DIREITO E LEI1 Roberto Lyra Filho2 A maior dificuldade, numa apresentação do Direito, não será mostrar o que ele é, mas dissolver as imagens falsas ou distorcidas que muita gente aceita como retrato real. Se procurarmos a palavra que mais freqüentemente é associada a Direito, veremos aparecer a lei, começando pelo inglês, em que law designa as duas coisas. Mas já deviam servir-nos de advertência, contra esta confusão, as outras línguas, em que Direito e lei são indicados por termos distintos: lus e lex (latim), Derecho e ley (espanhol), Diritto e legge (italiano), Droit e loi (francês), Recht e gesetz (alemão), Pravo e zakon (russo), Jog e torveny (húngaro) e assim por diante. Noutra passagem deste livrinho, teremos de enfrentar a sugestão do grego, em que nomos (lei) também não se identifica, sem mais, com o Direito e Dikaion propõe a questão do Direito justo. As relações entre Direito e Justiça constituem aspecto fundamental de nosso tema e, também ali, muitas nuvens ideológicas recobrem a nua realidade das coisas. Em todo caso, não se trata de um problema de vocabulário. A diversidade das palavras atinge diretamente a noção daquilo que estivermos dispostos a aceitar como Direito. Por isso mesmo, os autores ingleses e americanos têm de falar em Right, e não law, quando pretendem referir-se exclusivamente ao Direito, independente da lei ou até, se for o caso, contra ela (isto não significa, note o leitor, que o verdadeiro Right não possa ser um Direito legal, porém que ele continuaria a ser Direito, se a lei não o admitisse). A lei sempre emana do Estado e permanece, em última analise, ligada a classe dominante, pois o Estado, como sistema de órgãos que regem a sociedade politicamente organizada, fica sob o controle daqueles que comandam o processo econômico, na qualidade de proprietários dos meios de produção. Embora as leis apresentem contradições, que não nos permitem rejeita-las sem exame, como pura expressão dos interesses daquela classe, também não se pode afirmar, ingênua ou manhosamente, que toda legislação seja Direito autêntico, legítimo e indiscutível. Nesta última alternativa, nós nos deixaríamos embrulhar nos "pacotes" legislativos, ditados pela simples conveniência do poder em exercício. A legislação abrange, sempre, em maior ou 1 2
(Texto extraído de O que é Direito. Rio de Janeiro, Ed. Brasiliense, 1982) Professor Emérito da Universidade de Brasília; Fundador da Nova Escola Jurídica Brasileira.