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Imagens de uma investigação sobre as políticas culturais portuguesas Manuel Gama -­‐ mea0911@gmail.com (Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho) Artigo recibido: 12/09/2014 Artigo aceptado: 25/10/2014 Artigo publicado: 10/12/2014 Resume POLÍTICAS CULTURAIS: Um olhar transversal pela janela-­‐ecrã de Serralves é um projeto de investigação de doutoramento realizado entre os anos de 2011 e de 2014 com o objetivo de contribuir para a discussão crítica e construtiva sobre as políticas culturais em Portugal. No presente artigo vai resgatar-­‐se o conceito cinematográfico de argumento para se apresentar o percurso metodológico da investigação: num primeiro momento, sob a forma de argumento programa, vão ser enunciadas as linhas gerais que foram tidos em conta na conceção do projeto; e, num segundo momento, sob a forma de argumento modelo, vai apresentar-­‐se o processo de implementação da investigação. O artigo termina com a apresentação sumária das conclusões da investigação. Palavras Clave: Estudos Culturais; Políticas Culturais; argumento programa; argumento modelo. Abstract CULTURAL POLICIES: A transversal look through Serralves screen-­‐window is a PhD research project done between 2011 and 2014 aiming to contribute for a constructive and critical discussion about cultural policies in Portugal. In this article, the argument’s cinematographic concept will be redeemed to present the methodological route of the investigation: in a first moment, under the form of a program-­‐ argument, the general lines which were taken into account in the project design will be enunciated, and in a second moment, under the form of a model argument, the process of the investigation implementation will be presented. The article ends with a short presentation of research findings. Keywords: Cultural Studies; Cultural Policies; Program Argument; Model Argument. 1. Uma investigação em Estudos Culturais sobre Políticas Culturais POLÍTICAS CULTURAIS: Um olhar transversal pela janela-­‐ecrã de Serralves pretendeu, através da produção de um ponto de vista realizado a partir da observação da Fundação de Serralves, contribuir para a discussão crítica e construtiva sobre as políticas culturais em Portugal. A realização de estudos e de reflexões mais ou menos profundas sobre as políticas culturais não é uma novidade em Portugal, mas a realidade é que na maioria dos casos têm sido muito pouco consequentes uma vez que as suas conclusões não têm sido integradas de forma coerente nos programas das políticas culturais e, quando o são, raramente correspondem a uma prática política consistente. Nesta investigação, mais do que apresentar, a partir do estudo de uma instituição considerada como uma referência a nível nacional, um conjunto de boas e de más práticas das políticas culturais portuguesas dos últimos anos, procurou reunir-­‐se um conjunto de


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evidências que permitissem perceber: Como é que a Fundação de Serralves, enquanto entidade emissora e recetora de políticas culturais, influenciou e foi influenciada pelas políticas públicas para a cultura emanadas da administração central e da administração local da sua área de influência? Para o efeito convocaram-­‐se imagens que podem concorrer para a promoção de um processo de reflexão que contribua para que Portugal veja implementada uma política cultural, enquadrada internacionalmente, que seja fruto de uma rede de políticas culturais públicas e privadas que, articuladamente, desenvolva um conjunto de medidas setoriais para atingir um objetivo que poderá ser tão aparentemente simples como o de “contribuir para que o desenvolvimento assegure a progressiva realização das potencialidades dos membros da coletividade” (Furtado, 1986:64). 2. A metáfora cinematográfica Apesar de POLÍTICAS CULTURAIS: Um olhar transversal pela janela-­‐ecrã de Serralves não ser uma investigação sobre cinema, nem ter sido realizada por especialistas ou estudiosos da 7ª arte, a realidade é que utilizou códigos e técnicas oriundos daquela que pode ser considerada como “a primeira fase do que é verdadeiramente uma cultura-­‐mundo” (Lipovetsky & Serroy, 2010:92) para sublinhar que é urgente a implementação de políticas em que a cultura seja, novamente, “vista como um instrumento privilegiado que torna possível o aperfeiçoamento e a superação de si, a abertura aos outros, o acesso a uma vida menos unilateral” (Ibidem:243). No cinema a montagem pode ser “o verdadeiro momento de elaboração do filme” (Chabrol, 2005:66). Não obstante ser durante este processo que se “fornece um suplemento de sentido às imagens, cujo mero conteúdo não poderia dar esse sentido” (Amiel, 2008:35), a verdade é que múltiplos fatores, como a experiência da equipa, os recursos disponíveis ou a capacidade do realizador para se deixar influenciar pelos imponderáveis da gravação, contribuem para que a planificação do processo de recolha de imagens possa ter níveis de desenvolvimento muito díspares e para que o material recolhido e disponibilizado na mesa de montagem possa ser muito distinto do que estava inicialmente previsto. Acresce ainda que o complexo processo de “agenciamento das imagens-­‐movimento de forma a construir uma imagem indirecta do tempo” (Deleuze, 2009:54) depende também do efeito que se pretende provocar com a obra e que pode concorrer para que as imagens sejam trabalhadas unicamente para cumprir uma função narrativa ou para sublinhar efeitos metafóricos óbvios. Neste projeto de investigação optou-­‐se, conscientemente, por desenvolver um plano de recolha de imagens constituído por sequências principais, de forma a permitir a inclusão de novas perspectivas em função do trabalho realizado (Marner, 2007). Na mesa de montagem, procurou-­‐se implementar uma “montagem criadora” (Amiel, 2008:42) que integrasse, por exemplo, “o todo orgânico e o intervalo patético” (Deleuze, 2009:66) – “o patético surge, assim, como um operador de transformação qualitativa de sentido, transformando o vazio e a ruptura da descontinuidade numa reversão do movimento” (Grilo, 2008:102) – tentando desta forma contribuir para o “salto qualitativo” (Deleuze, 2009:64) das políticas culturais em Portugal. Para apresentar sinteticamente a linha orientadora do processo de planificação e de montagem da janela-­‐ecrã decidiu-­‐se resgatar e adaptar o conceito de argumento que, no cinema, se refere normalmente a um conjunto de “etapas muito diferentes do trabalho de preparação” (Aumont & Marie, 2009:25) de uma obra: numa 1ª fase sob a forma de argumento programa onde são enunciadas as linhas gerais do enquadramento metodológico que foi tido em conta na conceção da investigação; e numa 2ª fase sob a forma de argumento modelo que permitirá perceber clara e objetivamente como se processou a implementação de toda a investigação e diagnosticar as diferenças principais entre o plano de intenções e a montagem final do filme das políticas culturais produzido entre 2011e 2014.


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3. O argumento do(s) argumento(s) Pelo diagnóstico exploratório efetuado às políticas culturais, considerou-­‐se que o programa de trabalho a implementar no projeto de investigação ganharia se permitisse a produção de conhecimento científico assente em alguns dos princípios norteadores do “Racionalismo Aberto e Crítico” (Carvalho, 2009:124-­‐128). Assim sendo, a planificação não poderia recear a implementação de um processo de diálogo constante transdisciplinar uma vez que “os horizontes disciplinares surgem não como um entrave a ser abolido, mas [antes] como [um] ponto de partida para uma “viagem” entre saberes [que tradicionalmente estão] compartimentados” (Ortiz, 2004:122). Uma viagem que, neste caso, poderia ser efetuada na companhia dos estudos culturais que são por excelência um campo interdisciplinar onde certas preocupações e métodos convergiram, permitindo compreender fenómenos e relações que não estavam acessíveis através das disciplinas existentes (Turner, 2003). Quando no final da década de cinquenta do século passado, se começou a desenvolver esta área de investigação, que deve ser analisada “tanto do ponto de vista político, na tentativa de constituição de um projeto político, quanto do ponto de vista teórico, isto é, com a intenção de construir um novo campo de estudos” (Escosteguy, 2001:5), foram dados os primeiros passos para a “produção de uma análise cultural que faz convergir princípios e preocupações académicas com uma exigência de intervenção cívica, ou seja, [que] articula inquietações simultaneamente teóricas e preocupações concretas com a polis” (Baptista, 2009:19). Assim, pelo “politeísmo metodológico” (Martins, 2009:29-­‐40) que encerram, os estudos culturais pode ser um dos campos de investigação científica que, combinando abordagens mais flexíveis fruto da criatividade dos investigadores com abordagens mais estruturas assentes no rigor científico (Moscovici, 1988), melhor pode responder ao desafio de repensar as fronteiras de produção de conhecimento científico e de efetuar uma articulação entre a cultura e a sociedade, sem ter de “pôr em causa a componente teórica que garanta uma abordagem mais reflectida e sem ter de abdicar da possibilidade de se ver nas manifestações analisadas não uma mera extensão do poder, mas […] abrindo a possibilidade de se poder destrinçar formas de este ser rearticulado, negociado ou contestado” (Sanches, 1999:204-­‐205). Apesar de o legado de mais de cinquenta anos de institucionalização revelar uma multiplicidade de discursos e de práticas que contribuíram para que os estudos culturais fossem sendo construídos por um conjunto de diferentes metodologias e posições teóricas que por vezes indicam caminhos distintos, a verdade é que esse percurso, algo instável, constitui um sinal de que esta disciplina está aberta ao que ainda não sabe, ao que ainda não pode nomear, não sendo um sinónimo de que é apenas pluralista (Hall, 2005). Portanto, justificar o desenvolvimento do argumento do projeto de investigação sob a bandeira dos estudos culturais não se revelava, também, um processo pacífico. Não obstante a dificuldade do argumento para o argumento, era indiscutível que a transdisciplinaridade potenciava a análise que se pretendia efetuar às políticas culturais. A convocação simultânea que se queria fazer de métodos e técnicas oriundos de campos de investigação – como o da sociologia, o da ciência política, o das ciências da comunicação ou o da psicologia social – poderia, à partida, ser facilmente sancionada à luz das múltiplas possibilidades de complementaridade e de cruzamentos disciplinares que os estudos culturais encerram. Mas será que essa justificação era suficiente? As políticas culturais podem e devem “beneficiar do escrutínio científico a que a sociologia é capaz de submetê-­‐las” (Silva, 2003:10). Uma perspetiva eminentemente sociológica na investigação permitiria analisar o facto social em função do contexto e das causas que o originaram, das relações sociais que foram sendo produzidas, mas também do ponto de vista interno do processo social de concepção e implementação das políticas


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culturais. Os resultados desta visão até poderiam, com alguma sorte e em algum aspeto específico, ser reintegrados no “tecido social, influindo nas acções de indivíduos e organizações, tornando-­‐se elementos constitutivos dos processos de reprodução e transformação social” (Costa, 2009:141). Mas a verdade é que se corria o risco de produzir um processo vazio de consequências pois, por mais que se compreenda um problema e se identifiquem as mudanças necessárias para o corrigir, é necessário ter ferramentas para conseguir produzir a mudança (Fullan, 2005), ou seja ter “uma competência específica [… para] entrar com alguma probabilidade de sucesso no jogo propriamente político” (Bourdieu, 2011:174). Tornava-­‐se por isso fundamental, para se aspirar a consequência da ação, juntar ao olhar sociológico uma análise das políticas culturais sob a ótica da ciência política que permitisse diagnosticar e compreender alguns dos aspetos “relativos aos processos de decisão e às relações de poder nas sociedades […], bem como as estruturas políticas e sociais que intervêm directa ou indirectamente na tomada de decisões” (Fernandes, 2010:34). Este ponto de vista poderia convocar imagens particularmente importantes para a investigação como a imagem do sistema político construída a partir das teias de relações que, explicitamente, se estabelecem com o setor cultural; ou a imagem que, a partir dos princípios utilizados na análise das tendências individuais, estabeleceria uma ponte entre o perfil de alguns dos protagonistas do poder político público e a sua ação política concreta; ou ainda a imagem que apresentaria, sumariamente, a relação entre as razões evocadas para a tomada de algumas decisões, os seus objetivos, as suas funções manifestas e as suas funções latentes. No entanto, apesar de se considerarem promissoras as imagens que a ciência política poderia fornecer, julga-­‐se que o olhar poderia ficar amputado. Tendo em consideração “que o sentido do texto é activado pelo leitor, audiência ou consumidor” (Baptista, 2009: 25), poderia ser útil compreender, a partir do estudo e análise de algumas decisões concretas, a codificação da mensagem que as enuncia, a forma como essa mesma mensagem foi descodificada pelos seus destinatários e como é que o processo de codificação/descodificação contribuiu para o complexo processo de formação das representações sociais entendidas aqui como “um saber funcional ou teorias sociais práticas” (Vala, 2000:478). Portanto parecia nítido que, para a consequência da realização, a investigação deveria apoiar-­‐se também nas ciências da comunicação para, por exemplo, aferir da eficácia do processo de comunicação das políticas culturais e na psicologia social para, através da objetivação e da ancoragem, “compreender [, por um lado,] como, no senso comum, as palavras e os conceitos são transformados em coisas, em realidades externas aos indivíduos [… e, por outro, como se opera] a transformação do não familiar em familiar” (Ibidem:502). Uma análise intercalar do programa que se encontrava em construção, demonstrou que o argumento da articulação disciplinar parecia revelar, de forma inequívoca, a sua pertinência e adequação para a investigação. Não obstante a avaliação francamente positiva, não se considerou suficiente para justificar o enquadramento do programa a desenvolver, uma vez que não se podia olvidar que a articulação pode, enganosamente, parecer um conceito simples. Quando a teoria e o método são entendidos sob a ótica do desenvolvimento em relação à mudança de posições epistemológicas e condições políticas, com o objetivo de fornecer orientações para uma intervenção estratégica, torna-­‐se impossível analisar uma teoria cuidadosamente embalada ou um método claramente delineado (Slack, 2005). Revelou-­‐se por isso necessário revisitar o problema desencadeador da investigação e reavaliar a pertinência de um projeto de investigação que pretendia ser mais um contributo para a discussão crítica e construtiva sobre as políticas culturais em Portugal no início de


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século XXI. Um projeto que pretendia contribuir para a construção de teoria a partir de conhecimentos conjunturais, que têm de ser debatidos de uma forma dialógica, e como uma prática que pensa que a sua intervenção no mundo faria alguma diferença e teria algum efeito (Hall, 2005). Mas a constatação de que a crise económica e financeira, que se agudizou em Portugal no final da 1ª década do século XXI, estava constantemente a servir de álibi para o adensar do nevoeiro sobre o muro de betão da “operação inoperativa” (Agambem, 2008:44) que as políticas culturais estavam a ser sujeitas, contribuiu para se constatar que a pertinência da janela-­‐ecrã se mantinha cada vez mais atual, bem como para tornar cada vez mais óbvia a escolha do caminho a seguir pois, como afirma Stuart Hall (2005), há algo de especial nos estudos culturais que não se encontra em muitas das outras práticas intelectuais e críticas. E foi a partir destes princípios orientadores que, segundo o paradigma qualitativo num modelo não-­‐experimental transversal correlacional/causal, foi concebida a planificação de um estudo de caso intrínseco e instrumental, onde se pretendia recorrer à análise de documentos e à realização de entrevistas semiestruturadas para a recolha de dados. Sobre a relevância do ponto estratégico a partir do qual se decidiu apresentar esta quase “imagem-­‐percepção” (Deleuze, 2009:115-­‐136) do estado das políticas culturais, relembram-­‐se que o processo de seleção do espaço a partir do qual se iria captar um conjunto de imagens sobre o setor cultural – imagens que ao serem reveladas através do enquadramento de outras imagens potenciavam o realce dos seus aspetos mais relevantes contribuindo, desta forma, para a construção de um ponto de vista rigoroso mas criativo – permitiu concluir de forma inequívoca que o contexto em que surgiu, a forma como foi evoluindo ao longo de mais de vinte e cinco anos de existência e a diversidade dos seus campos de ação, eram motivos mais que suficientes para justificar a pertinência de olhar para as políticas culturais em Portugal pela janela-­‐ecrã da Fundação de Serralves. Tanto mais que, “longe de ser o mero cenário onde se desenrola a acção, o espaço é parceiro activo na narração, pois intervém como uma das forças activas da história” (Gardies, 2008:84) que conta alguns dos episódios importantes das relações entre a cultura e o poder na contemporaneidade portuguesa. 4. Argumento programa Definidos os princípios orientadores da investigação, o argumento programa foi estruturado em três sequências principais de recolha de imagens, após as quais se deveria seguir um rigoroso processo de montagem. Na Sequência Principal 1 decidiu-­‐se fazer a análise de documentos centrada essencialmente nas fontes, de forma a efetuar um recorte peculiar de estudo, constituindo o ângulo novo e imprevisto que deveria delinear e estruturar o eixo da investigação (Carvalho, 2009). O conjunto de documentos previstos analisar nesta sequência contemplava: legislação relacionada com a Fundação de Serralves publicada em Diário da República; os Planos Anuais de Atividades e os Relatório & Contas da Fundação de Serralves; e textos e documentos relacionados com o tópico em estudo. Na Sequência Principal 2 de recolha de dados previu-­‐se efetuar a análise de documentação oficial produzida pela administração central (e.g., leis orgânicas do Governo, programas de Governo para a cultura, legislação do setor cultural, iniciativas parlamentares); de documentação oficial produzida pela administração local (e.g., atas das reuniões da assembleia municipal, atas das reuniões de câmara, plano e orçamento municipal, relatório de atividades e de contas, mapa de pessoal) com especial atenção para as autarquias que no ano de 2011 tinham o estatuto de fundadoras da Fundação de Serralves; e de outro tipo de


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documentos provenientes de fontes primárias e inadvertidas que poderiam surgir na Sequência Principal 1. Finalmente, na Sequência Principal 3 considerou-­‐se adequado, para debelar algumas dúvidas que pudessem subsistir ou para sublinhar algumas das conclusões preliminares das sequências anteriores, a realização de entrevistas semi-­‐estruturadas a elementos-­‐chave da Fundação de Serralves, do poder central, das autarquias que em 2011 tinham o estatuto de fundadoras da Fundação de Serralves e de instituições culturais públicas e privadas. Ao longo da implementação do argumento programa estava ainda prevista, como é evidente, a realização de uma profunda revisão da literatura e a análise de um conjunto muito amplo de documentação relacionado com o tópico em estudo de forma a permitir reunir dados para a triangulação da informação recolhida sob diferentes formatos e para a construção de um novo olhar sobre um problema velho que remonta, pelo menos, à época do Estado Novo. 5. Argumento modelo Apresentado o argumento programa, realça-­‐se que quando o desenho metodológico foi concebido, o objeto científico ainda se encontrava em fase de construção uma vez que só depois de haver um conhecimento profundo do objeto real é que se poderiam selecionar, com rigor, os aspetos que seriam mais pertinentes investigar. Acresce ainda que a construção do objeto científico “é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correcções, de emendas, sugeridas por o que se chama o ofício, quer dizer, esse conjunto de princípios práticos que orientam as opções ao mesmo tempo minúsculas e decisivas” (Bourdieu, 2011:25). A recolha de imagens efetivamente realizada nas três sequências principais pré-­‐definidas dependia, por isso, da decomposição, ou seja da descrição e da explicação (Journot, 2005), que deveria ser efetuada de forma intercalar a cada uma das sequências. Se a observação do argumento modelo for efetuada sob este ponto de vista, não se estranharão as diferenças entre o plano de intenções e o plano de concretizações uma vez que, em função do objeto científico definido, foi necessário mobilizar outras técnicas que se consideraram mais adequadas e pertinentes para que, de forma rigorosa mas não rígida, a recolha de dados contribuísse efetivamente para se tentar cumprir o objetivo do projeto de investigação. A estratégia adotada contribuiu assim para que tivesse havido um reajuste geral ao calendário de execução dos trabalhos em função da construção do objeto científico e da aplicação de métodos e instrumentos de recolha de dados que só era possível selecionar e construir depois de focada a investigação. Em setembro de 2011, durante o processo de recolha de imagens para a investigação, detetou-­‐se que estava a ser implementada a iniciativa Art@Biblio que constitui o 1º projeto de uma rede cultural protagonizado por cinco das doze autarquias que nesse ano tinham o estatuto de fundadoras da Fundação de Serralves. Dada a pertinência da operação e os promotores e parceiros envolvidos, decidiu-­‐se, apesar de não estar inicialmente previsto, integrar o estudo, através da observação direta (Quivy & Campenhoudt, 2008) e, sempre que possível, da objetivação participante (Bourdieu, 2011), da Art@Biblio na investigação. Sublinha-­‐se que esta opção acabou por se revelar fundamental para a construção de um outro e novo olhar sobre a Fundação de Serralves, sobre as autarquias envolvidas e sobre as autarquias que, apesar de convidadas, decidiram não se associar ao projeto da, autodenominada, rede de bibliotecas. O processo de recolha de imagens da Art@Biblio dividiu-­‐se em três momentos: o 1º momento decorreu de forma intensiva no 1º trimestre de 2012 e incluiu a observação de todas as atividades relacionadas com a implementação de uma das ações do projeto num dos


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municípios aderentes, bem com todas as reuniões realizadas no âmbito do projeto; o 2º momento decorreu de forma mais esporádica até ao final do ano de 2012, centrando-­‐se essencialmente em algumas das reuniões das comissões permanente e de acompanhamento; e o 3º momento, que voltou a ser intensivo, decorreu entre janeiro e maio de 2013 e incluiu a observação de um conjunto muito significativo de atividades relacionadas com a implementação da mesma ação observada no 1º momento noutra dos municípios aderentes, bem como a observação de algumas das reuniões realizadas no âmbito do projeto e do seminário de encerramento do projeto que decorreu na Fundação de Serralves. Para o registo da informação proveniente da “observação armada” (Deshaies, 1997:298) realizada foi criada uma ficha de observação que depois de preenchida, uma por cada um dos episódios observados, foi integrada no diário de campo das observações que depois foi utilizado intensamente na mesa de montagem da investigação. O instrumento criado para a recolha dos dados das observações foi estruturado em quatro secções distintas mas complementares. A 1ª para informações práticas e objetivas de cada um dos episódios observados, ou seja, para as “notas de trabalho de campo” (Lessard-­‐ Hébert, Goyette & Boutin, 1994:157) a realizar imediatamente a seguir a cada observação. A 2ª para as “anotações interpretativas” (Sampieri, Collado & Lúcio, 2006:385) e pessoais de caráter subjetivo – impressões e estados de espírito – que surgissem nas vinte e quatro horas subsequentes a cada observação. A 3ª para as “reflexões teóricas e metodológicas” (Costa, 1986:132) que os episódios de observação suscitassem. E a 4ª secção destinada ao estabelecimento das pontes possíveis entre as conclusões preliminares resultantes da interpretação dos diferentes episódios observados, a investigação em curso e os episódios a observar no futuro, com o objetivo final de diagnosticar a necessidade de aplicação de técnicas complementares de observação. De facto “a complementaridade permite […] efectuar um trabalho de investigação aprofundado, que, quando conduzido com lucidez e as precauções necessárias, apresenta um grau de validade satisfatório” (Quivy &Campenhoudt, 2008:200). Por isso, no estudo da Art@Biblio, para além de se ter efetuado a “recolha intensiva de informação acerca de um vasto leque de práticas” (Costa, 1986:137) das instituições envolvidas no projeto, de se tentar marcar “presença repetida no maior número possível das actividades de todo o tipo que nele se passam” (Ibid.), de se ter recorrido a informantes privilegiados que permitiram a “inserção no tecido social local, [… e obter informações sobre] acontecimentos que nele se vão passando” (Costa, 1986:139) e de se terem realizado conversas informais por ser “a técnica mais adequada para a captação de acontecimentos, práticas e narrativas” (Ibidem:140), achou-­‐se importante aplicar um questionário aos bibliotecários envolvidos no projeto. Para a construção do questionário aplicado no processo de recolha de imagens da Art@Biblio foi utilizado o processo sugerido por Sampieri, Collado & Lúcio (2006:325-­‐342). Assim, depois de analisados questionários aplicados noutras investigações, optou-­‐se por criar um questionário de raiz a partir do “questionário de recolha de dados estatísticos” (Direcção-­‐ Geral do Livro e das Bibliotecas, s.d.) aplicado no ano de 2010 pela então Direcção de Serviços de Bibliotecas da Direção Geral do Livro e das Bibliotecas tutelada pelo então Ministério da Cultura. Ainda no âmbito do processo de recolha de imagens sobre a Art@Biblio foi organizada uma mesa redonda na Fundação de Serralves que, para além da participação da maioria dos bibliotecários que, no ano de 2012, integravam a Art@Biblio, contou com os testemunhos de elementos de outros projetos de redes culturais nacionais cujas práticas passadas se consideraram importantes para o desenvolvimento futuro da Art@Biblio: a Comum-­‐RC e a Artemrede. Obviamente que a realização da mesa redonda também não estava prevista inicialmente. No entanto, considerou-­‐se ser este o instrumento mais adequado para, por um


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lado, recolher um conjunto de imagens que dificilmente se conseguiriam por outros métodos ou técnicas, e, por outro lado, promover uma discussão informal, mas orientada, sobre o tema em análise, através de uma adaptação muito livre da técnica de focus group que “permite não só que se crie um espaço de debate em torno de um assunto comum a todos os intervenientes, como também permite que através desse mesmo espaço os participantes construam e reconstruam os seus posicionamentos em termos de representação e de actuação futura” (Galego & Gomes, 2005:179). Tendo em consideração que o estudo da Art@Biblio não foi inscrito no argumento programa, teve que ser incluída uma nova sequência no argumento modelo – a Sequência Principal 2A – que foi sendo desenvolvida em paralelo com a Sequência Principal 2 que, inevitavelmente, também foi alvo de um ajuste de calendário. Para além dos motivos já invocados para o ajuste no calendário, salienta-­‐se que este também foi provocado por se ter observado que um número muito significativo de autarquias com o estatuto de fundadoras da Fundação de Serralves se foi revelando algo reticente a disponibilizar alguma da documentação solicitada, o que obrigou a um trabalho suplementar junto dos arquivos municipais. Como já foi sublinhado, a flexibilidade metodológica associada ao rigor científico foi uma das pedras de toque deste processo investigativo. Para colmatar todos os contratempos e dificuldades que se previam sentir em alguns momentos do processo de recolha de imagens, definiu-­‐se previamente que deveria ser aplicado regularmente um mecanismo interno de avaliação – umas vezes formal outras vezes informal, umas vezes centrada no processo, outras nos objetivos, outras nos resultados e outras ainda nos participantes – de forma a conseguir, em tempo real, ir aplicando os ajustes que se consideravam mais adequados para a consequência da ação. Numa das avaliações intercalares efetuadas concluiu-­‐se que, devido à pertinência e à adequação da estratégia de recolha de imagens adotada na Sequência Principal 2A, esta deveria ser utilizada, com algumas adaptações, para o desenvolvimento de uma nova sequência, a Sequência Principal 2B, para aprofundar um dos eixos incontornáveis das políticas culturais, ou seja os públicos da cultura. O casting para o projeto protagonista da Sequência Principal 2B recaiu sobre o evento Serralves em Festa, que é promovido desde 2004, uma vez que o projeto está enquadrado no eixo estratégico da Fundação de Serralves relacionado com a Sensibilização e Formação de Públicos. Dadas as caraterísticas do evento selecionado, a Sequência Principal 2B foi estruturada em três momentos. No 1º momento foram analisados os diversos documentos disponibilizados pela Fundação de Serralves sobre o Serralves em Festa. No 2º momento fez-­‐se a observação da 9ª Edição do Serralves em Festa que decorreu nos dias 2 e 3 de junho de 2012. E no 3º momento, que decorreu no 1º semestre de 2013, fez-­‐se a observação da pré-­‐produção da 10ª edição do Serralves em Festa, de forma a complementar a informação recolhida nos dois primeiros momentos com os aspetos práticos que permitem a concretização de um projeto que se transformou no “maior festival de expressão artística contemporânea em Portugal e um dos maiores da Europa” (Fundação de Serralves, 2011:2). Regra geral, as técnicas aplicadas na Sequência Principal 2B foram similares às aplicadas na Sequência Principal 2A, no entanto, porque à observação-­‐participação foi acrescentada uma componente de observação indireta, torna-­‐se importante sublinhar como esse processo decorreu. Dada a dimensão e duração do Serralves em Festa, só era possível efetuar uma observação abrangente se se tivesse uma equipa devidamente preparada para resistir a quarenta horas non-­‐stop de atividades artísticas e culturais. Por isso, para a observação do


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Serralves em Festa, para além da observação direta, realizaram-­‐se momentos de observação indireta que só foram possíveis graças à empenhada colaboração dos cursos de Gestão Artística e Cultural do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. No caso da observação indireta supervisionada da edição de 2012, foi estruturada uma operação recorrendo a sete equipas, de dois elementos cada, que permaneceram, cada uma, por um período de doze horas consecutivas nas instalações da Fundação de Serralves observando o decorrer do evento Serralves em Festa na ótica do fruidor cultural. Para a implementação da observação indireta foram efetuadas sessões preparatórias da operação de captura de imagens e foi feito o acompanhamento no terreno de todo o processo através de encontros para a partilha de experiências e de pontos de situação, que decorreram, regra geral, de quatro em quatro horas nos dois dias do evento. Para além das notas de campo retiradas da observação direta – não só dos eventos, mas também dos encontros com as equipas que estavam a mediar a observação indireta no terreno – cada um dos grupos de observadores produziu um documento reflexivo sobre a experiência que, depois de efetuada a análise do seu conteúdo, forneceu dados muito pertinentes para a investigação. Realça-­‐se que com este momento de observação indireta se tentou apreender o espírito da festa, como ela chega ao grande público e como este se vai relacionando com os diferentes objetos artísticos que lhe vão sendo propostos ao longo do evento. No caso da edição de 2013, a observação indireta contou com a colaboração de um grupo de dois alunos finalistas do mesmo curso, que estava a realizar o seu estágio profissional na Fundação de Serralves. Como o grupo já tinha previsto observar, durante cerca de cem horas, os processos de pré-­‐produção e de produção do evento, foi estruturada uma operação de observação de forma a serem recolhidos dados pertinentes para a investigação. Tal como na observação que decorreu em 2012, realizaram-­‐se reuniões preparatórias e de acompanhamento com os observadores, foram fornecidas fichas de observação para sistematização da informação recolhida nos episódios de observação, e foram produzidos relatórios finais de estágio onde os observadores incluíram uma análise crítica do processo e dos resultados. A observação direta da 10ª edição do Serralves em Festa incluiu a participação numa reunião de pré-­‐produção do evento que decorreu em maio de 2013 e numa reunião geral com os voluntários do evento que decorreu em junho de 2013. A implementação da Sequência Principal 2B, que não estava prevista no argumento programa, revelou-­‐se muito pertinente, pois permitiu aprofundar a palavra-­‐chave que lhe estava subjacente, mas também permitiu retirar algumas ilações interessantes sobre outros aspetos do funcionamento geral da Fundação de Serralves como o facto de os Planos Anuais de Atividades e os Relatório & Contas da Fundação poderem não ser um espelho fidedigno do que acontece realmente na instituição. À medida que a investigação foi decorrendo, a Sequência Principal 2A e a Sequência Principal 2B foram ganhando protagonismo, uma vez que iam contribuindo substantivamente para a construção de uma visão crítica e construtiva das políticas culturais portuguesas observadas a partir de um espaço social semiprivado que, como é óbvio, também é utilizado para a legitimação do poder público. Face a esta evidência, percebeu-­‐se que seria mais adequado e produtivo que a Sequência Principal 3 começasse a ser desenvolvida a par da Sequência Principal 2. Inicialmente estava previsto realizar, na última etapa de recolha de imagens, um conjunto de entrevistas semi-­‐estruturadas a elementos-­‐chave da Fundação de Serralves, do poder central, das autarquias que em 2011 tinham o estatuto de fundadoras da Fundação de Serralves e de instituições culturais públicas e privadas, mas rapidamente se constatou que o caminho a seguir deveria ser outro e ser realizado de forma transversal ao longo de toda a


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investigação. E foi por isso que surgiu a Sequência Principal 2+3 fruto da fusão da Sequência Principal 2 com a Sequência Principal 3. Durante a Sequência Principal 2+3, realizou-­‐se a análise de grande parte da documentação elencado na Sequência Principal 2 e realizou-­‐se um conjunto de entrevistas semi-­‐estruturadas que se considerou fundamental para o sucesso da janela-­‐ecrã e que, na sua maioria, estavam previstas na Sequência Principal 3. Quanto às entrevistas, salientam-­‐se as realizadas a três diretores da Fundação de Serralves e a cinco vereadores com o pelouro do setor cultural em autarquias fundadoras da Fundação de Serralves. No que respeita à entrevista que estava prevista realizar ao secretário de Estado da Cultura no 1º semestre de 2013, o facto de em outubro de 2012 Jorge Barreto Xavier ter substituído Francisco José Viegas no cargo concorreu para a sua não realização, pois considerou-­‐se que a pouca experiência de Jorge Barreto Xavier no cargo não permitiria fazer uma análise consistente entre o plano de intenções e as concretizações efetivas. A participação em eventos científicos, a apresentação de comunicações em eventos científicos, mas também com a participação em eventos de outra natureza que pudessem de alguma forma ser pertinentes para o decurso da investigação, foi outra das estratégias utilizadas durante o processo de recolha de imagens para a janela-­‐ecrã. Julga-­‐se que esta ligação permanente com o objeto científico e a realidade social que se pretendia capturar possibilitou um contacto empenhado e um confronto de ideias com alguns protagonistas do setor, que se revelou particularmente profícuo, tanto mais que “a observação directa pessoal e a observação participante podem abrir o investigador a detectar problemas e a orientar-­‐se na busca das fontes indirectas ou a arquitectar hipóteses” (Godinho, 2011:87). A diversidade e qualidade dos envolvidos em alguns dos mais de sessenta eventos a que se assistiu/participou nos três anos que durou a investigação foram decisivos para o sucesso da realização e para justificar o facto de o número de entrevistas semi-­‐estruturadas ter sido muito mais reduzido do que o inicialmente previsto, uma vez que para além desta atitude pró-­‐ativa com uma espécie de “questionamento comum aplicado a locais e situações diferentes” (Chartier, 2011:328), se realizou um conjunto muito significativo de entrevistas informais no âmbito da observação direta e participante que forneceu dados relevantes para a janela que se queria abrir. 6. Imagens do argumento Parece que não restam dúvidas de que a transformação das três sequências principais incluídas no argumento programa nas quatro sequências principais do argumento modelo foi consciente e acompanhada de “uma extrema vigilância das condições de utilização das técnicas, da sua adequação ao problema posto e às condições do seu emprego” (Bourdieu, 2011:25), apresentam-­‐se por isso agora algumas das imagens da janela-­‐ecrã que prende contribuir para que o abril das políticas culturais se comece a cumprir plenamente em Portugal. Um grande plano sobre alguns dos estudos que se têm debruçado sobre as relações, os objetos e os sujeitos envolvidos na definição e implementação, desde o 2º quartel do século XX, de políticas para o setor cultural em Portugal, permite perceber que é indiscutível que o desenvolvimento cultural conquistado em quase quarenta anos de democracia é francamente superior ao potenciado pelos mais de quarenta anos de ditadura e que todos, setor público e setor privado, têm uma cota parte de responsabilidade na transformação cultural positiva operada em Portugal desde 1974. Mas no filme das políticas culturais ninguém sai ilibado de um passado que tem que ser considerado de globalmente errante e ninguém se pode demitir da sua função no futuro, se se quer que ele seja promissor. Sem minimizar a importância que a administração central pode ter na coordenação da política cultural nacional, a verdade é que em 2013 se podia afirmar que a tutela ainda não tinha aprendido com os erros e que, salvo episódios pontuais, a sua ação tinha, desde 1974,


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oscilado entre as políticas de ausência e as políticas de opulência, que não raras vezes na prática se tinham revelado inoperantes e inconsequentes. A recorrente falta de articulação entre as políticas de cultura e de educação, e o, mais que esperado, incumprimento da maioria dos indicadores e metas que, no ano de 2005, foram definidos para as catorze orientações e objetivos estratégicos para o ano de 2013, são apenas duas das imagens que foram recolhidas no âmbito da janela-­‐ecrã e que sublinham o que acabou de se afirmar. A administração local tem tido um papel importantíssimo no desenvolvimento cultural observado, nomeadamente nos investimentos efetuados, no entanto, em 2013 ainda eram patentes as enormes dificuldades que os municípios tinham em articular a sua ação com a ação de outros municípios. A construção de infraestruturas culturais, por um lado, e o défice de trabalho em rede entre estruturas similares, por outro, revelam perfeitamente as duas faces de uma mesma moeda que urge cambiar. E, não obstante existirem exemplos positivos do contributo da sociedade civil na produção de políticas culturais, é inegável que se tem observado que, não raras vezes, há uma visão muito corporativa e uma enorme falta de proatividade por parte de muitas das instituições e dos agentes culturais portugueses. Assinale-­‐se ainda que a falta de rigor na designação de um conjunto muito significativo de centros de arte e museus que, em Portugal no início da 2ª década do século XXI, se dedicavam às artes moderna e contemporânea, pode representar simbolicamente os problemas transversais às políticas culturais que têm sido emanadas dos setores público e privado. Para além de um conjunto de imagens simbólicas, as evidências encontradas ao longo da rodagem da janela-­‐ecrã permitiram dar resposta à pergunta que foi formulada no início do processo de produção e realização, mas também às perguntas específicas que foram sendo formuladas ao longo do processo de recolha de imagens que não se convocam neste artigo, e serviram para reforçar que em 2013 ainda havia um longo caminho a percorrer até Portugal ver implementada uma política cultural coerente, consistente e consequente. A aposta na descentralização cultural, que foi um dos motivos que concorreu para que em 1979 fosse criada a comissão organizadora que esteve na génese da Fundação de Serralves, continuava na ordem do dia pois, não obstante o país ter sido dotado de um conjunto de infraestruturas espalhadas um pouco por todo o território nacional, a verdade é que muitos dos espaços culturais não foram dotados de recursos minimamente adequados para cumprirem a sua missão descentralizadora. A publicação no ano de 1986 de um decreto-­‐lei que previa, pela 1ª vez, benefícios fiscais às pessoas singulares e coletivas que apoiassem financeiramente a criação, a ação e a difusão cultural, criou o enquadramento legal que facilitou a angariação das verbas necessárias para que a Fundação de Serralves fosse instituída em 1989, mas não concorreu para que, em 2013, se pudesse afirmar que o mecenato cultural era uma prática ancorada na sociedade civil portuguesa. O reconhecimento que algumas autarquias têm do papel que a Fundação de Serralves pode ter na capacitação dos seus técnicos municipais é indiscutível. No entanto, o desfecho de projetos como a Art@Biblio pode ser um sinal para questionar a pertinência e a consequência de algumas das opções da Fundação de Serralves e o real contributo da instituição para a qualificação das políticas culturais. Com o sublinhado que as três últimas imagens convocadas permite efetuar, julga-­‐se que está nítido que a Fundação de Serralves, enquanto entidade emissora e recetora de políticas culturais, influenciou e foi influenciada pelas políticas públicas emanadas da administração central e da administração local da sua área de influência, mas também se julga percetível que


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tal só se observou em aspetos muito específicos e que tal não se revelou substantivo para a implementação de uma política cultural em Portugal. Apesar de a missão da Fundação de Serralves não estar relacionada com a definição e a execução de uma política cultural nacional, a verdade é que uma instituição cultural considerada como um caso ímpar de sucesso na relação entre setor público e o setor privado não se pode demitir da sua função, devendo contribuir proativamente para a implementação de uma rede de políticas culturais públicas e privadas em território nacional. Porque uma política cultural que se queira coerente, consistente e consequente tem que, no início da 2ª década do século XXI, estar enquadrada pelas dinâmicas internacionais, resta a esperança que a aposta que a União Europeia vai, aparentemente, efetuar no setor cultural e criativo durante o período de 2014 a 2020, seja uma oportunidade para que todos preparem e se preparem convenientemente para a mudança de paradigma inevitável que tem que se observar nas políticas culturais portuguesas. Urge, por isso, implementar em Portugal uma política cultural, enquadrada internacionalmente, que seja fruto de uma rede de políticas culturais públicas e privadas que, articuladamente, desenvolva um conjunto de medidas setoriais para atingir o objetivo, tão aparentemente simples, de contribuir para o desenvolvimento integral dos indivíduos e das sociedades. Se a janela-­‐ecrã cumprir a sua função, muitos serão os que, olhando para a encruzilhada, vão afirmar que não sabem por onde vão, mas que sabem que não vão por ali e, por isso, vão ficar pensativos. Referencias Agambem, G. (2008) “Arte, Inoperatividade, Política” in Cardoso, R (coord.) Política, Porto: Fundação de Serralves, pp.35-­‐45. Almeida, J. & Pinto, J. (1995 [1976]) A Investigação nas Ciências Sociais, Lisboa: Editorial Presença. Amiel, V. (2008) “A Poética da Montagem” in Gardies, R. (org.) Compreender o Cinema e as Imagens, Lisboa: Edições Texto & Grafia, pp. 35-­‐46. Aumont, J. e Marie, M. (2009 [2008]) Dicionário teórico e crítico do cinema, Lisboa: Texto & Grafia. Baptista, M. (2009) “O quê e o como da investigação em Estudos Culturais” in Baptista, M. (ed.) Cultura: Metodologias e Investigação, Lisboa: Ver o Verso Edições, pp. 17-­‐28. Bourdieu, P. (2011 [1989]) O Poder Simbólico, Lisboa: Edições 70. Carvalho, A. (2009) “O exercício do ofício da pesquisa e o desafio da construção metodológica” in Baptista, . (ed.) Cultura: Metodologias e Investigação, Lisboa: Ver o Verso Edições, pp. 117-­‐136. Chabrol, C. (2005 [2003]) Como fazer um filme, Lisboa: Publicações Dom Quixote. Chartier, R. (2011 [1989]) “Pessoas com História, Pessoas sem História” in Bourdieu, P. O Poder Simbólico, Lisboa: Edições 70. Costa, A. (1986) “A Pesquisa de Terreno em Sociologia” in Silva, A. & Pinto, J. (org.) Metodologia das Ciências Sociais, Porto: Edições Afrontamento, pp. 129-­‐148. Deleuze, G. (2009 [1983]) A Imagem-­‐Movimento: Cinema 1, Lisboa: Assírio & Alvim. Deshaies, B. (1997 [1992]) Metodologia de Investigação em Ciências Humanas, Lisboa: Instituto Piaget. Direcção-­‐Geral do Livro e das Bibliotecas (s.d.) Questionário de Recolha de dados estatísticos 2010. Disponível em


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