Revista da Conam

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Coordenação: André Cintra Edição: Fernando Damasceno Projeto gráfico: Cláudio Gonzalez Diagramação: Andocides Bezerra Fotos: Acervo CONAM, Agência Brasil, CDM e CTB CONAM Diretoria nacional eleita no 11º Congresso DIREÇÃO EXECUTIVA Bartíria Perpétua Lima da Costa - Presidente Wilson Valério da Rosa Lopes - Vice-Presidente Nacional Valtuídes Mendes da Silva - 2º Vice-Presidente Nacional Euler Ivo Vieira - Secretário-geral Luiz Carlos Guimarães Serafim - 1º Secretário Rubens Silvério da Silva - Tesoureiro Geral Aldenora Gomes González - 1ª Tesoureira Juscelino França Lopo - Dir. de Direitos Humanos e Combate à Discriminação Racial Solange Bergami - Diretora de Comunicação Fernando Zasso Pigatto - Diretor de Planejamento Ênio Nonato de Oliveira - Diretor de Formação Allan Rodrigo Alcântara - Diretor de Relações Internacionais Adriana Maria da Silva Oliveira - Diretora para Assuntos da Mulher Francisco Marques de Freitas - Diretor para Assuntos Jurídicos Fernando Luiz Eliotério - Diretor de Saúde, Saneamento e Meio Ambiente Walter Maria de Arruda - Diretor de Transportes e Mobilidade Urbana Raimundo Jorge Raiol Leal - Diretor de Habitação e Regularização Fundiária Paulo César dos Santos Oliveira - Diretor de Esporte e Lazer Maria José da Silva - Diretora de Cultura Getúlio Vargas de Moura Junior - Diretor de Juventude Juvenal Carneiro de Souza - Diretor de Educação DIRETORES REGIONAIS E NACIONAIS Adécio de Castro Nogueira - Diretor da Região Norte I Maílso Lima Nazaré - Diretor da Região Norte II Luiz Carlos de Carvalho Santos - Diretor da Região Nordeste I Maria Gorete Fernandes Nogueira - Diretora da Região Nordeste II Francisco Alencar Antunes - Diretor da Região Centro Oeste Alexandre de Oliveira Pereira Torres - Diretor da Região Sudeste Cedenir Alberto Simon - Diretor da Região Sul Marta Rodrigues Gonçalves - Diretora Nacional Valdete Patrocínio de Oliveira - Diretora Nacional Serafim Pereira de Souza - Diretor Nacional Maria Lindalva Marques da Rocha Filha - Diretora Nacional Idelfonso Silva - Diretor Nacional Maria das Graças Ivonete de Jesus Bispo - Diretora Nacional João Pereira Oliveira Junior - Diretor Nacional Wanderley Gomes da Silva - Diretor Nacional Fernando Jordão da Silva - Diretor Nacional Antonio Filgueira Galvão Filho - Diretor Nacional Marcos Antonio Quirino da Silva - Diretor Nacional Jorge Morgado - Diretor Nacional Paulo César Santos de Oliveira - Diretor Nacional Washington Campos Vieira - Diretor Nacional Jordaci Vieira de Matos - Diretor Nacional Anildo Mastdorf - Diretor Nacional Maria Horácia Ribeiro de Ribeiro - Diretora Nacional Neusa Maria Hengel Sandrim - Diretora Nacional Heloisa Helena Pereira - Diretora Nacional Jorge Luiz Moreira - Diretor Nacional Rodnei Costa da Silva - Diretor Nacional Luiz de Mauro - Diretor Nacional Sebastião da Silva Nunes - Diretor Nacional Antonio Hélio Santos de Aquino - Diretor Nacional Maria Inês Gonçalves - Diretora Nacional Antonio Junior Ferreira Coelho - Diretor Nacional Veneranda Rosa de Oliveira Elias - Diretora Nacional Marceone Rodrigues Oliveira - Diretor Nacional Charles Antonio Ferreria de Aviz - Diretor Nacional Lilia Santos Oliveira - Diretora Nacional Osmar Pimenta - Diretor Nacional Dulcimary da Silva Serra - Diretora Nacional Antonio Carlos Damasceno - Diretor Nacional Maura Augusta Soares de Oliveira - Diretora Nacional Maria Dalva dos Santos - Diretora Nacional

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* O conteúdo dos artigos assinados na revista Habitar não necessariamente expressa a opinião da CONAM

NESTA EDIÇÃO Editorial:

A CONAM e um novo Brasil P 3 Política Urbana, Eleições 2012 Caravana da CONAM propõe “Carta Compromisso” com plataforma do movimento comunitário

P 4 RIO+20/Cúpula dos Povos Articulação da CMS potencializa a luta dos movimentos populares do país

P 8 Assistência jurídica Seguro habitacional, um direito do mutuário

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Políticas públicas Estatuto da Cidade serve à inclusão social

P 24 Transporte Público Gratuidades pagas, uma injustiça social

P 26 Reforma urbana Encontro atualiza a agenda e as estratégias do FNRU

P 28 CENTREVILLE

Três décadas de uma ocupação histórica

Especial

EXPEDIENTE

Habitar — Edição Especial é uma publicação da Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM). Rua Prof. Sebastião Soares de Farias, 27 - 5º andar - salas 54/55 Bela Vista - São Paulo - SP - CEP: 01317-010 Fone/Fax: (11) 3276-3233 / 3208-0220 / 3209-9623 Correio Eletrônico: conambrasil@hotmail.com

Conam, 30 anos P 11

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A CONAM e um novo Brasil EDITORIAL Por Bartiria Lima*

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motivo de orgulho olhar para a trajetória de lutas das três décadas de existência da CONAM e constatar que sua história, composta por momentos de avanços e dificuldades, possui muitas semelhanças em relação às transformações pelas quais o Brasil passou durante os últimos 30 anos. Não é exagero dizer que vivemos atualmente em um novo país, cujo nascimento se deu a partir de 2003, quando se iniciou o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após duas longas décadas marcadas por políticas antipopulares e sob a batuta neoliberal. É durante esse período delicado, já nos momentos finais do regime militar, que o Brasil viu surgir a CONAM, no

começo de 1982. Durante três décadas, sua trajetória de lutas manteve-se coerente aos anseios do movimento popular brasileiro por moradia, ao lado de movimentos sociais importantes, como o de estudantes e de trabalhadores. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, a CONAM sempre esteve na linha de frente de lutas como o processo de redemocratização do país, das discussões que definiram a redação da Constituição Federal de 1988, no enfrentamento à política neoliberal de Fernando Henrique Cardoso e na base de sustentação dos governos Lula e da presidenta Dilma Rousseff. Hoje, assim como o Brasil assumiu uma nova importância na geopolítica mundial, a CONAM tornou-se um ator fundamental para a elaboração de políticas públicas nas esferas municipal, estadual e federal, em cada uma das regiões do país. Suas reivindicações históricas finalmente começaram a fazer parte da pauta política nacional. Em 2012, durante as eleições

municipais, trabalharemos para que essa tendência não seja interrompida. Da mesma forma, lutaremos para que prefeitos e vereadores comprometidos com os movimentos populares saiam como vencedores das urnas. Esta edição especial de Habitar procura mostrar um pouco da história e trajetória da CONAM e destacar que a mobilização e luta nestes 30 anos ajudaram a construir muitas conquistas para nosso povo. O novo Brasil que começa a surgir permite sonharmos com um futuro muito mais promissor do que tínhamos no horizonte há 30 anos. Neste período e para o próximo podemos reafirmar: somente com luta, mobilização social e elevação da consciência das nossas comunidades poderemos consolidar as conquistas para aprofundar as mudanças. A luta continua!

* Bartiria Lima, presidente da CONAM

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Política Urbana – Eleições 2012

As cidades e as urnas Caravana da CONAM propõe “Carta Compromisso aos Candidatos”, com plataforma do movimento comunitário

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m ano de eleições municipais, bandeiras de lutas como a reforma urbana e o direito às cidades ganham força. Para subsidiar os candidatos que vão às urnas em 7 de outubro, o movimento comunitário já preparou sua plataforma de lutas – a “Carta Compromisso aos Candidatos”. Durante o mês de julho, quando começou oficialmente a campanha eleitoral, a CONAM saiu às ruas, em conjunto com suas entidades filiadas nos estados e municípios, para apresentar o documento, na Caravana da CONAM pela Reforma Urbana, Saúde e Políticas Sociais. Ao mesmo tempo, foi lançado o Selo “Parceiro Comunitário”. “Entendemos que o cenário des-

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sas eleições de 2012 é complexo. Existe dificuldade hoje de emplacar candidaturas que representem o povo. A pauta da reforma urbana é a bandeira que unifica e dialoga com a base”, apontou a diretoria da CONAM, em circular divulgada em fevereiro. Apesar de prever um grande ato nacional, a Caravana da CONAM também deve ter lançamentos regionais. Segundo a diretoria, “é necessário que as entidades já comecem a se preparar nos seus estados”. A “Carta Compromisso aos Candidatos” tem como base as resoluções do 11º Congresso da CONAM, realizado em 2011. Temas como saneamento básico, habitação, transportes e planejamento urbano vêm à

tona no documento, dentro da perspectiva de políticas públicas. Segundo o texto, “avançar na participação popular e controle social é mais que um desejo das comunidades: é fazer cumprirse a lei”. O movimento propõe dez compromissos para candidatos a prefeito e a vereador, como a criação de “instâncias participativas e deliberativas de gestão democrática”; a aplicação do Estatuto da Cidade; a instituição de Conselhos Municipais da Cidade de caráter deliberativo; e o desenvolvimento de uma “política municipal de Regularização Fundiária”. Confira ao lado a íntegra dos documentos da Caravana da CONAM.


Caravana da CONAM pela Reforma Urbana, Saúde e Políticas Sociais

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m seus 30 anos de luta, a CONAM esteve presente nas lutas organizadas das comunidades do Brasil. Fomos atuantes na elaboração da Constituinte de 1988 e, através de nossas filiadas, colaboramos para a construção das leis orgânicas municipais e dos processos de ampliação da participação popular e controle social. Se a década de 1990 foi de resistência ao neoliberalismo, os anos 2000 foram de conquistas e avanços. Mas isso não basta. Avanços como SUS, Estatuto da Cidade, Fundo e Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, Marco Regulatório do Saneamento, Política Nacional da Mobilidade Urbana, a instituição do Ministério e Conselho das Cidades são importantes, mas precisam de ações locais que os façam se implementar de verdade. Afinal, são nas cidades que uma política de reforma urbana, saúde e políticas sociais se efetivam. Chegamos a 2012 e teremos eleições municipais, por meio das quais serão eleitos prefeitos e vereadores. E para que tenhamos gestores públicos comprometidos com essas políticas públicas, construídas com muita luta e mobilização popular, é necessário que

os mesmos se comprometam com o movimento comunitário organizado e suas principais bandeiras. Historicamente, as comunidades e lideranças comunitárias foram tratadas de forma clientelista. A CONAM, preocupada com os interesses das suas filiadas, apresenta uma pauta de discussão política como forma de defender os interesses coletivos, através do fortalecimento e implementação em aspecto local de políticas públicas nas áreas de competência das prefeituras. Nesse sentido, a Confederação Nacional das Associações de Moradores e suas filiadas expuseram parte de suas demandas ao longo do mês de julho deste ano, durante a “Caravana da CONAM por Reforma Urbana, Saúde e Políticas Sociais!”, realizada nas principais cidades do Brasil. “Somente com participação e mobilização das comunidades estes avanços sairão do papel para virar realidade em nossas comunidades”, analisa a presidente da entidade, Bartíria Lima. No ano de 2011, a CONAM realizou seu 11º Congresso, que mobilizou mais de 20 mil associações de moradores em todo Brasil. A síntese

deste Congresso se encontra no conteúdo da Carta aos candidatos. O desejo é que toda esta mobilização se reflita no ano de 2012, através dos debates locais estimulados pela Caravana. É preciso que o movimento comunitário saiba quais candidaturas se comprometem com suas bandeiras históricas. Para tanto, é necessário se fortalecer em cada estado e, com isso, potencializar a participação popular e o controle social efetivo. A partir de um instrumento com esse potencial, haverá fortalecimento das comunidades, da CONAM e suas filiadas. Mais informações podem ser obtidas através do site www.conam. org.br e do e-mail conambrasil@ hotmail.com ou nos estados e municípios com seus diretores e entidades filiadas.

Carta Compromisso aos Candidatos A CONAM – Confederação Nacional das Associações de Moradores e suas filiadas – realizou em 2011 seu 11º Congresso, que mobilizou mais de 20 mil associações de moradores e reafirmou bandeiras históricas do movimento comunitário e urbano, na busca do diálogo e da construção de políticas públicas que atendam ao interesse de nossas comunidades e avancem na construção de cidades comprometidas com as políticas sociais, sustentabilidade am-

biental e desenvolvimento urbano. No Brasil, mais de 82% da população vive nas áreas urbanas, boa parte concentrada nas grandes cidades, sofrendo com a falta de moradia, saneamento, infraestrutura e equipamentos públicos essenciais, como escolas, creches, postos e unidades de saúde, áreas de cultura e lazer. Ao se pensar em qualidade de vida, deve-se pensar em construir cidades que cumpram sua função social para todos e todas. Ter o Es-

tado como indutor dessa política é uma condição fundamental. Frutos de uma luta histórica de nosso povo, organizado pela Reforma Urbana, nos últimos dez anos foi aprovada uma série de instrumentos e foram fortalecidos conceitos que apontam que as cidades devem tratar de forma integrada e transversal as políticas urbanas de planejamento urbano, produção habitacional, regularização fundiária, saneamento ambiental

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e mobilidade urbana. Também se trabalhou na instituição do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano como medida prática de integração das políticas urbanas em todas as esferas, com conselhos e fóruns de participação que garantam a transversalidade e integração das políticas. Passados dez anos da aprovação do Estatuto da Cidade, é fundamental que seus instrumentos sejam aplicados nas cidades, principalmente os que garantem sua função social e da propriedade. Ao mesmo tempo, o Plano Diretor, elaborado de forma democrática, tem que dialogar com as leis de Mobilidade, Saneamento e Habitação de Interesse Social. Neste ano, nossas cidades vão eleger seus prefeitos e vereadores – momento ímpar para que seja realizado o debate de ideias, com ampla participação das lideranças comunitárias e populares. Avançar na participação popular e controle social é mais que um desejo das comunidades: é fazer cumprir-se a lei. Com intuito de garantir a construção de cidades mais democráticas, a partir de gestores e parlamentares comprometidos com as pautas populares e comunitárias, a CONAM, conjuntamente com suas entidades filiadas nos estados e municípios, constrói a “Caravana da CONAM pela Reforma Urbana, Saúde e Políticas Sociais” e lança o Selo “Parceiro Comunitário”.

Plataforma

• criar instâncias participativas e deliberativas de gestão democrática, com representação das comunidades, através de suas Uniões/ Federações Municipais ou Associa-

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ções de Moradores, tais como Orçamento Participativo, Audiências Públicas, Conferências, como também a inclusão na Lei Orgânica do município da possibilidade de aprovação de Iniciativas de Leis e Projetos Populares; • aplicar os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade (Lei

Federal 10.257/2001), elaborando e/ou revisando de forma participativa o Plano Diretor e os Planos Setoriais de Habitação de Interesse Social, Saneamento Básico e Ambiental; • criar o Conselho Municipal da Cidade de caráter deliberativo, com os mesmos segmentos e suas devidas proporcionalidades de representação do Conselho Nacional;

• desenvolver uma política municipal de Regularização Fundiária das áreas ocupadas por populações de baixa renda, mediante a prestação de assistência jurídica e técnica gratuita, e, ainda, a iniciativa de Projetos de Lei e programas de governo que agilizem e diminuam os custos na concessão do título de propriedade a essas famílias; • destinar 1% (um por cento) do orçamento no município à construção de moradias que beneficiem prioritariamente famílias de baixa renda (até três salários mínimos), como proposto na PEC da Moradia Digna (285/2008); • avançar na qualidade do transporte público, promovendo a Redução das Tarifas, bem como a implementação das diretrizes da Política Nacional da Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/2012); • trabalhar pela execução de uma política específica de Saneamento Ambiental que se baseie no Marco Regulatório do Saneamento (Lei Federal 11.445/2007); • integrar as políticas sociais do município, buscando fortalecer a inclusão social e a erradicação da pobreza, em diálogo com as políticas nacionais; • garantir Saúde Pública, Gratuita e de Qualidade, com fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e priorização, dentro do possível, da saúde preventiva em relação à saúde curativa; • priorizar investimentos em políticas de distribuição de renda, de promoção da cultura, do lazer e do esporte, em relação a outras iniciativas, no que concerne à Segurança Pública.


Política Urbana – Eleições 2012

Mobilização internacional CONAM e AIH articulam rede para garantir a seguridade habitacional no país

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o mundo atual, 1 bilhão de pessoas se encontram ameaçadas de desapropriação, ou enfrentando más condições de moradia, devido à diminuição da renda, guerras, ocupações e desastres ambientais. Porém, em vez desse número diminuir, previsões mostram que mais 700 milhões de cidadãos podem entrar para essa estatística até 2020. Para evitar essa situação dramática, a Aliança Internacional de Habitantes lançou a Campanha “Despejo Zero” no 4º Fórum Social Mundial (Mumbai, Janeiro de 2004), com o objetivo de mobilizar a solidariedade internacional, começando pelos habitantes em situação mais crítica, de maneira a alcançar dignidade e seguridade habitacional. Seu princípio é bem claro: ninguém deve ser desalojado. Em caso de realocação, acomodações alternativas decentes devem ser localizadas antecipadamente e com o consentimento dos habitantes em questão. Isso significa respeitar o Artigo 11 da Declaração

dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, com particular referência ao Comentário Geral no 4º Comitê de Direitos da ONU (1990). Para alcançar esse objetivo, a AIH propôs a organização de um espaço comum global para todos os movimentos sociais urbanos, de modo a unificar iniciativas locais, nacionais e internacionais. A entidade responsável por desenvolver essa campanha no Brasil é a CONAM, Que colabora com lideranças e parceiros da luta, e articula as redes em nível nacional e internacional.

Ajuda internacional

No inicio de Outubro de 2011 as voluntárias Dália Bodelgo (Portugal) e Eleonora Bigolin (Itália) chegaram à CONAM para desenvolver a campanha “despejo zero” no Brasil. Para tanto, manter o banco de dados das lideranças e parceiros, publicar boletins informativos e fazer com que as informações na rede circulem, são algumas das estratégias da CONAM, através da Antena

Brasil. Com a ativação da rede, se verifica a mobilização social na luta pela efetivação dos direitos e o fortalecimento dos espaços de participação que se complementam para reforçar a luta pelo bem habitacional e social. Desde a chegada das voluntárias, foram elaborados novos casos de despejo e situação de conflito, produzidas novas fichas com informações detalhadas e precisas que foram encaminhadas como denúncia às autoridades locais e à relatoria de direito à moradia da ONU. As visitas foram agendadas com representantes locais da comunidade, assim como as conversas e reuniões com o intuito de conhecer a situação habitacional da comunidade Para além dessas atividades, foram produzidos 15 artigos sobre situações de desapropriações, projetos habitacionais, como ainda sobre eventos que foram realizados. Todas as fichas e artigos estão catalogados e disponíveis no site da AIH (www. habitants.org).

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Rio+20/Cúpula dos Povos

Compromisso mundial CONAM promove atividades na Rio+20 e defende plataforma unificada do movimento comunitário internacional

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inte anos após a histórica Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), o Rio de Janeiro voltou a ser sede de um megaevento da ONU para debater o futuro do Planeta. Trata-se da Rio+20 – a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, ocorrida de 16 a 23 de junho. Paralelamente à Rio+20, aconteceu a Cúpula dos Povos, com eventos programados por entidades e representantes da sociedade civil, como a CONAM. É nesse espaço que se concentraram as denúncias sobre os limites da Conferência, bem como as propostas concretas de povos do mundo inteiro.

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Com o apoio da CONAM, a agenda unitária do movimento comunitário internacional deu destaque ao o lema “Por Territórios Justos, Democráticos e Sustentáveis – O Direito à Cidade, à Reforma Urbana e à Reforma Agrária como Mudança de Paradigma”. O objetivo dessa plataforma era “dar conta de tornar a vida dos cidadãos e cidadãs mais digna, com equilíbrio para o planeta, respeito e justiça social”. Foi com essa preocupação que a AIH (Aliança Internacional dos Habitantes), o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) e a HIC (Habitat International Coalition) elaboraram um documento conjunto, batizado de “Chamada para convergência na Rio+20”. Segundo o movimento comunitário, a Cúpula

dos Povos tinha todas as condições para ser “um marco para o fortalecimento do diálogo e das alianças, para a definição de uma plataforma e de um programa de luta comum para as organizações de habitantes urbanos, rurais, de trabalhadores, de mulheres, ambientais e de todos aqueles que lutam pela gestão integral do território, pelo reequilíbrio das relações entre urbano e rural, pelo direito à cidade e pelo o direito à Terra”.

Mobilização

Durante o evento no Rio de Janeiro, os milhares de lutadores sociais que participaram da Cúpula deixaram claro que a atual crise econômica internacional tem caráter estrutural. Os participantes

atestaram que o capitalismo também leva à perda do controle social, democrático e comunitário sobre os recursos naturais e serviços estratégicos, que continuam sendo privatizados, convertendo direitos em mercadorias e limitando o acesso dos povos aos bens e serviços necessários à sobrevivência. “As instituições financeiras multilaterais, as coalizões a serviço do sistema financeiro, como o G-8/G-20, a captura corporativa da ONU e a maioria dos governos demonstraram irresponsabilidade com o futuro da humanidade e do planeta e promoveram os interesses das corporações na conferencia oficial. Em contraste a isso, a vitalidade e a força das mobilizações e dos debates na Cúpula dos Povos

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fortaleceram a nossa convicção de que só o povo organizado e mobilizado pode libertar o mundo do controle das corporações e do capital financeiro”, defende o documento. A CONAM teve participação ativa durante todos os dias da Cúpula, com destaque para sua participação na grande marcha que reuniu cerca de 200 mil pessoas e tomou diversas ruas do Rio de Janeiro. Seus militantes atestaram a ideia de que “a transformação social exige convergências de ações, articulações e agendas a partir das resistências e alternativas contra hegemônicas ao sistema capitalista que estão em curso em todos os cantos do planeta”, conforme expõe o Documento Final. Diante de tão intensa mobilização, os processos sociais acumulados pelas organizações e movi-

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mentos sociais que convergiram na Cúpula dos Povos apontaram para os seguintes eixos de luta: Contra a militarização dos Estados e territórios; Contra a criminalização das organizações e movimentos sociais; Contra a violência contra as mulheres; Contra a violência as lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros; Contra as grandes corporações; Contra a imposição do pagamento de dívidas econômicas injustas e por auditorias populares das mesmas; Pela garantia do direito dos povos à terra e território urbano e rural; Pela consulta e consentimento livre, prévio e informado, baseado

nos princípios da boa fé e do efeito vinculante, conforme a Convenção 169 da OIT; Pela soberania alimentar e alimentos sadios, contra agrotóxicos e transgênicos; Pela garantia e conquista de direitos; Pela solidariedade aos povos e países, principalmente os ameaçados por golpes militares ou institucionais; Pela soberania dos povos no controle dos bens comuns, contra as tentativas de mercantilização; Pela mudança da matriz e modelo energético vigente; Pela democratização dos meios de comunicação; Pelo reconhecimento da dívida histórica social e ecológica; Pela construção de um Dia Mundial de Greve Geral.


ENCARTE 30 ANOS

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O legado de quem soube “enfrentar a reação” Fundada em 1982, CONAM chega aos 30 anos com uma trajetória coerente de lutas e conquistas no movimento comunitário

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ouve época em que as praças eram o principal símbolo das lutas do povo brasileiro. “A praça! A praça é do povo/ Como o céu é do condor”, escreveu Castro Alves, em 1864, no poema “O Povo ao Poder”. Se o acesso às praças fosse bloqueado, sobressaíam as palavras-de -ordem, os hinos e até as pichações em muros. “Estas poesias (...) são comício e manifesto. São umas das mil formas de se chegar ao povo quando negam ao povo a praça pública”, explica Mário Lago, na introdução de “O Povo Escreve a História nas Paredes”, de 1948. Das “mil formas de se chegar ao povo”, poucas se mostraram mais eficientes e vitoriosas do que a for-

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mação de entidades nacionais representativas. Foi assim no movimento estudantil, com a UNE e a Ubes. Foi assim também na centenária história do sindicalismo, com suas associações, federações, confederações e centrais sindicais. Foi assim — e ainda mais — nas lutas políticas da República, a partir do nascimento e na consolidação, Brasil afora, de partidos democráticos, patrióticos e progressistas. Com o movimento comunitário — que emergiu, de forma muito limitada e

incipiente, na virada da década de 1920 para os anos 30 —, não foi diferente. Houve lutas memoráveis, sim, até os últimos anos da ditadura militar (1964-1985). O movimento encarou o arbítrio, levantou bandeiras históricas, formou lideranças de massas e viu a voz dos bairros chegar às praças centrais. Faltava, no entanto, uma representação nacional do movimento — uma entidade máxima —, capaz de unificar as lutas comunitárias e populares, acumular forças e consolidar as conquistas. Partindo das demandas das associações de moradores e das sociedades amigos de bairro, essa entidade teria mais peso político para legitimar e fortalecer as reivindicações populares. Foi sob esse contexto que, há 30 anos, nasceu a CONAM.


No rastro do Movimento contra a Carestia Combate ao elevado custo de vida reacende as lutas nos anos 70

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uramente atingido após o Golpe de 1964, o movimento comunitário voltou a se fortalecer nos anos 70. Com o reforço de lideranças sindicais e partidárias — cada vez mais perseguidas pela ditadura —, a luta popular se tornou mais politizada e abrangente. Seu marco principal foi o Movimento contra a Carestia, que combateu o elevado custo de vida. Numa mesma frente de lutas, uniram-se várias forças sociais, como partidos políticos (inclusive os clandestinos) e setores da Igreja Católica, através das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). O Movimento contra a Carestia culminou em vários feitos, como o abaixo-assinado com 1,25 milhão de adesões pelo congelamento dos preços dos gêneros de primeira necessidade; a Assembleia Popular com 7 mil pessoas; a Passeata das Panelas Vazias; a eleição de parlamentares

egressos da luta comunitária, como Aurélio Peres e Irma Passoni; a fundação e a reorganização de milhares de associações de moradores e sociedades de amigos de bairro, bem como as primeiras entidades federativas municipais e estaduais. Tudo às voltas com a abertura “lenta, gradual e segura” do regime militar. Até 1980, a luta contra a ditadura unia as entidades num mesmo campo, e a oposição ao regime se concentrava num único partido, o MDB. Com a decadência do governo dos generais-presidentes e a volta do pluripartidarismo, as diferenças entre as forças progressistas vieram à tona. Em poucos meses, o MDB se dividiu em quatro partidos — e outras legendas ainda clandestinas, mas beneficiadas com a Anistia de 1979, também começaram a se reorganizar. No segundo semestre de 1981,

as iniciativas em defesa de uma entidade nacional para o movimento comunitário se renovaram. Associações de moradores realizaram encontros regionais pelo Brasil inteiro. Os rumos da entidade, autônoma e suprapartidária, foram especialmente discutidos no 2º Encontro Nacional de Entidades de Moradores de Bairros, Vilas e Favelas (no Rio de Janeiro, em 29 e 30 de agosto) e no 3º Encontro Nacional das Associações de Moradores (em São Paulo, no dia 26 de setembro). Para organizar o Congresso de Fundação da nova entidade, lideranças do movimento constituíram um grupo, que ficou conhecido como Comissão pró-CONAM (Confederação Nacional das Associações de Moradores). Como não dava mais tempo para mobilizar os estados em 1981, o histórico encontro foi convocado para janeiro do ano seguinte.

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Uma entidade à altura das grandes lutas populares Em congresso histórico, movimento comunitário funda a CONAM

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a virada de 1981 para 1982, o movimento comunitário abraçou a criação de sua entidade máxima. Um documento próCONAM deixava claro: “Para que o Congresso se transforme numa grande vitória do povo, ele deverá permitir discussões profundas que formarão as bases de suas deliberações e resoluções”. A pauta ia além da atuação típica do movimento. “A luta é também por questões políticas, como a queda do regime militar, pela Constituinte livre e soberana, contra o desemprego e a carestia, e também contra estes últimos pacotões”, disse Paulo Della Zen à “Tribuna da Luta Operária”. O 1º Congresso Nacional das Associações de Moradores foi chamado para 16 e 17 de janeiro de 1982, no Ginásio do Pacaembu, em São Paulo. À frente do processo estava a Comissão Pró-CONAM, presidida por Almir de Barros. Segundo essa comissão, “os problemas de saúde, saneamento, educação, transporte, moradia, lazer, segurança e outros tornaram-se tarefas que exigem descentralização e a participação de todos para encaminhar suas soluções”. O documento fazia firme defesa das entidades de base. “As associações de moradores de bairros, vilas e favelas não são organismos artificiais. Surgiram ao longo das últimas décadas de forma espontânea e autônoma,

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como expressão legítima dos interesses da população na luta por seu bem-estar, reivindicando melhores condições de infraestrutura — água, luz, esgoto, asfalto, segurança, etc.” As eleições diretas eram o “caminho para que as verdadeiras causas do desequilíbrio de renda — a dependência energética e o endividamento generalizado — desapareçam”. O início do congresso estava previsto para as 9 horas de 16 de janeiro, um sábado. O credenciamento começou às 7h30 de sábado. Havia 15 mil delegados credenciados, sendo 8 mil de São Paulo e 7 mil dos outros 22 estados, do Distrito Federal e dos então territórios de Roraima e do Amapá. No final, 5 mil pessoas compareceram ao primeiro dia do congresso. Mesmo com a “quebra” na mobilização, o primeiro dia do Congresso foi atribulado. Sem experiência para um encontro de tamanha envergadura, a Comissão Pró-CONAM se perdeu logo no credenciamento dos delegados. A abertura do congresso foi adiada para o início da tarde. Mesmo assim, mais de 2 mil participantes ainda estavam sem inscrição. Nada, porém, ofuscou o ânimo das lideranças presentes. O ginásio foi tomado por dezenas de faixas e cartazes que saudavam o congresso. Quando Almir de Barros abriu o Congresso, logo depois do horário de almoço, a

plenária contava com representações de 18 estados. No domingo, dia 17, o congresso chegou à sua etapa mais importante: a criação da CONAM entrou em discussão. Após uma série de discursos inflamados — a maioria em defesa da nova entidade —, a plenária aprovou, por 1.172 votos a 618, a fundação e o estatuto da Confederação Nacional das Associações de Moradores. Houve 11 votos nulos e dois em branco, além de 914 abstenções. O encontro se encerrou às 17h30, com a posse dos 29 membros da primeira direção, eleita para um mandato de dois anos. Logo após o congresso, a diretoria se reuniu para definir a distribuição de cargos. O primeiro presidente da entidade foi Almir de Barros, militante do PMDB e membro do Conselho Coordenador das Sociedades de Amigos de Bairro do Estado de São Paulo. Irineu Guimarães, da Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro, foi designado vice-presidente. Já Washington Aires, da Federação das Associações de Moradores do Rio Grande do Sul, assumiu a Tesouraria. Cada região brasileira foi representada na diretoria por um vice-presidente. Entre os dirigentes eleitos, havia lideranças que despontam hoje no Congresso Nacional, como o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) e o deputado federal Walter Feldman (PSDB-SP).


DEPOIMENTOS Não poderíamos dizer outra coisa a não ser que devemos acreditar que, com a presença da CONAM em nosso meio, isso só nos fortaleceu. Com isso, ganhamos muito nesses últimos 30 anos. Devemos comemorar este felicíssimo aniversário de muita luta, e por isso quero aproveitar para parabenizar aos companheiros e companheiras que estão à frente deste grande instrumento de luta da classe trabalhadora e de defesa do proletariado brasileiro. Luiz Gonzaga da Silva (Gegê) Movimento de Moradia de São Paulo A Federação Nacional dos Urbanitários, entidade sindical nacional que representa os trabalhadores (as) das áreas de saneamento, energia e meio ambiente, manifesta sua satisfação em ter como grande parceira de suas lutas na defesa do acesso universal ao saneamento, com controle social e qualidade, a CONAM, entidade que não tem medido esforços na luta pela construção de um país cada vez mais justo, democrático e inclusivo, onde todos os brasileiros (as) tenham direito à moradia

digna e ao saneamento pleno. Parabéns pelos 30 anos de luta e resistência, e que nossa parceria se consolide cada vez mais. Franklin Moreira Gonçalves Presidente da FNU A CONAM completou 30 anos como uma das mais importantes organizações brasileiras na luta pelos direitos à cidade e à moradia adequada. Sua trajetória marcante de compromisso por um projeto de desenvolvimento com justiça social para o Brasil vem inspirando a todas e todos que tiveram o privilégio de estar ao lado de seus integrantes nas lutas. Parabéns e felicidades a todas e todos que fazem a CONAM e os mais sinceros votos para que continuem fortes na caminhada para a construção de um Brasil com mais justiça e equidade. Demóstenes Moraes Diretor Executivo Nacional Habitat para a Humanidade Brasil O 30º aniversário da CONAM marca a grandeza de pessoas que durante todos esses anos doaram a

sua vida na construção de uma entidade que sempre lutou e continuará lutando para a transformação da sociedade. A UNMP saúda a todos (as) companheiros (as) da entidade. VIiva a CONAM! Donizete Fernandes União Nacional por Moradia (UNM) São poucas as organizações que podem se orgulhar de comemorar 30 anos de lutas, com tantas conquistas envolvendo não apenas equipamentos, serviços e políticas para as cidades, mas sobretudo cidadania. A CONAM tem esse privilégio. São 30 anos de lutas organizando o movimento comunitário e popular, são 30 anos de lutas em conjunto com outras organizações populares. A reforma urbana no Brasil ainda enfrenta muitos desafios. Nesse cenário, poder contar com a CONAM é sempre mais uma esperança na transformação da sociedade brasileira, na perspectiva da promoção do direito à cidade para todos e para todas. Orlando dos Santos Junior Observatório das Metrópoles

Na vanguarda da Constituinte

Nos anos 80, CONAM sobressai na defesa de projetos sociais para a Constituição

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ma vez fundada, a CONAM passou a representar as mais de 8 mil associações de bairro existentes no País em 1982. Juntas, as entidades abrangiam 25 milhões de pessoas. Estimava-se que 95% desses brasileiros ganhavam até três salários mínimos, numa época em que o déficit habitacional era da ordem de 8,5 milhões de moradias. Não bastassem os desafios estruturais que o Brasil enfrentava, ainda sob a ditadura militar, o grau de enraizamento

da CONAM variava de acordo com a região. Em 11 estados, não havia nem sequer federações criadas pelo movimento comunitário. Por isso, se é fato que a criação da CONAM deu mais articulação às lutas populares, também é verdade que as limitações dificultaram — e, em certos casos, inviabilizaram — as primeiras ações da nova entidade. Um documento apresentado em novembro de 1984, às vésperas do 2º Congresso da CONAM, cobrava

um encontro “amplo, representativo e unitário”, que imprimisse um caráter mais combativo à agenda do movimento. “A CONAM procurou se firmar, embora não tenha conseguido êxito nesta tentativa. Pouco fez e ficou imobilizada por muito tempo. De meados de 82 até setembro de 84, viveu um período de dispersão em suas atividades. Não se fez presente em importantes lutas que se desenvolveram nessa época”, apontava o texto.

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Por outro lado, o documento destacava a ascensão do movimento. A cena política, apesar da amarga derrota da emenda das “Diretas Já” no Congresso Nacional, era marcada por conquistas no rumo da redemocratização. Com a inflação em alta e a estagnação da economia brasileira, as entidades populares representavam as aspirações mais cotidianas e urgentes da sociedade. “O movimento comunitário, através de suas federações, associações de moradores, de favelados e de mutuários, desenvolve crescente atividade, trava importantes lutas, como a dos mutuários, transporte e posse do solo urbano. Tudo isso configura um quadro de avanço geral da luta do movimento comunitário e é um auspicioso indicador de como a população cada vez mais participa, de forma organizada, da vida política e associativa do país”, acrescentava o documento. A perspectiva de um congresso entusiasmou a direção da CONAM,

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que reuniu seu Conselho de Representantes por duas vezes para debater os rumos do movimento. O 2º Congresso foi realizado em 8 e 9 de dezembro de 1984 e elegeu Orlando Zanfelice para presidente da entidade, sucedendo Almir de Barros. Nos estertores da ditadura, a CONAM aprovou, por ampla maioria de votos, uma emenda de apoio à candidatura do civil Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, contra o candidato apoiado pelo regime, Paulo Maluf. Os delegados apoiaram também a “suspensão da dívida externa” e a “participação das entidades populares nas decisões políticas”.

Novos tempos

A gestão encabeçada por Zanfelice coincide com a redemocratização do Brasil, consumada na vitória de Tancredo Neves em 1985. Doente, o político mineiro não toma posse em 15 de março – o cargo é assumido interinamente por seu vice, José Sarney. Com a morte de Tancredo, pouco mais de

um mês depois, Sarney assume de vez a Presidência da República e acena favoravelmente à convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Nesse período, ganha impulso o Movimento Nacional pela Reforma Urbana. Segundo Éder Roberto da Silva, mestre em Engenharia Urbana e estudioso do tema, essa iniciativa envolveu “setores da Igreja Católica, do movimento social, intelectuais, técnicos da área urbana e entidades organizadas em torno da política urbana, além de partidos políticos clandestinos e legais”. Tais segmentos “desenvolveram a articulação de um amplo movimento nacional para discutir propostas sobre a cidade, com vistas a participar de forma organizada do processo que estabeleceria uma nova Constituição”. Com um Brasil mais democrático, onde o movimento comunitário reivindicava uma Constituinte “livre e soberana”, a CONAM também daria um salto progressista. No 3º Congresso da entidade, em março de 1986, a diretoria eleita era, pela primeira vez, encabeçada por um representante da esquerda, João Bosco, vereador em São José dos Campos pelo PCdoB. Secretário-geral na gestão anterior, Bosco liderava uma chapa que encarnava à altura a politização do movimento, apoiando a palavra-de-ordem “CONAM: O Povo na Constituinte. Fora o FMI”. E, de fato, a grande marca desse período – o primeiro em que o mandato da direção da entidade durou três anos – foi o conjunto de contribuições do movimento. A diretoria presidida por Bosco foi decisiva nos debates da “Constituição Cidadã” de 1988. O empenho do movimento comunitário garantiu a inclusão na Carta Magna de um capítulo sobre “Desenvolvimento Urbano”. Quem resume essas conquistas é o senador Inácio Arruda (PCdoB-


CE), ex-dirigente da CONAM. “Na década de 1980, o problema urbano é pouco citado do ponto de vista legal. Anteriormente, tivemos o Plano Diretor; depois, planos que trataram da questão urbana No período do governo Goulart, tivemos mecanismos e fóruns nacionais para tratar desse assunto. Com a ditadura militar, implementou-se a criação do BNH, para tentar resolver esse dilema habitacional. Foi nesse sentido que a CONAM se dirigiu à Assembleia Nacional Constituinte com muitas emendas populares, num esforço coletivo da sociedade brasileira — milhões de assinaturas, com a participação ativa do Instituto dos Arquitetos do Brasil, da Associação dos Geógrafos, da Fase Nacional e várias entidades sindicais”. João Bosco lembra que a década de 1980, para a CONAM, representa os anos de “congressos massivos, numerosos – alguns com 7 mil a 8 mil participantes”. Para o ex-dirigente comunitário, a entidade mostrava estar “cada vez mais coerente, na luta”, e se afirmava junto às bases do movimento. “Havia encontros muito participativos, que envolviam o Brasil inteiro – uma verdadeira festa democrática. E o melhor era ver a imensa quantidade de gente simples, humilde, muitas mulheres, muitas donas-de-casa. Era gente que passava dificuldade lá na periferia, mas se organizava por seus interesses, por moradias dignas, políticas públicas de saúde, educação, transporte público. Mas o que estava muito forte na época era a luta democrática, pela Constituinte.”

Influência

Segundo Bosco, a instalação da Assembleia Constituinte teve “grande repercussão” na sociedade. “Não foi a Constituinte do nosso sonho – mas foi a Constituinte possível, e nós pro-

curamos tirar o máximo de proveitos. Houve uma participação efetiva nossa, desde o processo de mobilização da Assembleia Constituinte até a elaboração da Carta Magna. Eu mesmo e outros diretores participamos de audiências públicas, representando o movimento comunitário, na comissão de sistematização, nas comissões temáticas. Fui uma das poucas pessoas a falar na tribuna, no plenário da Constituinte, para defender as emendes de interesse do movimento”. Algumas emendas — que versavam sobre moradia, transporte e outros temas típicos do movimento — tiveram mais de 200 mil assinaturas pelo Brasil. “Foram muitos avanços importantes”, explica João Bosco. “Defendíamos mais protagonismo do povo junto às esferas do governo – e foi a Constituição de 1988 que consagrou mecanismos de participação direta da população nas decisões políticas. Conseguimos instrumentos importantes, com a figura do plebiscito, do referendo, das leis de iniciativa popular, dos conselhos com participação popular. Havia uma emenda de caráter revolucionário: defendíamos que o direito à moradia precede e predomina sobre o direito à propriedade, caráter revolucionário. Não foi aprovada, mas no debate em torno dessa proposta conseguimos levar à Constituição a formulação sobre o papel social da propriedade.” Para o ex-presidente da CONAM, o saldo da atuação do movimento nesse período é, sem dúvida, positivo. “A CONAM soube entender o momento em que o Brasil vivia, trazendo no DNA a luta pela Assembleia Constituinte e sendo consequente o tempo todo. Não foi a Constituinte livre e soberana, tinha suas limitações. Mas procuramos atuar e conseguimos êxitos, fizemos avançar a lei maior do País. A CONAM, naquela luta concreta, cumpriu seu papel e

conseguiu se tornar uma interlocutora das forças políticas gerais do Congresso, do próprio governo. Nos tornamos um legítimo representante da sociedade, a ponto de sermos chamados a opinar sobre as matérias.”

Protagonismo

Durante a gestão entre 19861989, a sede da CONAM foi transferida para Brasília. “Era uma forma de deixar a CONAM mais próxima ao centro de decisões, à arena de debates das grandes políticas de Estado. Tínhamos de ter protagonismo ali. A CONAM se instalou lá e, com base nisso, teve mais facilidade para se relacionar com as instituições da República”, lembra Bosco. Nesse período, a CONAM também priorizou a estruturação do movimento nos estados. “Onde não existia federação estadual, fomos lá e criamos. Onde havia divisões, procuramos criar as condições para buscar a unidade do movimento. Onde as federações estavam debilitadas, procuramos fazer um esforço para que elas pudessem melhor se estruturar, ter mais politização. Demos consequência às lutas concretas, incentivamos ocupações.” As lutas da CONAM não pararam. Setores conservadores e fisiologistas do movimento foram definitivamente derrotados no 4º Congresso, que levou 8.700 delegados ao Ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, em 1989. “Nesse congresso seguinte, foi eleito meu sucessor. Fiz meu dever de casa”, brinca João Bosco. Seu sucessor foi o paraibano Vladimir Dantas. Passadas as conquistas da Constituição de 1988, a cena mudou. Por quase 15 anos, os movimentos sociais foram praticamente ignorados pelo Poder Público nos principais debates do País. A CONAM enfrentou, então, uma espécie de “fase heroica”, de resistência à era neoliberal.

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Enfrentando o neoliberalismo De Collor a FHC, CONAM mostra força para enfrentar a ofensiva antipopular e seguir na luta

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4º Congresso da CONAM, realizado em 1989, pode ser considerado o marco inicial de uma fase particularmente combativa da história da entidade. A grande vitória, no entanto, não se traduz tanto em conquistas mensuráveis – mas na capacidade de resistência do movimento à “longa noite” neoliberal que tomou o Brasil do governo Collor à era FHC. A eleição da chapa encabeçada pelo paraibano Vladimir Dantas — que seria reeleito em 1992 — principia esse novo momento das lutas. Com o movimento comunitário em refluxo, a CONAM reposicionou seu papel e se impôs. Um símbolo desse período é a participação do movimento nas manifestações pelo impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, cujo breve governo (1990-1992) foi marcado pela abertura desregrada da economia e pela corrupção. Apesar das adversidades, a CONAM ajudou o movimento comunitário e os movimentos de moradia a conseguir um grande feito: articular o primeiro projeto de lei de iniciativa popular, com mais de 1 milhão de assinatu-

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ras, em defesa do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. A iniciativa começou a tramitar no Congresso Nacional em 1992. O presidente seguinte da CONAM, Edmundo Fontes (1995-2002), teve duas gestões marcadas pela firme resistência à escalada do governo FHC. Na última gestão presidida por Vladimir Dantas, Edmundo era secretário-geral do Conselho Deliberativo da entidade, além de presidente da Federação Paraibana das Associações Moradores (Fepac). No 6º Congresso, em 1995, sua missão foi encabeçar a Comissão Eleitoral. “Era o período mais crítico da diretoria, do funcionamento e da estrutura da CONAM”, recorda Edmundo. “Havia

um movimento de renovação na diretoria e no próprio projeto de retomada da CONAM – que havia perdido muito espaço e tinha dificuldades de atuação. Então o Vladimir me ligou dizendo que um grupo de lideranças havia indicado meu nome para ser candidato a presidente. Mandei uma carta renunciando à Comissão Eleitoral e me elegi.” Ao assumir a liderança da entidade, Edmundo encontrou, segundo ele mesmo diz, um “legado de dívidas praticamente impagáveis”. O 6º Congresso teve de ser organizado às pressas, em seis meses, com pouco mais de 1.200 delgados reunidos na cidade de Taguatinga. Edmundo, entretanto, nega que essa fase seja de


derrotas. “O fato é que o congresso deu certo e ajudou, sim, a CONAM. Na disputa para a diretoria, fechamos com um bloco de federação e entidades que davam sustentação à CONAM. De um lado, eram as mais diversas forças – PCdoB, PT, PSB, independentes. De outro, existem as entidades ‘conanianas’, que estão sempre com a CONAM. No congresso, todos nós nos unimos contra a ameaça de uma oposição que havia no movimento – uma oposição mais atrasada do que de direita, que tentou criar uma entidade paralela à CONAM. Nossa vitória é, sem dúvida, um saldo muito positivo do congresso e daquele momento crítico

“democrático e respeitoso com o movimento” tinha sido Itamar Franco (1992-1994). O governo seguinte, com o PSDB à frente, assinalou uma reviravolta. “Foi uma fase mais autoritária, de não sentar com os movimentos para debater, nem reconhecer os movimentos que eram críticos à postura neoliberal do governo.” Nesse período, a direção resolveu transferir a sede da entidade de Brasília para São Paulo. “Por condições políticas e objetivas, não dava para continuar na capital federal. Vivíamos uma resistência ao neoliberalismo, e o palco desse processo era São Paulo. Aqui estavam as grandes entidades nacionais contra o projeto neoliberal, como a UNE, a CUT

mos trabalhar a unidade dos movimentos populares no Brasil. A CONAM já vinha propondo que todas as entidades do movimento popular se articulassem para fazer a luta mais geral contra o neoliberalismo. Com esse Fórum Nacional, foi possível essa aproximação entre a Central dos Movimentos Populares, o Movimento Nacional de Luta por Moradia, a União Nacional por Moradia Popular e a própria CONAM.” O êxito nesse processo de rearticulação culminou com a Marcha dos 100 mil, que levou mais de 100 mil lideranças do conjunto dos movimentos sociais a Brasília, na maior manifestação popular desde o Fora Collor

BALANÇO DOS 11 CONGRESSOS REALIZADOS PELA CONAM

que passávamos.” A nova diretoria da CONAM procurou tomar uma série de medidas para alavancar o movimento, apesar da falta de recursos. A intransigência e a feição antipopular do governo federal foi outra adversidade. Até então, segundo Edmundo, o único presidente da República mais

e o MST.” Além disso, a CONAM democratizou seu estatuto e passou a incorporar entidades que lutam em frentes como saúde, esporte e cultura. Foi também uma das entidades na vanguarda do Fórum Nacional de Luta por Terra, Trabalho e Cidadania, criado em 1997, em Brasília. “É em meio a esse momento que pude-

de 1992. “O governo tucano tinha transformado a privatização das telecomunicações no maior escândalo da história do Brasil. Fizemos a marcha para exigir a CPI do Sistema Telebrás e o impeachment de FHC. Foi uma experiência vitoriosa, que fortaleceu as lutas populares.” Edmundo foi reeleito presidente

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UNIDADE

no 7º Congresso da CONAM, realizado em Goiânia (GO), em junho de 1999. Foi “um congresso de retomada”, de superação. “Em 1995, o objetivo maior era não deixar um projeto como o nosso deixar de existir. Já o Congresso de Goiás foi o marco de consolidação da unidade da CONAM. Depois de um congresso de divisão, fizemos um encontro de unidade, de chapa única, com um grande consenso em torno da diretoria construído nos estados, com forças heterogêneas e até contraditórias. Fomos apoiados até mesmo por forças que não queriam o enfrentamento com o governo FHC – e que tinham expressão real na base do movimento comunitário.” Nessa gestão, um fator que impulsionou o movimento teve centro na Câmara Federal. O então deputado Inácio Arruda (PCdoB-CE), um dos fundadores da CONAM, assumiu a presidência da Comissão de Desenvolvimento Urbano e mobili-

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zou o movimento comunitário para a aprovação da Lei 10.257/2001. Bandeira histórica da CONAM, a medida regulamentou o capítulo de política urbana da Constituição Federal e instituiu o Estatuto da Cidade, consolidando instrumentos legais de interesse social. Entre as conquistas, está o fortalecimento dos planos diretores, que se tornaram obrigatórios em municípios de até 20 mil habitantes, como base para planejar as cidades, com a participação do governo, da iniciativa privada e da sociedade. “Foi um grande avanço”, analisa Edmundo. “O Estatuto estava há muito tempo na Câmara, mas não andava – sobretudo porque os movimentos não se articulavam. Com o Inácio dando esse suporte parlamentar, conseguimos promover a 1ª Conferência das Cidades, que reuniu uma grande representação popular e até empresários da construção civil para debater amplamente o Estatuto das Cidades”.

Para Edmundo, o grande legado do período em que ele esteve na presidência da CONAM foi o “amadurecimento” dos movimentos. “Se havia unidade política, também era possível se unir nas questões de lutas mais específicas.” A unidade das entidades populares marcou também a 1ª Conferência Nacional de Saneamento e, mais ainda, a aprovação na Câmara do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – que era um projeto de iniciativa das quatro entidades nacionais do movimento. A CONAM aderiu, ainda, ao Fórum Social Mundial, inicialmente como observadora – e já na segunda edição como promotora de atividades. Em 2002, essas experiências têm como resultado um dos mais politizados congressos da história da CONAM, em que Wander Geraldo é eleito presidente, em São Paulo. “Foi novamente uma chapa de consenso, com forças mais avançadas. A CONAM se renovou em 2002”, comenta Edmundo. Ao garantir a continuidade das lutas do movimento na fase de resistência, a CONAM se credenciou a ser uma das entidades mais propositivas e indispensáveis para um novo ciclo do Brasil, aberto em 2002, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência. Ao completar 30 anos, o movimento deve muito às lideranças que, nesses anos bicudos, “seguraram a onda” e deram ainda mais credibilidade às lutas populares. “Ao representar o interesse daqueles que moram nas comunidades, nas periferias e nas favelas – com essa capilaridade nas associações de moradores –, a CONAM expressa o que é mais importante na vida do povo comum”, conclui Edmundo. “A CONAM é a legítima expressão das camadas populares que têm pouca voz.”


Um novo Brasil Com Lula e Dilma na Presidência, forças democráticas e populares tornam-se atores fundamentais para o desenvolvimento do país

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eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência, em 2002, abriu um ciclo que transformou não apenas o Brasil – mas também o movimento comunitário. Nos dois governos Lula (de 2003 a 2010) e na gestão Dilma (a partir de 2011), a conjuntura político-econômica permitiu uma série de avanços democráticos, progressistas e sociais. Com isso, a CONAM teve dois presidentes — Wander Geraldo (2002-2008) e Bartíria Lima da Costa (desde 2008) — que conseguiram liderar a entidade num momento histórico único, em que o Brasil se afasta do neoliberalismo e o governo federal se abre ao diálogo com os movimentos. A CONAM conquista espaços em órgãos do Poder Público, como os conselhos federais. Além de fortalecer a bandeira da reforma urbana, a entidade vê suas reivindicações subsidiarem políticas públicas. “Participamos ativamente da elaboração de políticas e de mecanismos de participação popular que colaboraram para a construção das mudanças que o Brasil vivencia nos dias de hoje. A realização das conferências com ampla participação da sociedade, os programas na área de habitação como o Minha Casa Minha Vida, as iniciativas na saúde, na educação e em tantas outras áreas — tudo isso foi fruto da participação da sociedade e dos movimentos sociais, em que a CONAM sempre teve papel destacado”, resume Wander. “Esse processo foi coroado em 24 de maio de 2008, na cidade de Lauro

de Freitas (BA), onde tive a alegria de transmitir o cargo para a companheira Bartíria, a primeira mulher a presidir a CONAM”, agrega o ex-dirigente da entidade. “Estava mais do que na hora de um movimento que é formado por ampla maioria feminina ser representado em sua entidade máxima nacional por uma mulher”. Com 2.100 delegados, o 10º Congresso da CONAM, citado por Wander, de fato fez história. Bartíria encabeçou uma chapa única, ampla e representativa, que definiu a nova diretoria, com 63 membros das mais variadas vertentes políticas. Foi também o primeiro congresso da CONAM a ser realizado na região Nordeste — uma reivindicação histórica do movimento. A unidade se manteve no congresso seguinte, o

11º da entidade, que reelegeu a diretoria por unanimidade e se deu já sob o governo da presidenta Dilma Rousseff, em 2011. O lema do encontro, “Consolidar as Conquistas para Aprofundar as Mudanças”, refletia o interesse do movimento em fortalecer suas contribuições ao ciclo de progressos iniciado nos oito anos de governo Lula (2003-2010). Perspectivas Depois de fazer um balanço das lutas populares nos estados, o 11º Congresso definiu as bases para a construção de um “grande movimento comunitário combativo, politizado e avançado”, em sintonia com outros movimentos da sociedade civil. Para a CONAM, a nova etapa de lutas será um “processo de construção do projeto de desenvolvimento”.

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Nesse período, “as lideranças comunitárias devem fazer intenso debate com suas bases e concretamente ajudar a manter a mobilização do povo brasileiro nos rumos da ampliação de suas conquistas sociais”. Sobre as perspectivas da atual gestão à frente da CONAM, a diretoria prioriza destaca seis pontos prioritários: 1) anistia das entidades comunitárias junto à Receita Federal; 2) defesa do SUS, com controle social efetivo e ampliação do financiamento com a aprovação da Emenda 29; 3) luta pela aprovação da PEC 285/08, com destinação de 2% do Orçamento da União e 1% dos estados e municípios para construção

de moradias; 4) luta pela imediata redução dos juros e revisão de outros pontos da política macroeconômica do governo; 5) luta pelo Sistema Nacional da Política de Desenvolvimento Urbano; e 6) reforma política ampla, que reforce a democracia participativa como política de Estado. “Nosso desafio é garantir que essas bandeiras de luta se traduzam em atividades de formação e qualificação para nossas lideranças, bem como em ações de massa que mobilizem e coloquem nas ruas a base do movimento comunitário”, aponta a CONAM. Como fundadora da Coordenação dos Movimentos Sociais, a CONAM aposta na unidade de lutas e numa

agenda comum. Defende um Brasil democrático e soberano, com desenvolvimento e distribuição de renda. Aos 30 anos, a entidade máxima do movimento comunitário brasileiro está presente em todos os estados do País e no Distrito Federal, exercendo a representação de 23 federações estaduais, 550 uniões municipais e mais de 20 mil associações de moradores. Atua nas conferências da Saúde, Cidades, Políticas Públicas para as Mulheres, Esportes, Cultura, Segurança Alimentar e Meio Ambiente; nos Fórum Nacional de Reforma Urbana, no Fórum Brasileiro de Orçamento e na Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental. Sua direção é suprapartidária, com membros filiados a legendas como PCdoB, PT, PDT, PSB, PSDB, PMDB, DEM e mais de 25% de independentes. A existência da CONAM é garantia de permanente resistência popular à opressão. Sua história faz justiça aos versos de Mário Lago: “O povo não morre, é eterno./ Passam os traidores do povo,/ O povo não passa não (...)/ O povo sabe os caminhos/ pra enfrentar a reação”.

Uma data para comemorar CONAM programa atividades para celebrar seus 30 anos

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ma animada festa, em meio à programação do Fórum Social Temático 2012, em Porto Alegre (RS), deu início às comemorações dos 30 anos da CONAM. A atividade ocorreu na noite de 26 de janeiro, no Sindicato dos Aeroviários do Rio Grande do Sul, com a participação de dezenas de lideranças da luta comunitária e popular, representando as federações estaduais, as quatro

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entidades nacionais do movimento e organizações internacionais, como a Fecoc (Frente Continental de Organizaciones Comunales) e a Aliança Internacional de Habitantes (AIH). Entidades parceiras da CONAM, como a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), também marcaram presença. Não foi, porém, o único evento comemorativo. Ao longo do ano,

parlamentares ligados às causas populares devem promover sessões solenes em homenagem à CONAM, nas câmaras municipais e nas assembleias legislativas de todo o Brasil. A última reunião da Diretoria Executiva da entidade, em 28 de fevereiro, confirmou também a realização de jantares nos estados, que ajudarão a arrecadar fundos para as ações da entidade.


ASSISTÊNCIA JURÍDICA

Seguro Habitacional, um direito do mutuário Por João Paulo Bruno de Assis*

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mbora muitas pessoas sejam conscientes de seus direitos, a maioria dos mutuários brasileiros não sabe que, quando financiaram suas casas ou apartamentos pelo Sistema Financeiro de Habitação – Cohab’s, Emhape, CEF (Caixa Econômica Federal) –, contrataram, também, um seguro que possibilita o recebimento de uma indenização caso o imóvel apresente defeitos de construção. Ao pagarem suas prestações mensais, todos os mutuários de imóveis construídos com recursos do SFH disponibilizaram 20% do valor da mensalidade para o Seguro Habitacional obrigatório. O pagamento mensal desse seguro obrigatório gera a possibilidade de o mutuário cobrar da seguradora a recuperação de sua moradia, caso existam no imóvel problemas como rachaduras nas paredes, infiltrações, reboco solto, vaza-

mento hidráulico, entre vários outros. Mesmo sendo um direito contratualmente assegurado, os grupos seguradores, quando procurados pelos mutuários, negam o pagamento das indenizações para o conserto dos imóveis, de modo que se faz necessário o ingresso de ações judiciais para a cobrança do seguro. Essas demandas existem em diversos estados brasileiros, tendo a Justiça consagrado o direito ao recebimento de indenizações pelos mutuários do SFH. É dentro dessa possibilidade jurídica que a CONAM, em parceria com as federações estaduais e escritórios de advocacia especializados nesta área, auxilia milhares de mutuários na cobrança deste que é um direito

fundamental para a garantia de uma moradia digna e segura. Desde 1987, o Escritório de Advocacia Gamborgi, Bruno & Camisão Associados presta assistência jurídica especializada em seguro habitacional, atuando em vários locais do Brasil, sempre na área do Direito. Somente com a união entre federações, escritórios especializados e mutuários é que as seguradoras se verão compelidas a cumprir com suas obrigações. João Paulo Bruno de Assis,

sócio do Escritório * advogado, Gamborgi, Bruno & Camisão

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Estatuto da Cidade serve à inclusão social Por Inácio Arruda*

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Estatuto da Cidade, sancionado em 10 de julho de 2001, surgiu da pressão e mobilização popular. Ele fornece instrumentos para o povo cobrar melhores condições de moradia, de transporte, de segurança, de convívio solidário e construtivo entre as pessoas por meio do desenvolvimento urbano. Ele determina, de acordo com a Constituição, que a propriedade urbana cumpra função social, e isso é muito relevante. Mas o Estatuto vai além desse aspecto e da demanda de planejamento, pois a Lei nº 10.257 é também ferramenta para a inclusão social. Não se pode discutir projeto de desenvolvimento do Brasil sem se abordar a questão urbana. E o Estatuto determina que o Plano Diretor seja realizado com consulta à população. Trata-se de oportunidade rara para os moradores intervirem diretamente no projeto da cidade que querem, colocando suas necessidades por postos e equipes de saúde, esgotamento ou tratamento de esgoto, coleta seletiva de lixo, instalação de creches e escolas, transporte público, áreas de lazer etc. Ao aprovar o Plano e estipular prazos para execução de obras e instalação de serviços públicos, desencadeia-se um ciclo produtivo, que resultará em melhorias de infraestrutura. Com isso, empregos são gerados, as localidades são valorizadas e tornam-se atraentes para negócios e investimentos. Resultado: melhoria da qualidade de vida e inclusão social.

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Temos um déficit que beira a sete milhões de moradias, isso sem falar daquelas que precisam de reformas. Temos que pensar o sistema viário das cidades, que, salvo raríssimas exceções, foram criadas nos séculos XVIII, XIX e início do século XX. Elas estão muito distantes das necessidades urbanas de hoje. Temos que pensar na construção de metrô, VLT e transporte público em grande escala. É necessário um programa que garanta 100% de água para as populações das regiões metropolitanas. Na Grande São Paulo, a maior cidade da América do Sul, que tem o terceiro orçamento da República, ao menos 3,5 milhões de pessoas não têm esgoto tratado. São despejados, em um dia, 596,5 milhões de litros de esgoto nos córregos, indo parar no Rio Tietê. É o mesmo que

esvaziar 238,6 piscinas olímpicas de sujeira pura no principal rio do estado. O Estatuto foi relatado e teve seu substitutivo apresentado por mim. Foi elaborado com a colaboração do Fórum Nacional da Reforma Urbana (no qual a Confederação Nacional das Associações de Moradores – CONAM – teve papel destacado), da Associação dos Geógrafos Brasileiros, do Instituto dos Arquitetos do Brasil, da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil, do Confea e de entidades de luta pela moradia. Não houve um setor com o qual nós não sentássemos para discutir. Realizamos audiências públicas por todo o Brasil para a realização da 1ª Conferência das Cidades na Câmara dos Deputados, quando votamos a lei, em 1999.

Com o Estatuto, em 2009, dos 5.565 municípios brasileiros, 2.318 tinham planos diretores. São obrigados a aprovar plano diretor os municípios com mais de 20 mil habitantes – e quase 90% já o fizeram. Devido à sua importância, preparo um Projeto de Emenda Constitucional que torna obrigatória a sua aplicação em todos os municípios brasileiros. Assim, é fundamental a participação do povo na exigência da implementação do Estatuto da Cidade. Uma batalha de todos nós, que ganha maior relevo neste ano, de eleição municipal. O Estatuto deve ser divulgado e discutido por eleitores e candidatos, pois trata de uma questão estratégica: planejamento. Arruda, * Inácio Senador da República (PCdoB-CE)

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Transporte Público

Gratuidades pagas, uma injustiça social Por Nazareno Stanislau Affonso*

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s conquistas sociais de um determinado segmento da sociedade remetem, à primeira vista, a uma questão de justiça. Esse princípio é reforçado pelo fato de que a maioria dessas conquistas é objeto de leis aprovadas pelos eleitos como representantes do povo nas casas legislativas e sancionadas pelos respectivos governos. Entretanto, as leis podem fazer justiça para alguns e ter como consequência a injustiça para muitos. A concessão de gratuidades e benefícios tarifários nos serviços de transporte público urbano se enquadra bem nessa situação. O transporte público urbano é um serviço essencial para a vida nas cidades, pois tem a missão de garantir os deslocamentos das pessoas – ou seja, o direito de ir e vir estabelecido pela Constituição Federal. Devido a essa característica, esse serviço tem que ter um preço justo e acessível, pois a maioria das pessoas que o utiliza pertence às classes mais carentes da sociedade. Na atualidade, um emaranhado de leis, originadas nos três níveis de

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governo (federal, estadual e municipal), concede inúmeras gratuidades e benefícios tarifários a diversos segmentos sociais nos serviços de transportes públicos urbanos. Iniciase pela própria Constituição Federal, que concede a gratuidade aos idosos com mais de 65 anos, passando por leis federais que concedem benefícios aos carteiros, oficiais de justiça e fiscais do trabalho. A partir daí, leis estaduais e municipais cuidam de estender os benefícios a um grande número de classes sociais, como estudantes, aposentados do serviço público, deficientes físicos, policiais civis e militares, bombeiros, etc. Não nos cabe discutir o direito de cada um desses segmentos da sociedade de usufruir os benefícios alcançados. Ao contrário, as gratuidades do idoso, das pessoas com deficiência e a meia-passagem dos estudantes são justas e merecem o nosso apoio. A grande questão a ser colocada é: quem está pagando e quem deve pagar essa conta? O fato é que, das leis federais, estaduais ou municipais que estabelecem as gratuidades e os benefícios

tarifários no transporte público, a imensa maioria não indica a fonte de recursos para custear essas concessões. Na falta de uma fonte externa de custeio, a conta acaba indo para o preço da passagem – e quem assume é o usuário, que paga a tarifa integral e não goza de nenhum benefício. O entendimento dessa conta é simples: o valor da passagem do transporte público urbano é o resultado do custo total do serviço dividido pelo número de usuários pagantes. Assim, quanto maior o número de passageiros beneficiados com gratuidades ou descontos nas passagens, menor será o número de pagantes e, consequentemente, maior vai ser o valor da tarifa. Hoje em dia, as tarifas dos transportes urbanos, na média nacional, estão oneradas em cerca de 19% para cobrir os custos das gratuidades e abatimentos tarifários. Em outras palavras, isso significa que, se houvesse fonte de custeio externa para a cobertura desses custos, as tarifas atuais poderiam ser reduzidas em 19%. Na verdade, ao concederem benefícios tarifários a determinados


segmentos sociais, de acordo com a prática atual, promove-se uma grande injustiça social. Em grande parte, pessoas menos favorecidas socialmente, e que utilizam transporte público todos os dias, estão financiando uma política pública de assistência social. É o caso de trabalhadores assalariados sem carteira assinada – e, portanto, sem direito ao vale-transporte –, que pagam pela gratuidade concedida pelas políticas sociais dos governos. A maioria desses benefícios tarifários é concedida por leis votadas nas casas legislativas dos três níveis da Federação pelos representantes da sociedade e sancionadas pelos respectivos governos. Dessa forma, fica claro que a decisão de conceder cada benefício expressa um desejo de toda a sociedade, a qual deve, então, arcar com os custos advindos dessas concessões. Portanto, promover a justiça social é custear as gratuidades e descontos tarifários no transporte público urbano através dos orçamentos públicos, que reúnem as contribuições de toda a sociedade, inclusive as dos próprios usuários do serviço na condição de cidadãos. No caso específico da gratuidade dos idosos, a Constituição Federal é muito clara ao estabelecer no artigo 230 que a família, “a sociedade” e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas. Além disso, o artigo 195 estabelece que a seguridade social, responsável pelas ações de assistência social será financiada por toda a sociedade. É muito cômodo

para os governos empurrar essa conta para os usuários do transporte público coletivo de passageiros, em vez de cumprir a Constituição Federal e estabelecer a cada ano um percentual do orçamento público para financiar essas gratuidades sociais. A omissão e a falta de interesse governamental sobre esse assunto ficaram claramente demonstradas recentemente, na sanção da Lei nº 12.587/2012, na qual os parágrafos 1º e 3º do artigo 8º foram vetados pela Presidência da República. O parágrafo 1º dizia que as concessões de benefícios tarifários a uma classe ou coletividade de usuários nos serviços de transporte público coletivo de passageiros deveriam ser custeadas com recursos financeiros específicos, sendo proibido atribuir o referido custeio aos usuários do respectivo serviço. Já o parágrafo 3º estabelecia que o não cumprimento da regra, implicaria no enquadramento dos administradores públicos na Lei de Responsabilidade Fiscal. O transporte público urbano, como serviço essencial para a vida nas cidades, deve ser acessível a todos. Infelizmente, isso não acontece, pois um grande número de brasileiros não o utiliza de forma regular, por não ter dinheiro para pagar as passagens. É uma verdadeira exclusão social. O barateamento das tarifas do transporte urbano deve ser priorizado – e passa pelo custeio das atuais gratuidades com recursos dos orçamentos públicos.

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Nazareno Stanislau Affonso, coordenador nacional do MDT

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REFORMA URBANA

Por desenvolvimento com igualdade Encontro Nacional atualiza a agenda e as estratégias do FNRU

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ão Paulo (SP) abrigou, de 15 a 17 de março, o Encontro Nacional de Reforma Urbana – Desenvolvimento Urbano com Igualdade Social. Com a participação de entidades como a CONAM, o encontro teve o objetivo de atualizar a agenda da reforma urbana e as estratégias de ação do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU). Articulado por entidades da sociedade civil (sobretudo do movimento comunitário) em 1987, o FNRU completa 25 anos em 2012. Sua luta é “pela democratização da gestão das cidades e pela garantia de condições dignas de vida”, nos marcos de uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. O Encontro foi aberto na tarde de 15 de março, no Pátio do Colégio, com Ato Público pela Reforma Ur-

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bana. Sob a liderança das quatro entidades do movimento popular que formam a coordenação do FNRU – CONAM, CMP (Central dos Movimentos Populares), MNLM (Movimento Nacional de Luta por Moradia) e UNMP (União Nacional por Moradia Popular) –, uma comissão protocolou no Tribunal de Justiça de São Paulo o relatório das entidades sobre conflitos fundiários urbanos. O documento relata as 19 visitas do grupo a comunidades ameaçadas de desapropriação em São Paulo, em sua grande maioria de comunidades residentes em condições inadequadas.

CONSCIENTIZAÇÃO

Também no dia 15, houve a “Palestra Magna” do sociólogo e profes-

sor Emir Sader, mestre em Filosofia Política e doutor em Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo). Numa conferência concorrida, Emir abordou “Capitalismo, Desenvolvimento Urbano e Desigualdade Social: Pelo Direito à Cidade”. Segundo o sociólogo, a gestão da presidenta Dilma Rousseff apresenta “uma política econômica e social correta no essencial, sobretudo quando se consolida a tendência a diminuir a taxa básica de juros”. Em contrapartida, mesmo diante das ondas denuncistas da grande mídia e da oposição – que levaram à demissão de cinco ministros em 2011 –, a população ainda não detectou a mensagem de Dilma. “Os brasileiros não ouvem a palavra da presidenta, do governo


ESTRATÉGIAS DE LUTA

Em 16 de março, o Encontro do FNRU prosseguiu com oficinas temáticas simultâneas, que trataram de direito à cidade, habitação, saneamento básico, mobilidade urbana, entre outras áreas. Pela tarde, ocorreu o lançamento da revista “A Liderança Feminina nas Lutas Urbanas – Direito e Política no Caminho das Mulheres”. Em seguida, um debate sobre “A Força das Mobilizações Sociais na Luta pelo Direito à Cidade” reuniu dirigentes da CONAM, da

CMP, do MNLM e da UNMP, com mediação do professor universitário Orlando dos Santos Júnior, relator nacional do Direito à Cidade – Plataforma Dhesca. A programação se encerrou em 17 de março, sábado. Com o lema “Que cidade queremos?”, os grupos apresentaram as sínteses elabora-

O governo precisa assumir suas responsabilidades nesse processo de conscientização da massa da cidadania

– explicando, prestando contas, socializando preocupações, buscando mobilização da cidadania e dos movimentos populares, que o apoiam. O governo precisa assumir suas responsabilidades nesse processo de conscientização da massa da cidadania, explicando suas políticas, dizendo as razões pelas quais a situação do povo tem melhorado substancialmente, quais os obstáculos para que siga avançando de forma ainda mais rápida, qual a estratégia do governo, etc., etc.”, analisa Emir Sader. “A fala do governo tem de chegar a todos os brasileiros, se quisermos consolidar a nova maioria social e política com uma consciência majoritária baseada em valores solidários – e não nos mecanismos da competição selvagem de todos contra todos que propõem o mercado e difunde a oposição midiática.”

das ao longo dos debates. A atividade contribuiu para a sistematização da plataforma do Fórum Nacional de Reforma Urbana para o biênio 2012-2014 e culminou na plenária final – o painel “FNRU: Estratégias de Lutas pelo Direito à Cidade”. A nova agenda do movimento comunitário se baseia em seis eixos (veja o box ao lado). Entre as propostas aprovadas, destaca-se a defesa de uma política nacional de habitação e de desenvolvimento urbano; a luta para fortalecer os Conselhos das Cidades, transformando-os em “espaço de deliberação sobre as políticas urbanas”; e a reivindicação de mais recursos para o setor habitacional, com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 285/2004 – a “PEC da Moradia Digna” –, que prevê a destinação de 2% dos recursos federais e de 1% dos recursos dos estados e municípios para a habitação de interesse social.

O que propõe o FNRU Veja quais são os seis eixos da agenda aprovada no Encontro Nacional de Reforma Urbana

1) Formação e qualificação de lideranças dos movimentos sociais urbanos, articuladas nos fóruns locais, regionais e no FNRU; 2) Efetivação e implementação de leis, programas e projetos que garantam os direitos sociais conquistados na Constituição Federal; 3) Monitoramento e avaliação da implementação e difusão dos instrumentos de exigibilidade do direito à moradia e à cidade; 4) Efetivação e implementação de leis, programas e projetos

que enfrentem as desigualdades sociais vivenciadas pelas mulheres e pelos grupos étnico-raciais historicamente marginalizados e excluídos do direito à cidade; 5) Mobilização social na luta pela efetivação dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais; 6) Ampliação da articulação e da comunicação da rede de reforma urbana, produzindo maior sinergia e capacidade de incidência sobre os processos.

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CENTREVILLE

Três décadas de uma ocupação histórica

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á 30 anos, um grupo de cerca de 600 famílias ocuparam bravamente um condomínio de luxo inacabado, em Santo André, na divisa com Mauá, região do ABC paulista. Três décadas depois, poucos integrantes do movimento iniciado há três décadas moram no local, mas foram eles que deram início ao bairro, que ganhou vida ao longo do tempo, com escolas, Unidade Básica de Saúde, quatro linhas de ônibus e comércio local. Os moradores, no entanto, enfrentam uma dura batalha para regularizar a situação e conseguir, enfim, as escrituras definitivas do Centreville. As construções começaram a ser erguidas na década de 1970, mas poucos anos depois as obras foram paralisadas por causa da falência da construtora. Eram cerca de 600 casas que hoje passam de 1.500. Há pouco mais de um mês, uma grande festa celebrou a ação, realizada no dia 16 de julho de 1982. João Batista Lemos, vice-presidente da Federação Sindical Mundial e secretário adjunto de Relações Internacionais da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), fez parte da ocupação e se orgulha de ter integrado o grupo que passou a viver no Centreville. Metalúrgico, Batista fez parte do movimento grevista do ABC na transição dos anos 1970 para os 1980 e levou sua experiência para a ocupação. “Como em todo movimento popular, tinha gente infiltrada do Dops [Departamento de Ordem Política e Social do governo militar brasileiro]. Eles sabiam que nós pretendíamos ocupar.

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Em uma de nossas reuniões, chegaram duas veraneios com chapa fria. Percebemos a movimentação estranha a tempo e mudamos todo o rumo da discussão para despistá-los. Inventamos uma história de promover uma moradora a candidata e eles engoliram”, relembrou o dirigente da CTB.

loteamento Centreville, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) disse, em nota enviada durante o mês de julho ao Portal Vermelho, que “já registrou a propriedade das quadras do conjunto e realizou a identificação das famílias que vivem no local Arquivo pessoal dos moradores

RESISTÊNCIA

Durante as três últimas décadas, a população do Centreville resistiu às tentativas de desocupar a área. “A gente ameaçou resistir à reintegração de posse. Até se tentou também mover ações de despejo individuais, depois de três anos da ocupação, mas nos mantivemos lá”, afirmou Batista. Para ele, a ação só foi possível por conta do contexto à época: desemprego em massa, alta do custo de vida e uma organização forte dos trabalhadores. Em relação à regularização do

e o cadastramento físico e urbanístico da área. A Companhia criou um grupo de trabalho que está trabalhando em propostas para a regularização do loteamento junto à prefeitura.” Ainda de acordo com o órgão estadual, as próximas etapas preveem a elaboração de projeto de desmembramento das quadras, a regularização do parcelamento por quadras junto à prefeitura, o registro da divisão das quadras no cartório de registro de imóveis e, enfim, a comercialização das unidades.


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