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Usina de Amorosidade, comunicação e turismo. Relatos de Usineiros Autopoiéticos Maria Luiza Cardinale Baptista Ricardo Augusto de Souza Rafael Muller Jennifer Bauer Eme Jéssica Souza Jônatas dos Reis Natalia Biazus Laís Alende Prates Renata Chies Ronaldo Velho Bueno André Luiz de Melo Naira Rosana Albuquerque (Universidade de Caixas do Sul) Artigo recibido: 30/09/2014 Artigo aceptado: 29/10/2014 Artigo publicado: 10/12/2014

Resume O texto apresenta a experiência do Amorcomtur! Grupo de Estudos em Comunicação, Turismo, Amorosidade e Autopoiese, da Universidade de Caxias do Sul, Brasil, a partir de uma discussão teórica e do relato de seus integrantes. Em especial, é apresentado o projeto Usina de Saberes em Comunicação, que começa a se ampliar também para a área do Turismo, em seus aspectos psicomunicacionais. A perspectiva teórica é transdisciplinar, sinalizando para a importância da lógica da amorosidade e autopoiese, na Comunicação, no Turismo, na Educação e suas transversalidades. O Amorcomtur! trabalha com estratégias metodológicas de orientação qualitativa e transdisciplinar, o que significa uma inflexão epistemológica e teórica alinhada com a visão complexa e sistêmica da Ciência contemporânea e o acionamento de uma lógica ‘caosmo’, plural e diversificada no que diz respeito aos instrumentos. A partir de uma cartografia bibliográfica e das rodas de conversa, os Encontros Caóticos da Comunicação e do Turismo, delineiam-­‐se estratégias de abordagem de diversos fenômenos nas suas áreas. Em síntese, o que se tem é uma ‘usina de saberes’, mas também uma ‘usina de pesquisadores’ em processo de formação, pesquisadores criativos, inventivos e dispostos a produzir pesquisa, no entrelaçamento marcado pela ética da relação, a amorosidade, em busca de um processo autopoiético, de reinvenção de si mesmos. Palavras chave: usina de saberes, comunicação, turismo, amorosidade, autopoiese Abstract This article presents the experience of Amorcomtur! – Group of Studies in Communication, Tourism, Lovingness and Autopoiesis at the University of Caxias do Sul, Brazil, based on a theoretical discussion and reports by its members. In particular, it presents the Communication Knowledge Factory project, which is also expanding to the area of tourism, in their psycommunicational aspects. Its theoretical approach is interdisciplinary, signaling the importance of the logic of lovingness and autopoiesis in Communication, in Tourism, in Education and its transversalities. Amorcomtur! works with qualitative and transdisciplinary methodological strategies, which means an epistemological and theoretical inflection aligned with the complex and systemic view of contemporary Science and the activation of a ‘chaosmo’


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logic whose instruments are plural and diverse. From a literature cartography and conversation circles – the Chaotic Meetings of Communication and Tourism – strategies are outlined to approach several phenomena in their respective areas. In sum, it is a “researcher factory”: creative and resourceful researchers who are willing to produce research in the intertwining that is marked by ethics in relationships, lovingness, in search for an autopoietic self-­‐ reinventing process. Keywords: knowledge factory, communication, tourism, lovingness, autopoiesis

O texto apresenta o relato de experiências de integrantes do Amorcomtur! Grupo de Estudo em Comunicação, Turismo, Amorosidade e Autopoiese, da Universidade de Caxias do Sul, buscando destacar, a partir desses relatos, os elementos que acreditamos representarem uma contribuição para as discussões da Nova Teoria da Comunicação e também para os processos de aprender, de realizar pesquisas, especialmente no campo da Comunicação Social, do Turismo e suas transversalidades. Entendemos que a vivência do grupo vem demonstrando conexões com diversos aspectos do pensamento contemporâneo, nessa perspectiva de uma Ciência da Comunicação que pulsa, que faz vibrar e aciona processos desejantes de mais investig(ação). A expressão usina está sendo utilizada aqui como referência direta ao projeto Usina de Saberes em Comunicação, desenvolvido na Universidade de Caxias do Sul (UCS). O grupo é formado, na sua maioria, por pesquisadores iniciantes, jovens pesquisadores, mobilizados pela Doutora Maria Luiza Cardinale Baptista, responsável, atualmente, por três projetos de pesquisa, na UCS: Imagem, Sujeito e Mídia e Usina de Saberes em Comunicação, do Curso de Comunicação Social, e Desterritorialização Desejante em Turismo e Comunicação: Narrativas Desejantes e de Autopoiese Inscriacional, do Mestrado em Turismo. O Amorcomtur! tem suas produções marcadas pela intensidade dos afetos e pelos investimentos desejantes, na tarefa de construção de uma epistemologia amorosa da Comunicação, de práticas de investigação coerentes com o caráter mutacional e caosmótico dos fenômenos contemporâneos e a consideração do que a coordenadora do grupo chama de Trama de Saberes. A lógica inscriacional e autopoiética também se mostra como marca potencializadora da compreensão da Comunicação como acontecimento e como desterritorialização, que transforma os sujeitos envolvidos nas vivências de comunicação na trama caosmótica . Pelas características do grupo, optou-­‐se pela produção de texto em estilo de relato, entremeado pelas pistas teórico-­‐conceituais que emergem, em diálogo com diversos saberes e a perspectiva da Nova Teoria da Comunicação. Sobre a Usina de Saberes -­‐ trata-­‐se da construção de uma cartografia bibliográfica, através de parcerias e envolvimento coletivo de alunos e professores da graduação em Comunicação Social da Universidade de Caxias do Sul, sendo que, no ano de 2014, houve a aproximação também de mestrandos em Turismo, com vistas à efetiva ampliação da Usina também para essa área. A pesquisa corresponde a um levantamento bibliográfico, com o objetivo de se constituir em uma espécie de mapa mínimo para pesquisadores iniciantes. A cartografia envolve atualmente mais de 3.300 referências bibliográficas, de livros em Língua Portuguesa, que podem ser utilizados para pesquisas em Comunicação e suas transversalidades. Sua estrutura está distribuída em cinco linhas: teorias, tecnologias, práticas, produtos e metodologias. Como objetivo geral, tem-­‐se o seguinte: Constituição de cartografia bibliográfica, a partir de um banco de dados da coordenadora, que possa ser disponibilizado no site da UCS, com referências bibliográficas e resenhas de textos, visando sua utilização para pesquisa em Comunicação, Turismo e suas transversalidades. Os objetivos específicos são os seguintes: atualizar e ampliar as cinco linhas definidas na cartografia; coordenar a realização de textos-­‐ síntese; realizar seminários teóricos; instalar, na UCS, a Usina de Pesquisadores em Comunicação e Turismo, com a consolidação do Grupo Amorcomtur!


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O referencial teórico deste estudo envolve, por si só, uma trama de textos e trama de teorias e referências. A perspectiva é complexa sistêmica transdisciplinar, segundo o que a coordenadora denomina como ‘teia-­‐trama’. Nesse sentido, o projeto se alinha ao que se pode chamar de mutação paradigmática (Capra, 1990, 1991, 1997; Crema, 1989; Maturana, 1998; Medina, 1990-­‐1991; Medina E Greco, 1994; Restrepo, 1998), momento de profundas transformações na produção do conhecimento, de questionamento de grandes referenciais, de visões de mundo norteadoras, de opções, em todas as instâncias da pesquisa -­‐ epistemológica, teórica, metódica e técnica. Assim, o ponto de partida é o reconhecimento de uma concepção de Ciência, a partir da visão sistêmica., no que diz respeito especialmente aos critérios da teoria sistêmica (Capra, 1997) e já trabalhados mais detalhadamente em outros textos (Baptista, 1999): a mudança da visão das partes para o todo -­‐ e compreensão que os sistemas são totalidades integradas, com propriedades não reduzíveis às partes; capacidade de deslocamento contínuo nos níveis sistêmicos; compreensão de que não há partes, mas padrões numa teia inseparável de relações. Ressalta-­‐se novamente a importância de pensar em termos de redes e o desafio de trabalhar com as relações. Nesse sentido, temos a compreensão de que uma das grandes dificuldades é o processamento adequado dos dados obtidos, no que tange ao seu cruzamento. Outro critério é a compreensão do limite de todas as concepções e de todas as teorias científicas. Estas passam a ser vistas como limitadas e aproximadas. “A ciência nunca pode fornecer uma compreensão completa e definitiva.” (Capra, 1997: 49). Isto implica, na questão operacional, a uma espécie de jogo de escolha múltipla, envolvendo especificidades difíceis de serem contempladas pelo seu caráter de complexidade. Há, ainda, como critérios: a lógica processual -­‐ a estrutura do sistema vista como manifestação de processos subjacentes; o caráter efêmero/mutação -­‐ compreensão dos sistemas abertos, que precisam de um contínuo fluxo de matéria e de energia, extraídas do seu ambiente. A pesquisa orienta-­‐se, portanto, pela visão de Morin (1991: 89). Trata-­‐se de lidar com o caos decorrente da entropia informacional, mas considerando o efeito redemoinho, observando onde ocorrem as recursões organizacionais, para, a partir daí, construir nossas representações do real. “A ordem e a desordem são dois inimigos: um suprime o outro, mas ao mesmo tempo, em certos casos, colaboram e produzem organização e complexidade.” (Morin, 1991: 89) Em termos de sustentação teórica para a estratégia metodológica, vale ressaltar ainda a incursão pelos ensinamentos de Suely Rolnik (1989), para o trabalho com o conceito de `cartografia’ ou seja, como uma espécie de mapeamento que se faz, acompanhando a mutação da paisagem. Quer dizer, uma bibliografia comentada é essencialmente isso, algo que se produz, enquanto o cenário bibliográfico se transforma num processo contínuo. Desejo e ensino: entre a falta e a potência. Há algum tempo, fiz a distinção entre duas perspectivas que encontrei, na Psicologia, para a abordagem do desejo: a de Jacques Lacan, numa visão psicanalítica, e a de Félix Guattari, segundo os pressupostos teóricos da Esquizoanálise (Baptista, 1996; Guattari; Rolnik,1986; Lacan, 1990). Essa distinção é fundamental para a Usina, que se sustenta na perspectiva Esquizoanalítica, associada à Educação e à Comunicação, em especial no que diz respeito aos dispositivos de mobilização intensa dos sujeitos pesquisadores/produtores de conhecimento. Na visão de Guattari (1992), o acionamento do desejo não se dá, necessariamente, pela falta. Não é a falta que agencia o desejo, mas a potência do devir. Com Guattari, aprende-­‐se que, se o sujeito entende o que falta, o que não tem, se constata isso, pode se mobilizar ou não. Em alguns casos, o sujeito apenas ‘cristaliza a impotência’, acredita na falta como uma sentença existencial e se gruda nela, fazendo de sua ação algo limitado ao entristecimento, ao lamento, à reclamação, à revolta, mas não direcionando os fluxos de investimento para o que deve ser feito, ou seja, para a superação da falta. Na mesma direção está o pensamento de Maria Rita Kehl (1990) que sinalizam para o fato de que, para que exista desejo, é preciso existir confiança no devir, ou seja, o sujeito tem que acreditar na possibilidade de realização dos desejos, tem que se ver potente, tem que acreditar na potência de


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concretização do prazer. Maria Rita Kehl contextualiza as condições necessárias para a existência do desejo. A alegria de desejar depende de uma certa dose de confiança no real, uma certa quantidade de experiências de gratificação que permitam esperar que esse lugar externo ao psiquismo para onde se espraia a `fome do mundo’ seja um lugar de onde possa vir alguma espécie de prazer e alguma espécie de confirmação, de aplacamento, pelo menos temporário, de minhas indagações. (Kehl, 1990: 366-­‐367) Educação e Amorosidade – O Amorcomtur! e a Usina de Saberes são projetos que defendem a amorosidade, no processo de Educação. Contrapõem-­‐se à percepção de que a Educação, infelizmente, em muitos casos, também é marcada pelas idiossincrasias de uma sociedade perversa, em que as hierarquizações e o estabelecimento de lugares de poder foram desenvolvidos segundo o pressuposto da competição. Esses são os pressupostos do Capitalismo Mundial Integrado, do qual nos fala, entre outros autores, Félix Guattari e Suely Rolnik (1986). Maturana (1998) também contribui para que possamos compreender os limites dessa lógica. Ele ensina que não há competição saudável, pois a competição é produzida a partir da emoção direcionada ao desejo de destruição do Outro. Então, na busca de territorialidades de poder, sujeitos vão cristalizando ‘lugares de força’, contra os outros. Assim, evidenciar a falta do outro, do aluno, do colega, passa a ser a ‘palavra de ordem’, que tenderia ‘supostamente’ a garantir o lugar de poder. Além de não agenciar o desejo, essa orientação vai contra a dimensão de amorosidade que se defende nos projetos desenvolvidos na Universidade de Caxias do Sul, também a partir da noção de amor de Maturana e outros autores. A lógica do grupo Amorcomtur! é orientada pela colaboração e estabelecimento de laços cúmplices e de amorosidade na aprendizagem. Maturana (1998: 25) afirma que o “[...] amor é o reconhecimento do outro como legítimo outro na convivência”. Ora, se o outro é legítimo outro, o princípio ético, de respeito às condições de cada sujeito envolvido tem que ser o platô existencial das relações, na vida, e, claro, também nos processos educacionais. A Comunicação, em especial, precisa partir desse pressuposto, já que as relações se produzem em função de coordenações de relações, que se estabelecem no entrelaçamento de sujeitos. Então, a combinação entre Educação, Comunicação, Turismo e Amorosidade é algo que precisa ser óbvio, inquestionável, de laços fortes, porque inerentes à própria existência a cada um desses processos. Os pressupostos de aprendizagem da Usina, então, envolvem respeito aos sujeitos e envolvidos e mobilização pelo desejo de aprender. Acredita-­‐se que, quando o sujeito se vê ‘respeitado’ como legítimo no processo de educação, comunicação, relação, ele se potencializa. Cria-­‐se o que Vigostsky (1993) chamou de ‘zona de desenvolvimento proximal’. O teórico se referia às condições criadas nas relações de aprendizagem com as crianças pequenas, a partir da ação de professores, de educadores, mas entende-­‐se que o conceito é importante para ajudar a pensar que, dependendo do que se faça, das condições que se estabeleçam nas relações, vão ou não existir zonas de desenvolvimento proximal, ou seja, condições favoráveis ao desenvolvimento do conhecimento, ao surgimento do que Freire (1996) chamou de `inédito-­‐ viável’, para esse novo que surge nas relações, nas `com-­‐versas’ entre os sujeitos. A dimensão autopoiética -­‐ O termo autopoiese é um neologismo que nos remete à ideia de autoprodução. O dicionário apresenta poiese-­‐poese do seguinte modo: “[...] el. Comp. Pospositivo, do gr. Poíesis, eos, `criação, fabricação, confecção; obra poética, poema, poesia” (Houaiss, 2001: 2246). Assim, quando pensamos em autopoiese, devemos nos remeter a uma espécie de motor interno ao sistema, que faz com que ele esteja em processo de produção. Observe-­‐se, então, que está em jogo o processo de produção de vida, quando relacionamos o termo ao ser humano. Processo de criação, de autocriação. O substrato teórico de Maturana é o ponto de partida, mas a compreensão sinalizada, aqui, surge do entrecruzamento com vários outros autores e abordagens, além da própria experiência da educadora, no entrelaçamento com


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os educandos. Freire (1996), por exemplo, fala da autonomia a ser construída, na relação de aprendizagem e aprofunda a dimensão social e política da necessidade de desencadeamento desse processo. “[...] sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo. Daí que seja essencialmente tarefa de sujeitos e que não possa verificar-­‐se na relação de dominação. Nessa, o que há é patologia de amor: sadismo em quem domina; masoquismo nos dominados. Amor, não. Porque é um ato de coragem, nunca de medo, o amor é compromisso com os homens. Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-­‐se com sua causa. A causa da libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico”. (Freire, 1996: 92) A experiência vivida nos Círculos de Cultura, por esse autor, na década de 1960, reforça suas concepções de horizontalidade da Educação, no sentido de que o processo de ensino-­‐ aprendizagem se produz em rodas de diálogo, em ‘rodas de amizade’, em que os sujeitos são todos sujeitos do processo e convidados a reinventarem-­‐se, o que, em outras palavras, as de Maturana, significa viver processos autopoiéticos. Como nas rodas de diálogo, o princípio de que, na relação, os sujeitos produzem conhecimento e se reinventam, parece fundamental, para o desencadeamento de processos mais produtivos e prazerosos, no ensino-­‐aprendizagem. Essa metodologia está de acordo, também, com a Teoria de Integração Relacional, do psiquiatra e educador Içami Tiba (2006), cujo ensinamento principal é que de quanto melhor for a integração relacional maior será o desejo de aprender o que não se sabe, o que, por sua vez, concorda com o pensamento de Vigostsky, sobre a zona de desenvolvimento proximal. Coerente com o referencial teórico, a justificativa principal da produção da Usina de Saberes relaciona-­‐se à possibilidade/tentativa/oportunidade/urgência de lidar com o caos informacional. Trata-­‐se, aqui, da dimensão de entropia (desordem) nos sistemas, condição em que, no que diz respeito à Ciência, percebe-­‐se a realidade que desorienta, tentando `re-­‐orientar’. Isso remete à herança de um arsenal de saber e de descobertas tecnológicas que difundiram a informação e o conhecimento amplamente nestes últimos séculos. A facilidade de acesso às informações, a uma enorme quantidade de informações, mais estonteia que esclarece. No caso da Usina, a proposta coloca-­‐se justamente como dispositivo de enfrentamento, já que os dados obtidos em uma investigação são muitos, múltiplos, não controláveis totalmente e, pela grandiosidade de seu volume, muitas vezes ‘entopem’ o sujeito, a pesquisa. Travam o processo. Metodologia e Estratégia de Ação -­‐ A perspectiva da metodologia é qualitativa, tendo como orientação epistemológica e teórica as dimensões da experiência da coordenadora, em pesquisa e educação, associada ao substrato da complexidade e visão sistêmica e das teorias que dão conta do momento da Ciência. Assim, a estratégia operacional está coerente com a trama teórica e a visão da mutação da Ciência, rumo à coexistência de múltiplos paradigmas, em tempos de Caosmose (Guattari, 1992), também informacional. Em termos operacionais, o projeto envolve a constituição na prática de uma cartografia bibliográfica, com a consolidação de um grupo de colaboradores, para o levantamento bibliográfico e o processamento profundo dos textos em questão e a produção de textos-­‐síntese. O ‘processamento profundo’ corresponde a um trabalho de qualificação do levantamento bibliográfico e de sua descrição. É importante, neste sentido, a apresentação de um conjunto de estratégias que dizem respeito à prática de cartógrafa, expressão usada aqui no sentido de Rolnik (1986). Vale resgatar, então, como foco da pesquisa, a delimitação ‘teorias e tecnologias’. Essa delimitação surge da compreensão dos saberes em comunicação, a partir das teorias que foram produzidas a respeito, e saberes em comunicação, considerando o conhecimento pertinente às várias tecnologias comunicacionais. A partir dessa delimitação, há um segundo estágio de focalização. No caso das teorias, estão sendo organizados seus textos-­‐síntese, seguindo a subdivisão ‘panorâmica’, livros


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que trazem uma visão geral sobre diversas teorias e ‘foco’ livros com uma abordagem voltada prioritariamente a uma das grandes vertentes: Comunicação e Cidadania, Comunicação e Cultura, Funcionalismo, Economia Política da Comunicação, Educomunicação, Escola de Frankfurt, Grandes Teóricos, Marketing, Pós-­‐Modernos, Psicologia da Comunicação, Semiótica, Teoria da Dependência, Teoria da Recepção e Visão Sistêmica. A seleção dos itens representa um esforço de síntese. Neste sentido, evidentemente, é passível de questionamentos, o que é fator intrínseco a qualquer recorte. A abordagem dos textos sobre as tecnologias comunicacionais também envolve a subdivisão ‘Panorâmica’ -­‐ livros que abordam o processo de desenvolvimento das tecnologias da Comunicação -­‐ e ‘Foco’ -­‐ livros que enfatizam alguma tecnologia, em especial. Como tecnologias comunicacionais, estão sendo considerados, aqui, os dispositivos/veículos de comunicação: Cinema, Desenho e Comunicação Visual, Escrita, Fotografia, Internet, Jornal, Música, Rádio, Televisão. Esta seleção também visa à sistematização de um elenco, estando sujeita a ajustes/complementações. A pasta de Metodologias contempla textos que possam auxiliar quanto às questões operacionais de pesquisa, bem como os que trazem discussões acerca do caráter epistemológico e teórico de produção do saber. No caso das Práticas Comunicacionais, há a classificação seguinte: Assessoria, Comunicação Empresarial, Comunicação e Ética, Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Realização Audiovisual e Relações Públicas. Já a linha Produtos Comunicacionais contém: Comunicação e Religião, Histórias em Quadrinhos, Outras Mídias (adesivos, boletins, fanzines, etc.), Programas de Auditório, Revista, Telenovela. As categorias mencionadas representam conteúdos em que se verificou certa concentração de publicações. Devem, portanto, ser ampliadas com novos itens, à medida que o levantamento avança. As técnicas de coleta de dados previstas para esta pesquisa relacionam-­‐se ao próprio levantamento e sua operacionalização: *mapeamento dos textos com base nos critérios acima descritos; *leitura/releitura; *fichamento; *discussão em grupo; *seminários; *redefinição dos níveis organizacionais, conforme os textos selecionados;*redação do texto-­‐síntese. *publicação. A partir da leitura, fichamento e discussão em seminário, os textos são descritos em síntese, envolvendo os seguintes aspectos: Temática, Contextualização (enfoque e aspectos principais), Referencial Teórico, Metodologia e Conclusões. A partir deste ponto, o texto segue com o relato dos estudantes, buscando a explicitação da contribuição da Usina e do Amorcomtur! para o processo de aprendizado dos estudantes da Universidade de Caxias do Sul. 1. Comunicação-­‐encontro: amorosidade e autopoiese no encontro com o outro (Ricardo Augusto de Souza) O Amorcomtur! Grupo de Estudo em Comunicação, Turismo, Amorosidade e Autopoiese nos proporciona um espaço semanal – os encontros caóticos – em que, ao mesmo tempo, desconstrói-­‐se o formato clássico de comunicação e trabalha-­‐se a produção de outro, referenciado, sobretudo, na dimensão social, no entrelaçamento humano e na constituição de uma ética das relações sociais. Diante disso, destaca-­‐se a importância do (re)conhecimento do olhar do outro nesse processo de construção coletiva de constante renovação. O olhar do outro e o olhar para o outro. Isso está no fundamento da compreensão do amor, como reconhecimento do Outro, como legítimo outro, na convivência, com base em (Maturana, 1998). A proposta de um espaço no formato “roda de conversa” faz com que a aprendizagem da Comunicação e do Turismo se dê na mais simples das formas, ao mesmo tempo em que sinaliza para o fato de que o processo de comunicação se efetiva no acontecimento do encontro com o outro (Marcondes Filho, 2010). Esse outro carrega consigo um olhar e uma visão de mundo que influenciam diretamente no processo comunicacional e, portanto, na ocorrência ou não da comunicação. Durante os Encontros Caóticos da Comunicação, ao ouvir a fala dos colegas,


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observo esses diversos “outros” e acabo me descobrindo como “outro” também, estranhando-­‐me e reinventando-­‐me no encontro. O Amorcomtur!, então, na prática, alia-­‐se à proposição de uma nova forma de entender a comunicação. Aciona-­‐se nas produções das vivências e das pesquisas uma mistura – caótica – de olhares e realidades, ou seja, uma mistura de “outros”, combinados numa construção coletiva, que tem como substrato e orientação o amor, conforme ensina (Maturana, 1998). Essa mistura faz emergir do grupo um olhar “híbrido” e sensível. Vejo nesse olhar um indicativo do que pode vir a ser uma Nova Teoria da Comunicação, com um viés mais humano, uma teoria que seja compromissada com as diferentes realidades e que se renove constantemente diante das contradições produzidas pela vida em sociedade. 2. Comunicação-­‐viagem: a curiosidade como guia e o amor como combustível (Rafael Muller) Há poucos meses, descobrimos em grupo que pesquisa e enfado não são sinônimos, nem palavras derivadas uma da outra. Pesquisar é o infinitivo de um verbo infinito. Basta começar a conjugá-­‐lo em nossas vidas e as pessoas do singular unem-­‐se no plural, na multiplicidade de conteúdos e vivências. Vivências essas tomadas por amorosidade e autopoiese. Partindo do contato com o outro, edificamos conhecimento sólido e permeável aos fluxos de informações externas ao Eu. O Amorcomtur! encanta e faz brilhar os olhos de cada participante. Todos voltam à infância, frente ao desconhecido, resgatando o que Paulo Freire chama de curiosidade epistemológica. A curiosidade serve de guia; o amor, de combustível. E dessa maneira seguimos, cada qual com seu objetivo. Nos encontros semanais, traçamos rotas, desbravamos caminhos, constituindo-­‐nos como turistas de nós mesmos e dos outros, porque comunicação também é isso: viajar ao lugar do outro. Experimentar sensações novas, desfrutar da visão, do horizonte e das percepções alheias. Enquanto isso, esculpimo-­‐nos como pesquisadores. Então, no meio do caos, surge a vida. Talvez esse viés conceitual relacionando comunicação à viagem seja também uma das contribuições do grupo à Nova Teoria da Comunicação, a partir das formulações de (Baptista, 2013). 3. Comunicação-­‐conflito: potência de narrativa e autopoiese na zona de conflito (Jennifer Bauer Eme) Desde minha primeira participação, no primeiro Encontro Caótico, saí da sala me sentindo capaz. Não me esquecerei nunca mais da sensação que tive no final do nosso encontro. Saí me sentido uma p e s s o a! O Amorcomtur! veio me mostrar algo que estava muito próximo de mim que eu não enxergava, talvez por estar mesmo tão próximo. Pude expandir não só meus referenciais bibliográficos, mas também meu círculo de amizades e, principalmente, a amorosidade em mim e minha potência de autopoiese. Hoje, fazendo parte de um grupo como esse, tento levar para os outros campos da minha vida os saberes que partilhamos em nossos encontros. Tenho aproveitado cada informação trocada com meus colegas e também com a professora. Percebo que minha afetividade se ampliou e ela tem me ajudado a ser mais racional (por incrível que pareça). Ser afetiva vem me fazendo pensar mais, antes de tomar uma decisão que possa ou não envolver só a mim. Talvez por colocar essa afetividade em toda a minha vida, meu foco de interesse de pesquisa é algo que me parece crucial para pensar o Jornalismo e a Comunicação como um todo. Tenho me dedicado a pensar como um jornalista profissional se comporta em uma zona de conflito. Que aspectos interferem nas práticas do profissional em um local tenso como este? Como se produz comunicação no conflito? Mais que isso: será que, em certo sentido, em termos conceituais, a produção da Comunicação é sempre conflito?


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Penso que meus estudos podem contribuir para repensar a forma como o jornalista é visto na sociedade. Além de profissional, esse jornalista tem seu lado humano, afetado em uma zona de conflito. Quem consome informação precisa aprender a se colocar no lugar do outro, nesse caso, de quem escreve. Quem escreve, por sua vez, tem que se colocar no lugar de quem vivencia diretamente o conflito. Talvez nesse ponto esteja o cerne da questão: a necessidade de constantemente ter que lidar com o lugar do outro, com o conflito em ‘terras estranhas’, que é o Universo do outro, como algo inerente à comunicação. Em ‘zonas de conflitos’ externos, essa condição da Comunicação se exacerba e convida à reflexão profunda do conceito e das práticas comunicacionais. 4. Comunicação-­‐caos: redescobrir-­‐se, em meio ao caos e à amorosidade (Jéssica Souza) Quando que eu iria imaginar me encontrar e me redescobrir em meio ao caos e à amorosidade? Foi exatamente o que aconteceu quando decidi entrar em um grupo de pesquisa que tem por base a complexidade interacional do amor. Desenvolvendo um novo conceito teórico, o Amorcomtur! nos faz perceber que a pesquisa está longe de ser algo maçante e que nossos projetos são a reaplicação dos nossos próprios “EUS”. Através de encontros caóticos, dos diálogos e da troca de experiências, compreendemos que a essência da comunicação é a relação. Então, nada melhor do que essa relação ser harmônica e afetiva, embora, em sua prática, ela seja, por essência, intensa e transformadora. Como ensina a líder do grupo, professora Maria Luiza Cardinale Baptista: “Comunicação é a interação de sujeitos, sendo que o sujeito só existe em relação ao outro e o outro é tudo que não é eu”. E assim vamos fazendo, das vivências, parte integrante do nosso referencial teórico, pois, como propõe (Maturana, 1998), a emoção é o grande referencial do agir humano. A autopoiese nos permite florescer junto às nossas produções e hoje entendo o que nossa orientadora chama de “paixão-­‐pesquisa” (Baptista, 1999) e o quanto essa paixão é o que nos move. Dessa maneira, em meio a um caos de pensamentos e quereres, a partir dos encontros, fui vislumbrando, redescobrindo o que é, de fato, “comunicação” e, mais do que isso, me descobri como uma ‘comunicadora e pesquisadora amorosa’. 5. Comunicação-­‐trama de saberes e seres: cultivo do jeito amoroso de ‘ser’ (Jônatas dos Reis) Há um ano, aproximadamente, quando o projeto do Amorcomtur! Grupo de Estudo em Comunicação, Turismo, Amorosidade e Autopoiese ainda estava em fase inicial, na Universidade de Caxias do Sul, eu apostei que pudesse ser algo promissor. O grupo me foi apresentado, numa conversa casual, por um amigo meu muito querido. "Vamos lá, você vai gostar. É um grupo de pesquisa que está começando agora, mas tem muito a nossa cara." No começo, eu não entendi muito a proposta... "Amorcomtur?" me perguntei mentalmente: "que raios é isso?". E, confesso, fui ao primeiro encontro movido pela curiosidade. Naquele tempo, que hoje me parece tão longínquo, só havia eu e meu amigo Ernani, no primeiro encontro caótico. Estávamos só nós dois na sala, aguardando a chegada da professora para o primeiro encontro caótico ter início. As palavras "encontro" e "caótico" passavam pela minha mente e os momentos de espera que se seguiram foram de nervosismo. Milhares de coisas passavam pela minha cabeça no momento. As suposições. As ideias. O caos. Nessas rodas de conversa, podemos ser nós mesmos e debater sobre as mais diversas teorias e assuntos do dia a dia. Vivenciamos o conhecimento no momento que ele surge, experenciamos a ‘comunicação como acontecimento’. Conseguimos também trazer nossas vivências, experiências e acontecimentos da vida fora da universidade para dentro do Amorcomtur!, o que enriquece e nos motiva mais como investigadores da comunicação em si. O caos dos encontros, por outro lado, nada tem de caos propriamente dito. O que outrora havia me


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deixado nervoso no primeiro encontro, apenas me instiga mais a cada dia. O caos referido diz respeito à diversidade, diversidade de idades, diversidade de ideias, diversidade de ideais, diversidade de cursos participantes do grupo (muitos inclusive fora dos galhos da ‘árvore comunicação')... Doutores, mestres ou estudantes de graduação, todos têm muito que contribuir para a construção do conhecimento. Sinceramente, isso é o que me faz amar tanto a Comunicação, isso é o que me impulsiona a querer pesquisar e aprender cada vez mais. Isso é o que me fez brilhar os olhos naquele primeiro encontro e me mantém Amorcomtur!. 6. Comunicação-­‐campos de forças: autopoiese também nas relações públicas (Natalia Biazus) Quem diria que eu participaria de um grupo de pesquisa acadêmica nas sextas à noite? Quem diria que eu fosse pegar o ônibus para casa com a Professora Doutora pela USP e conversar sobre coisas mundanas? Quem diria que eu fosse capaz de ser uma pesquisadora em comunicação? Quem diria que eu ouviria uma Professora Universitária falar sobre a importância do amor no processo comunicacional e que isso faria sentido para mim? Quem diria que eu estaria aqui escrevendo um relato sobre minha participação no grupo Amorcomtur! envolvendo as discussões da Nova Teoria da Comunicação? Quem diria que algum dia eu entraria em contato com a Nova Teoria da Comunicação e com a Psicocomunicação e que estabeleceria as conexões com o mundo do Turismo? Sou acadêmica da habilitação em Relações Públicas e estou no curso há mais de sete anos. Tempo esse marcado por momentos de crise de identidade com o curso e muitas incompreensões. Até que foi chegado o momento em que acreditei que meu destino seria trabalhar em empresas na área de marketing, eventos ou comunicação interna, o que é ensinado e aprendido dentro da Universidade. Acreditei que estaria fadada eternamente a ser uma emissora que enviaria uma mensagem por meio de um canal com a definição de um código a um receptor; ou pior, que seria o próprio receptor, sendo capaz de realizar seu grande feito de emitir um feedback, quase que uma prestação de contas ao emissor. O contato com o Amorcomtur!, no entanto, abriu novos horizontes. Antes da percepção da comunicação de maneira diferente, os Encontros Caóticos proporcionaram perceber-­‐me de maneira diferente. E que maneira é essa? Uma maneira em que me reconheço enquanto um sujeito complexo, como uma espécie de campos de forças, marcado por múltiplas influências, conforme o conceito de Baptista (1996), em seu trabalho teórico da Psicocomunicação. Em que compreendo a importância do amor no processo comunicacional. E mais, aprendo que o amor, nas palavras de Humberto Maturana (1998), é o reconhecimento do outro como legítimo outro na convivência, e que a aceitação do outro, parte também de uma aceitação de si mesmo, e que para aceitar e respeitar a si mesmo deve haver uma conexão entre os afazeres e o viver desse sujeito. Essa compreensão abriu um questionamento: “como posso eu aceitar-­‐me e respeitar-­‐me, se o que eu faço, minha atuação profissional em Relações Públicas, não está adequado ao meu viver?” Acredito ser importante ressaltar que esse processo de “dar-­‐ me conta” até a compreensão da necessidade de voltar-­‐me à teoria, aconteceu de maneira natural, sem haver um caminho traçado com prazos e metas preestabelecidas. É um processo vivo, ‘acontecendo no acontecimento’, na medida em que eu participo, que crio condições para a chegada do novo e que me permito estar presente. Os Encontros Caóticos são o nosso alicerce, nosso ponto de partida, que se renova a cada semana, nossa alavanca motivadora para seguirmos em nossas pesquisas e também acreditar em nós mesmos. Nós: eu, meus colegas, a professora, o grupo, todos juntos, todos sujeitos potentes. Hoje fica mais claro para mim, quando leio nos textos da líder do grupo: “Sujeitos potentes têm redes de relações. Redes de relações afetivas em que eles se mostram e são vistos como potentes, construindo ‘identidade em laço’.” (Baptista, 1996). Vida longa ao Amorcomtur!


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7. Comunicação-­‐movimentação desejante: o acionamento de investig(ações) (Laís Alende Prates) O Amorcomtur! por si só é um grupo que se diferencia na graduação. No grupo temos uma possibilidade de ampliação do conhecimento em dimensões mais sensíveis. Nas nossas práticas, o conhecimento científico se mistura com as nossas emoções e sentimentos. Somos instigados a enxergar através do que os olhos podem ver, mas também a partir do que sentimos. Assim, vamos produzindo como sujeitos investigadores, buscando compor nosso relato ético e cuidadoso da realidade investigada. A amorosidade está presente em nossos “Encontros Caóticos”, como sugere o nome do grupo. Isso reflete a maneira com que pensamos e agimos. Sentamos em forma de círculo. Todos podem nos ver e conversar... À medida que vamos falando, contamos o que está acontecendo em nossas vidas, também falamos das leituras que estamos fazendo e as nossas dúvidas e reflexões. A lógica é a da roda de conversa, que brota de diferentes fios condutores, podendo ser alterado a qualquer momento, conforme a vivência do grupo. Nesses momentos, encaixamos teorias com a vivência. Nossas discussões vão surgindo a partir daí, onde trocamos leituras, pensamentos e experiências. Nossos encontros se traduzem em boas conversas, troca de experiências sobre o dia a dia e compartilhamento das discussões teóricas que estamos fazendo, bem como das vivências da pesquisa de cada um. Durante os encontros somos provocados a pensar aquilo que nos incomoda, mas também aquilo que nos desperta interesse, também a questionar as coisas como são, as informações que recebemos e buscar novas formas de exercer a profissão. Eu diria que o Amorcomtur! é um grupo de movimentações. Estamos, aos poucos, nos movimentando em direção àquilo que desejamos e isso parece ajudar a refletir aspectos intrínsecos à Comunicação, o que Baptista chama de investimentos desejantes, em busca da felicidade. A movimentação intrínseca ao processo de comunicação depende do acionamento desejante do movimento. Enquanto grupo, pensamos de maneira plural, respeitando as diferenças e entendendo que essas diferenças nos possibilitam identificar e reconhecer semelhanças, assim como agenciar ‘novos olhares e vivências’. Esse processo é marcado pela transformação complexa dos sujeitos, na rede das relações. Acredito que a contribuição que podemos oferecer à Nova Teoria da Comunicação são as pistas que temos a partir da união nos encontros caóticos, do encontro de corpos que transforma, do acionamento do desejo, da amorosidade, das pulsões, de movimentos e ações e de querer, de fato, mudanças em nosso meio. 8. Comunicação-­‐complexa: afetivações inscriacionais (Renata Chies) Temos buscado, no Amorcomtur! e com a Nova Teoria da Comunicação, a ampliação da compreensão da Comunicação, que parte do desmonte do termo, com a ideia de ação de tornar comum. O que se percebe, nesse sentido, é a dimensão de imensa complexidade que existe em qualquer processo comunicacional, numa proporção infinita, que se amplia todos os dias, em função da complexidade social e tecnológica, além da própria condição do processo de comunicação, em si mesmo. Caótico. Entendo que essa palavra pode descrever tanto a comunicação quanto os encontros do Amorcomtur! Comunicação, mistério e magia são apenas alguns dos ‘ingredientes’ que compõem esses encontros caóticos, nos quais a pesquisa e a produção estão presentes. O que se produz, a partir do encontro das experiências diversas, é algo meio mágico, que se percebe derivar da abertura de cada um para o encontro, em laços de amizade e de amor, no sentido de Maturana (1998), atributos indispensáveis ao fazer comunicação. Em suma, no Amorcomtur!, pesquisamos envolvidos afetivamente em um processo desejante de recriação de nós mesmos, no qual vamos cada vez mais a fundo na complexidade da comunicação.


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9. Comunicação-­‐teoria fluxo: contínuo movimento do devir e hibridização (Ronaldo Velho Bueno) Foi em uma noite de quarta-­‐feira em que me surgiu o convite. Sereno, mas avassalador; pacífico, mas insurgente; opúsculo, mas aurora. A Professora Dra. Maria Luiza Cardinale Baptista propôs-­‐me os “Encontros Caóticos da Comunicação e do Turismo” como alternativa ao ortodoxo sistema de erudição e pesquisa, profundamente atrelado ao pensamento positivista e mecanicista. E eu, sendo um sujeito entrópico, sempre tendendo à ruptura da ordem e ao caos, encarei o convite por um viés convocatório e instigante. De forma imagética, posso sintetizar e comparar meu contato com o Amorcomtur! como o impacto entre duas partículas atômicas, ou como a colisão cósmica entre duas galáxias; um encontro que sempre resulta em transformações para ambas as partes. Sob a égide da Nova Teoria da Comunicação, proposta por Ciro Marcondes Filho, e dos conceitos da autopoiese, de Humberto Maturana, e da comunicação-­‐trama de Maria Luiza Cardinale Baptista, o Amorcomtur! e nossos “Encontros Caóticos” propiciam-­‐nos a pluralização da teoria através de sua práxis. A autoprodução de conhecimento, possibilitada por um contexto pedagógico libertário, objetivando a autonomia como via para o fomento do senso crítico, como propôs Paulo Freire, ocasiona a horizontalização do discurso, intrínseco à estrutura dialógica. Dessa forma, com a democratização e a socialização do fluxo comunicacional, o conhecimento passa a fazer parte de um processo coletivo, dialético e permanente. Não em busca de uma suposta essência única, sublime e platônica, mas resultado do contínuo movimento e do devir, numa dialética sempre suscetível à contestação e à negação. A contribuição de nossas produções no Amorcomtur! envolve práticas de subversão do estático, dos padrões, do status quo; de afirmação das tramas/teias de interação, sendo elas objetivas ou subjetivas; do debate e da reflexão das individualidades e da coletividade, bem como a proposição da autopoiese para a construção de conhecimento híbrido, profundo e vivo, que seja também um conhecimento que ajude a reinventar a própria comunicação. 10. Comunicação-­‐Imprevisibilidade e o Grupo de Pesquisa como Ponto de Apoio (André Luiz de Melo) Assim como os encontros do Amorcomtur!, a vida é essencialmente caótica. Por não obedecer a um roteiro pré-­‐estabelecido, mesmo que alguns busquem e acreditem neste controle utópico, a existência tem como característica fundamental a imprevisibilidade, uma configuração do caos em constante ebulição, com um imenso potencial transformador. Dentro dessa lógica, existem alguns “pontos fixos” de encruzilhada do destino, momentos aonde inevitavelmente encontramo-­‐nos diante de uma escolha que vai impactar todo o futuro. Nem sempre tomamos conhecimento de qual escolha exerce esse papel decisivo, mas posso apontar que integrar o Amorcomtur! foi um desses momentos. O primeiro contato com o grupo de pesquisa deixou claro que, embora a graduação ofereça um leque de possibilidades de aprendizado que vão além do conteúdo visto em sala de aula, era verdadeira a sensação de que só as aulas habituais não bastavam para abranger as potencialidades que o espaço universitário oferece, no que diz respeito à busca pelo conhecimento. Chegar sem objeto de pesquisa definido, apenas com uma vaga ideia de assunto de interesse, em meio a pessoas que já contam com uma bagagem teórica complexa poderia ser intimidador, se não fosse uma das principais características do grupo: a amorosidade. O ambiente acolhedor oferecido faz com que o novo integrante sinta-­‐se à vontade para descobrir o que lhe interessa, o que lhe afetiva enquanto sujeito pesquisador. A partir das rodas de conversa e da troca de vivências, tanto acadêmicas quando pessoais, encontrei no cinema meu objeto de estudo, e pude observar outros colegas descobrindo assuntos que gostam de estudar. Enquanto os temas vão brotando do diálogo, o grupo oferece uma oportunidade única de ampliarmos nosso conhecimento a partir da fala do outro, juntamente com os apontamentos


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da orientadora Dra. Maria Luiza Cardinale Baptista, cuja dedicação e amor (no sentido de respeitar o outro como legítimo outro na convivência) representa um modelo e exemplo para todos. Os laços criados a partir dessa troca ultrapassam a relação de colegas, tornam-­‐se laços de amizade. Esse talvez seja um dos diferenciais mais importantes do Amorcomtur! com relação a outros grupos de pesquisa com uma visão mais cartesiana: quando se está entre amigos estudando algo que lhe dá prazer, a pesquisa torna-­‐se um encontro festivo e o resultado é uma produção de qualidade, autopoiese, reflexo desse ambiente. 11. Comunicação-­‐Incomunicabilidade e a ‘roda de conversa’ (Naira Rosana Albuquerque) Depois de muito ‘ensaiar’, receosa com relação a como seria participar de um grupo de pesquisa e que contribuição eu poderia oferecer à pesquisa, comecei a frequentar os Encontros Caóticos da Comunicação e do Turismo, primeiro como ouvinte e, depois, aos poucos fui me inserindo na conversa, foi ‘entrando na roda’. Aos poucos, fui entendendo que o próprio processo do encontro, da roda de conversa, me possibilitaria entender mais sobre as inquietações sobre como a comunicação acontece ou por que tantas vezes ela não acontece. Desse modo, vivi o processo e hoje estudo a temática da Incomunicabilidade Contemporânea. Busco, por meio da pesquisa, entender o complexo processo comunicacional na contemporaneidade, sob o ponto de vista pós-­‐moderno. Tendo como suporte teórico Maria Luiza Cardinale Baptista, Ciro Marcondes Filho, Fritjof Capra, Humberto Maturana, entre outros autores, procuro enfrentar questões de incomunicabilidade e a assimilação dos dispositivos desencadeadores de uma comunicação eficaz, sob a perspectiva de Interação de Sujeitos defendida por Maria Luiza Cardinale Baptista. Entender os meandros desse processo complexo que é comunicar-­‐se vem em total encontro aos interesses do grupo, que defende um diálogo mais amoroso e humanitário, uma comunicação mais efetiva e, sobretudo, afetiva, que reconheça o outro como legítimo outro na convivência, pensamento defendido por Humberto Maturana (1998), que prega que não é possível estabelecer comunicação de fato, sem que o respeito e o entendimento a todas as partes seja ponto primordial. A pesquisa é dividida em duas etapas: consulta e revisão bibliográfica, com leitura e análise de autores integrantes da linha de estudo. O segundo momento é marcado pela discussão em grupo dos resultados coletados na primeira fase. Essa discussão é feita nas rodas de conversa com todos os pesquisadores do Amorcomtur!. Assim cada acadêmico pode, além de dividir suas experiências, compartilhar com os demais pesquisadores suas dúvidas acerca do tema. Entendo essa segunda fase como a mais importante. É nesse momento, que, através do confronto com o outro, suas semelhanças e estranhamento, a teoria é validada ou não. Nesse ponto o pesquisador deixa de ser só o analisador para ser também objeto de análise de si e do outro, como resultado se produz um conhecimento conjunto, que por levar em consideração o coletivo, agrega não apenas a pesquisa, mas a formação social por meio da autopoise. 12. Considerações Finais As falas dos estudantes, associadas aos pressupostos teóricos, sinalizam para a potência de um projeto que se efetiva, na mobilização desejante de pesquisadores em formação. São laços de uma relação marcada pela ética da relação e a cumplicidade do que se chama de ‘bem-­‐querer-­‐ bem’. Num primeiro momento, o resultado do projeto parece ser a cartografia bibliográfica. Claro, é o que dá visibilidade para um processo coletivo de aprendizagem. A produção, no entanto, é bem maior que isso. Há uma transformação coletiva, orientada pelo desejo e pela amizade, pela amoramizade e a paixão pelo conhecimento. Temos, hoje, na Universidade de Caxias do Sul, uma ‘usina de pesquisadores apaixonados por Comunicação, Turismo e suas transversalidades’, orientados pela amorosidade e autopoiese.


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