Revista DFato n.14

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Confira a entrevista com
20 anos combatendo o
no
Direitos Humanos em debate AS MAZELAS DO BRASIL E O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO COMBATE ÀS INJUSTIÇAS SOCIAIS E MAIS ARTIGOS DE OPINIÃO | MEMORIAL AMPPE | TURISMO | LUTAS ASSOCIATIVAS
LÍVIA SANT'ANNA VAZ
a Promotora de Justiça (MPBA) GT RACISMO
racismo institucional
MPPE Revista da Associação do Ministério Público de Pernambuco – AMPPE Nº 14 – Dezembro de 2022

Dfato – Revista da Associação do Ministério Público de Pernambuco – AMPPE Nº 14 - Dezembro de 2022

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EDITORIAL

Colegas,

A edição de número 14 da Revista Dfato, pu blicação anual da Associação do Ministério Público de Pernambuco, que traz um olhar atencioso sobre nosso ano de trabalho no contexto da atual conjuntura do país, abre as portas para o momento que vivemos, fa zendo um mergulho profundo nas nossas mazelas, a fim de encontrarmos aprendizado. Nesta revista, contaremos com artigos, reportagens e entre vistas que buscam mostrar que o Ministério Público tem um papel crucial na busca por uma sociedade melhor, pois somos guardiões da democracia e zelamos pelo bem estar social.

EXPEDIENTE

EDIÇÃO: Thaís Lima

TEXTOS, REVISÃO E FOTOS: Carolina Fonsêca e Thaís Lima

DIAGRAMAÇÃO: Paula K. Santos

IMPRESSÃO: CCS Gráfica

TIRAGEM: 600 exemplares Distribuição gratuita

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da diretoria da AMPPE.

Depois de dois anos sem novas edições da Dfato, devido à pandemia do Co vid-19, retomamos a publicação da revista com um olhar crítico para as ci catrizes da nossa sociedade, mas sem baixar a cabeça. Nosso foco é des pertar os olhares para onde dói, para que possamos agir, como classe, de forma cada vez mais unida, munidos de empatia e de disposição para lu tar pelo que é certo.

Temas como violência doméstica na pandemia, aumento no número de pessoas desabrigadas, volta do país ao mapa da fome da ONU, os proble mas gerados pelo racismo estrutural e as violências de gênero foram abor dados nesta revista. Além disso, também falamos sobre as principais lutas associativas do ano, em Pernambuco e no Distrito Federal.

Que este seja um momento de reflexão, de aprendizado e também de es perança!

Boa leitura!

Deluse Amaral Rolim Florentino Presidente da Associação do Ministério Público de Pernambuco

DIRETORIA EXECUTIVA

PRESIDENTA

Deluse Amaral Rolim Florentino

1º VICE-PRESIDENTE

José Roberto da Silva

2º VICE-PRESIDENTE

Clóvis Ramos Sodré da Motta

1ª SECRETÁRIA

Maria Izamar Ciríaco Pontes

2º SECRETÁRIA

Ana Maria Moura Maranhão da Fonte

1º DIRETOR FINANCEIRO

Sueldo de Vasconcelos Cavalcanti Melo

2º DIRETOR FINANCEIRO

Hilário Marinho Patriota Júnior

ASSESSORES ESPECIAIS

Gilson Roberto de Melo Barbosa

Izabel Cristina Novaes de Souza Santos

José Tavares

Maria Bernadete Martins de Azevedo Figueiroa SUPLENTES

Alda Virgínia de Moura

Camila Mendes Santana Coutinho

Eryne Ávila dos Anjos Luna

Hodir Flávio Guerra Leitão de Melo

Luciana Albuquerque Prado

Sineide Maria de Barros Canuto

DEPARTAMENTOS

APOSENTADOS

Maria Bernadete Gonçalves Aragão

Clóvis Ramos Sodré da Motta

BENEFICÊNCIA

Letícia Guedes Coelho

Izabel Cristina Holanda Tavares Leite CULTURAL

Fábio Henrique Cavalcanti Estevam

Frederico José Santos de Oliveira SOCIAL

Helena Martins Gomes e Silva

Henriqueta de Belli Leite Albuquerque JURÍDICO

Aline Arroxelas Galvão de Lima

Isabela Rodrigues Bandeira Carneiro Leão

Rosa Maria Salvi da Carvalheira PATRIMONIAL

Emmanuel Cavalcanti Pacheco

Helena Sottomayor Guimarães de Carvalho

COMUNICAÇÃO

Fabiano Morais de Holanda Beltrão Geraldo Margela Correia

APOIO INSTITUCIONAL

Bianca Stella Barroso Natália Maria Campelo

ESPORTIVO

Alen de Souza Pessoa

Ivan Viegas Renaux de Andrade INTEGRAÇÃO REGIONAL

Domingos Sávio Pereira Agra

Júlio César Soares Lira

Raissa de Oliveira Santos Lima

Sophia Wolfovitch Spinola

CONSELHO CONSULTIVO E FISCAL

Daniela Maria Ferreira Brasileiro

Fabiano Morais de Holanda Beltrão

Francisca Carmina Soares

Oswaldo Evaristo da Cruz Gouveia

Sérgio Roberto da Silva Pereira

ASCOM AMPPE

Jornalistas: Carolina Fonsêca e Thaís Lima

AS MAZELAS DO BRASIL E O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO COMBATE ÀS INJUSTIÇAS SOCIAIS

Como o Ministério Público tem atuado para combater as mazelas do país?

ENTREVISTA 06 « Lívia Sant'anna Vaz, promotora de Justiça (MPBA)

CURTAS 12 « Confira os últimos destaques da AMPPE

LUTAS ASSOCIATIVAS 36 « Defendendo os interesses dos membros do MPPE

MEMORIAL AMPPE 38 « Confira nossa conversa com Gustavo Lima

PERFIL 42 « A história de uma menina que mudou o mundo ao seu redor

RACISMO INSTITUCIONAL 46 « Os 20 anos de atuação do GT Racismo

ENCONTRO COM AMPPE 52 « O novo projeto da associação já visitou Vitória e Caruaru

TURISMO BAIRRISTA 54 « Um guia para aproveitar o Recife nos finais de semana

OPINIÃO

16 « A crise da democracia e o Ministério Público – Oswaldo Gouveia Filho 32 « Violência doméstica, uma pandemia silenciosa – Stela Valéria Cavalcanti 50 « Duas décadas de trabalho –Roberto Brayner

54
CAPA 46
SUMÁRIO 18

ENTREVISTA

MINISTÉRIO PÚBLICO E O COMBATE AO RACISMO

Uma entrevista com a Promotora de Justiça da Bahia e autora do livro Cotas Raciais Lívia Sant'anna Vaz

Quando falamos sobre as feri das e cicatrizes do Brasil, não podemos esquecer de uma bem latente: o racismo. E, pensando sobre o papel do Ministério Público no resgate da dignidade do povo brasileiro, é ainda mais importan te lançar luz sobre este assunto.

Para isso, a Dfato conversou com a promotora de Justiça do estado da Bahia Lívia Sant’Anna Vaz, também autora do livro Cotas Raciais, onde apresenta um estudo das cotas ra ciais no Brasil e do seu impacto no ensino superior e concursos públicos ao longo dos dez anos da legislação.

Nesta entrevista, Lívia comparti lhou mais sobre a Lei de Cotas e o papel do Ministério Público no combate ao racismo. A promotora fez um destaque importante, sobre a persistência do racismo estrutu ral, mesmo 134 anos após a aboli ção da escravatura, com a Lei Áu rea, que faz do Brasil um país on de o fator raça é preponderante nas desigualdades. Assim, não é possí vel falar em justiça social sem falar em justiça étnico-racial também.

DFATO Na sua opinião, como é pos sível resgatar a dignidade do po vo brasileiro? E qual é o papel do Ministério Público nesse resgate?

LÍVIA SANT’ANNA VAZ O resgate da dignidade do povo brasileiro pas sa pelo resgate do compromisso constitucional do próprio Minis tério Público com a justiça social e, portanto, com a promoção da igualdade no nosso país. E num país como o Brasil, que foi o úl timo país do ocidente a declarar abolida a escravidão, que passou por um processo pós-abolição de marginalização da população ne gra, que nos leva até os dias de hoje à uma persistência do racis mo estrutural em que, mesmo 134 anos após a declaração da aboli ção da escravidão com a Lei Áurea, tem o fator raça como preponde rante das desigualdades no nosso país. Não é possível falar em jus tiça social, em democracia efeti va sem falar em justiça étnico-ra cial também.

DFATO Quando se fala em “resga tar a dignidade do povo brasilei ro”, qual parcela da população precisa mais desse resgate e em que aspectos?

LÍVIA Quando eu falo que o fator raça é preponderante, é central na produção e reprodução de desi gualdades no nosso país, os da dos sobre produção de violência, os dados sobre desigualdade so cial demonstram isso. Então, se

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nós falarmos em mortalidade in fantil, crianças negras são as que mais morrem. Se falarmos em to das as violências contra as mulhe res, mulheres negras são as mais vitimadas pela violência domés tico-familiar, violência obstétri ca, mortalidade materna, violên cia sexual, feminicídios também.

Há uma tendência, a cada dez anos, de aumento dos feminicí dios de mulheres negras, enquan to há redução dos feminicídios de mulheres brancas no mesmo pe ríodo. São dados do Atlas da Vio lência, que se repetem anualmen te. É preciso questionar: que siste ma de justiça é esse? Que legisla ção é essa? Que estrutura jurídica é essa? Que Direito é esse que se diz universal e que não consegue ter um olhar, um acolhimento e uma proteção para mulheres negras do mesmo modo que tem para mu lheres brancas? Ainda que a pro teção de mulheres brancas esteja aquém do necessário.

A questão racial precisa ser enfren tada nos sistemas de Justiça que segue sendo um sistema de justiça majoritariamente branco e mascu lino. Incluir mulheres negras nesses espaços de poder e decisão, sobre tudo o sistema de Justiça que de veria ter uma visão de diversidade para efetivamente promover justi ça para todas as pessoas é de fun damental importância.

Quando nós falamos em Estado democrático de Direito, é preciso que minimamente tenhamos re fletidas nas instituições públicas e privadas a densidade étnico-racial da população brasileira e nós sa

bemos que isso não acontece. E is so não acontece de maneira mui to evidente no sistema de Justiça. Mulheres negras, por exemplo, se gundo a última pesquisa do Conselho Nacional de Justiça, “Negros e Negras no Poder Judiciário”, são apenas 5% da magistratura bra sileira e essa subrepresentação, quase ausência, de mulheres ne gras nesses espaços reflete direta mente na forma como nós cons truímos ou deixamos de construir Justiça para todas as pessoas.

DFATO A senhora é autora do livro Cotas Raciais, onde apresenta um estudo das cotas raciais no Brasil e do seu impacto no ensino superior e concursos públicos ao longo dos dez anos da legislação. Olhando especificamente para esse recorte, houve retrocesso ou avanço nos últimos anos?

LÍVIA As cotas raciais são parte im portante na construção dessa jus tiça racial que eu mencionei - que ainda é um processo lento, em formação, mas que precisa mui to ser aprimorado.

Então, as cotas raciais são a primei ra resposta efetiva do Estado brasi leiro, que como eu falei foi o últi mo do ocidente a abolir a escravi dão, a esses quase quatro séculos de escravização de pessoas negras.

É a política pública de maior su cesso no país, mas ainda é uma democratização incipiente que ela promove. Nós precisamos aprimo rar a política pública e expandi-la para outras áreas do Direito, já que todos os direitos da população ne gra foram violados na história do nosso país e seguem produzindo e reproduzindo desigualdade racial até os dias de hoje.

Em resumo, as cotas raciais são um pequeno, porém firme passo rumo à construção dessa justiça racial. Também é importante dizer que o

"AS COTAS RACIAIS SÃO A PRIMEIRA RESPOSTA EFETIVA DO ESTADO BRASILEIRO A ESSES QUASE UATRO SÉCULOS DE ESCRAVIZAÇÃO DE PESSOAS NEGRAS."
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sistema de Justiça, para além de garantir as cotas raciais nos edi tais, precisa trabalhar para que es sas vagas sejam efetivamente pre enchidas. Não se trata apenas de garantir no papel a política públi ca, mas de preencher essas vagas.

As cotas raciais são medidas repa ratórias, são medidas históricas de reparação ao povo negro brasilei ro pelos quase quatro séculos de escravização. Muitas pessoas di zem assim, “Ah! Mas dez anos de Lei de Cotas. Até quando?”. Bom, as ações afirmativas são temporárias. Nem os movimentos negros, nem a legislação, nem os instrumentos internacionais de direitos humanos pretendem cotas raciais eternas. As cotas raciais são temporárias, mas elas devem durar tempo suficiente para mexer com as estruturas, para modificar as estruturas.

Nós temos uma sociedade que é realmente estruturalmente racista, então é preciso que a gente faça

análises sérias dos resultados que alcançamos até agora, que trazem uma democratização incipiente ainda dos espaços de poder, prin cipalmente das universidades para que a gente entenda onde e como aprimorar a política pública.

A Lei de Cotas, que é a Lei 12.711 de 2012, não fala em revogação da política pública nos seus dez anos. Ela fala em revisão da po lítica pública e de fato precisa ser revisada porque é necessário es tudar, analisar quais foram os re sultados até agora para aprimorar, para aprofundar a política pública porque precisa ser eficaz e nós sa bemos que nesses dez anos hou ve uma ausência de controle efe tivo da política pública.

Nós não tínhamos no início ain da as comissões de heteroidentifi cação racial estabelecidas, consoli dadas e ainda não são consolidadas em muitos espaços que têm políti cas de ação afirmativa racial e is

Lívia Sant'anna Vaz é autora do livro Costas Raciais, 13º título da Coleção Feminismos Plurais da editora Jandaíra.

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A promotora foi reconhecida como uma das 100 pessoas de descendência africana mais influentes do mundo.

so fez com que muitas pessoas so cialmente brancas ingressassem nas vagas reservadas para pessoas ne gras e isso traz um desvio de finali dade da política pública muito sério. Ela acaba não alcançando o seu objetivo que é de incremento da presença negra nos espaços de po der e decisão, que é de incremento da diversidade, que é trazer para a prática das instituições essa diversi dade de perspectivas e portanto de práticas institucionais que atendam a todas as pessoas num sistema de Justiça que seja a cara da população brasileira, que não seja tão distan te desta população brasileira como nosso sistema de justiça ainda é.

E eu costumo responder que dez anos de lei de cotas não dá conta de quase 400 anos de escravização. En tão é preciso aprimorar e expandir essa política pública tão importan te e outras ações afirmativas tam bém porque as cotas raciais, afinal, são uma modalidade de ação afir mativa. Não se constitui como a úni ca possibilidade de ação afirmativa.

DFATO O país - assim como o mun do - está tentando se reerguer. Não apenas por causa das consequên cias da pandemia, mas, no nosso caso, porque o Brasil está imerso numa crise política, social e econômica. É possível acreditarmos que dias melhores virão? Por quê?

LÍVIA Eu penso que é preciso. Não é ter esperança, não. Mas é preciso esperançar por dias melhores, que é não esperar, mas é construir dias melhores e a gente tem que acre ditar nisso. A gente tem que acre ditar nisso porque se não a gente deixa de caminhar. A gente deixa de buscar o sentido dessa constru ção coletiva que é tão importante, que é tão necessária.

Mais importante do que testemu nhar os resultados é plantar as sementes para esperançar e fazer florescer essa possibilidade para as gerações futuras.

A política de cotas busca facilitar o acesso a população negra, histo ricamente e estruturalmente pre judicada, a universidades e con cursos. Levando em consideração o cenário político e econômico atual do País, quais serão as maiores di ficuldades para manter o sistema no ano de 2023? Levando em con ta que todos são dignos do acesso à educação de qualidade.

O grande desafio para a manu tenção, aprofundamento, avan ço da política pública de igualda de racial do nosso país eu diria que é esse contexto político de polari zação. Quando eu digo político, eu não estou falando necessariamen te de político-partidário, as pesso as estão muito polarizadas e aí se gue havendo um negacionismo do racismo no Brasil, um negacionis mo de como a raça é um elemento central fundamental da nossa não -democracia e tudo isso pode tra zer entraves para que nós sigamos avançando na construção de de

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mocracia racial nesse país. Porém, é importante que a gente saiba que hoje as cotas raciais são constitu cionais. A convenção interamerica na contra o racismo, que foi ratificada pelo Brasil esse ano, foi apro vada na condição de Tratado de Direitos Humanos como emenda constitucional e emenda à Consti tuição brasileira. E sendo essa con venção uma convenção que pre vê expressamente ações afirmati vas de promoção da igualdade para grupos étnicos-raciais vulnerabili zados, as cotas raciais nessa condi ção são, portanto, constitucionais. Então, revogar as cotas raciais hoje seria uma medida inconstitucional.

DFATO A população negra não en frenta obstáculos apenas para acessar as universidades ou cargos públicos. Infelizmente nos deparamos com frequência com situações onde o racismo é subs trato para a morte de jovens ne gros; com situações onde pessoas negras são constragidas em locais públicos, nos seus empregos, vida social... diante disso, como o Ministério Público atua e pode atuar no combate ao racismo?

LÍVIA O Ministério Público é pe ça fundamental na promoção de igualdade racial no nosso país já que o seu compromisso constitu cional é com o estado democrático de direito. E não há como falar em estado democrático de direito, em democracia, sem ter um olhar cui dadoso, atento para as injustiças e desigualdades que seguem sendo cometidas, seguem sendo perpe tuadas contra mais de 50% da po pulação brasileira que são as pes soas negras.

O Ministério Público precisa, de fa to, atuar de maneira incisiva para cumprir esse compromisso consti tucional, essa missão constitucional que lhe é delegada, mas essa tare fa começa olhando para dentro. Eu tenho dito que os órgãos do siste

ma de Justiça precisam olhar para dentro, para a sua própria compo sição que ainda é majoritariamen te branca e masculina. Olhar para as suas políticas institucionais porque somente garantindo, se abrindo pa ra a diversidade que essas institui ções poderão absorver outras pers pectivas, poderão se aproximar da população, poderão construir uma justiça efetivamente pluriversal. Is so é fundamental.

Então, o Ministério Público é um agente importantíssimo, mas esse olhar para dentro, esse fazer o de ver de casa é para ontem porque nós ainda estamos por cumprir importantes determinações, como por exemplo as recomendações do caso Simone Diniz, que foram ex pedidas pela Comissão Interame ricana de Direitos Humanos.

Foram 12 recomendações ao Esta do brasileiro e uma dessas reco mendações diz respeito à criação de Delegacias Especializadas, Pro motorias, Grupos de Trabalho, Nú cleos Especializados no enfrenta mento ao racismo nos ministérios públicos e nós não temos ainda essa realidade concretizada.

É preciso, de fato, que o Minis tério Público desvende os olhos da Justiça, da sua própria mis são constitucional para que seja protagonista também lado a lado aos movimentos negros, aos movimentos das mulheres negras, aos movimentos quilombolas, indígenas, lado a lado da popu lação porque, afinal, o Ministério Público precisa ser esse defen sor dos direitos humanos, preci sa ser esse defensor da dignidade de todas as pessoas, da dignida de do povo brasileiro e só nessa perspectiva realmente de abertu ra para a população, para o povo brasileiro é que o Ministério Pú blico se sobreleva à sua tão digna função constitucional.

"OS ÓRGÃOS DO SISTEMA DE JUSTIÇA PRECISAM OLHAR PARA DENTRO, PARA A SUA PRÓPRIA COMPOSIÇÃO QUE AINDA É MAJORITARIAMENTE BRANCA E MASCULINA."
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CURTAS

ENCONTRO DO MOVIMENTO NACIONAL DE MULHERES DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A AMPPE recebeu o II Encontro do Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público, no início do mês de junho de 2022. Foram dois dias onde Promotoras e Procuradoras de Justiça de todo o país, envolvidas com o Movimento de Mulheres do MP viveram uma experi ência enriquecedora e empoderadora.

Na pauta, debates sobre pontos fundamentais como a atuação com perspectiva de gênero, mulheres no siste ma de Justiça, a defesa dos Direitos Humanos na visão das mulheres do Ministério Público, as mulheres na política e política para mulheres, além da assembleia geral para deliberação sobre a eleição da nova Coorde nação-Geral do Movimento.

O Encontro teve ainda um valor especial por reunir, pre sencialmente, as integrantes do Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público pela primeira vez desde o início da pandemia da covid-19.

AMPPE SOLIDÁRIA

A Região Metropolitana do Recife foi atingida por fortes chuvas durante o mês de maio, deixando um rastro de morte, destruição e tristeza na cidade. Além de se solidarizar com as pessoas que sofreram as consequências des sas chuvas, a AMPPE reforçou o trabalho para ajudá-las.

A sede da Associação, no casarão da Benfica, foi ponto de arrecadação de doações e recebeu itens não apenas dos associados, como de associações de outros Estados.

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ELEIÇÕES DA AMPPE

Foram realizadas, no dia 3 de junho, as eleições que de finiram a Diretoria Executiva e o Conselho Fiscal e Consul tivo da Associação do Ministério Público de Pernambuco. A nova gestão foi definida sem bate-chapa. Com 403 votos, contando com a participação de 76,45% dos associados, a promotora de Justiça Deluse Amaral Rolim Florentino foi reconduzida ao cargo de presidenta da Associação, repre sentando a chapa Avançando com Compromisso. Assim como nos últimos anos, o pleito ocorreu de for ma 100% virtual, por meio de votação eletrônica via e-mail. Os associados que preferiram ir até a associa ção, contaram com suporte técnico para acessar a pla taforma digital e votar.

SÃO JOÃO 2022 + ANIVERSÁRIO DA AMPPE

Um São João danado de bom! Foi assim a festa realizada pela AMPPE para comemorar o período junino de 2022, depois de dois anos sem poder realizar o tradicional evento, devido à pandemia da covid-19. Além de celebrar o São João, a fes ta também marcou a comemoração dos 76 anos da AMPPE . Realizado na Di Branco Recepções, o evento teve Terezinha do Acorde on, Forró na Caixa e o DJ Mau Lopes como atrações. Foi um retorno em grande estilo.

HAPPY HOUR NO CASARÃO

Após dois anos sem a realização de eventos presenciais por causa da pan demia da covid-19, a AMPPE pôde voltar a realizar, no mês de abril, o tradi cional happy hour no Casarão da Benfica. Entre os happy hours realizados, inclusive, tivemos a oportunidade de receber os associados para uma noite de homenagens, no mês de novembro, quando foi feito o descerramento da foto do ex-presidente Marcos Carvalho, na Galeria dos Presidentes da Associação. Na mesma ocasião, também entregamos a placa em homena gem aos associados que se aposentaram nos últimos dois anos.

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ENCONTROS COM AUTORIDADES LOCAIS

Durante o mês que antecedeu a posse da atual diretoria da AMPPE, foram muitos os encontros com au toridades locais, como o Governa dor de Pernambuco, Paulo Câmara, o Prefeito do Recife, João Campos, e com parlamentares da Assembleia Legislativa e da Câmara dos Deputa dos. O motivo da visita era entregar em mãos o convite para a soleni dade de posse da diretoria, mas também conversar sobre a atuação do Ministério Público pernambu cano em prol da sociedade. Foram encontros muito proveitosos com a finalidade de estreitar laços e for talecer ainda mais o MP Estadual.

POSSE DA NOVA DIRETORIA E DO CONSELHO CONSULTIVO E FISCAL

Eleita no mês de junho, a nova diretoria e o Conselho Consultivo e Fiscal da AMPPE tomaram posse em solenidade realizada no dia 5 de agosto. O evento aconteceu na Villa Ponte D’Uchôa, no bairro das Graças, no Recife, e reuniu mem bras e membros do MP brasileiro, parlamentares, representantes da Magistratura, etc.

Este foi mais um evento que voltou a ser realizado de forma presencial, após dois anos de atividades remotas por causa da pandemia da covid-19.

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MELHORIAS NO CLUBE CAMPESTRE DE ALDEIA

O Clube Campestre de Aldeia ga nhou melhorias com um novo es paço. Uma área comum com chur rasqueira, pias, espaço para mesas e cadeiras e dois vestiários - um masculino e um feminino -, ambos com acessibilidade.

A construção dessa nova área foi motivada para atender a parte es portiva do clube. Localizado pró ximo ao campo de futebol, o local garante uma estrutura completa e confortável para jogos e campeo natos realizados regularmente no Clube Campestre.

Mas além disso, a área também ser virá para eventos sociais. Em fase de acabamento, o espaço construído ganhará armários, freezer e outros móveis planejados. A inauguração está prevista para o mês de fevereiro.

DIA DAS CRIANÇAS

No mês de outubro, o nosso Clube Campestre voltou a ficar cheio de riso e alegria dos nossos pequenos com o retorno da festa do dia das crianças.

O evento foi um sucesso: teve recreação, banho de pis cina, apresentação dos super heróis mais amados pelas crianças, troca de figurinhas da Copa do Mundo e, para fechar com chave de ouro, show do Mágico Paul.

A CRISE DA DEMOCRACIA E O MINISTÉRIO PÚBLICO

Ahistória da humanidade é a história das superações. Com preendê-la e dimensiona-la requer profunda introspecção alimentada pela vivência, estudos e profundas reflexões, atento a advertência de Oliver W. Holmes: “Aquele que só sabe o direito nem o direito sabe.”

Os fatos que se observam e se constatam têm condicionamentos prévios que se assentam no orde namento ou desordenamento so cial no qual todos estão inseri dos, que se impõe a cada um de nós com exigências de compreen são para, cumprindo sua própria destinação existencial, tornar-se agente transformador na busca do aperfeiçoamento coletivo.

Sobre este aspecto, Eduardo Gian netti em sua obra Autoengano, exemplifica: “O que espanta, con tudo, é a quase irrefreável pro pensão humana, presente em cer ta medida em certos pontos sensí veis em cada um de nós, de fechar a porta da dúvida e perder inocen temente a chave. O Autoengano não é a ignorância simples de não saber e reconhecer que não sabe.”

O Ministério Público não é apenas uma Instituição de Estado. E não

é possível, também, falar sobre o Ministério Público sem rememo rar a figura de Roberto Lyra, tribu no maior do Júri do Rio de Janeiro e do Brasil, “Príncipe do Ministé rio Público Brasileiro”, para quem a “lei é literal na origem, mas ga nha vida se você lhe der moldu ra social.”

Aí surge a indagação: qual o papel do “Parquet” no fortalecimento dos ideais democráticos? A respos ta é clara, incisiva e direta. O papel está contido no art. 129 e seus in cisos e parágrafos da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988.

Infelizmente o órgão depositário de tradições e precursor de tantas conquistas sociais, foi alcançado por parte de alguns dos seus inte grantes por desvios de conduta na tentativa de criar um fundo bilio nário, à margem do órgão institu cional para investir aleatoriamente em projetos de combate à corrup ção. Segundo as informações, o va lor atingiria a importância de dois bilhões e seiscentos milhões de re ais que seria depositada na conta da 13ª Vara Federal de Curitiba.

A pretensão inicial ocorreu em 2016, obstada pelo ministro do

OSWALDO GOUVEIA FILHO é Procurador de Justiça do Ministério Público de Pernambuco. Diretor Consultivo e Fiscal da Associação do Ministério Público de Pernambuco. Ex-repórter do Jornal Correio da Manhã (RJ).
POR Oswaldo Gouveia Filho 16 Dfato Dezembro 2022

"PARA SUPERARMOS O INACEITÁVEL PRECISAMOS DE UM MINISTÉRIO PÚBLICO FORTE E COESO. NÃO ALIENADO E DISTANCIADO DA REALIDADE SOCIAL"

STF Teori Zavascki. Sustentou o então ministro que sendo a Pe trobrás uma empresa de eco nomia mista era ela que deve ria receber a totalidade do capi tal recuperado, não havendo ne nhuma razão para o Ministério Público Federal, via União, ficar com o dinheiro. Em sequência, o ministro Alexandre de Moraes limitou os propósitos do acordo considerando que a Constituição Federal não atribui aos membros do Ministério Público fixação so bre destinação de receita pública de responsabilidade do Congres so Nacional.

O país inteiro assiste perplexo a le niência do atual Procurador Geral da República deixando de agir a seu talante à revelia do interes se público e coletivo em diver sos instantes, contrariando o sen so comum e provocando veemen tes contestações de muitos procu radores. Talvez fosse o caso de se rever tamanha autonomia, crian do-se um Conselho de Notáveis específico para fiscalizar despau térios que eventualmente desqua lifiquem a Instituição?

Grave, gravíssimo teria sido se a PEC nº 5 (Projeto de Emenda à Constituição) tivesse sido aprova da pelo Congresso Nacional. Se tal

fato não se consumou não se deve aos inimigos da democracia e do Estado Democrático de Direito, po rém a ação dos democratas, e do trabalho diuturno da Associação Nacional dos Membros do Minis tério Público – CONAMP, e do Con selho Nacional dos Procuradores -Gerais de Justiça – CNPG.

Como consequência o mais tene broso ocorreria: A perda irrepará vel da independência do Minis tério Público, o fiel defensor das causas sociais.

Lá de Portugal, Boaventura de Souza Santos, emérito professor da Faculdade de Direito da Universi dade de Coimbra, um dos funda dores da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e im pulsionador do Fórum Social Mun dial adverte: a democracia no Bra sil está à beira do abismo.

Para superarmos o inaceitável pre cisamos de um Ministério Público forte e coeso. Não alienado e dis tanciado da realidade social nos termos do ideário de Roberto Lyra, o jurista brasileiro mais traduzido e Chefe da Escola Brasileira de So ciologia Criminal.

Um Estado Social de Direito é a as piração de todos.

Dezembro 2022 Dfato 17

AS MAZELAS DO BRASIL E O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO COMBATE ÀS INJUSTIÇAS SOCIAIS

Como guardião da democracia, da defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis e da ordem jurídica, como o Ministério Público tem trabalhado para combater as mazelas do nosso país?

OBrasil de 2022 é, sem dúvidas, um país dividido. Dividido en tre quem sofre com o retorno ao mapa da fome, com o desempre go, com a falta de educação, mo radia digna e saúde de qualidade; e entre uma parcela minúscula de brasileiras e brasileiros que fica ram ainda mais ricos durante a pandemia do Covid-19, que matou mais de 650 mil pessoas do nosso país, desestabilizando famílias e aumentando ainda mais os pro blemas da nação.

Somos um país extremamente de sigual. E mais, somos um país to mado pela polarização política, pelas fake news e pela falta de confiança nas instituições. Movi do pelo ódio político e pela falta de educação, parte da população debocha dos Direitos Humanos. Ao mesmo tempo em que o Bra sil é famoso pela sua hospitalida de, pela resiliência dos brasileiros e pelo talento na cultura, na culi nária e nos esportes, temos muito a evoluir como nação.

CAPA
18 Dfato Dezembro 2022

PRECISAMOS

Na edição número 14 da Revista Dfato, decidimos debater o Bra sil de agora, colocando o dedo nas feridas e olhando para cica trizes antigas. Queremos incenti var a reflexão e o esclarecimento a respeito do que nos aflige co mo povo. Buscamos ainda, agora com os olhos voltados para o Mi nistério Público, entender como é possível combater desigualdades de forma cirúrgica, pois não te mos tempo a perder!

Sendo assim, vamos falar sobre a importância dos Direitos Huma nos de forma institucional?

De acordo com relatório da Anis tia Internacional, uma organi zação global presente em mais de 150 países que realiza ações e campanhas para que os direi tos humanos internacionalmente reconhecidos sejam respeitados e protegidos, o ano de 2021 con solidou a crise dos Direitos Hu manos no Brasil. Por meio de um balanço dos indicadores sociais e econômicos do ano de 2021, a organização pode perceber em números o que as ruas nos mos tram: a negligência do poder pú blico aliada à crise sanitária re sultado da pandemia da Covid-19

No Brasil, pelo menos 26.447 pessoas foram morar nas ruas em 2022.

"NÓS
OLHAR COM URGÊNCIA PARA A POPULAÇÃO MAIS FRAGILIZADA, SEJA POR CONTA DA EXCLUSÃO SOCIAL, SEJA POR EXCLUSÃO ADVINDA DO PRECONCEITO."
20 Dfato Dezembro 2022

agravaram violações de outras natureza, como falta de moradia, desemprego, escalada de violên cia e insegurança alimentar en tre grupos historicamente expostos à vulnerabilidade.

Atuando na área dos Direitos Hu manos há dez anos, o promo tor de Justiça de Direitos Hu manos da Capital (MPPE), Ma xwell Vignoli, avalia o cenário em que nos encontramos atual mente e vê urgência na garantia dos direitos básicos para a po pulação. Em sua análise, o pro motor de Justiça entende que é importante focar na efetiva ção das legislações existentes.

“Nós precisamos olhar com ur gência para a população mais fra gilizada, seja por conta da exclu são social, seja por exclusão ad vinda do preconceito. A gente precisa focar na luta por garan tia dos direitos das pessoas ne gras, das pessoas com deficiên cia, da Criança e do Adolescen te, dos idosos. O que urge é que temos legislações, seja na assis tência social, seja nos direitos

da população negra, das mulhe res, das pessoas com deficiência, das crianças…todas essas popu lações consideradas vulnerabili zadas que têm seus estatutos pa ra proteção dessas pessoas e essa normativa precisa estar em práti ca e ser aplicada. O Ministério Pú blico precisa estar vigilante. Cabe a nós não retrocedermos. Precisa mos pelo menos garantir que não haja retrocesso. Porque quan do essas populações começam a ascender, de certa maneira, elas começam a “ameaçar” um grupo que está no poder durante muito tempo”, reflete Maxwell.

Mulheres, sobretudo as negras, pessoas LGBT+, indígenas, crian ças, adolescentes, pessoas po bres. Estes são alguns dos gru pos sociais mais afetados pe los processos de desumanização. Processos que são alicerçados na miséria e no desamparo do poder público. Estes grupos muitas ve zes recebem a pecha de minoria, muito embora não sejam. Assim, enxergamos que quando falamos em Direitos Humanos, é impor tante destacar que não são di

MINISTÉRIO PÚBLICO PRECISA ESTAR VIGILANTE. CABE A NÓS NÃO RETROCEDERMOS. PRECISAMOS PELO MENOS GARANTIR QUE NÃO HAJA RETROCESSO."

PROMOTOR DE JUSTIÇA | Maxwell Vignoli

O promotor de Justiça Maxwell Vignoli trabalha há dez anos com Direitos Humanos

"O
Dezembro 2022 Dfato 21

"O MINISTÉRIO PÚBLICO DE PERNAMBUCO É DEFENSOR DOS DIREITOS HUMANOS. PONTO. ESSE É O NOSSO SLOGAN. NÓS SOMOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS EM TODOS OS SENTIDOS."

PROMOTOR DE JUSTIÇA | Maxwell Vignoli

reitos reservados para pequenos grupos ou grupos específicos: são direitos para todas, todos e todes.

Olhando para a instituição Minis tério Público, entendemos que todo promotor e toda promoto ra de Justiça é, na constitucional mente, um defensor dos Direitos Humanos. Deixando um alerta para a classe, o promotor de Di reitos Humanos do MPPE, Maxwell Vignoli, acredita que a postura da própria instituição precisa se adaptar a este fato para que es ta ideia ressoe junto à sociedade.

“Que a gente afirme como insti tuição que nós somos defenso res dos Direitos Humanos. O Mi nistério Público de Pernambu co é defensor dos direitos huma nos. Ponto. Esse é o nosso slogan. Nós somos defensores dos direitos humanos em todos os sentidos: no Direito da Família, no Direito Criminal, no Direito Penal. Quan do essa fala de que todas, todos e todes nós somos defensores dos

No Recife, contamos com dois Centros Pop, que acolhem a população em situção de rua.

22 Dfato Dezembro 2022

Entre 2019 e 2021, 9,6 milhões de pessoas entraram na linha de pobreza no Brasil.

direitos humanos for uníssona, quando essa fala for verbalizada e compreendida, aí a gente vai me lhorar. Até porque a gente precisa proporcionar à nossa instituição a educação para direitos huma nos. A gente precisava ser consti tuído e construído como defensor desses direitos a cada momen to da nossa atuação. Do atendi mento às pessoas, a uma inter venção de uma apelação criminal. Precisamos entender que estamos defendendo o direito humano ao devido processo legal, o princí pio da inocência, a garantia da pessoa não ser presa numa situ ação extremamente degradante, isso precisa ser levado em consi deração. Então, é Direitos Huma nos também”, afirma o promotor de Justiça.

DIREITO À MORADIA: UM DIREITO URGENTE!

Entrevista com Socorro Leite, da Habitat Brasil, ONG global que tem como causa a promoção da moradia como um direito humano fundamental

Falar de direito à moradia no Bra sil atual é urgente. O número de pessoas vivendo nas ruas, sem o mí nimo de dignidade humana, cres ceu muito nos últimos anos como apontam os dados de um levanta mento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (POLOS-UFMG), feito a partir de dados do CadÚnico, do Ministério da Cidadania.

Em 2019, o estudo registrou que 174.766 pessoas viviam nas ruas do país, um número que só fez crescer nos últimos anos. Em 2022, o nú mero foi para 213.371 cidadãos bra sileiros sem um teto para viver.

Aliado à crise econômica, políti ca e social que o Brasil vive, so mou-se uma pandemia, é verda de. Mas é possível observar que muito antes da crise sanitária glo bal, os desmontes realizados nos conselhos que discutiam a ques tão da habitação no país agrava ram a situação. Sem estudos, sem projetos de leis e sem verba, o ce nário de abandono e de desuma nização foi acentuado.

Para falar sobre o problema do di reito à moradia no Brasil convida mos a diretora executiva da ONG Habitat Brasil, Socorro Leite. Na entrevista, ela fala um pouco so bre as dificuldades que quem tra balha com o direito à habitação digna encontra no que diz respei to ao poder público e ao momen to atual do país.

DFATO Socorro, você poderia fazer um panorama do momento atu al do Brasil no que diz respeito à moradia digna?

SOCORRO LEITE Nos últimos anos, a gente não só passou a não ter re cursos e programas para a popu lação mais pobre que precisa de moradia, como passamos a ter re trocessos no sentido da violação dos direitos, com a realização de despejos, principalmente na pan demia. No período crítico da pan demia, a gente fez um esforço pa ra construir relações com o parla mento, com as defensorias para construir a defesa das ocupações, mas em vários lugares os despe jos aconteceram. Então, a gente passou de um contexto que era de

24 Dfato Dezembro 2022

"COISAS TÃO BÁSICAS FORAM DESMONTADAS QUE VOCÊ FICA PENSANDO QUE VAI LEVAR MUITO TEMPO PRA CORRIGIR TUDO O QUE FOI FEITO DE ERRADO NOS ÚLTIMOS ANOS."

efetivação de políticas públicas e de direitos, para um contexto de negação desses direitos e de vio lação. Somado a isso tivemos as questões sanitárias da pandemia. Ou seja, como que a gente deixa as pessoas em casa, se as pessoas estão perdendo suas casas. O con texto ainda é muito complexo e as desocupações e os despejos volta ram a acontecer.

Além de termos uma situação grave no país, ainda temos as diferenças regionais que impactam profun damente a questão da moradia. A gente não tem como não dizer que a pobreza no Norte e no Nordeste é mais profunda. A falta de oportu nidade é bem maior. Uma pessoa pobre lá em São Paulo tem tantas outras conexões que podem colocar essa pessoa num lugar melhor. Até a assistência social e o número de entidades prestando apoio à po pulação que vive nas ruas é maior. A Habitar Brasil, por exemplo, com base em estudos, decidiu voltar seu foco para essas regiões do país nos próximos anos.

DFATO Quais são os obstáculos em que vocês têm esbarrado durante a luta por resgatar a dignidade das pessoas que não têm um lu gar seguro para viver?

SOCORRO O movimento antidemo crático e de retrocesso que se ini ciou quando houve o impeach ment da presidente Dilma é refle tido no movimento de desmonte da gestão democrática das cida des. Então, existiam conselhos, por exemplo, eu era do Conse lho Nacional das Cidades. O pre sidente Bolsonaro extinguiu todos os conselhos criados por decreto e isso gerou um desmonte tam bém a nível estadual e munici pal. Os conselhos ou pararam de funcionar, ou passaram a ser ma nipulados pelas gestões. Não te ve mais espaço para diálogo com o poder público para cobrarmos, para propormos. Essa é a primei ra das questões que precisaremos repensar. Não ter o recurso para investir nesse tipo de ação é outro ponto importante que eu não sei como o novo governo vai tra tar porque sabemos que vai levar alguns anos para investir, já que temos urgências maiores. A gente sabe que as pessoas precisam co mer, precisam existir e precisam de moradia também, mas acho que esse tema vai acabar ficando para um segundo momento. Coi sas tão básicas foram desmonta das que você fica pensando que vai levar muito tempo pra corrigir tudo o que foi feito de errado nos últimos anos.

Dezembro 2022 Dfato 25

O MINISTÉRIO PÚBLICO NA LINHA DE FRENTE CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA PANDEMIA

Entrevista com Amparo Paz, promotora de Justiça do Ministério Público do Piauí e coordenadora do Núcleo das Promotoras de Justiça de desfesa da mulher vítima da violência doméstica e familiar.

Com o início da pandemia do Covid-19, um alerta foi liga do: acreditávamos com motivos para tal que a violência domés tica deveria aumentar no período do isolamento social. E foi o que aconteceu. Basta “dar um goo gle” para ler as notícias: “Brasil teve 105 mil denúncias de vio lência contra mulher em 2020; pandemia é fator, diz Damares (G1)”, Violência contra mulheres aumentou na pandemia, diz re latório da (ONU O Globo)”, “Vio lência contra a mulher aumenta em meio à pandemia; denúncias ao 180 sobem 40% (Estadão)”.

Instituição com papel crucial no combate às violências domés ticas, o Ministério Público, bem como toda a sociedade, precisou se reinventar durante o momen to de isolamento social. Foi pre ciso encontrar novas formas de vi giar e de agir.

Referência no Piauí quando o as sunto é o combate à violência con tra a mulher, a promotora de Justi

26 Dfato Dezembro 2022

Amparo Paz atua há dez anos na 10ª Procuradoria de Justiça Criminal de Teresina.

"VEJO A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA COMO UM GRAVE PROBLEMA SOCIAL A SER ENFRENTADO, NÃO SOMENTE PELO SISTEMA DE JUSTIÇA, MAS TAMBÉM POR OUTROS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO À MULHER E À SOCIEDADE COMO UM TODO."

ça do MPPI Amparo Paz atua há dez anos na 10ª Procuradoria de Justi ça Criminal de Teresina. Ela é co ordenadora do Núcleo das Promo torias de Justiça de Defesa da Mu lher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (Nupevid) e, no contex to da pandemia, atuou para de senvolver estratégias em conjun to com a Polícia Civil e com repre sentantes de condomínios para o cumprimento da Lei Municipal n° 5.540/2020. A norma obriga os sín dicos e administradores de condo mínios residenciais a denunciarem à polícia os casos de violência con tra mulheres, crianças, adolescen tes e idosos.

À convite da Revista Dfato, Ampa ro Paz compartilhou um pouco da sua experiência trabalhando no combate à violência contra as mu lheres no estado do Piauí. Confira abaixo a entrevista:

DFATO A senhora é referência no estado do Piauí e no Nordeste quando o assunto é a luta con tra a violência machista. Como foi que se deu seu contato com essa frente de atuação e o que lhe mo ve ao lidar com essa questão que é tão complexa e no geral dolorosa?

AMPARO PAZ Sempre defendi cau sas feministas e a defesa dos direi tos humanos, então quando tive a oportunidade de escolher essa área de atuação, não pensei duas vezes, pois acreditei e acredito que é preciso lutar incessantemente para assegurar a igualdade de di reitos entre homens e mulheres. Por isso, me coloco diariamente à disposição dessa missão, que é um verdadeiro sacerdócio.

Vejo a violência doméstica como um grave problema social a ser en frentado, não somente pelo siste ma de justiça, mas também por outros órgãos de proteção à mu lher e à sociedade como um todo. Hoje, as mulheres possuem maior acesso à rede de atendimento, aos serviços de denúncia e orientação à vítima. Há ainda uma maior res ponsabilização do homem envol vido em contexto de violência do méstica e familiar. Tais vias são mais divulgadas, o que favorece o empoderamento feminino e, por tanto, propicia uma maior facili dade em busca de defesa e pro teção. Como mencionado, trata-se de uma questão complexa e mul tifatorial, mas que deve ser enca rada com coragem e esmero quan

Dezembro 2022 Dfato 27

Amparo Paz palestra em formação de policiais militares para falar sobre o enfrentamento da violência contra a mulher.

to à resolução das demandas pa ra que as mulheres consigam a paz que tanto desejam e via de conse quência tenham seus direitos hu manos respeitados.

DFATO Que ações ou projetos contra a violência de gênero que par tiram de iniciativa do Ministério Público a senhora destacaria co mo bons modelos de ação?

AMPARO PAZ As ações de ambas as promotorias que compõem o NUPEVID-MPPI são sempre per manentes, desde a sua criação em 2012, e não somente pontuais quando do surgimento e ocorrên cia das situações de violência, ha ja vista que lidamos rotineiramen te com as manifestações da vio lência contra a mulher. A violência

machista é um problema de segu rança pública, mas também é um problema de saúde, pois afeta di retamente a vítima e seus familia res, seja em seu aspecto físico e/ou psicológico. Sendo assim, sempre buscamos desenvolver projetos de cunho preventivo, a exemplo dos projetos: Reeducar, Papo na obra, Pro Mulher, A Lei Maria da Penha nas escolas, Laboratório Maria da Penha, Projeto Acolhe (dor), den tre outros. Esses projetos aconte cem por via de parcerias com vá rias instituições para somarmos esforços no enfrentamento à tais práticas, a exemplo, da Secreta ria de Justiça do Piauí, Tribunal de Justiça do Piauí, Defensoria Pú blica do Estado do Piauí, Secreta ria Municipal de Políticas Públicas para Mulheres, etc. Promovemos também, durante todo o ano, di versas campanhas preventivas so bre a não violência às mulheres.

DFATO Como o Ministério Públi co pode atuar para que mulheres não sejam revitimizadas ao bus carem a Justiça?

AMPARO PAZ Penso que ao aco lher a vítima e conferir a ela dignidade, escuta e celeridade às su as demandas, sejam elas de que ordem forem, enseja a atuação no enfrentamento às diversas formas de violências às quais ela tenha sido exposta e isso, claro, confere a ela um lugar na sociedade. As sim, seus direitos são respeitados e a pessoa se fortalece no enfren tamento a quaisquer violações fu turas que tentem impor.

Acredito que à medida que a mu lher não encontra respostas às suas demandas em um tempo razoável

28 Dfato Dezembro 2022

de tramitação processual e é im pelida a estar constantemente em contato com os fatos, sem uma pre visão legal de encerramento de tais questões, ela acaba por ser reviti mizada, pois outras condições de violência, nesse caso, estrutural e institucional , se impõem sobre ela.

O MPPI tem zelado para que essas mulheres não sofram qualquer violação aos seus direitos, garan tindo que sejam tratadas de for ma humanizada e respeitosa; te mos nos preocupado sempre com o cumprimento dos prazos, participamos das audiências e fiscali zamos delegacias. Cobramos a ins tauração dos inquéritos policiais,

produzimos denúncias de modo célere e que sustentem a materia lização dos fatos, de modo que, à mulher em situação de violência, estejam assegurados os respecti vos aspectos legais.

Acolhemos também essas mulhe res e as encaminhamos para a rede de proteção à mulher para resolu ções outras que surgem a partir da violação de seus direitos, pois da li surgem várias demandas, de or dem não só jurídica, mas também social, psicológica, dentre outras .

DFATO As mulheres são incentivadas a denunciarem, a se prote gerem e a estarem sempre vigi

"A VIOLÊNCIA MACHISTA É UM PROBLEMA DE SEGURANÇA PÚBLICA, MAS TAMBÉM É UM PROBLEMA DE SAÚDE"

Amparo Paz durante ação do projeto Papo na Obra.

Dezembro 2022 Dfato 29

"O PENSAMENTO FEMINISTA É PLURAL E ENFATIZA A NECESSIDADE DE RECONHECERMOS E RESPEITARMOS AS DIVERSIDADES."

lantes. E quanto os homens? Como a sociedade espera uma mudança quando, no geral, são as mulheres que são cobradas? Es tamos errando apenas ao punir homens e cobrar denúncias por parte das mulheres?

AMPARO PAZ Vivemos em uma so ciedade culturalmente e estrutu ralmente machista. O machismo hierarquiza homens e mulheres e quando trazemos à tona essa es trutura de poder nos permitimos re pensá-la e acabamos por abrir por tas para compreender o fenômeno da violência, tratando-o com ações de empoderamento das mulheres e a reflexão de toda a sociedade so bre o que implica atribuir papéis so ciais marcados por discriminações.

Assim, penso que é de fundamen tal importância que coloquemos ao alcance das pessoas caminhos que possibilitem reverter este ce nário. Acredito que defender os direitos das mulheres não signi fica defender apenas as mulheres, mas as famílias, a sociedade como um todo. O pensamento feminis ta é plural e enfatiza a necessida de de reconhecermos e respeitar mos as diversidades.

Trabalhamos na perspectiva de repressão, mas também de res ponsabilização e reflexão dos homens envolvidos no contex to de violência doméstica e fa miliar para que não seja cobra do apenas da mulher o ônus da denúncia e de sua proteção, pois é constatado que o causador da violência doméstica e familiar contra a mulher tem sido es se homem que cresceu cultural mente numa sociedade machista, onde a violência doméstica ainda é naturalizada e muitas vezes até tolerada socialmente.

MPPI realiza capacitação do Projeto Pró-Mulher.

30 Dfato Dezembro 2022

Roda de conversas do projeto Reeducar, que é realizado desde 2016.

Pois bem, certamente é uma ati tude ousada de nossa parte, pois pretendemos que os homens en volvidos em contexto de violên cia doméstica compreendam seus crimes e tenham mudanças de comportamentos a partir da re flexão sobre tais práticas, por is so entendemos importante tra balharmos com homens nos nos sos projetos, a exemplo do Reedu car e Papo na obra. No Reeducar, projeto realizado desde 2016, te mos um grupo reflexivo para ho mens autores de violência domés tica. Trata-se de uma política pú blica fomentada pelo MPPI, onde concomitantemente à quaisquer ações preventivas, o processo cri minal relativo àquele caso segue tramitando normalmente, ou se ja, está assegurado à mulher ví tima a aplicabilidade da lei pe nal para cada caso em particu lar. Ademais, acompanhamos as demais demandas da vítima.

No tocante ao Papo na Obra, vamos diretamente aos canteiros de obras de Teresina e conversamos com os trabalhadores da construção ci vil sobre a Lei Maria da Penha, so bre Direitos Humanos das mulhe

res, dentre outros temas que vi sem à reflexão desses momentos sobre a necessidade de respeitar os direitos humanos das mulheres.

Temos também projetos voltados a levar a discussão da não violência às mulheres nas escolas, isso há muito tempo, então atualmente já estamos articulando com os se tores responsáveis pela educação no nosso Estado e também aqui na capital, para iniciarmos um traba lho no sentido de cumprimento da Lei 14.164/2021, para que seja in cluído o conteúdo sobre a preven ção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica e a realização da Semana Escolar de Combate a violência domésti ca e familiar contra a mulher, bem como implementar medidas edu cativas nas escolas dos bairros com maior índice de violência.

Acreditamos que a transformação da nossa sociedade estrutural mente machista, só ocorrerá atra vés da educação da sociedade e obviamente dos homens, pois só assim propiciaremos às mulheres uma vida livre de toda e qualquer violência ou discriminação.

Dezembro 2022 Dfato 31

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, UMA PANDEMIA SILENCIOSA

E

ste artigo abordará o aumento dos casos de violência domés tica e familiar contra a mulher durante a pandemia da Covid-19, demonstrando e justificando com dados estatísticos atuais, a afir mação de que era previsível este incremento, em virtude da gêne se deste fenômeno e de como os conflitos já existentes entre os ca sais, tendiam a ter um crescimen to exponencial por conta do iso lamento social a que a sociedade brasileira fora submetida para se proteger da doença.

A violência doméstica e familiar é um problema que atinge mulhe res, crianças, adolescentes e ido sos em todo o mundo. Apesar de ser um problema antigo, viven ciado por grande parcela da socie dade brasileira, apenas em 2006, após a publicação da Lei Maria da Penha, n. 11.340 passou a interes sar aos operadores do Direito no país. É um fenômeno sociocultu ral gravíssimo que decorre da de sigualdade nas relações de poder entre homens e mulheres, bem como da discriminação de gênero e do machismo estrutural presen te tanto na sociedade como na fa mília. É importante ressaltar que a Lei Maria da Penha foi considerada

pela ONU como uma das três me lhores legislações de proteção às mulheres em situação de violência do mundo. É uma norma de natu reza protetiva, que tem sua pró pria regra hermenêutica, apta a dar conta da singularidade da si tuação da mulher que está viven do em violência doméstica e fami liar. Vigente desde 2006, tem por finalidade a igualdade de gênero, desde então vem contribuindo pa ra a proteção integral da mulher e para a efetividade dos seus direi tos fundamentais.”

A Lei Maria da Penha trouxe a dou trina da proteção integral para si tuações de violência doméstica e familiar que envolvam mulheres. Esta doutrina se caracteriza por es tabelecer que toda violência con tra a mulher, praticada por ques tão de gênero, é uma grave viola ção de direitos humanos, art. 2º e 3º da LMP. Contudo, apesar de ter consagrado vários mecanismos eficientes para proteger as mulhe res em situação de violência, den tre eles, as medidas protetivas, a Lei Maria da Penha não poderia prever a ocorrência de uma pan demia, em que as mulheres esta riam completamente à mercê dos seus agressores, sem sequer po

STELA VALÉRIA CAVALCANTI é Promotora de Justiça em Alagoas, mestra em Direito Público pela UFAL, autora do livro “Violência doméstica: análise da Lei Maria da Penha”
ARTIGO 32 Dfato Dezembro 2022

derem sair de casa para comuni car a violência sofrida às autori dades públicas.

A pandemia da Covid-19 pegou a todos de surpresa, ninguém ima ginava que um vírus, que surgiu em Wuhan, na China, se propagas se de forma tão rápida e devasta dora, causando milhares de mor tos em todo o mundo. Numa se mana estávamos vivendo nossas vidas normalmente, trabalhando, levando os filhos à escola, saindo para confraternizar, viajando, etc. Na outra, estaríamos subme tidos ao isolamento social que du rou vários meses. Cumpre ressal tar que as medidas sanitárias ado tadas pelo governo e o isolamento social foram, a nosso ver, impor tantíssimas para evitar a propaga ção do vírus e consequentemente, conter o avanço da doença, até que os cientistas e médicos pudessem encontrar mecanismos eficientes de conter seus malefícios à saú de humana. Durante a situação de isolamento social pelo qual passa mos, pude refletir acerca de como este momento seria ainda mais difícil para as mulheres que sofriam a violência doméstica e familiar, uma vez que sua casa, espaço já tão pro pício à violências reais e simbóli cas, tornar-se-ia ainda mais peri goso para muitas mulheres no Bra sil e no mundo.

Tendo em vista o estresse e in certezas do momento delicado de uma pandemia mortal, certamen te as tensões e conflitos já existen tes entre os casais aumentariam. O fato de muitas mulheres que labo ravam como empregadas domésti

cas, professoras e cuidadoras terem sido dispensadas, ora em virtude de terem que cuidar dos filhos que estavam sem creche ou escola, ou por terem que cuidar dos pais ido sos, que eram os mais vulneráveis ao vírus e precisavam se proteger ainda mais que os jovens, ou mes mo pelo fechamento de estabele cimentos comerciais e indústrias, as mulheres se tornaram depen dentes economicamente dos com panheiros e maridos. As estatísti cas demonstram que o desempre go assolou o país em 2020, tendo como as mais prejudicadas as mu lheres. Segundo relatório do Diee se, 1.1 milhão de brasileiras deixa ram o mercado de trabalho entre 2019 e 2021, dessas mulheres, 925 mil são negras. Como não existia uma vacina ou remédio para curar a doença e, para evitar o colap so nos hospitais, a OMS sugeriu a quarentena e isolamento social da população no período da pande mia. A OMS alertou ainda sobre o aumento da violência doméstica durante a pandemia da Covid-19. A Itália, por exemplo, que iniciou o isolamento social mais cedo do que o Brasil, registrou um aumento de 161,71% nas denúncias telefôni cas entre os dias 1o e 18 de abril de 2020, de acordo com o Ministério da Família e da Igualdade de Opor tunidades. Na Argentina, o canal de denúncias ‘Linha 144’ teve um au mento de 39% na segunda quinze na de março do mesmo ano. Cons tatou-se que, em países como Chi na, Reino Unido e Estados Unidos, houve um incremento de casos de violência doméstica contra as mu lheres, desde o início da pandemia da Covid-19.

Dezembro 2022 Dfato 33
"TENDO EM VISTA O ESTRESSE E INCERTEZAS DO MOMENTO DELICADO DE UMA PANDEMIA MORTAL, CERTAMENTE AS TENSÕES E CONFLITOS JÁ EXISTENTES ENTRE OS CASAIS AUMENTARIAM."

No início do mês abril, o informa tivo El País relatava que doze mu lheres teriam sido assassinadas na Colômbia durante a quarentena. Já o jornal francês Le Monde, que pu blica dados dessa violência em di ferentes países desde o começo do confinamento social, informa va em fins de março que os núme ros de mulheres e garotas agredi das “se multiplicavam” na China. Esse mesmo jornal destacava o au mento da violência na nossa vizinha Argentina: ao menos seis mulheres e meninas haviam sido assassina das desde o começo do isolamen to. A França é também palco do au mento das violências conjugais con tra as mulheres desde o começo da crise sanitária provocada pelo coro navírus, contabilizando um aumen to de 30% dessas agressões. As es tatísticas demonstram que a vio lência contra a mulher aumentou consideravelmente durante o iso lamento social e ficou mais restri ta ao âmbito privado do que nun ca. A mulher que já convivia com um agressor e sofria violência psicológi ca, moral, patrimonial e física, esta va praticamente em cárcere privado, sob a vigilância diária do agressor e exposta a todo tipo de violência sem poder fugir. No Brasil, o núme ro de denúncias feitas ao Ligue 180 aumentou 34% entre março e abril de 2020 em relação a 2019, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Ao compa rar apenas o mês de abril, o cresci mento é de 36% entre os dois anos. Dos 3.739 homicídios de mulheres em 2019 no Brasil, 35% foram ca racterizados como feminicídios. Is so equivale a dizer que a cada se te horas, uma mulher é morta por

questão de gênero, sendo o mari do ou companheiro o maior culpa do, segundo dados do Fórum brasi leiro de segurança pública.

Para minimizar esta grave situação, foi publicada a lei 14.022/2020 com a finalidade de conter o aumen to da violência doméstica, duran te a pandemia. A nova lei conside rou o atendimento às vítimas como um serviço essencial e não pode ria ser interrompido durante todo o estado de calamidade pública e, como consequência, os órgãos de atendimento às vítimas de violên cia doméstica, deveriam funcionar ininterruptamente em todo o país. O texto define como “de natureza urgente” todos os processos tratan do de casos de violência doméstica durante a pandemia.

Na pandemia, acredita-se que houve agravamento das fragilida des da rede de enfrentamento, pois as estratégias destacaram os canais de comunicação (linhas de telefo ne e celular, aplicativos de mensa gens, páginas eletrônicas e ferra mentas de inteligência artificial). Embora seja inegável a relevância dos canais de comunicação, cabe questionar ainda quais mulheres esse tipo de estratégia alcançou. Um estudo apresenta que 433 mi lhões de mulheres no mundo não

34 Dfato Dezembro 2022
"DOS 3.739 HOMICÍDIOS DE MULHERES EM 2019 NO BRASIL, 35% FORAM CARACTERIZADOS COMO FEMINICÍDIOS. ISSO EQUIVALE A DIZER QUE A CADA SETE HORAS, UMA MULHER É MORTA POR QUESTÃO DE GÊNERO, SENDO O MARIDO OU COMPANHEIRO O MAIOR CULPADO."

têm acesso à internet. Em países de baixa e média renda, as mulheres têm 10% menos probabilidade de ter um celular e 23% menos pro babilidade de usar a internet mó vel do que os homens. A grande di ficuldade encontrada pelas brasi leiras para denunciar as situações de violência durante a pandemia é verificada por meio da redução de 25,5% nos boletins de ocorrên cia, registrados entre março e abril de 2020, quando comparado com o mesmo período de 2019, mesmo com a possibilidade de registro on line ou por aplicativo de celular, em alguns Estados brasileiros.

No Brasil, as estratégias divulgadas nas mídias digitais envolveram me didas anteriores à pandemia: am pliação da divulgação dos canais de Disque Denúncia, manutenção ou ampliação dos horários de atendi mento nas Casas da Mulher Brasi leira, Centros de Referência, Casas Abrigo e Patrulha Maria da Penha. Nas Delegacias de Polícia Civil, es pecializadas ou não no atendimen to às mulheres, houve disponibili dade de registro online da ocorrência e pedido de medida protetiva. Merece destaque também o lança mento do App Mulheres: Proteção do Ministério Público do Estado de Alagoas, criado para colaborar e dar maior celeridade aos atendimentos e denúncias de violência domésti ca e familiar no Estado de Alago as, que contou com mais de 2.000 downloads e está entre os finalis tas do prêmio CNMP/2022, na cate goria Equidade de gênero, por ter sido pioneiro e em virtude da sua importância para o enfrentamento à violência contra a mulher.

Embora a utilização de várias tec nologias tenha aumentado mun do afora, ainda existe maior res trição de acesso para as mulheres do que para os homens. Além dis so, é preciso reconhecer a possibi lidade de controle desses instru mentos pelo agressor e a ausên cia ou limitação dos planos tele fônicos e de internet para contato com os canais de atendimento. Es sas são algumas das barreiras que se impõem às mulheres economi camente mais vulneráveis, sinali zando a urgência de não restringir as estratégias a uma única moda lidade, sendo necessário garantir acesso às políticas públicas e ser viços de apoio existentes, de ma neira segura e eficiente para as ví timas. Cremos ser importantíssi mo o investimento em campanhas educativas e de conscientização, a contínua capacitação dos atores do atendimento das vítimas e a bus ca incessante por mecanismos efi cientes para proteger as vítimas da violência doméstica no Brasil, uti lizando a tecnologia, além de con tinuar investindo em políticas pú blicas de gênero, voltadas ao em poderamento das mulheres.

Uma política pública que tem se mostrado bastante eficaz na pro teção das mulheres, tem sido a Patrulha Maria da Penha, que tem contribuído com o sistema de jus tiça para coibir a reincidência e garantir a aplicação das medidas protetivas. Urge que essas políticas públicas sejam ampliadas, para que os direitos humanos das mu lheres estejam garantidos no nos so país, conforme preconiza a Lei Maria da Penha.

Dezembro 2022 Dfato 35

DEFENDENDO OS INTERESSES DOS MEMBROS DO MPPE

Oprincipal objetivo institucional da Associação do Ministério Público de Pernambuco é inte grar e defender os interesses dos membros do MPPE. Sendo assim, as lutas associativas são parte im portante do alicerce da AMPPE.

Defendendo os interesses dos as sociados, temos trabalhado in cansavelmente e somado con quistas importantes no âmbito das lutas associativas.

Entre as diversas pautas e lu tas travadas pela AMPPE junta mente com Associação Nacional dos Membros do Ministério Públi co (Conamp) e outras associações afiliadas, podemos dar destaque à regulamentação do Auxílio-saúde pelo Conselho Nacional do Minis tério Público (CNMP), regulamen tação da gratificação de acervo, tramitação do VTM, reforma elei toral e outras pautas.

Quanto ao Auxílio-Saúde, por exemplo, a partir de pleito da CO NAMP, o CNMP aprovou, à unani

midade, alterações na resolução do auxílio, reajustando o teto máximo de reembolso de 10% para 15%, bem como possibilitando o reem bolso de consultas particulares.

Outra luta associativa na qual a AMPPE tem trabalhado incansavel mente para a aprovação da PEC63, relativa a instituição da parce la indenizatória de valorização por tempo na Magistratura e no Minis tério Público (VTM).

Assim como a CONAMP e a Asso ciação dos Magistrados do Brasil, a Associação do Ministério Público de Pernambuco também está tra balhando com os nossos senado res para concentrar esforços, a fim de aprovar esta emenda.

A Presidenta da AMPPE, Deluse Amaral, tem ido presencialmente na Capital Federal reforçar o tra balho que vem sendo feito na ba se e intensificar o diálogo com os nossos parlamentares, em prol da reestruturação da nossa carreira e da dignidade vencimental.

Presidenta da AMPPE Deluse Amaral durante sessão do Conselho Deliberativo da Conamp em Brasília.
36 Dfato Dezembro 2022

CONFIRA A LISTA DAS LUTAS ASSOCIATIVAS DE DESTAQUE:

Regulamentação do Auxílio-Saúde pelo CNMP;

Acompanhamento da tramitação e julgamento de inúmeros PCA’s, ques tionando verbas pagas pelos MPs, a exemplo do Auxílio-Saúde, Auxílio Alimentação e outros;

Regulamentação da gratificação de acervo;

Tramitação do VTM;

Acompanhamento do PL extrateto;

Recomposição do subsídio;

Estatuto das Vítimas;

Nova Lei de Improbidade Administrativa;

Reforma Administrativa;

Novo CPP;

Reforma eleitoral;

PEC-05;

Atuação a fim de evitar o retrocesso institucional no MPSE, decorrente da aprovação de lei que restringia a capacidade eleitoral de promotores para concorrer a PGJ;

Participação ativa em diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que visam restringir o número de assessorias nos MPs;

Ajuizamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra Lei de Abuso de Autoridade, Art. 16 da Lei Maria da Penha, Lei da Violência Institucional, poder de requisição do delegado de polícia ao MP, nova Lei de Improbidade Administrativa, decreto do superendividamento, lei anti-crime e etc;

Acompanhamento de diversos processos junto ao CNMP, em matérias relacionadas à atividade fim, a exemplo: MP digital, trabalho híbrido, direito das vítimas e etc;

Atuação perante o Conselho Nacional de Justiça sobre temas como o trabalho presencial e a audiência de custódia;

Luta pelo reconhecimento da nossa atividade como risco inerente;

Acompanhamento do PL Mansueto;

Contagem do tempo de licença-prêmio durante a pandemia;

Pagamento do ATS;

Contestação a indevida cobrança de IRPF sobre pagamento de auxílio -moradia;

Atuação junto à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) a fim de me lhorar a legislação do embarque armado;

Atuação perante a DFPC do Exército para fins de viabilizar aquisição de armas e munições, bem como dos procedimentos para registro de arma de fogo;

Implementação de convênios para atender aos associados, a exemplo de: GLOCK, SIG Sauer, SLC Viagens, Latam, Gol, Seguros Unimed, Hotéis, Clínicas de Saúde e outros;

Formulação de parcerias com vistas a fortalecer a atuação dos membros do MP e estimular o desenvolvimento social e econômico, a exemplo do SEBRAE;

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Dezembro 2022 Dfato 37

GUSTAVO AUGUSTO RODRIGUES DE LIMA

Aproveitando o momento do re torno da publicação da Revista Dfato, que após um hiato de dois anos está de volta, resgatamos o projeto Memorial AMPPE. Antes realizado no formato audiovisual, o projeto - que tem como obje tivo registrar a memória viva da Associação por meio da história de seus associados - está de vol ta no formato texto + fotografias. Lembramos que é possível assistir aos demais episódios do Memorial AMPPE no canal da Associação no Youtube (https://www.youtube. com/@AMPPETV).

Nascido no Recife, no ano de 1945, o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Pernambuco Gustavo Augusto Rodrigues de Lima foi presidente da AMPPE durante

três biênios (1990-1992, 1992-1994 e 1996-1998). Figura sempre pre sente no Casarão da Benfica, sede administrativa da Associação, ele não poderia ficar de fora do qua dro Memorial AMPPE.

Confira a nossa conversa com o ex -presidente da AMPPE Gustavo Lima:

DFATO Como era a sua vida antes de ser Promotor de Justiça?

GUSTAVO LIMA Antes de ser promo tor eu advogava e dava aula de Di reito Administrativo em faculdades de Direito. Mas, antes disso, eu sa bia que tinha que ser promotor, já que não me via em outra profis são; Na época do concurso, tam bém abriram inscrições para a Ma gistratura e eu me inscrevi nos dois, mas logo que saiu o resultado do

"EU SABIA QUE TINHA QUE SER PROMOTOR, JÁ QUE NÃO ME VIA EM OUTRA PROFISSÃO."
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MEMORIAL AMPPE

concurso do MP, eu nem fui mais fazer a prova da magistratura.

DFATO O que o levou a se interessar pela área do Direito?

GUSTAVO Passei 28 anos no Minis tério Público e o que me motivou a seguir essa carreira foi uma coi sa que trago desde a infância, que era a minha percepção, meu de sejo pela Justiça. Talvez por alguns incidentes da infância, pela sen sação de injustiça que vivi em al guns momentos, eu tenha des pertado pra isso, para buscar um mundo mais justo. A infância é al go que marca muito a gente.

DFATO E como foi a sua carreira no Ministério Público? Em quais co marcas o senhor atuou?

GUSTAVO Comecei a minha carreira em Floresta, em 1978. Foi um bom começo porque era algo totalmente diferente pra mim. Eu tinha 34 anos e tinha muito entusiasmo. Pas sei quase quatro anos em Floresta, acumulando Petrolândia. De lá, dei um salto para a comarca de Bonito,

no Agreste. Eu passei bastante tem po lá, cerca de seis anos. Eu conci liava o trabalho em Bonito com as aulas na Faculdade de Direito, em Caruaru. No interior, eu fiz júri em Gravatá, Bezerros, Floresta, Bonito, era bem interessante.

De Bonito, eu vim para a capital, para trabalhar numa vara de deli tos de trânsito. Aqui, fiquei traba lhando com Criminal, com Execu ções Penais, Trânsito, Inquéritos.

DFATO O senhor pode contar um causo ou uma história interes sante que ocorreu na sua trajetó ria no MP?

GUSTAVO Ah, foram muitas histó rias. Como eu trabalhei bastan te com criminal, eu pude ver uma realidade muito chocante, prin cipalmente no que diz respeito à violência. Um inquérito bastante marcante pra mim foi o que inves tigava o Esquadrão da Morte, que foi o primeiro grupo de extermí nio de Pernambuco. Fui designa do para acompanhar essas inves tigações e foi bem marcante, até hoje me recordo.

Nessa época eu me deparei com uma criminalidade pesada, com bastante envolvimento de poli ciais, envolvimento de pessoas que encomendaram os crimes. Eu acompanhei casos pesados.

DFATO Como era o MP na época em que o senhor se tornou um mem bro da Instituição?

GUSTAVO Na época em que eu en trei no MP, a dificuldade atingia a gente de várias formas. Passar no concurso não era fácil e feita a no meação você ia para o interior por conta, como a gente fala. Não tinha Escola Superior do MP, então a gen te aprendia na tora, no dia a dia. A gente ia embora, não tinha aco lhida como temos hoje. Inclusive, essa acolhida aos novos promoto res foi algo que implementamos na

"EU ACHO QUE ACABAR COM A LISTA TRÍPLICE DEVERIA SER A LUTA DAS ASSOCIAÇÕES HOJE."
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Associação em 1990. A gente fa zia curso preparatório para a prova do MP e, depois que o pessoal era nomeado, fazíamos cursos prá ticos, já que não tínhamos uma Es cola Superior.

Havia essa dificuldade quando che gamos nas comarcas e tínhamos que aprender ali, pegando o pro cesso, lendo, contando com o au xílio dos escrivães, do pessoal que já tinha mais prática. Não tínha mos assessores, tínhamos apenas a máquina de escrever, faziamos tudo sozinhos. Era demorado, de mandava muito estudo.

DFATO O senhor é negro e se tornou um promotor de Justiça numa época em que não se discu tia o racismo institucional. Como era essa questão no seu dia a dia? GUSTAVO Naquela época, o racis mo, esse movimento que hoje em dia a gente vê, não se falava. Mas

eu tenho uma vivência minha e uma vivência herdada. Meu pai, Zé Vicente Lima, em 1934, já tinha se formado em Economia e era um autodidata em Sociologia e Antro pologia. Eu conservo a biblioteca dele até hoje e tem tudo o que vo cê quiser estudar, inclusive ques tões raciais. Meu pai fundou em 1936, a Frente Negra Pernambu cana, uma frente pioneira na luta contra o racismo. Em 1937, a frente foi transformada no Centro de Cul tura Afro-Brasileiro. O objetivo era garantir a escolaridade das pesso as negras, que naquela época era um problema seríssimo. Meu pai era muito atuante nessa luta por que teve oportunidade de estudar.

DFATO Qual foi a importância da vida associativa na sua trajetória no Ministério Público?

GUSTAVO Foi muito importante por que somente através da ativida de associativa é que você conse gue atingir os objetivos da própria classe. É imprescindível essa ati vidade. Eu lamento que hoje não tem o mesmo vigor de antigamen te. Naquele período éramos mui to combativos, houve uma mudan ça no perfil associativo. Eu tenho uma opinião acerca disso que afas tou um pouco a combatividade o fato de termos o procurador-geral com o mandato muito curto. Por que assim a procuradoria absorveu uma série de decisões que deixa pouco espaço para a associação e isso é complicado. Tudo gira muito em torno da procuradoria.

DFATO Quais as principais lutas encampadas pelo senhor na sua época na presidência?

GUSTAVO A luta pela autonomia da instituição foi algo forte na mi nha época. A gente lutou para tirar a escolha do Procurador-geral das mãos do Executivo para que a ins

"ESSA ACOLHIDA AOS NOVOS PROMOTORES FOI ALGO QUE IMPLEMENTAMOS NA ASSOCIAÇÃO EM 1990."
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tituição tivesse realmente autono mia e independência. Com o tempo isso ficou relativo, infelizmen te e, por isso, eu acho que acabar com a lista tríplice deveria ser a lu ta das associações hoje. Era para ser o mais votado pela classe e acabou.

A dignidade do salário também foi uma luta nossa. Nós tínha mos um salário muito distante do da Magistratura, a defasagem era grande. A isonomia salarial era o que buscamos.

Também buscamos fortalecer a nossa instituição. O Ministério Pú blico só veio se estruturar mesmo na década de 1990. Antes disso, funcionávamos quase que atre lados a uma secretaria de Justiça. Não tinha nem funcionário direito.

DFATO Como foi sua experiência no Tribunal de Justica?

GUSTAVO Foi muito boa porque eu vi como era o outro lado. Como Ma gistratura você decide e como Mi nistério Público você pleiteia. En tão, eu pude analisar os fatos com uma visão diferente de um magis trado de carreira.

Eu tive também uma passagem pe la Secretaria de Defesa Social, onde eu mantive um contato muito for te com a polícia. Sempre tive boas amizades com as duas polícias e na SDS pude conhecer o grande proble ma da segurança pública. É muito fácil criticar de fora, mas se você fi car perto daquele pessoal e souber da luta das pessoas, que têm famí lia, que vivem sob um estresse ab surdo, adrenalina a todo vapor, um dia a dia muito pesado.

Foi uma experiência bem diferente também. Passei quase quatro anos atuando na Secretaria de Defesa So cial à convite de Jarbas Vasconcelos.

"ME APOSENTEI COMO DESEMBARGADOR, MAS NUNCA ME DESFILIEI DA AMPPE. EU GOSTO DE ME SENTIR MINISTÉRIO PÚBLICO. EU DIRIA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO COMPLEMENTOU A MINHA FORMAÇÃO"

Me aposentei como Desembar gador, mas nunca me desfiliei da AMPPE. Eu gosto de me sentir Mi nistério Público. Eu diria que o Mi nistério Público complementou a minha formação. Os embates, a troca de ideias, sempre achei mui to interessante.

DFATO O senhor gosta do que vê quando olha para a sua jornada profissional e pessoal?

GUSTAVO Eu não tenho do que me queixar na minha vida.Tu do foi dando muito certo. Tenho meu hobby de praticar esportes até hoje. Jogo basquete, participo de campeonatos e conheci o Bra sil quase todo jogando. Comecei a jogar aos 15 anos. Joguei na épo ca da faculdade, mas passei uns 10 anos afastados do esporte en quanto estava no interior do Esta do atuando pelo MP. O Ministério Público me ajudou de um lado, o esporte me ajudou do outro. E aí eu olho e vejo que foi muito legal, as coisas foram dando certo.

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PERFIL

A MENINA QUE SONHAVA COM A JUSTIÇA

Ahistória que será contada aqui neste perfil originalmente par ticiparia do projeto Memorial AM PPE, onde, por meio dos registros textuais e fotográficos, buscamos registrar a memória da nossa ins tituição através das pessoas, dos nossos associados e das nossas associadas. Bem, a história que será narrada a seguir, precisou ser contada de outra forma, com outro foco. Aqui, vamos focar na menina.

A menina nasceu em Água Preta, na Mata Sul pernambucana, perto de Palmares. Aos três anos, foi vi ver na cidade de Joaquim Nabuco,

uma cidade pequena e não mui to distante do município onde ela nasceu, um lugar cercado por en genhos. Filha de Manoel Barbosa de Azevedo e Auta Martins de Aze vedo, era a mais velha de 11 filhos e, desde pequena, carregava con sigo um senso de responsabilida de enorme: precisava estudar, cui dar dos irmãos e trabalhar.

A mãe era dona de casa. O pai tra balhou como comerciante, mas em alguma altura da vida tornou-se oficial de Justiça e foi assim que se aposentou. O avô materno era um homem branco, filho de por

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A menina nasceu em Água Preta, na Mata Sul pernambucana, perto de Palmares.

"AQUILO ALI ERA UMA COMUNIDADE QUILOMBOLA E SÓ DEPOIS EU PERCEBI."

tugueses, um homem muito in teressante. Já a avó materna era uma mulher negra, neta de escra vizados. Desta parte da família a menina guarda lembranças mui to especiais, como das passagens por Xexéu, que hoje é uma cida de, mas há 72 anos atrás era uma espécie de sítio. A infância feliz, muito tem relação com a vida no quilombo, lugar que só mais tarde a menina veio identificar como tal.

“Quando eu paro pra me lem brar daquele sítio, eu percebo que aquilo lá era um Quilombo. Nin guém falava isso porque não exis tia essa ideia. Isso tem a ver com falta de identidade. A construção da nossa história, das nossas me mórias foi negada. Meus avós e seus filhos moravam todos ali nas proximidades. Eram cinco homens e duas mulheres e moravam todos ali, reunidos. Eles tinham uma ca sa de farinha enorme, plantavam abacaxi, banana, laranja. Meu avô vendia no comércio o que eles co lhiam. Aquilo ali era uma comu nidade quilombola e só depois eu percebi ”, conta a menina.

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Das memórias mais singelas, ela nunca esqueceu do dia em que foi levada pelo pai ao sítio para co nhecer a bisavó. “Era uma quin ta-feira santa. Eu tinha uns oito ou nove anos e fui na garupa do meu avô, a cavalo. Eu me lembro de tudo, esse momento era muito importante para mim. Chegando lá, meu avô me disse “olhe, hoje você vai conhecer a sua bisavó”. E eu percebi que era muito impor tante. Cheguei lá e vi minha bisavó, uma senhora bem branquinha dos olhos azuis, já acamada, cega, e meu avô disse “olha, mãe, trou xe uma neta sua para a senhora conhecer. Adivinhe de quem ela é filha”. Meu avô me sentou per to dela, ela tocou meus cabelos e disse “Já sei! É filha de nega, não é?”. Pelo meu cabelo crespo ela já reconheceu. Nega era o apelido da minha mãe, que era a mais pre tinha entre os irmãos dela”, diz.

Além do senso de responsabilida de aflorado, sempre teve um sen so de justiça muito forte. Na es cola, como era a irmã mais velha, defendia os irmãos nas brigas. Por falar em briga, a menina enfren tou desde nova a batalha contra o racismo, mesmo que na época não tivesse este nome. Ela sabia que recebia um tratamento diferen ciado - de forma negativa. Nun ca recebeu um afago da professora quando os outros alunos lhe ata cavam física e psicologicamente.

“Eu sabia que tinha um motivo para aquilo acontecer. Você é uma criança inocente, mas vê que eles não faziam com os outros, com os

que tinham a pele clara. Aquilo me incomodava, mas eu não ti nha uma palavra pro nome da quilo que eu sentia. O racismo é cruel”, conta

Nessa altura do campeonato, acho bom revelar que a garota da nossa história é muito inquieta. Ela é, na verdade, incansável, mas diz que gostaria de descansar. Hoje em dia, ainda garota, ela conta que come çou a aprender a tocar violão e que gosta de tocar músicas de artistas da MPB. Ah, também gosta muito de curtir seu pai, que hoje já tem 94 anos e é lúcido e faz atividade física, assim como ela.

Como nunca foi de ficar parada, conseguiu estudar sozinha pa ra a prova de um dos vestibulares mais concorridos de Pernambuco. Sem cursinho e enquanto concilia va estudo no colégio e trabalho, ela conseguiu: foi a primeira pessoa de sua família a estudar numa univer sidade. Fez Direito na UFPE.

Não foi fácil. A menina precisou sair de casa para morar na capi tal com uma amiga de sua cida de. Enquanto estudava, ela pres tou concurso para o Banco do Es tado de São Paulo. E passou. E foi morar em Salvador, na Bahia. Foi ser bancária enquanto estudava Direito, agora na UFBA, para onde transferiu seu curso.

A menina viveu uma boa vida em Salvador. Teve bons amigos. Teve um bom emprego. Mas chegou a hora de voltar para o Recife e se tornar o que nasceu para ser: ins

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trumento para dar voz a pessoas como ela. Pessoas negras, mulhe res, quilombolas, indígenas, ido sos, crianças, jovens, pessoas de vários gêneros. Foi para essas pes soas que ela destinou a sua luta. Com isso, sempre lutou por res peito, pelo fim da violência e por garantia de direitos. Fez na vida profissional o que fazia, em outro nível, na escola, quando viu seu senso de justiça nascer.

E foi aí que a nossa menina virou uma grande menina. Não que já não fosse potente e especial, mas é que aí ela virou promotora de Justiça e impactou a vida de mui ta gente. Criou um Grupo de Traba lho para discutir o racismo, aque le mesmo problema que a acom panha desde pequena. Dessa vez, ela queria discutir o racismo no seu ambiente de trabalho. E foi vanguardista quando fez isso. Ho je, integra um grupo nacional pa ra discutir o preconceito racial no âmbito do Ministério Público. Não só isso, pois como já sabemos, ela é incansável, e integra diversos outros grupos, conselhos, núcle os. Ela também não nega entre vistas, nem participações em pa lestras, seminários. Ou melhor, às vezes nega, mas só quando está muito cansada.

A menina desta história se chama Maria Bernadete Martins de Aze vedo Figueiroa e tem 72 anos. Pro curadora de Justiça aposentada do Ministério Público de Pernam buco. Aqui, acho bom acrescen tar que foi mãe aos 42 anos, numa gravidez tranquila, com um par

to ótimo, como ela mesma con ta. Também se casou com um ho mem muito especial, um verda deiro parceiro. Um homem inteli gente e que a amava muito.

Quem a conhece, sabe, parece que ela está só começando na luta. E foi por isso que resolvemos falar da menina. É com olhos ávidos que ela olha o mundo. Os ideais continu am os mesmos, o frescor que trans mite é de quem mal começou a vi ver, pois ainda tem muito a fazer e a conquistar. A sua luta é grande, mas é travada por muitas e muitos. A sua luta é justa e muito digna, deve ser por isso que ela não envelhece.

Sonhos não envelhecem.

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"AQUILO ME INCOMODAVA, MAS EU NÃO TINHA UMA PALAVRA PRO NOME DAQUILO QUE EU SENTIA. O RACISMO É CRUEL."

20 ANOS COMBATENDO O RACISMO INSTITUCIONAL

Nascido numa época em que a palavra racismo era pratica mente vista como um palavrão, o Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo do Ministério Público de Pernambuco chega aos seus 20 anos de atuação com sua existência cada vez mais necessária. Criado em 2002, por meio de uma portaria da Procuradoria-geral de Justiça, o GT foi criado para ser um instrumento no diálogo sobre o racismo institu cional, promovendo ações junto aos membros do MP. Já em 2022, com o país inflamado pela intolerância e pelo preconceito, o trabalho do GT, que nunca deixou de ser importan te, torna-se ainda mais relevante.

Fundado pela Procuradora de Jus tiça Maria Bernadete Figueroa, que

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se aposentou em 2019, o GT Racis mo do MPPE foi pioneiro no Brasil na iniciativa de construir estraté gias de enfrentamento ao racismo por meio da discussão, sensibili zação e capacitação de membros e servidores.

“O GT Racismo surgiu nos anos 2000 por conta das demandas que foram chegando com a Conferên cia de Durban, em 2001, na África do Sul.O evento trouxe essa agen da e mostrou que era preciso que as instituições combatessem o ra cismo. Não existia essa pauta sen do trabalhada de forma institucio nal. Então, o Brasil foi signatário dessa agenda de compromissos e, a partir daí, o país se comprome teu a combater o racismo, a reco

nhecer o racismo como uma feri da da nação, a acolher a agenda da população negra que vinha há anos e anos falando dessa luta e não era ouvida institucionalmen te”, conta Maria Bernadete.

O início do GT foi marcado pela re alização de oficinas de conscien tização e conhecimento acerca da existência do racismo estrutural. Mas, de acordo com uma das atu ais coordenadoras do Grupo, Ivana Botelho, esta situação ainda não pode ser tida como algo que não é mais necessário.

“A conscientização é feita constan temente. Ela tem que ser perene. Ainda vivenciamos muitas práticas racistas que se reproduzem diaria

Ivana Botelho (centro), umas das atuaiz coordenadoras do GT Racismo.
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QUE FORAM CHEGANDO COM A CONFERÊNCIA DE DURBAN,

mente nas instituições. Ao lado dis so, estamos sempre apoiando pro motoras e promotores de Justiça com material para subsidiar atua ções na defesa dos direitos das po pulações quilombolas, na busca da igualdade racial, entre outras. Exis te também o Projeto “Nossos Passos vêm de Longe”, que tem por obje tivo criar um cadastro com diversas informações sobre as comunidades tradicionais quilombolas e indíge nas, as quais serão entregues aos colegas, para fins de conhecimen to e fundamentação da atuação do Ministério Público de Pernambuco. É importante destacar que os cole gas com atribuição nas cidades on de existem tais comunidades parti cipam da execução do projeto desde a primeira reunião com integrantes destas”, afirma Ivana Botelho.

Para além da atuação voltada para dentro da instituição, o grupo man tém as portas para o movimento so cial abertas, com a realização de au diências públicas e do contato atra vés de palestras e seminários.

“Durante essas duas décadas, discutimos a questão da intole rância religiosa, que na verdade é o racismo religioso, falamos so bre o genocídio da juventude ne gra, fizemos uma grande audiên cia pública com o povo Quilombo la lá no sertão, em Serra Talhada, que foi uma coisa linda. Já fize mos muita coisa e ainda tem mui to o que ser feito”, diz Bernade te Figueroa.

Em momentos de crise da demo cracia e do crescimento da pola rização e da intolerância, tem si do possível perceber o crescimen to no número de casos de racismo no país. Nessas horas, o trabalho de grupos como o GT racismo se mostra imprescindível, já que, por meio da conscientização, as pes soas passam a denunciar e a re pudiar esse tipo de crime.

“O racismo estrutural está cada dia mais reconhecido como fato. No MPPE não é diferente. Por ou tro lado, há necessidade de sem

"O GT RACISMO SURGIU NOS ANOS 2000 POR CONTA DAS DEMANDAS EM 2001, NA ÁFRICA DO SUL." Maria Membros e membras do GT Racismo do MPPE.
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"A CONSCIENTIZAÇÃO É FEITA CONSTANTEMENTE. ELA TEM QUE SER PERENE."

PROMOTORA DE JUSTIÇA | Ivana Botelho

pre discutirmos o problema, in clusive e principalmente, para nos prepararmos, enquanto Institui ção, a dar, à sociedade, os servi ços que ela nos demanda”, conclui Ivana Botelho.

Atualmente, compõem o GT Racis mo do MPPE: as coordenadoras, as promotoras de Justiça Helena Ca pela Gomes Carneiro Lima e Ma ria Ivana Botelho Vieira da Sil va. Os promotores e as promoto ras de Justiça: Dalva Cabral de Oli veira Neta (Coordenadora do CAOP Cidadania), Irene Cardoso Sousa, Maísa Silva Melo de Oliveira, Mi lena de Oliveira Santos do Carmo, André Felipe Barbosa de Menezes, Edgar Braz Mendes Nunes (Coor denador da Central de Inquéritos da Capital), José Roberto da Sil va, Marco Aurélio Farias da Silva e Roberto Brayner Sampaio. Os ser vidores e as servidoras do MPPE: Bruno César Barros Bastos, Izabe la Cavalcanti Pereira, Shirley Gon çalves do Nascimento e Victor de Albuquerque Lima.

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DUAS DÉCADAS DE TRABALHO

P

odemos contabilizar muitas ações, projetos concretizados e metas alcançadas após 20 anos de trabalho no GT Racismo do MPPE. No entanto, estamos longe de po der festejar. A avaliação deve con siderar o esforço dedicado em cada atividade realizada, sem excluir a análise da efetividade e do cenário atual em que constatamos retro cessos inimagináveis.

É importante tentar compreender o que aconteceu nesta quadra da história e inserir o Ministério Pú blico brasileiro na reflexão. Se por um lado testemunhamos resulta dos exitosos do programa de com bate ao racismo institucional em que o MPPE foi protagonista[1], por outro constatamos que a revolu ção prometida a partir da Lei nº 10.639/03 ainda não aconteceu[2]. Temos a favor as ações afirmati vas e a política de cotas nas uni versidades e nos concursos[3], mas também assistimos perplexos ao crescimento de grupos neonazis tas ou supremacistas brancos no Brasil nos últimos anos[4].

Evidente que o fenômeno deste movimento pendular é comple xo e multifatorial. Não me arris co a explicá-lo. Mas enquanto não

convencido do contrário, enxergo ao menos uma das causas, senão a principal delas, no fato de a nos sa sociedade não ter conseguido se libertar do passivo da injusti ça provocada pelo sequestro e es cravização de um povo. A repara ção nunca aconteceu, verdadeira mente. Quem deve, não pretende pagar. A ferida permanece aberta. No bojo de uma reação negacio nista, a crueldade do discurso da meritocracia se fortaleceu.

As ações do Ministério Público bra sileiro não foram suficientes pa ra enfrentar e reduzir significati vamente o racismo como elemento estruturante das desigualdades. O preconceito e a discriminação ra cial não foram abalados e produ ziram cenas ainda mais tenebro sas. O discurso de ódio ganhou as “redes” e os locais de convivên cia, despudoradamente. Alguns defendem que tudo é possível sob o manto da liberdade de ex pressão. Muitos exemplos sinali zam para esta constatação. Em um bem recente, líder religioso Cris tão, durante um culto transmiti do pela internet após o resultado da eleição 2022 para presidente, vociferou que os nordestinos são “preguiçosos” e “gostam de viver

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ROBERTO BRAYNER SAMPAIO é 21ª Promotor de Justiça Criminal da Capital e expresidente da Associação do Ministério Público de Pernambuco

"O

MINISTÉRIO PÚBLICO TEM TUDO A VER COM O DEBATE. É NOSSO PAPEL DEFENDER O REGIME DEMOCRÁTICO, PROMOVER DIREITOS HUMANOS E COMBATER AS DESIGUALDADES."

de migalhas”[5]. Noutro, exibido no programa Fantástico da Rede Globo dia 06.11.2022[6], adoles centes de uma escola de elite em São Paulo, também motivados pe lo resultado da eleição, exibiram o quão doentes estão.

O Ministério Público tem tudo a ver com o debate. É nosso papel de fender o regime democrático, pro mover direitos humanos e comba ter as desigualdades.

Podemos buscar o reconhecimento público por um ciclo de muito tra balho e entregas à sociedade, mas também é preciso dizer que nos sa instituição permanece com sal do devedor elevado. A autocrítica é fundamental. Façamos sem me do do que vem pela frente.

[1]https://www.mppe.mp.br/mppe/ images/Livro10web.pdf

[2]https://www.ufrgs.br/ humanista/2018/09/10/lei-10-639completa-15-anos-na-educacaobrasileira-ainda-com-dificuldadesde-implantacao/

[3]https://agenciabrasil.ebc.com. br/educacao/noticia/2018-05/cotasforam-revolucao-silenciosa-no-brasilafirma-especialista

[4]https://noticias.uol.com.br/saude/ ultimas-noticias/redacao/2022/01/17/ grupos-neonazistas-se-espalhampelo-brasil-e-crescem-270-em-3anos.htm

[5]https://revistaforum.com.br/ politica/2022/11/6/video-pastorde-igreja-batista-prega-contranordestinos-incita-odio-ao-povo-daregio-126039.html

[6]https://globoplay.globo. com/v/11101829

Dezembro 2022 Dfato 51
Reunião do Grupo de Trabalho contra do Racismo do MPPE.

ENCONTRO COM A AMPPE

AMPPE MAIS PERTO DOS ASSOCIADOS E DAS ASSOCIADAS

Aproximar-se. É com esse obje tivo que a Associação do Mi nistério Público criou e está rea lizando o Encontro com a AMPPE.

Levando em consideração a dis tância física para associados que atuam no interior, a Associação, representada pela presidenta De luse Amaral, está visitando as pro motorias localizadas fora do Reci fe. Assim, a distância é encurtada, a troca de ideia é enriquecida e a presença fortalecida.

O primeiro Encontro com a AMPPE foi realizado no dia 19 de outu bro, na 2ª Circunscrição, com sede em Vitória de Santo Antão. Nesta primeira edição, além da presi denta, o diretor financeiro, Suel

do Cavalcanti, também acompa nhou o Encontro. Em vitória, a diretoria teve a oportunidade de conversar com os colegas Manuela Capistrano, Lucile Girão, Russeaux Vieira, Francisco Assis, João Alves, Fernanda Nóbrega e Soraya Du tra, e levar atualizações da pauta vencimental e da atual conjuntu ra política que atinge diretamen te os interesses do Ministério Pú blico brasileiro.

Já a segunda edição do Encontro com a AMPPE foi na 6ª Circuns crição, com sede em Caruaru. No vamente foi possível compartilhar com os colegas sobre as lutas as sociativas, além de ouvir suges tões e prestar contas do trabalho da Associação.

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Diretoria da AMPPE visitou as circunscrições com sedes em Vitória de Santo Antão e Caruaru.

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As cliclofaixas ligam a zona norte à zona sul do Recife.

TURISMO

TURISMO BAIRRISTA: UM GUIA PARA APROVEITAR O RECIFE NOS FINAIS DE SEMANA

Com o fim do isolamento social que se fez necessário por causa da pandemia da Covid-19, chegou a hora de voltar a ocupar os es paços. Recife sempre foi uma boa pedida para turistas, seja pela sua riqueza cultural, ou pela be leza do mar, das suas pontes e dos seus rios. Mas, como o novo sempre vem, a capital pernam bucana também passou por mu danças durante a pandemia. Es tabelecimentos fecharam, novos lugares surgiram; velhos hábitos foram retomados, e novas práti cas foram adquiridas.

E aí, vamos dar uma voltinha pe la maior e melhor cidade em linha reta da América Latina?

PARA CURTIR A CIDADE SOZINHO OU ACOMPANHADO:

Curte pedalar? Atualmente, o Re cife possui 169 km de malha ci cloviária, entre ciclovias, ciclofai xas e ciclorrotas. Aos domingos, é possível fazer um roteiro legal e pedalar até o Marco Zero, por

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exemplo, tanto de bicicleta pró pria, quanto alugando uma ma grela em pontos como o Parque da Jaqueira, Praia de Boa Viagem e até no próprio Recife Antigo.

No percurso, dá pra parar num ca fé, numa lanchonete, ou até num quiosque para se refrescar toman do uma água de côco geladinha!

Gosta de ver um bom filme, mas quer sair do óbvio e evitar a gran de movimentação dos shoppings? Pois saiba que no Recife existem cinemas de bairro interessantíssi mos como o Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, que conta com três unidades (No Derby, na Fun dação Joaquim Nabuco e no Porto Digital) e como o Cinema São Luiz, que é, sem dúvidas, um dos mais belos cinemas do país. Ambos os cinemas cobram preços acessíveis e apresentam programações que fogem do óbvio, vez ou outra exi bindo filmes históricos como Cen tral do Brasil.

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Parque das Graças é uma excelente opção de lazer para crianças e adultos.

Em uma cidade cercada por águas, nada mais justo do que fazer um passeio pra lá de agradável pelo Rio Capibaribe. É possível combi nar previamente um passeio inti mista (de 2 a 10 pessoas, por exem plo) com barqueiros do Marco Zero, mas também dá pra fazer o pas seio em grupos maiores que saem do Catamarã. Uma sugestão da Dfa to é realizar a programação ao en tardecer, para contemplar o pôr do sol diretamente do Rio Capibari be, sob as pontes da cidade. Para quem quiser agendar um passeio mais intimista, sugerimos o perfil @recifeoriginalstyle no Instagram.

Tem criança e quer aproveitar o dia em um parque agradável, com espaço para um picnic ou para fa zer uma festinha de aniversário?

O Parque das Graças é uma ótima pedida! Lá tem espaço para ali mentação, tem playground, tem contato com a natureza, e o visi tante ainda corre o “risco” de en contrar famílias de capivaras por

lá! É um equipamento de lazer novo, às margens do Capibaribe, ideal para um passeio em família.

Bateu a fome e deu vontade de conhecer restaurantes ao ar livre?

Aqui vão algumas sugestões: Res taurante Arvo, Reteteu, Cajá, Co zinha Olegária, Terraço Capibaribe, Restaurante São Pedro e Manu Te nório Culinária Saudável.

Restaurante Reteteu oferece ótimas opções de comida nordestina com toque requintado.
GRADUAÇÃO Arquitetura e Urbanismo Engenharia de Software Gestão de Tecnologia Convênios internacionais e parte integrante do ERAMUS MUNDUS e ELPIS 16 Instituição ACOLHEDORA e EXCELÊNCIA em orientação ACADÊMICA Cerca de 70% dos ex-alunos estão no mercado de trabalho .

Especializações e MBA em: 8 1 4 1 2 CURSOS 1

MESTRADO

História Do Pensamento Jurídico Historicidade dos direitos fundamentais

A linha de pesquisa Historicidade dos Direitos Fundamentais comporta investigações nas três gerações dos direitos fundamentais, o que dá uma invulgar riqueza temática às pesquisas delas decorrentes. Aponte a câmera ou acesse o link www.faculdadedamas.edu.br (81)99596-0049 faculdadedamas faculdadedamasrecife Av. Dr. Malaquias, 255 - Graças, Recife - PE, 52050-060

PÓS-GRADUAÇÃO
A linha de pesquisa História das Ideias Penais comporta os diversos tópicos de investigação, tendo todos eles como característica a sua vinculação com a violência da pena, traduzida como resposta à violência do crime. Consulte as condições exclusivas para a Associação do Ministério Público de Pernambuco (AMPPE).
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