Degusta barreiras

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Floriano Alves Borba

APED - Apoio e Produção Editora Ltda.





Floriano Alves Borba


Copyright © 2013 by Floriano Alves Borba Todos os direitos desta edição reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo eletrônico ou mecânico, fotocopiada ou gravada sem autorização expressa do autor. ISBN: 978-85-8255-102-8 Projeto gráfico e editoração eletrônica: Aped - Apoio e Produção Editora Ltda. Revisão: Aped - Apoio e Produção Editora Ltda. Capa: Zélia de Oliveira E-mail do autor: florianopacon@yahoo.com.br

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B718b Borba, Floriano Alves Barreiras / Floriano Alves Borba. - 1. ed. - Rio de Janeiro : APED, 2013. 268 p. : il. ; 21 cm. ISBN 978-85-8255-102-8 1. Literatura brasileira. I. Título. 13-07332 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-1 25/11/2013 27/11/2013

Aped – Apoio & Produção Editora Ltda. Rua Sylvio da Rocha Pollis, 201 – bl. 04 – 1106 Barra da Tijuca – Rio de Janeiro – RJ – 22793-395 Tel.: (21) 2498-8483/ 9996-9067 www.apededitora.com.br aped@wnetrj.com.br


Dedico este livro A Eunice Alves Cariry Sorominé, sertanista que tem dado a sua vida pela causa indígena brasileira, heroicamente, lutando contra a corrupção e o descaso de grande parte dos segmentos do governo que deveriam defender os interesses de nossos desamparados índios. A João Carlos Santa Rosa Cariry Sorominé, pela paciência de me esclarecer dúvidas quando a ele recorri. Aos índios da Casa do Índio, da Ilha do Governador, aos quais tive o prazer de conhecer e conviver.



Prefácio

Certa vez li uma reportagem sobre casamentos contratados pelos pais para os filhos que muito me indignou. Ficou-me na memória. Passaram-se os anos e vi que o problema era muito maior, vinha desde antes do tempo de Jesus tendo imbricações com a criação do dogma da indissolubilidade do casamento. Partindo desse problema veio a ideia do livro que visava combater a dominação, discriminação e injustiça sobre a mulher. Como escrevo com a técnica do deixa vir, outras ideias coligadas foram vindo: virgindade de Maria, imaculada concepção de Jesus, pureza do sexo, Jesus e Madalena, a questão indígena, linguística e outras foram entrando. O livro expressa opiniões minhas sobre múltiplos assuntos. Não espero que concordem com elas, mas só peço que não fujam de pensar sobre elas. Espero que este livro possa servir de esclarecimento para as pessoas, libertando-as de grilhões postos há séculos sobre as costas da humanidade, muitas vezes com a intenção puramente de dominá-la. Boa leitura. O Autor

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Sumário

Prefácio.................................................................................................................7 Casamento cigano.............................................................................................11 Capítulo 1 — Sucha ..........................................................................................15 Capítulo 2 — O emprego..................................................................................18 Capítulo 3 — Kiukiri ........................................................................................21 Capítulo 4 — Pai e filho....................................................................................24 Capítulo 5 — Dimitri .......................................................................................27 Capítulo 6 — Dácia ..........................................................................................30 Capítulo 7 — O saber........................................................................................33 Capítulo 8 — Tio Antonio................................................................................37 Capítulo 9 — A carta.........................................................................................40 Capítulo 10 — A feira de Leipzig....................................................................43 Capítulo 11 — A resposta.................................................................................46 Capítulo 12 — A carta de Basescu .................................................................50 Capítulo 13 — Gerda........................................................................................53 Capítulo 14 — Na empresa...............................................................................56 Capítulo 15 — Senhor Kiukiri.........................................................................59 Capítulo 16 — Rotinas......................................................................................62 Capítulo 18 — A febre......................................................................................69 Capítulo 19 — Sem febre .................................................................................73 Capítulo 20 — Sucha e tio Antonio ................................................................76 Capítulo 21 — Vulcão.......................................................................................79 Capítulo 22 — Pecado?.....................................................................................83 Capítulo 23 — Suchinha ..................................................................................87 Capítulo 24 — Indissolubilidade.....................................................................91 Barreiras • 9 •


Capítulo 25 — Divórcio....................................................................................95 Capítulo 26 — Distância ..................................................................................98 Capítulo 27 — A Assembleia Legislativa......................................................101 Capítulo 28 — O convite................................................................................105 Capítulo 29 — Sonhos de Sucha....................................................................108 Capítulo 30 — A viagem.................................................................................111 Capítulo 31 — Estado e Brasília....................................................................114 Capítulo 32 — O encontro.............................................................................118 Capítulo 34 — A Feira....................................................................................126 Capítulo 35 — O Fórum.................................................................................129 Capítulo 36 — O turismo...............................................................................132 Capítulo 37 — A volta.....................................................................................136 Capítulo 38 — O concurso.............................................................................139 Capítulo 39 — Os casamentos.......................................................................142 Capítulo 40 — Elvira.......................................................................................145 Capítulo 41 — Estudos ..................................................................................151 Capítulo 42 — A feira II.................................................................................155 Capítulo 43 — Dalva.......................................................................................158 Capítulo 44 — O Fórum II.............................................................................163 Capítulo 45 — O aniversário de Antonio ....................................................166 Capítulo 46 — Recomeço...............................................................................171 Capítulo 47 — Entrevista local......................................................................178 Capítulo 48 — Rede nacional........................................................................182 Capítulo 49 — Suchinha II.............................................................................189 Capítulo 50 — Alberto ...................................................................................192 Capítulo 51 — A Feira Romena.....................................................................195 Capítulo 52 — A entrevista............................................................................198 Capítulo 53 — A volta da Romênia...............................................................203 Capítulo 54 — O debate.................................................................................206 Capítulo 55 — Paz...........................................................................................210 Capítulo 56 — Guerra.....................................................................................213 Capítulo 57 — Secretaria................................................................................216 Capítulo 58 — Política....................................................................................219 Capítulo 59 — Projeto integração.................................................................222 Capítulo 60 — Barco escola ..........................................................................225 Capítulo 61 — Governo do Estado...............................................................228 Capítulo 62 — Escola de sertanistas.............................................................231 Capítulo 63 — Três anos.................................................................................233 Capítulo 64 — Jesus e Madalena ..................................................................236 Capítulo 65 — O país......................................................................................243 Capítulo 66 — A ONU...................................................................................250 Capítulo 67 — Kiukiri grisalho.....................................................................256 Capítulo 68 — Fundação Kiukiri..................................................................262 • 10 • Floriano Alves Borba


Casamento cigano Cerimônia tumultuada leva a Europa a debater o matrimônio de menores arranjado pelos pais AP Reuters

Birita e Ana-Maria na igreja e, à direita, a tristeza da noiva: casamento na infância

O casamento de Ana-Maria Cioaba, de 12 anos, com Birita Mihai, de 15, era o “acontecimento do ano”, na Romênia. Após a cerimônia numa igreja batista, no sábado 27, uma enorme festança de três dias aguardava os nubentes, com 400 convidados, muito vinho e doze leitões assados. A noiva trajava um vestido de 4.600 dólares e uma tiara de diamantes. O noivo, herdeiro de uma família abastada, parecia o príncipe encantado. O conto de fadas não era perfeito: além da pouca idade dos dois, abaixo dos 16 anos, mínimo que a lei romena exige para o casamento, havia outro impedimento, este irremediável: Ana-Maria não ama BiriBarreiras • 11 •


ta, e a hipótese de unir-se ao rapaz soava como um pesadelo para ela. Ana-Maria é uma princesa cigana e estava prometida para se casar com Birita desde os sete anos, em troca de 500 moedas de ouro. Seu pai, Florin Cioaba, é o autoproclamado rei dos romas, nome pelo qual os ciganos são chamados na Romênia. Infeliz e contrariada, Ana-Maria chegou a abandonar a cerimônia, numa fuga impetuosa, dessas que costumam ser vistas só nas novelas. Saiu da igreja chorando e soltando palavrões. Capturada a mando do pai, retornou minutos depois, ainda mais abatida. A cerimônia acendeu um intenso debate — que atravessou as fronteiras da Romênia — sobre casamentos arranjados entre crianças e adolescentes ciganos. A União Europeia chegou a sugerir que as chances de a Romênia integrar a organização, algo que deverá ocorrer em 2007, poderiam ficar comprometidas se alguma medida não fosse tomada. As autoridades então determinaram que os dois não poderão viver sob o mesmo teto nem manter relações íntimas até que completem a idade legal para se casar. Em vão. Na noite após a cerimônia, com a festa rolando solta, a família do noivo exibiu orgulhosamente aos convidados um lençol ensanguentado, para provar que o casamento fora “consumado”.

Florin, o rei: passeia de cetro e coroa de ouro

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Ana-Maria comentou depois com familiares que aquilo havia sido a pior coisa que já acontecera em toda a sua vida. “Ela sentiu como se uma pedra enorme tivesse caído sobre seu corpo”, disse um amigo da família. Estima-se que existam 10 milhões de ciganos, 60% deles vivendo na Europa Oriental. A Romênia, com 2,5 milhões de romas, abriga a maior concentração mundial. A tese mais aceita é a de que migraram do norte da Índia para a Europa há cerca de 1.000 anos, para fugir dos muçulmanos. Costumam ser chamados de “negros europeus” e sofrem preconceito até, em alguns países, com leis discriminatórias. Muitas tradições foram deixadas de lado, mas a do casamento arranjado pelos pais sobrevive. Muitos ciganos se tornaram sedentários e chegaram a prosperar. É o caso de Florin Cioaba, que tem impresso em seu cartão de visita o título de “rei internacional dos ciganos”. Seu padrão de vida comporta uma mansão com paredes incrustadas de pedras semipreciosas e o hábito de circular de cetro na mão e coroa de ouro na cabeça. Antes irredutível diante das pressões contra o casamento da filha, nos últimos dias aceitou o fato de os recém-casados viverem em casas separadas. “É justo e aceitável”, admitiu. Edição 1823, de 8 de outubro de 2003.

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Capítulo 1 — Sucha

Sucha é uma menina de 17 anos, sonhadora, romântica, estudiosa, não muito afeita a badalações. Vive na Romênia junto à sua comunidade cigana. Conversa com a mãe. — É porque é assim, minha filha. — Eu não aceito, mãe. — Mas já está acertado entre as famílias. — Primeiro: eu não vou casar com quem eu não quero. Se me obrigarem eu fujo. Segundo: eu quero estudar, coisa que consegui após muita luta. — Minha filha, você vai dar desgosto a seu pai. Ele é tão bom. — Mãe, eu gosto dele, mas ele não é tão bom. Ele é grosseiro com você e não está preocupado em dar desgosto à filha dele. — Mas todos os homens são assim. — Então, todos estão errados. — Mas as coisas foram sempre assim. — Mas podem mudar. O homem sempre andou a pé ou a cavalo, o dia que apareceu o carro ele tinha que continuar a pé ou a cavalo porque sempre foi assim? — Minha filha coopera. Isso vai só dar confusão. — Não. Eu não vou casar com quem não quero. Já falei até com ele. — Ele quem?! Barreiras • 15 •


— Dimitri. O noivo ma-ra-ra-vi-lho--so que vocês me arrumaram. — Ai! Céus. Pelos ancestrais. E qual foi a reação dele? — Não gostou. — Então vai dar confusão mesmo. A conversa é interrompida pelo som de chegada do pai, anunciado pelo barulho do portão. Não chegava só. Vinha com Dimitri e o pai dele. Essa situação não podia continuar assim. As coisas se esclareceriam. A autoridade dele, da família e da tradição não seria abalada pelos caprichos de uma menina. Adentra à casa, todo empinado e resoluto. — Sucha! — Sim, pai. — Responde Sucha sem se perturbar, sabendo que era melhor do que se alterar ou gritar. — Que história é essa de que não vai casar com o Dimitri? — Não é história. — Estás pensando que é assim? Que podes romper um acordo de família? — Disseste-o bem pai. Acordo de família, não meu. — Você vai se casar. Vai obedecer, você não tem escolha, e vai tomar uma surra agora para aprender. E parte para cima da menina, cioso de sua autoridade e direito de comandante do ninho doméstico. A menina, no entanto, sem se abalar ou fugir, retruca. — Bate pai, bate. Utiliza toda a tua autoridade da força. Como posso reagir, fraca que sou? Desacostumado a ser desobedecido o brutamontes se assusta e estaca por um momento. A menina então continua, sob o olhar de todos, a falar. — Disseste-o bem. Eu não tenho escolha. Nós mulheres não temos escolha, devemos casar com quem não amamos, mas vocês homens também. A diferença é que vocês, quando querem, arrumam outra mulher na rua e isso é tolerado, mas se nós tivermos outro homem somos adúlteras, levianas, prostitutas. — Cale a boca, sua insolente. • 16 • Floriano Alves Borba


— É mentira, pai? Então pergunte ao Dimitri se ele é virgem. E se ele me aceitaria se eu não fosse. — Pode bater, pai. Pode bater o quanto quiser. Pode bater até me matar, não vai adiantar. Eu não vou mudar de ideia. O pai, rubro de vergonha frente às visitas, fica meio indeciso, mas precisando se impor faz menção de ir para cima da menina. Ouve-se então a voz do pai de Dimitri. — Basta Rublos. Não adianta. Mesmo que esse casamento se concretizasse seria um desastre. E sabes que, desde o início, eu não simpatizava com essa tradição. — Mas pai. — Diz Dimitri contrariado. — Dimitri. Quem fez o acordo fomos Rublos e eu. Da minha parte está rompido. Ademais vocês esqueceram que eu sou advogado? A constituição do país diz que todos são iguais perante a lei. A declaração de direitos humanos dá o mesmo direito a todos. Juridicamente a menina tem razão. É uma tradição, apenas uma tradição. Não é lei. E se dirige à menina, dá-lhe um abraço, pisca o olho e diz baixinho: — Coragem. Vá em frente. Se algum dia precisar, procure por mim. Dimitri, por sua vez, inconformado, vai embora falando bem alto que o assunto não tinha acabado. Rublos, ainda colérico, volta a gritar com a filha que se mantém imperturbável. — Não vou te expulsar de casa por caridade, mas a partir de hoje, fora teto e comida, você se resolve, inclusive estudo. É problema seu. E sai bufando deixando mãe e filha na sala. — Está vendo, minha filha. E agora? — E agora? Agora eu vou trabalhar. Vou fazer as coisas que sonhei. Mas casar com quem eu não quero, eu não vou. — Diz batendo o pé.

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