Metassedimentos do Silúrico Indiferenciado, em que a sua exposição era a única entre os casos estudados – exposição a N. Em vertentes expostas a Norte, como é o caso da vertente onde se localiza o Movimento Complexo de Rouças (fig.7), as formações superficiais são mais espessas, resultando de uma forte alteração química, mas sobretudo mecânica que tem origem em altos níveis de humidade existentes, os quais derivam do baixo número de horas de insolação naquela vertente, permitindo a conservação do gelo e da humidade durante muito tempo. Esta situação dá origem a uma forte alteração em profundidade, favorecendo a formação e desencadeamento de movimentos de vertente profundos e lentos (deslizamentos rotacionais, por exemplo). O movimento de vertente de Rouças (fig.7) foi o único movimento complexo registado, pois apresentava um deslizamento rotacional, (processo inicial) apresentando depois, nas suas bordaduras, processos de queda de blocos e, na parte terminal, fluxos de detritos, materializados por um canal principal, bem definido, que transportava material grosseiro heterométrico (blocos angulosos, seixos e areias) por processos de torrencialidade. As argilas foram as primeiras a serem removidas. Toda esta situação está nitidamente relacionada com a formação litológica metassedimentar lá existente: Xistos pelíticos com intercalações de quartzitos e liditos, do Silúrico Indiferenciado e com orientação NE-SW a ENE-WSW (Notícia Explicativa da Folha 1-D). O desencadeamento do movimento terá sido causado pelo carácter

101


102

Manuel Teixeira

Fig. 7 Movimento Complexo de Rouças

bastante espesso, a acção humana foi determinante. Apesar de existir um manto de alteração (saibro granítico) espesso, a ruptura foi inevitável, sobretudo pela retirada do apoio da base de uma vertente. Nessa vertente, a criação de patamares agrícolas implicou a deformação da forma original da mesma, tendo sido criados declives abruptos sem qualquer tipo de sustentação. Aqui a intervenção humana por mais pequena que fosse, teve consequências desastrosas, resultando no desencadeamento de um fluxo que destruiu parte de uma habitação. Neste caso, houve um impacte ambiental que desencadeou o movimento de vertente. 6. Conclusões

Fig 8. Movimento de vertente em Enxerto. Fonte: INETI.

impermeável do substrato metassedimentar que bloqueou, a determinada profundidade, a infiltração da humidade, saturando a área de contacto entre este e o manto argiloso, com traços nítidos de ambiência periglaciar, nomeadamente pela existência de Moreias e Till subglaciário. Neste movimento (fig.7), também o declive teve um papel preponderante, à semelhança de todos os outros casos, sobretudo nas quedas de blocos. O desencadeamento do movimento ocorreu nos 710m e tem um comprimento de 89m e uma largura máxima de 74m. A orientação do movimento é de SSE-NNW. Os dois casos atrás apresentados têm origem, unicamente, na dinâmica natural. Contrariamente, em Enxerto (fig.8), numa vertente exposta a sul, bastante regularizada por depósitos de vertente e com um manto de alteração

Na nossa área de estudo, foram obtidos vários resultados após a análise dos dados recolhidos nos levantamentos de campo. Assim, conclui-se que a litologia é um factor primordial para o tipo de movimento desencadeado em cada área. Em vertentes com formações superficiais peliculares, o desencadeamento de movimentos de vertente é mais rápido, uma vez que há um bloqueio da circulação interna a pouca profundidade, no contacto das formações superficiais com a rochamãe. A existência de mantos de alteração é um factor de estabilidade, sobretudo quando estes atingem grandes espessuras, pois são o resultado de uma meteorização em profundidade, fruto da porosidade dos mesmos. Nesta situação, existe uma boa circulação hídrica no interior do solo, impedindo rupturas rápidas. Em áreas de mantos profundos, os movimentos acontecem com menos frequência e são mais lentos, do tipo do deslizamento rotacional, envolvendo grandes massas de material. A falta de coberto vegetal foi determinante no desencadeamento de movimentos em mantos peliculares e para as quedas de blocos (Sr.ª da Peneda). Como se previa, a acumulação sucessiva de precipitação é um factor fundamental para a ocorrência de movimentos de vertente, sendo na nossa área de trabalho o factor desencadeante principal, uma vez que se registaram quantitativos de precipitação elevados, com grandes períodos de duração e com bastante intensidade, como pudemos constatar. A acção antrópica foi um factor de instabilidade pouco significativo. Na nossa área de estudo, os factores desencadeantes bem como os factores condicionantes são sobretudo de


Movimentos de Vertente 103

ordem natural, exceptuando o caso de Enxerto. Assim, regista-se um domínio claro da susceptibilidade natural, sendo elevada, uma vez que grande parte da área por nós estudada tinha um baixo grau de ocupação humana. A Vulnerabilidade é baixa, na nossa área de estudo. No entanto, nas áreas povoadas que apresentam um grau de susceptibilidade geomorfológica acentuado, torna-se necessário adoptar um conjunto de medidas pró-activas como sejam a fiscalização e o respeito pela legislação, no sentido de serem consideradas as normas de segurança bem como a não ocupação de áreas potencialmente perigosas, como seja o sopé das vertentes com forte susceptibilidade geomorfológica. Agradecimentos: Um agradecimento especial ao Dr. Narciso Ferreira, pela oportunidade e pelo apoio prestado. Ao Prof. Doutor Carlos Bateira estou grato pela ajuda prestada na leitura e Supervisão do artigo. Ao Prof. Doutor Fernando Marques, agradeço a revisão do texto e as preciosas indicações dadas. Agradeço também ao meu colega de estágio, Vítor Figueiredo, pelo auxílio e companheirismo prestados no trabalho de levantamento de campo. Muito obrigado a todos.

massa na evolução actual de vertentes”. Actas do VI Colóquio Ibérico de Geografia, Porto. Campy, M. e Macaire, J. J. (1989) – Géologie des Formations Superficielles. Géodynamique – faciès – utilisation. Masson, Paris. 433 p. Carrara, A.; Sorriso-Valvo, M.; Reali, C. (1982) – “Analysis of landslide form and incidence by statistical techniques, Southern Italy. Catena, 9, Braunschweig, p. 35 – 62. Cruden, D. M. (1991) – “A simple definition of a landslide”. Bulletin of the International Association of Engineering Geology, 43, Paris, p. 27 – 29. Dikau, R.; Brunsden, D.; Schrott, L.; Ibsen, M.-L. (Eds.) (1996a) – Landslide Recognition. Identification, Movement and Causes. John Wiley & Sons, Chichester. 251 p. Ferreira, N. et al. (1987) – “Granitóides da Zona Centro Ibérica e seu Enquadramento Geodinâmico”. Libro Homenage a L. C. Garcia Figuerola. Madrid. Editorial Rueda, Parte I, Cap. 4, p.37 -51. IAEG COMMISSION ON LANDSLIDES (1990) – Suggested nomenclature for landslides. Bulletin of the International Association of Engineering Geology, 41, Paris, p. 13 – 16.

Leóne, F. (1996) – Concepts de Vulnérabilité Appliqué à L`évaluation des Risques Générés Alexandrer, D. (1992) – “On the Causes of par les Phénomènes de Mouvements de Terrains, Landslides: Human Activities, Perception and Éditions BRGM. Orléans, 274 p. Natural Processes”. Environment Geology and Pedrosa, A; Bateira, C; Soares, L. (1995) Water Sciences, Vol. 20, nº 3, p. 165 – 179. – “Covelo do Gerês: Contributo para o estudo Bibliografia

Bateira, C. (1991) – “Contributo para o estudo da dinâmica actual e riscos naturais na depressão de Ota e colinas de Alenquer-Merceana”. Porto, Revista da Faculdade de Letras – Geografia, I Série, Vol. VII, p.57 – 138.

dos movimentos de massa no Norte de Portugal”. Territorium, 2, p. 21 – 32.

Bateira, C; Soares, L. (1992) – “O fluxo de detritos de Cavez. Um exemplo de movimento de

Varnes, D. J. (1978) – Slope Movements Types and Processes. In Schuster, R. L.; Krizek, R.

Santos, J. G.; Bateira, C.; Teles, V.; Ferreira, R. (2003) – Susceptibilidade a Movimentos de Vertente - Diagnóstico e Caracterização de Bateira, C. (2001) – Movimentos de Vertente Sectores-Problema na Área Centro-Ocidental no NW de Portugal, susceptibilidade geomorfo- do Norte de Portugal. DRAOT-N / Grupo Espelógica e sistemas de informação geográfica; Dis- cializado em Riscos Naturais. 128 p. sertação de Doutoramento em Geografia Física, Varnes, D. J. (1984) – Landslide Hazard Zonaapresentada à Faculdade de Letras da Universida- tion: A Review of Principles and Practice - Natude do Porto; Porto. 447 p. ral Hazards, Nº3, UNESCO. Paris. 63 p.


104

Manuel Teixeira

J. (Eds.) (1996) - Landslides, Analysis and Con- WORKING PARTY ON WORLD LANDSLIDE trol. Transportation Research Board Special Re- INVENTORY, UNESCO (1993b) – Multilingual landslide glossary. International Geotechport, 176, Washington D. C., p. 11 – 33. nical Societies, Canadian Geotechnical Society, Wieczorek, G. F.; (1996) – Landslide Trigge- Richmond. ring Mechanisms. In Turner, A. K.; Schuster, Zêzere, J. L. (1997) – Movimentos de Vertente e R. L. (Eds.) (1996) – Landslides. Investigation Perigosidade Geomorfológica na Região a Norte and Mitigation. Transportation Research Board, de Lisboa. Dissertação de Doutoramento em GeSpecial Report 247, National Academy Press, ografia Física, apresentada à Faculdade de Letras Washington D.C, p. 76-90. da Universidade de Lisboa; Lisboa. 575 p.


Movimentos de Vertente 105

Inventário de movimentos de vertente ocorridos na área de Arcos de Valdevez Identificação · Nº: 04 · Nome: Rouças · Classificação do acidente: Movimento complexo (Desliz. Transl., fluxos, quedas) · Localização: 295618056 E / 4643829N · Data: 09/03/2006 · Mapa (1/25 000): 9 Arcos de Valdevez · Bacia de drenagem: Regato de Cabril · 1ºs Relatos e testemunhos recolhidos no local:

· Área do sector afectado: 6586m2 · Volume de material afectado: 100-999m3

Morfodinâmica · Tipo de movimento e actividade do movimento (estilo, estado e distribuição espacial da actividade): Tipo de Mecanismo Actividade

Estilo

Estado

Parâmetros morfológicos do movimento · · · · · ·

Altitude da área-fonte: 710m Orientação do movimento: SSE-NNW Inclinação da vertente na área-fonte: < 25º Inclinação das vertentes a meio: >= 45º (675m-700m) Inclinação da vertente na área final: <30º (657m-675m) Forma da vertente na área-fonte: côncava convexa x rectilínea · Exposição: SSE-NNW · Área afectada (aproximada): 6586m2 (89m x 74m) · Máxima extensão longitudinal: 89m · Máxima extensão transversal: 74m · Altura máxima na área de arranque: 3,5m-4m · Altura máxima na área frontal de sedimentação: 4m · Massas e volumetrias: ? · Massa do material movimentado: ? · Percentagem estimada para o fluido envolvido: Ar ? Água Cálculo matemático · Estimativa no terreno Técnica de pesagem

· Volume de material movimentado (m3) 10 - 99 100 - 999 x >1000 0-9 · Estimativa no terreno x

Desabamento Deslizamento Balançamento Expansão Fluxo Flecção Mov. Rotac / Trans Lateral Colapso Complexo

Simples Múltiplos Sucessivos Complexos e compósitos Activos Suspensos Inactivos Retroprogressivo Em avanço Em alargamento

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X X

Distribuição Em progressão Espacial Múltipla Em diminuição Em movimento Confinado

Morfologia da Vertente · · · · ·

Altura máxima: 1002m Exposição: SSE-NNW Distância topo/base vertente: 345m convexo x rectilíneo Perfil vertical: côncavo convexo x rectilíneo Perfil horizontal: côncavo

Hidromorfologia · Densidade da rede de drenagem: Densa Pouco densa Muito densa · Linhas de água de 1ª ordem · Linhas de água secundárias · Barragens x · Reservatórios hídricos

Incipiente x

Cálculo matemático

· Cicatriz: Simples Múltipla x · Altura: 53m · Extensão: 89m (comp.) / 64m (larg.) Múltiplo x · Cisalhamento: Simples

Notas: A rede de Drenagem, apresenta uma densidade incipiente, onde predomina o escoamento hipodérmico, do topo até, sensivelmente, ao meio da vertente, local a partir do qual este escoamento se torna superficial. É a partir deste local que se despoleta o movimento, devido a descontinuidades no substrato, o que, provavelmente, acentuou a descontinuidade e levou à

Morfometria

ruptura do mesmo.

Morfologia

· Comprimento da área de deplecção: 15m · Comprimento da área de acumulação: 74m · Comprimento total: 89m · Comprimento sup. ruptura exposta: 53m · Largura da área deplecção: 30m · Largura máxima da área afectada: 74m · Extensão da deslocação: 89m · Profundidade máxima do plano de ruptura: 3,5-4m

Ocupação e uso do solo · · · · ·

Inculto Matagal Pastagem Floresta: Eucalipto Culturas: Cereal

Pinheiro Outros x Pomar Horta Arvoredo


106

Manuel Teixeira

Geologia das formações superficiais/substrato · Solo · Outros x (Manto de alteração, depósitos de vertente) · Espessura do substrato (Manto alteração): Inexistente até 50 cm de 50 a 100cm de 100 a 200 cm de 200 a 300 cm > 300 cm x · Espessura do substrato (Depósito de vertente): Inexistente de 20 a 30 cm

< 10 cm de 10 a 20 cm de 30 a 50 cm x > 50 cm

· Predominância de: Argila x Areia Granito são Granito alterado Calhaus Blocos x · Aspecto do material afectado: Sólido x

Pouco sólido

Solto

Plástico x

· Causas prováveis: Litológica Estrutural x Permeabilidade Obstrução drenagem x Declive x Morfologia x · Factor antrópico: Desflorestação Aterro Estrada Taludes

Desaterro

Documentos utilizados para Inventário/Registo/ Cadastro Carta militar Nº 9, Gavieira (Arcos de Valdevez), 1:25000; GPS, MAGELLAN (Meridian Gold); Medidor de distancias BUSHNELL (Yardage Pro); Câmara Fotográfica Digital Benq, Câmara de Filmar Thomson; Martelo de Geólogo; a indispensável resiliência dos dois elementos humanos neste trabalho.

Aspectos importantes: O movimento aqui descrito situa-se no lugar das Rouças na vertente de Topete, com orientação SSE-NNW, junto ao Regato de Cabril, na confluência do Rio da Gingiela e do Regato da Feicha. O movimento desenvolve-se a uma altura de 710m, tendo uma extensão de 89m desde a sua cicatriz principal até à frente de sedimentação, no Regato de Cabril. O estado dinâmico deste movimento fica a dever-se ao trabalho de sapa na base do mesmo, desenvolvido pela força da água na base da vertente, o que leva a uma consequente perda de apoio daquela e acaba por despoletar uma sucessão de movimentos interligados. A vertente na qual foi detectado este movimento tem uma altitude máxima de 1002m, registando-se na sua base 657m. Quanto ao movimento em si, pode classificar-se como um movimento complexo, pois este é um movimento que, como refere VARNES, (1978, pp.20-21), “(…) evidencia a combinação de um ou mais dos principais modos de movimento (…)”. Assim, este movimento complexo, quanto à sua actividade, tem um estilo múltiplo, pois regista-se uma repetição do mesmo tipo de movimento em diferentes sectores do movimento (ZÊZERE, 1997, p.58); um estado activo, pois as movimentações são recentes e tendem a repetir-se num futuro próximo, à semelhança do que COOKE e DOORNKAMP (1990, p. 112),

haviam definido. Relativamente à distribuição espacial, este movimento complexo apresenta carácter retroprogressivo. Para concretizar um pouco mais, o movimento em questão é complexo por apresentar mais de um tipo de movimento visível, conciliando um deslizamento principal com alguns secundários (a*) de carácter translacional, com superfície de deslizamento bem definida, com estilo múltiplo, estado activo e distribuição espacial retroprogressiva, dadas as múltiplas fendas/cicatrizes abertas, prontas a desabar. Os deslizamentos são ainda conciliados com desabamentos simples, activos e em avanço, isto é, o seu plano de ruptura expande-se na direcção do movimento do material deslocado (WP/WLI, 1993a; 1993b in ZÊZERE, 1997, P.59). Este mesmo movimento apresenta, também, fluxos de detritos múltiplos, activos e em alargamento. Em termos geológicos há a destacar o predomínio de rochas metassedimentares, com grandes blocos e de argilas. Outro elemento a destacar é a existência de mantos de alteração bastante desenvolvidos em todo o sector de análise, diminuindo a sua espessura com a subida em altitude. No seguimento desta mesma linha temos os depósitos de vertente que são mais desenvolvidos na base da vertente, com cerca de 3m de espessura, apresentando cerca de 50 cm nos 710 metros de altitude. Os dois elementos acima descritos dão a conhecer uma dinâmica climática bastante activa, que actua sobre a litologia originando que esta apresente, alterações/instabilidade dignas de um cuidadosa catalogação. Nos factores climáticos destacamos a precipitação, e a Crioclastia estas bem presentes na altura do levantamento deste movimento de vertente. Foto do aspecto global do movimento (ver fig. 7 no texto).


Normas para Publicação Aos autores 1. Os originais devem ser enviados para qualquer um dos editores da publicação, de preferência por e-mail em formato word ou versão compatível. Também poderão ser enviados pelo correio desde que acompanhados de uma cópia em suporte digital. 2. A parte de texto não deve incluir quaisquer figuras, fotos, quadros, gráficos, etc., apenas deve estar assinalado onde devem ser inseridas pelas respectivas legendas a cor azul e corpo 8 pt. 3. O texto em papel deverá ser apresentado em Times New Roman de 11 pt, espaço simples, em páginas A4 com margens laterais de 2 cm. Separar os parágrafos com espaço e meio (não utilizar tabulamento) e os termos a itálico e ou negrito deverão estar devidamente assinalados. 4. As figuras, estampas, fotos, etc. (separados do texto) devem ser enviadas em formatos tiff, jpeg, psd (com resolução de 300 dpi), ppt ou xls. Caso entenda enviar impresso p.f. fazê-lo em papel A4 (80g ou sup.). Todos estes elementos devem estar devidamente numerados de forma a serem identificados no texto. 5. Na primeira página deve figurar: o título do artigo em corpo 16 pt.; o nome do(s) autore(s) em versaletes de 10pt; resumos e palavras-chave, bem como instituição, morada do autor e e-mail em corpo 8 pt. Deve ainda ser apresentado um resumo em português e um resumo numa língua diferente da usada no artigo (inglês de pref.). 6. Deve utilizar o menos possível notas infrapaginais. 7. Os espaços a respeitar, importância dos títulos e subtítulos deverão ser claramente assinalados. 8. As referências bibliográficas, no texto, deverão conter o último nome do autor, seguido da data de edição entre parêntesis. 9. A bibliografia, no final do texto, deve ser disposta por ordem alfabética segundo o último nome do(s) autor(es), seguindo-se a data da edição, título da obra, editor, paginação. Caso se trate de artigo periódico, a seguir ao título mencionar: título do periódico em itálico, editor, local de edição, volume ou tomo (normal), fascículo ou parte (entre parêntesis) e paginação. 10. Os trabalhos recebidos pela comissão editorial serão submetidos a parecer de avaliadores externos à mesma comissão; 11. Para aceitação da comissão editorial, os trabalhos apresentados deverão ser originais; trabalhos não originais propostos à comissão editorial serão devidamente assinalados. 12. A Comissão Editorial reserva o direito de aceitar ou rejeitar os trabalhos enviados para publicação.


Anuncie na nossa Revista! entre em contacto connosco e informe-se dos nossos preรงos


Geotecnia e Estruturas de Fundação SA

PROSPECÇÃO E CONSULTORIA GEOTÉCNICA CONTROLE E OBSERVAÇÃO DE OBRAS LABORATÓRIO DE MECÂNICA DE SOLOS E ROCHAS PROJECTO E EXECUÇÃO DE ESTRUTURAS GEOTÉCNICAS

Rua Dr. João Barros n.º 13 E-G 1500-230 Lisboa * Contribuinte: 500 126 321 * Alvará n.º 10458 * E-mail: mail@geocontrole.pt * www.geocontrole.pt * Tel.: (+351) 217 152 111 Fax: (+351) 217 150 460


índice 1 Ruptura com palavras e ideias sobre as mudanças actuais do clima e da faixa costeira (praias, dunas e arribas) Gaspar Soares de Carvalho

9 Dois casos de mudanças antrópicas na faixa costeira (praias e dunas) do noroeste de Portugal Segmentos costeiros de Leça da Palmeira-estuário do Douro e de Aguda-Espinho G. Soares de Carvalho, Helena Granja & Ana Luísa Costa

17 Novos dados para o conhecimento dos icnofósseis da Formação Santa Justa (Arenigiano, Ordovícico Inferior) na região de Arouca (Zona Centro-Ibérica, Portugal Central) Artur Abreu Sá, Manuel Valério, Carla Santos, Tânia Magalhães & Pedro Almeida

33 Modelação Analógica de Fenómenos Geológicos Uma Experiência na Formação de Professores E. Bolacha, H. A. Moita de Deus, R. Caranova, S. Silva, A. M. Costa, J. Vicente & P. E. Fonseca

57 A Petrograf ia na Avaliação da Reactividade de Agregados para Betão Isabel Fernandes

73 A Qualidade da a´gua na Bacia Hidrográf ica do Rio Sôrdo (Norte de Portugal) I. Caracterização Físico-química e Bacteriológica da Água Superficial M. R. Pereira, M. J. Saavedra, C. Alves, F. Martins, M. Machado & S. Lopes

87 A Qualidade da a´gua na Bacia Hidrográf ica do Rio Sôrdo (Norte de Portugal) II. Roteiro Didáctico M. R. Pereira, M. J. Saavedra, C. Alves, F. Martins, M. Machado & S. Lopes

95 Movimentos de Vertente Factores de Ocorrência e Metodologia de Inventariação Manuel Teixeira


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.