Nº 400 Edição Brasil

Page 1

Nº 400 Junho/2011

Crise política: Palocci, o homem forte do governo, na berlinda ENRIQUE IGLESIAS JUAN SOMAVÍA KLAUS SCHWAB LUIS ALBERTO MORENO MAC

www.americaeconomiabrasil.com.br

SOBRE A AMÉRICA LATINA

AméricaEconomia

EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO – 25 ANOS

BRASIL

ISSN 1414-2341

REFLEXÕES EXCLUSIVAS

No 400 JUN./2011 R$ 8,90

MARGOLIS PETER HAKIM:

Edição de Aniversário AE 400 opcoes capas2 V1.indd 2

6/1/11 12:16:53 PM






nesta edição América & o mundo

Economia & comércio Futuro da economia É preciso reagir agora Opinião – Luis Alberto Moreno A segunda onda multilatina Gráficos A boa fase em números Indústria automobilística Os desafios do crescimento Opinião – Klaus Schwab A década da América Latina Opinião – Angel Gurría Cruzada pela inovação FMI depois de Strauss-Kahn Uma cadeira cobiçada Opinião – Norman Anderson Uma ponte para o futuro Infraestrutura integrada América Latina ainda patina

42 46 48 50 54 56 59 60

Opinião – Enrique García A armadilha da média renda Opinião – Caio Megale A virada de mesa do Brasil Moedas História das mudanças monetárias

Mercosul na berlinda Bloco tem poucos avanços Opinião – José Miguel Insulza Os pecados do triunfalismo Opinião – Alex Laskey Hora de apagar a luz Opinião – Alicia Bárcena O que vem depois dos 60? Opinião – Heraldo Muñoz Como equilibrar os pratos? Amazônia O risco de o verde virar pó Opinião – Juan Somavía Trabalho e crescimento Agricultura na América Latina Setor terá de se reorganizar

Líderes do futuro

64

Personalidades em transformação As novas caras do poder

Foto: Shutterstock

12 15 16 18 20 22 24 26 28 30 32 33

Bolsas & mercados

34 37 38 40

O Opinião – John C. Edmunds Um afago nas finanças Opinião – Enrique Iglesias Otimismo com cautela Opinião – Victor Esquivel A rota do dinheiro Opinião – Guillermo Larraín Até quando esperar?

6 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Nesta Edio.indd 2

01.06.11 00:35:57


Análise & debate A

68 71 72 76 78 80 82 84 86 88

Mudanças na política A força da soberania Opinião – Mac Margolis A democracia está nos detalhes Escândalo em Brasília O enriquecimento de Palocci Opinião – Andreas Schleicher Educando os mestres Opinião – Peter Hakim A região deixa o fundo do poço Opinião – Mark Hanis O ativismo no DNA e na rede Mundo perigoso Gastos militares em alta Opinião – Robson Sávio Reis Souza Desarmar a população é pouco Saúde Como comparar padrões diferentes Opinião – Saskia Sassen A cidade interconectada

Tecno & futuro

90 92

Ataque dos geeks A busca pela inovação Opinião – Diego Anesini O futuro chega rápido

Artes & cultura

94 96 98

Moda Lucro nas passarelas Mídia Novos caminhos para a comunicação Futebol Cifras dentro e fora de campo

Março, 2011 AméricaEconomia 35

AE 400 Nesta Edição V2.indd 3

01.06.11 14:49:38


cartas QUALIDADE Informação é o elemento-chave para o posicionamento e a tomada de decisão de qualquer pessoa, em qualquer ramo de atividade. Ter uma informação correta, verdadeira e justa é a única maneira de tomar a decisão acertada e formar opiniões consistentes. A revista AméricaEconomia tem sido essa fonte inestimável de consulta sobre informação digna de nota relativa ao novo continente. Com qualidade e credibilidade, transformou-se em valoroso aliado de todos aqueles que se interessam pela evolução dos fenômenos ocorridos nas Américas e em sua fiel interpretação.” ROBERTO RODRIGUES, COORDENADOR DO CENTRO DE AGRONEGÓCIO DA FGV-EESP E EX-MINISTRO DA AGRICULTURA

CREDIBILIDADE Gostaria de parabenizar a revista AméricaEconomia pelo aniversário de 25 anos. O seu sucesso de longo prazo está vinculado à relevância e à credibilidade da publicação em toda a região.” PAOLO PIGORINI, VICE-PRESIDENTE E SÓCIO DA BOOZ & COMPANY PARA A AMÉRICA LATINA

MUNDO GLOBAL O nascimento da revista AméricaEconomia aconteceu apenas um ano antes da chegada da BT à América Latina. Temos vivido com a mesma paixão um período no qual a transformação da região tem sido a maior e mais rápida da história. No setor de novas tecnologias, temos contribuído decisivamente para criar um mundo global. E, da mesma forma que a BT e todo o setor de tecnologia experimentaram uma forte evolução nos últimos dez anos, a AméricaEconomia também teve de se adaptar às demandas de um leitor cada vez mais exigente na era da informação. Desejo à revista um feliz aniversário e força para encarar os desafios apresentados pela indústria editorial.” LUIS ALVAREZ, PRESIDENTE DA BT GLOBAL SERVICES EMEA & LATIN AMERICA

DESAFIOS A revista AméricaEconomia trata com seriedade e competência os temas econômicos, políticos e de negócios ligados à América Latina. Ao prover informações de qualidade e análises sóbrias aos leitores do Brasil e dos países vizinhos, a revista tem contribuído, ao longo dos últimos 25 anos, para a integração econômica da região, uma das que mais cresceram no mundo nas últimas décadas e, por isso, enfrenta grandes desafios. Parabéns à AméricaEconomia por este primeiro quarto de século de bons serviços prestados.”

INFORMAÇÃO

REFERÊNCIA

A revista AméricaEconomia é bastante agregadora ao cenário latino-americano e mundial e desenvolve uma perspectiva global dos mercados. A publicação fornece excelentes informações e análises, ajudando os empresários e executivos a tomarem a melhor decisão. Seu formato digital também proporciona a divulgação dos relatórios e notícias online para todo o mundo, o que aumenta ainda mais a visibilidade macroeconômica da região.”

ROBSON BRAGA DE ANDRADE,

CHARLES TANG, PRESIDENTE DA

PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO

CÂMARA DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA

Ter sido capa de uma das edições de 2011 da revista AméricaEconomia foi uma grande honra e, sem dúvida, um grande destaque na minha carreira profissional como CEO da Jequiti e vice-presidente do Grupo Silvio Santos, já que esta publicação é referência no universo dos negócios em toda a América Latina. Parabenizo toda a equipe por estes 25 anos de existência, e desejo que a revista continue sendo sinônimo de conteúdo inteligente e de qualidade gráfica e editorial, além de ferramenta-chave para a visão de negócios e destaque em economia.”

NACIONAL DA INDÚSTRIA (CNI)

BRASIL-CHINA

LÁSARO DO CARMO JÚNIOR, CEO DA JEQUITI E VP DO GRUPO SILVIO SANTOS

DEMOCRATIZAÇÃO Ao longo dos últimos 25 anos, a AméricaEconomia fez parte do processo de crescimento econômico e de democratização da região. A leitura da revista é imprescindível para os que desejam estar informados com profundidade e imparcialidade sobre a agenda política e econômica da América Latina.”

Fale com a redação: Envie sugestões e comentários para a revista AméricaEconomia Brasil:

americaeconomia@springcom.com.br

ROBERTO RÍOS, PRESIDENTE DA DIVISÃO DE ALIMENTOS DA PEPSICO DO BRASIL

8 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 cartas.indd 2

5/31/11 5:58:25 PM


Redução de 30%* na conta de energia de suas instalações industriais é apenas o começo. Imagine o que podemos fazer em toda a sua empresa. Administrar o ambiente operacional complexo de instalações industriais não é uma tarefa fácil. Com o aumento dos custos de energia e normas ambientais, está cada vez mais difícil manter o volume de produção, minimizar o tempo de interrupção e alcançar suas metas de eficiência. A Schneider Electric™ tem a solução: a arquitetura de gestão energética EcoStruxure™, para maximizar o desempenho operacional e a produtividade com novos níveis de eficiência energética. Hoje, a base das instalações industriais; amanhã, toda a empresa.

Redução dos custos de energia nas instalações industriais e mais

Hoje a EcoStruxure é a única arquitetura que consegue reduzir o consumo de energia em até 30% em instalações industriais e mais: nos data centers e edifícios de toda a sua empresa. Reduzir o consumo de energia de instalações industriais em até 30% é um ótimo começo mas, graças à arquitetura de gestão energética EcoStruxure, as economias não têm que acabar aí.

Arquitetura de gestão de energia ativa da planta ao plugue™ Edifícios A integração inteligente de sistemas de segurança, alimentação, iluminação, distribuição elétrica, proteção contra incêndios, HVAC, TI e telecomunicações em toda a empresa permite reduzir os custos de treinamento, operação, manutenção e energia.

Data Centers Desde um rack ou uma fileira deles até o edifício, o conjunto de colunas, a sala e até o edifício, o consumo e a disponibilidade de energia são monitorados detalhadamente e ajustados em tempo real.

Aprenda a economizar energia com os especialistas! Baixe este white paper, que vale R$ 385,00 GRÁTIS e inscreva-se para concorrer a um iPad®! Visite www.SEreply.com Código 68452D Ligue para 0800 7289 110 V

Instalações industriais Os protocolos com normas abertas permitem a gestão de processos automatizados em todo o sistema, reduzindo o tempo de interrupção, aumentando o volume de produção e maximizando a eficiência energética.

30% *A arquitetura EcoStruxure reduz o consumo de energia em até 30%. ©2011 Schneider Electric. All Rights Reserved. Schneider Electric, EcoStruxure and Active Energy Management Architecture from Power Plant to Plug are trademarks owned by Schneider Electric Industries SAS or its affiliated companies. All other trademarks are property of their respective owners. Av. das Nações Unidas, 18.605 - Santo Amaro - CEP 04753-100 - São Paulo, SP. • 998-2759_BR

BASE PAGINA COMPLETA.indd 1

20/05/2011 16:33:38


carta ao leitor

Educar para crescer

E

sta é uma edição especial, pois não é sempre que uma revista completa 25 anos. Para celebrar a data, queríamos fazer algo diferente, mas que

não falasse apenas do passado. Então decidimos fazer o exercício de imaginar como estará a América Latina daqui a 25 anos, em 2036. Convidamos

BRASIL www.americaeconomiabrasil.com.br

PUBLISHER José Roberto Maluf CONTEÚDO Diretora de Redação: Tatiana Engelbrecht Editora Executiva: Paula Pacheco Diretora de Arte/Projeto Gráfico: Janaína Diniz Repórter: Graziele Dal-Bó Editora do Site: Adriana Chaves Revisão: Assertiva Produções Editoriais Produção Gráfica: Eduardo Keppler Colaboradores: Paulo James Woodward (assistente de arte), Francisco Lobo (infografia) e Vértice Translate (tradução) COMERCIALIZAÇÃO Diretor Comercial: Mauro Machado – mauro@springcom.com.br Executivos de Contas: Nagibe José Adaime – nagibe@springcom.com.br Samantha Martinez – samantha@springcom.com.br Simone Oliveira – simone@springcom.com.br MARKETING Marcia Leonardi e Elisangela Silva ADMINISTRATIVO/FINANCEIRO Diretor Executivo: Eduardo Colturato Gerente Financeiro: Edison Arduino CIRCULAÇÃO Rafael Borsanelli Pré-impressão: First Press Periodicidade: Mensal (Junho de 2011) CTP, impressão e acabamento: IBEP Gráfica

nomes de peso nos cenários político, econômico e social para fazer suas apostas sobre o que o futuro reserva à nossa região. Além de um esforço conjunto das equipes de todos os países onde a AméricaEconomia está presente, juntaram-se a nós Luis Alberto Moreno, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); Klaus Schwab, presidente executivo do Fórum Econômico Mundial; Angel Gurría, secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); Enrique García, presidente da Corporação Andina de Fomento (CAF); e José Miguel Insulza, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), entre muitas outras valiosas contribuições, que fazem desta uma edição daquelas para guardar. Com certeza, muito do que a região vivenciará nos próximos anos está em nossas páginas. Entre tantas reflexões, uma certeza: a América Latina precisa priorizar e ampliar o investimento em educação, do contrário, não conseguirá manter seu crescimento no longo prazo. Embora todos reconheçam os avanços sociais, políticos e econômicos, sabemos que, em educação, temos muito pouco – ou nada – a comemorar. E não há desenvolvimento sem educação, pois é ela que permite a uma sociedade inovar, gerar empregos e profissionais de qualidade, encontrar soluções para preservar o meio ambiente, aumentar a produtividade e combater a desigualdade social. Temos um longo caminho pela frente. Mas não podemos menosprezar o potencial de nossa região, afinal, nos últimos 25 anos a América Latina alcançou sua maior vitória: a democracia. E, em um ambiente democrático, com empenho do poder público, da iniciativa privada e da sociedade civil é

Circulação auditada por:

possível fazer imensos progressos rumo a um ensino de qualidade e em sin-

SPRING EDITORA-PRODUTORA Rua Ferreira de Araújo, 202, 7o andar – CEP: 05428-000 São Paulo/SP – Tel.: 11 3097-7666 Site: www.springcom.com.br E-mail: contato@springcom.com.br

tonia com as exigências do mundo moderno.

AMÉRICAECONOMÍA INTERNACIONAL Diretor: Elias Selman Carranza Vice-presidente Executiva: Gloria Landabur C. Diretor Editorial: Felipe Aldunate M. Editores: Fernando Chevarría (Lima), Juan Pablo Rioseco e Carlos Tromben (Santiago), Karen Correa e Pamela Velasco (Guaiaquil) Diretor de Arte: Álvaro Araya Urquiza Editor de Fotografia: Miguel Candia Diretor Global de Marketing e Vendas: José A. Serrano Chefe de Operações: Matías Agurto

democrático. Caso contrário, como explicar que o homem mais influente do

AMÉRICAECONOMÍA INTELLIGENCE (Estudos e Projetos Especiais) Diretor: Jaime Contreras Soria Pesquisador Sênior: Andrés Almeida Analista: Catherine Lacourt e Rodrigo Dorn AMÉRICAECONOMIA.COM Diretor de Estratégia Digital: Rodrigo Guaiquil Editor: Lino Solis de Ovando ESCRITÓRIOS Buenos Aires: +5411 4383-8410 Cidade do México: +5255 5254-2400 Costa Rica: +506 225-6861 Lima: +511 610-7272 Miami: +305 648-9071 Panamá: +507 271-5327 Santiago: +562 290-9400 Uruguai: +5982 901-9052 Chairman: Robert R. Paradise

O Brasil, por sua vez, considerado por muitos como a grande aposta latino-americana, ainda esbarra em outros problemas antigos, que prejudicam nosso desenvolvimento e colocam em dúvida os valores de um Estado governo Dilma aumentou seu patrimônio em 20 vezes em quatro anos, enquanto exercia o mandato de deputado federal? A aparição do ex-presidente fez com que a presidenta, como gosta de ser chamada, entrasse em cena para mostrar que é ela quem manda neste país. Boa leitura. José Roberto Maluf ASSINATURAS Central de Atendimento Tel.: 55 11 3512-9492, de 2a a 6a feira, das 9h às 18h. Site: www.assineamericaeconomia.com.br. Atendimento: www. assineamericaeconomia.com.br/faleconosco. Cartas: Rua Ferreira de Araújo, 202 – 12o andar – CEP 05428-000 – São Paulo/SP Valores de assinatura: Por 1 ano: R$ 96,00 / Por 2 anos: R$ 170,90 Pagos em até 5x no cartão de crédito ou em até 3x no boleto bancário (preço válido para as vendas realizadas pela Central de Atendimento e pelo website da revista). Exemplares anteriores: solicite diretamente ao jornaleiro. Em caso de descontinuação da publicação, a Spring Editora-Produtora LTDA. garante aos assinantes desta publicação a restituição, em reais, da parte do valor já pago correspondente aos exemplares não entregues, devidamente corrigida monetariamente. Ao fazer sua assinatura, exija a credencial do vendedor e pague sempre com cheque nominal, mediante recebimento da primeira via de nosso pedido de assinatura.

10 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 carta ao leitor V1.indd 2

01.06.11 19:14:04


�������������������� ������������������ ������������������������������

�������������� ��� ������������������������������

��������������������

�����������

���������� ����������������

������������� ����������� ����������� ������������� ��������������

�������������������

������������������������������������

BASE PAGINA COMPLETA.indd 1

30/05/2011 9:19:35


Economia & comércio

Estamos preparados? OS ESPECIALISTAS NÃO TÊM DÚVIDAS: AS CONDIÇÕES INTERNACIONAIS NÃO VÃO FICAR FAVORÁVEIS ETERNAMENTE; POR ISSO, É PRECISO REAGIR AGORA JUAN PABLO RIOSECO, DE SANTIAGO

A INFORMALIDADE DEVE SER COMBATIDA COM EDUCAÇÃO DE QUALIDADE

12 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Economia.indd 2

5/31/11 4:19:55 PM


Economia & comércio América Latina será uma região desenvolvida em 2036? Difícil saber. A região cresce hoje mais que o resto do mundo e promete ser um dos eixos de um novo cenário da economia mundial, acompanhada da Ásia. Uma classe média emergente, com a capacidade e a disposição de adquirir todo tipo de bens, alimenta a demanda interna. O setor externo está garantido pelo investimento estrangeiro, e a compra de matérias-primas dá sinais de ter destino certo: o mundo emergente. A América Latina tem um potencial enorme, mas como aproveitar a oportunidade? “A taxa de investimento é muito baixa, o grau de abertura comercial é limitado e os níveis de educação de capital humano são pobres”, afirma Alberto Ramos, vice-presidente do Grupo de Pesquisa Econômica para a América Latina do Goldman Sachs. “Quase todos os países têm de ampliar e modernizar sua infraestrutura.” Essa é a crítica liberal. Mas há outra, como a de Roberto Mangabeira Unger, professor da faculdade de direito da Universidade de Harvard e um dos intelectuais latino-americanos de maior prestígio internacional, que acusa o poder constituído de desperdiçar o potencial criativo da região. “Hoje, surge uma segunda classe média, desta vez empresarial, de pequenos empreendedores que lutam por suas ideias e por uma cultura de colaboração”, afirma Mangabeira Unger. O brasileiro sustenta que a América Latina precisa de um modelo de desenvolvimento próprio, e não imitar o que fizeram os países desenvolvidos. Segundo ele, é preciso seguir esquemas produtivos novos, centrados na inovação e na colaboração, e conviver ao mesmo tempo com uma forte concorrência interna em cada país, que permita dar um salto de produtividade. A matéria-prima existe. “Não podemos aceitar a controvérsia ideológica do mundo durante os últimos séculos: mais mercado-menos

Foto: Mario Angelo/Sigmapress/Folhapress

A

Estado versus mais Estado-menos mercado”, afirma. “É preciso democratizar a economia de mercado.” Em uma órbita semelhante está Ricardo Ffrench-Davis, economista da Universidade do Chile, especialista em desenvolvimento da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e autor do livro Reformas para a América Latina depois do Fundamentalismo Neoliberal. Para ele, as economias latino-americanas deveriam escolher setores-chave para desenvolver inovação e bens intermediários associados à atividade principal. “Produzir dezenas ou centenas de bens intermediários, e alguns equipamentos e máquinas ou peças de reposição, associados à indústria do cobre, aos salmões ou ao vinho no Chile”, sugere. O benefício seria tanto para as grandes empresas exportadoras quanto para pequenas empresas de serviços que crescem em torno delas. A questão não anda sozinha. Está ligada também ao financiamento, às políticas de pesquisa e à capacitação de empresários e trabalhadores.

PÓS-CONSENSO Durante os anos 1990, o discurso era de que o Estado deveria escolher um lado e se disciplinar. E o fez. Os governos de esquerda e direita aumentaram as privatizações e, em alguns casos, racionalizaram despesas. Em termos macroeconômicos, as contas fiscais foram colocadas em ordem e, graças a políticas anticíclicas, os monstruosos déficits crônicos ficaram no esquecimento em parte da América Latina. Muitos bancos centrais são autônomos ou, ao menos, têm bons sistemas de prestação de contas, e a inflação estratosférica parece ser um problema de menor importância. Mas hoje o Estado precisa de mais que disciplina nas contas. É visto como um ator-chave, embora não com a visão tradicional de apoio à industrialização. “Não é preciso escolher entre o modelo americano ou asiático de Estado, que

impõem políticas industriais”, afirma Mangabeira Unger. “Há uma terceira opção. A de organizar a produção em forma de uma coordenação estratégica descentralizada e participativa entre empresas e governos.” A questão tem muito a ver com a modernização do sistema público, que implica melhoria da gestão dos recursos públicos, isto é, fazer mais com o mesmo. Isso envolve a criação de instituições mais transparentes e responsáveis por monitorar as políticas estatais. A simplificação dos sistemas tributários e dos serviços do Estado também é essencial. Mas o Estado, ou melhor, as leis, resultam em um gargalo para o desenvolvimento, incluindo problemas

As economias latino-americanas deveriam escolher setores estratégicos no mercado de trabalho e sistemas de educação precários. O vice-presidente de Setores e Conhecimento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Santiago Levy, sugere que seja colocado foco na informalidade trabalhista. “A informalidade e a produtividade são inimigas, e essa é uma das grandes cargas da América Latina”, afirma o economista mexicano. Ele está convencido de que apostar em um modelo de desenvolvimento de trabalho barato é um grave erro. Muito se ganharia se fossem cortados os vínculos entre proteção social e condição de emprego ou tamanho da empresa, acrescenta Levy. “Os mercados de trabalho funcionam mal. Temos heranças de 40 ou 50 anos de um mesmo modelo de seguridade social. Em muitos lugares, há regras fiscais que Junho, 2011 AméricaEconomia 13

AE 400 Economia.indd 3

5/31/11 4:20:13 PM


Economia & comércio

“Desenvolvimento é participação da sociedade”, afirma Ffrench-Davis. “É preciso fortalecer as organizações sociais, os sindicatos, as ONGs e os conselhos de diálogo social.” Do contrário, há risco de transbordamento. Quanto tempo aguentarão sociedades como a chilena, com altíssimos índices de desigualdade? E como fazer frente ao populismo, a resposta simples a esse problema? O certo é que a bonança de hoje não é suficiente para o futuro. Uma parte dela se explica pela estabilidade macroeconômica, mas a maior parte se deve a um confortável cenário internacional. “Muito do crescimento obtido desde 2003 tem a ver com um ambiente externo muito favorável”, afirma Ramos,

A corrupção é outro dos grandes flagelos vistos nas instituições públicas da Goldman Sachs. “Preocupa-me que dependamos muito dos altos preços das commodities e de uma liquidez externa barata e abundante.” Como na fábula da cigarra e da formiga, estaríamos preparados para o inverno? “Em algum momento, as coisas vão mudar”, afirma Santiago Levy, do BID. “Ninguém sabe quando nem como, mas vão mudar.” Como afirma Ffrench-Davis em seu livro, o foco da América Latina deveria avançar, mais que no manejo de crises, no manejo dos ciclos de auge. Do contrário, a ressaca após a festa pode ser tão triste como em outras ocasiões. O segredo está em ter uma política industrial capaz entregar o protagonismo do crescimento, privilegiando a cooperação competitiva.

Foto: Keiny Andrade/Frame/Folhapress

empresa, com fundos de garantia estatais”, afirma. Mas dificilmente os recursos irão para essas novas empresas se não se garantir maior produtividade. E aí a região está com problemas, como afirma o presidente do BID, Luis Alberto Moreno (leia coluna na pág. 17). Segundo dados do BID, um país latin latino-americano típico poderia ter aumentado sua renda per AINDA SÃO c capita em 54% de 1960 até POUCOS OS CASOS h hoje se sua produtividade tiDE INOVAÇÃO promovem a informalidav vesse crescido no mesmo ritREGIONAL m que a do resto do mundo. de”, afirma. Essas melhoras mo estão associadas às duas ques-Nos últimos 45 anos, o Chile m: a tões com maior defasagem: é o úni único país que obteve ganhos educação e a desigualdade (veja colunas de produtividade maiores que os dos de Heraldo Muñoz, na pág. 54, e de Andreas Estados Unidos. Entre 1990 e 2005, a Schleicher, na pág. 76). produtividade industrial cresceu 2% na A corrupção é outro dos grandes região, enquanto na Ásia Oriental auflagelos da instituição pública. O Mémentou 3,5%. Nos serviços, a diferença xico, por exemplo, um dos países mais é maior: 0,1% contra 2,5%. Apenas em afetados por esse problema, tem uma agricultura a região tem números metrama institucional complexa, com lhores: 3,5% contra 2,5% da Ásia, em leis particulares para cada estado e grande medida porque dispõe de mais pouca fiscalização central. “Isso transrecursos hídricos. forma o país em terreno fértil para a Na opinião de Mangabeira Unger, corrupção”, afirmou à imprensa local o paradigma industrial adotado peEduardo Bohórquez, diretor executivo los grandes países da América Latina da Transparência Mexicana. (especialmente o Brasil) se traduz por grande escala, máquinas, processos CAPITAL PARA TODOS produtivos rígidos, velocidade de traEm 25 anos, os sistemas financeiros balho e padrões de excelência fabril. mudaram radicalmente, mas ainda Mas é um modelo retrógrado. Sem falar resta muitíssimo por fazer. “A grande nos custos ambientais, que serão pagos falha de nosso mercado de capitais é pelas gerações futuras. que ele financia muito bem as empreDe todo modo, a base para o cressas grandes, com boas histórias, e as cimento existe. As democracias se pessoas com riqueza, mas ainda financonsolidaram na maioria dos países cia muito pouco as pessoas com boas nos últimos 20 anos (e, sim, isso tamideias, mas que não têm patrimônio bém é parte do desenvolvimento). As nem história nem relações sociais”, classes políticas pensam duas vezes afirma o chileno Ffrench-Davis. Sua antes de embarcar em aventuras que proposta é buscar fórmulas para que comprometam a imagem do país. Mas os recursos dos fundos de pensões, os governos também devem aprofundar por exemplo, cheguem a um escalão seus níveis de participação democrática mais baixo. “Que comprem bônus de e inclusiva se quiserem pavimentar empresas médias, ou de grupos de o caminho para o desenvolvimento. 14 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Economia.indd 4

5/31/11 4:20:30 PM


Economia & comércio

A segunda onda multilatina al como a AméricaEconomia registrou em 25 anos, o fenômeno das multilatinas não é novo. Grandes empresas argentinas, brasileiras, chilenas e mexicanas, entre outras, estão há anos conquistando mercados além de suas próprias fronteiras. Essa expansão internacional das atividades de nossas empresas é possível graças às profundas mudanças vividas pela América Latina nas últimas três décadas. Até então, muitos de nossos empresários se conformavam em preservar seus mercados nacionais, dependendo de barreiras para se proteger da concorrência. Hoje, nossa região está inserida em outra dinâmica. As tarifas aduaneiras médias caíram de 40% em 1985 para menos de 10%. Nossas exportações passaram de US$ 92 bilhões em 1980 para mais de US$ 850 bilhões em 2010. Outro indício favorável é a aceleração da integração sulsul, com o surgimento de gigantes asiáticos como motores da economia global. A forte demanda da China por matérias-primas produzidas em nossa região vem acompanhada de uma crescente participação dos países em desenvolvimento nos investimentos estrangeiros diretos. Em 2009, 21% do total desses investimentos veio dos próprios países em desenvolvimento. Em 1990, a cifra comparável era de 5%. A crescente integração intrarregional, outrora uma expressão de desejos, é um fato. Atualmente, o comércio entre países latino-americanos beira os US$ 125 bilhões anuais, oito vezes mais que em 1990. E ainda resta muita margem para aprofundar esses laços. O intercâmbio comercial entre nossos próprios países ainda está na metade do nível alcançado pelas economias asiáticas. A isso, soma-se uma nova geração de empresários com maior nível de profissionalização, menor dependência do Estado e mais competitiva e conectada com o mundo. América Latina e Caribe estão no rumo correto. Estamos melhorando nossas políticas e nossas instituições públicas. As grandes tendências na economia global favorecem a região. No entanto, o vento soprando a favor não assegura que o navio chegará a um bom porto. Um dos desafios é a produtividade. Estudos do Banco Interamericano de Desenvolvimento mostram que a América Latina pode duplicar esse potencial. A região tem poucas empresas altamente produtivas. O setor de serviços, por exem-

Foto: Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress

T

O CUSTO LOGÍSTICO NA REGIÃO É O DOBRO DA MÉDIA DOS PAÍSES DA OCDE

m plo, é particularmente pouco produtivo em relação a seus pares internacionais. As causas incluem a informalidade que protege setores ineficientes, os altos custos de transporte, a falta de crédito, os regimes tributários discriminatórios e a falta de inovação. Em muitos casos, o problema não é unicamente a falta de recursos. Simplificar o pagamento de impostos não requer grandes investimentos. Mas a realização de políticas que desatem o potencial produtivo de um país é difícil, já que muitas vezes supõe a eliminação de privilégios históricos. Também teremos de investir mais em infraestrutura. O custo logístico da América Latina e do Caribe é mais que o dobro da média dos países da OCDE, o que impacta a capacidade de competir em uma economia globalizada. Para fechar a lacuna de estradas, por exemplo, a região precisa investir US$ 2,852 bilhões, e, para ter uma rede ferroviária comparável à da Coreia do Sul, cerca de US$ 536 bilhões. O caminho a ser percorrido é grande, mas estamos avançando. Para aproveitar a conjuntura internacional mais favorável, haverá muito espaço para que o setor privado seja uma contribuição para o desenvolvimento. O BID, como parte de seu aumento de capital, está duplicando os recursos disponíveis para o setor privado. Neste novo contexto, a segunda onda de multilatinas não apenas contribuirá para aprofundar os processos de integração, mas também ajudará a construir uma região mais próspera.

Luis Alberto Moreno Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Junho, 2011 AméricaEconomia 15

AE 400 artigo Moreno V2.indd 3

5/31/11 4:48:59 PM


Economia & comércio

Placar a nosso favor Os números confirmam a evolução econômica latino-americana nas últimas décadas, com o crescimento do PIB e dos investimentos estrangeiros Domínio brasileiro Participação (em %) dos ingressos líquidos de Investimento Estrangeiro Direto (IED) na América Latina em 2010 (100% = US$ 112,6 bilhões)

Brasil México

43

Chile

15,2 13,4

Peru

Colômbia Argentina A.Central Caribe Outros

6,5

6

5,5

5,2

3,5

1,7

Fonte: Cepal

Mais respeito

Atração de dólares

Países que mais aumentaram o peso de seu PIB entre 1999 e 2010

Evolução dos ingressos líquidos de Investimento Estrangeiro Direto (IED) na América Latina (em US$ milhões) VALOR Forte recuperação da América do Sul, liderada pelo Brasil

140.000

Boom de investimentos em recursos naturais

120.000

Explosão da bomba da internet

100.000

Desvalorização do Real 80.000 Crescimento no Peru com a entrada da Telefónica e no México com a criação do Nafta

60.000

Efeitos da crise em Wall Street por conta do subprime

40.000

20.000

ANO

Acontece a crise na Argentina

90

91 92 93 94 95 96

97 98 99 00

01 02 03 04 05 06

07 08 09

10

Fonte: Cepal

Panamá

179,8%

Chile

155,2%

Costa Rica

142,2%

Peru

136,9%

Argentina

109,5%

Bolívia

102,6%

Guatemala

102,0%

Honduras

100,4%

El Salvador

88,9%

Colômbia

84,5%

Uruguai

81,0%

Equador

79,1%

América Latina

78,1%

Nicarágua

77,2%

Brasil

70,5%

Venezuela

68,0%

México

59,0%

Paraguai

53,4%

16 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 grficos.indd 2

31.05.11 21:41:46


R O YA L O A K O F F S H O R E CRONÓGRAFO L E B R A S S U S ( VA L L É E D E J O U X ) - S U I Ç A - a u d e m a r s p i g u e t . c o m

BASE PAGINA COMPLETA.indd 1

18/05/2011 13:30:43


Economia & comércio

Risco na pista O EXCESSO DE CARROS NAS RUAS DAS GRANDES CIDADES MOSTRA A FORÇA DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA E OS DESAFIOS QUE ELA TEM PELA FRENTE FRANCISCA HERNÁNDEZ, DE SANTIAGO A CIDADE DO MÉXICO TEM UM DOS TRÂNSITOS MAIS CAÓTICOS DA REGIÃO

18 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 autos2.indd 2

5/30/11 6:25:04 PM


Economia & comércio uas e avenidas que, na hora do rush, estão cheias, com veículos modernos avançando lentamente em meio ao ruído das buzinas: a cena se repete todos os dias nas principais cidades da América Latina. Em 1989, esse panorama começava a se formar por conta da decolagem da indústria latino-americana após a década perdida. “A política protecionista do Brasil ameaça deixar sua indústria no primitivismo mecânico”, publicou a AméricaEconomia em fevereiro daquele ano (“México vs Brasil”, no 24). Na época, o México começava a aquecer os motores para o que mais tarde se tornaria o Nafta, ou o Tratado de Livre Comércio da América do Norte. Em 1980, exportava 128.877 veículos. Um ano depois, esse número chegou a 427.200. Hoje, está acima de 2 milhões de unidades por ano. Por sua vez, o Brasil manteve seu nicho local. Em 1980, a produção superava 1 milhão de unidades; em 2009, passava dos 3 milhões. Não se esperava muito da Argentina no final da década de 1980. Segundo números da Associação das Fábricas de Automóveis da Argentina (Adefa), a produção alcançava 281.798 unidades em 1980, e chegou a 724.023 unidades em 2010. “O crescimento da venda de veículos indica que o poder aquisitivo da população dos países vem aumentando, assim como as condições para que as pessoas tenham acesso a esse tipo de bem”, diz Marco Ferrario, analista do setor automotivo da consultoria Abeceb, de Buenos Aires. A demanda da classe média é por veículos pequenos, econômicos e básicos. “O que se percebe nessa região é que a taxa de novos consumidores deve crescer muito mais do que o observado anteriormente”, diz Ferrario. Para muitos, o aumento no número de veículos na América Latina tem mais aspectos negativos do que positivos, tais como as péssimas condições das ruas, a poluição e o aumento do tempo

Foto: Melanie Stetson Freeman/The Christian Science Monitor via Getty Images

R

de deslocamento em virtude do trânsito. Para Andrés Solimano, diretor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais do Chile (FLACSO), os congestionamentos na Cidade do México e em São Paulo ocorrem porque a estrutura viária não tem crescido no mesmo ritmo que o sistema veicular.

O crescimento da venda de carros é reflexo do aumento do poder aquisitivo “O aumento da frota também se deve ao fato de, em diversos países latino-americanos, como no Chile, o dólar estar mais baixo, e o preço dos automóveis, mais acessível”, comenta. Estudos indicam que a Cidade do México e São Paulo são as duas cidades mais congestionadas da América Latina, o que não é surpreendente, já que a indústria automotiva é um dos principais setores das economias do México e do Brasil. No Brasil, a frota automotiva supera os 64 milhões de veículos, enquanto na Argentina são cerca de 14 milhões. E quando se considera os padrões internacionais, é provável que continue crescendo: na América Latina, a média é de 11 veículos para cada 100 habitantes; nos países desenvolvidos, o número é de 40 veículos para 100 habitantes. O que mudou ao longo destes anos foi o predomínio absoluto das marcas europeias e americanas. Na Argentina, 75% das vendas são de veículos europeus. O restante se refere aos asiáticos, como as japonesas Toyota e Honda e a coreana Hyundai. Agora chegou a vez da China, cujas marcas já entraram com força em países como Peru, onde já conquistaram 10% do mercado. “Quando olhamos para o Chile e o Uruguai nos últimos anos, podemos

notar uma grande inversão do mercado e um notável aumento de participação dessas marcas, que garantem qualidade a baixos custos”, diz Ferrario. “As marcas asiáticas também têm tido ótimos resultados na Colômbia. O Grupo Automotriz Cinascar, que representa a montadora chinesa Chery, por exemplo, teve um crescimento de 53% nos últimos anos”, afirma Oliverio Enrique García, presidente da Associação Colombiana de Veículos Automotores (Andemos).

FALTA TECNOLOGIA O carro do filme De Volta para o Futuro é a imagem que mais facilmente nos vem à cabeça quando pensamos em como serão os veículos em algumas décadas. Mas, embora a tecnologia avance rapidamente, é muito improvável que, em 2036, o congestionamento de São Paulo passe das ruas para o ar. O fato é que as principais associações automotivas da América Latina indicam que as tendências de design e produção estão voltadas à eficiência energética e à redução de tamanho. Isso ocorre “principalmente porque as cidades estarão cada vez mais congestionadas, o espaço será escasso e a frota automotiva continuará crescendo de forma exponencial”, diz Solimano. Se 25 anos atrás predominavam os automóveis que não ultrapassavam as 2 mil cilindradas, hoje, o cenário pouco mudou. De acordo com a consultoria argentina Abeceb, os carros mais vendidos na América Latina são os chamados citycar. A tendência deve se manter nas próximas décadas, mas com uma geração de veículos híbridos e com tecnologias mais limpas. E é aqui que surgem as dúvidas, pois os parques industriais no Brasil, no México e na Argentina não estão tecnologicamente preparados para fabricar veículos híbridos. E, assim, paira o risco de atraso sobre essa indústria essencial para diversos países nos próximos anos. Junho, 2011 AméricaEconomia 19

AE 400 autos2 V1.indd 3

5/30/11 11:21:04 PM


Economia & comércio

A década da América Latina década já iniciada pode ser da América Latina. É dos recursos, enquanto organismos multilaterais de crédito, fato. Os avanços dos últimos anos começaram a que financiam infraestrutura, estabelecem requisitos de conciliar crescimento e inclusão social na maioria conservação e impacto ambiental. de seus países. A governabilidade se fortaleceu no contexto de Também são necessários ambientes normativos coerentes um mundo que exige cada vez mais recursos naturais. Além e transparentes, que aumentem a competitividade e atraiam disso, um sistema financeiro mais resistente foi determinante projetos de infraestrutura com alta tecnologia, responsabipara superar a crise financeira mundial e os desequilíbrios lidade fiscal e benefícios sociais claros. Além de reduzir os macroeconômicos. São grandes conquistas, que poderiam impostos, também é preciso simplificar os códigos tributários ser potencializadas nesta década: a América Latina pode se e diminuir a burocracia. ade Pa fortalecer a governabilidade, a colaboração consolidar como uma das referências de estabilidade Para inte para o mundo e ser um dos centros da economia internacional e hemisférica é essencial. O trabalho PARA EVOLUIR, co verde, enquanto continua construindo sobre seu conjunto pode melhorar os sistemas de justiça. SERÁ PRECISO A grande potencial. Além disso, impõe-se a colocação de novos enfoFAZER REFORMAS QUE ASSEGUREM O q Contudo, para isso, precisa superar obstáques para controlar o tráfico de drogas. DESENVOLVIMENTO culos que podem impedir seu avanço ou A tecnologia é necessária para enfrentar os ECONÔMICO de até mesmo fazê-la retroceder. Devem-se desafios. O processo de inovação exige alianças al estra impulsionar reformas de classe mundial estratégicas em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e ô i l ã da entrega de inovações ao mercado. Isso pode que assegurem desenvolvimento econômico aceleração de longo prazo, estabilidade política e progresso agregar valor às matérias-primas e evitar a dependência de social com responsabilidade ecológica. sua exportação. Se, por um lado, a inovação ajuda a otimizar Na última edição do Fórum Econômico a produção agrícola, por outro, é preciso melhorar as redes Mundial sobre a América Latina, realizado de transporte e reduzir as tarifas, os subsídios e outras barno Rio de Janeiro, 750 líderes de 46 países reiras comerciais. Isso aumentará a eficiência e o acesso aos reuniram-se para dar forma a essa visão, alimentos no mundo. um roadmap com seis pilares: desassociar As energias renováveis devem ser ampliadas mediante o crescimento econômico do consumo incentivos tributários e outros benefícios que reduzam as de recursos, melhorar a competitividabarreiras de entrada e permitam o desenvolvimento de novos de empresarial, avançar em inovação mercados para indústrias sustentáveis. A segurança energétitecnológica, fortalecer a governabilica exige investimentos em redes inteligentes, que distribuam dade, promover a segurança energéa energia de forma mais eficaz. tica e elevar a produção agrícola, o Além disso, a educação deve passar por uma reformulaempreendedorismo e o emprego. ção. É preciso promover a presença de empreendedores nas Os cálculos econômicos salas de aula, enquanto os professores devem tomar mais devem contabilizar todos os iniciativa. Para aumentar o espírito empresarial e o emprego, benefícios de se desatrelar o deve-se promover reformas que assegurem a proteção dos crescimento da exploração trabalhadores, aumentem as oportunidades de emprego e a de recursos naturais. Emboautonomia das mulheres. ra os governos tenham um A América Latina tem sido fonte de inovações sociais papel central, as empresas são fundamentais no em tecnologia agrícola e também em energia renovável. desenvolvimento sustentável ao quantificar indicaConquistas que hoje lhe permitem alcançar um alto grau de dores, como o de consumo de água, emissão de gases legitimidade e influência na governança global e no sistema e conservação florestal. Elas podem trabalhar junto financeiro. A visão e as estratégias para a “década da Amécom a sociedade civil para racionalizar a exploração rica Latina” devem desafiar as percepções, proporcionando acesso aberto a novos conhecimentos e estimulando a colaboração entre diversos setores para responder Klaus Schwab proativamente aos desafios críticos de um ambiente Fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial. em constante mutação.

Foto: Shutterstock

A

20 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 artigo Schwab V1.indd 2

5/30/11 7:46:58 PM


BASE PAGINA COMPLETA.indd 1

25/05/2011 9:31:37


Economia & comércio

stá na moda afirmar que esta década terá um promais avançados da região – foram solicitadas 359 e 133 tagonista: a América Latina. No entanto, parte patentes, respectivamente, à agência europeia de patentes; importante do crescimento econômico da região se em contraste com 6.406 da Coreia do Sul. Em termos de deve à alta nos preços das matérias-primas exportadas e aos participação de Tecnologias da Informação e Comunicação investimentos provenientes do exterior. E a verdade é que, em (TICs) no valor agregado e no número de cientistas por cada grande parte desses países, a produtividade continua baixa. mil empregados, Brasil, Chile e México figuram nos últimos Uma razão que explica esse atraso está na pouca imporlugares dos países membros e associados da OCDE. tância dada à inovação nas décadas passadas. Os investiA América Latina precisa empreender uma cruzada regiomentos públicos e privados em pesquisa e desenvolvimento nal pela inovação. É fundamental que os países compartilhem (P&D) – um dos ingredientes fundamentais de todo sistema experiências na criação de sistemas de inovação. É importante de inovação – continuam baixos: os países da América Latina identificar prioridades e concentrar esforços em infraestrutura, destinam apenas 0,3% do PIB regional a P&D, comparado tributação, gestão da água, e-governo e transformação de re a uma média de 2,33% na OCDE (Organização paraa remessas em projetos produtivos. Cooperação e Desenvolvimento Econômico). EMPREENDEDORES Os países latino-americanos devem colocar a LATINOS ASSUMEM inovação no centro da estratégia de desenvolviCADA VEZ MAIS RISCOS EM AÇÕES mento. Afinal, ela pode se transformar não apenas INOVADORAS em um multiplicador da produtividade e da competitividade, mas também em um instrumento eficazz para reduzir as disparidades sociais e transitar em uma era de crescimento verde. Houve avanços importantes em alguns países. De fato, um estudo recente do Centro de Desenvolvimento da OCDE e do Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) destaca que os empreendedores latino-americanos assumem cada vez mais riscos em ações de inovação, introduzindo novos produtos ou lançando modelos de negócio. Por outro lado, os governos da região lançaram iniciativas para apoiar a inovação, como o Plano Pacti 2007-2010, do Brasil, e o Programa Especial em Ciência, Tecnologia e Inovação 2007-2012, do México. Em outros casos, foram empreendidas reformas-chave, como a criação do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva, na Argentina, e a designação de fundos provenientes da receita de exportações de Um setor-chave para todos os países da região, de hoje matérias-primas para projetos de inovação, no Chile. até os próximos 50 anos, é o chamado “crescimento verde”. São medidas que favorecem o surgimento de sistemas Promover uma inovação verde, que permita transformar o nacionais de inovação, mas ainda falta muito. Os indicadores metabolismo industrial das economias latino-americanas demonstram que, tomando como base uma definição ampla para crescer respeitando e favorecendo o meio ambiente, de inovação, os países da América Latina estão atrasados em pode ser uma fonte riquíssima de crescimento e emprego comparação com os países da OCDE e outras economias para os latino-americanos. emergentes. A lacuna no número de solicitação de patentes Não podemos ignorar essa conjuntura: democracias entre América Latina e os países da OCDE, por exemplo, é estáveis, economias sólidas, sistemas financeiros resistentes, grande. Segundo a OCDE, em 2009, no Brasil e no México – os população jovem e trabalhadora, riqueza natural invejável e crescente relevância internacional. Façamos da inovação o fio condutor para entrelaçar e potencializar esses elementos, Angel Gurría permitindo-nos criar economias fortes, justas e mais limpas Secretário-geral da OCDE. e um futuro brilhante.

Foto: Shutterstock

Cruzada pela inovação E

22 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 artigo Gurría V1.indd 2

5/30/11 7:33:17 PM


BASE PAGINA COMPLETA.indd 1

30/05/2011 16:16:19


Economia & comércio

A cobiçada cadeira do FMI DISPUTA PELO CARGO DEIXADO POR STRAUSS-KAHN ESTÁ POLARIZADA ENTRE OS PAÍSES RICOS E OS EMERGENTES ADRIANA CHAVES, DE SÃO PAULO

renú ncia de Dom i n ique Strauss-Kahn do cargo de diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), depois de uma grave acusação de estupro, abriu um debate entre as grandes potências mundiais e os países emergentes sobre seu sucessor. Embora sem consenso em torno de um nome alternativo, os países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) tentam quebrar a hegemonia europeia no comando do Fundo e defendem que a escolha leve em conta o mérito do postulante, não seu passaporte. Desde o fim da Segunda Guerra, há uma regra tácita para um europeu ocupar a chefia do FMI e, em contrapartida, um americano presidir o Banco Mundial. A ministra das Finanças francesa, Christine Lagarde, aparece como favorita na disputa por ser a candidata com mais apoio na União Europeia. O presidente do Banco Central do México, Augustin Carstens, também entrou no páreo. Mas até 30 de junho, data prevista para o fim do processo, outros nomes podem despontar. Seja qual for o eleito, a decisão deve ter pouco impacto na política econômica brasileira, na avaliação do embaixador Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap-SP), ex-ministro da Fazenda (1994) e ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).

A

Para Ricupero, a posição do Brasil se tornou muito forte dentro da instituição depois que o país passou a ser um dos dez maiores contribuintes, ao lado dos demais emergentes. “O Brasil, junto com os outros países do Brics, fez aportes de 15% do total de US$ 590 bilhões doados durante a crise econômica mundial.” Ricupero ressalta que, na atual conjuntura, o país não precisa de ajuda do FMI, ao contrário de economias debilitadas, como Espanha e Grécia, que enfrentam sérias crises. Além disso, ele destaca que algumas reformas feitas pelo Fundo nos últimos anos deram poder aos emergentes. Em grande medida, as mudanças no FMI foram impulsionadas pela crise, que começou nos EUA e na Europa e promoveu a reforma de seus instrumentos de empréstimo, além de introduzir uma linha de crédito flexível, sem as

exigências tradicionais – uma medida inovadora, que teve a participação do Brasil na formulação. O FMI também avançou na ampliação do poder de voto dos emergentes. Em uma revisão feita em 2008, a instituição elevou a posição de economias em desenvolvimento, como a do Brasil, que deve passar da 18a (2007) à 10a (após aceitação final dos países membros). A revisão de 2008 já havia elevado nossa economia à 14a posição. A expectativa é de que o processo de mudanças prossiga. Em maio, foi divulgado um comunicado assinado por Paulo Nogueira Batista (Brasil), Alexei Mojine (Rússia), Arvind Virmani (Índia), Jianxiong He (China) e Moeketsi Majoro (Lesoto, pequeno país encravado na África do Sul) que defende mais espaço para os países emergentes na disputa pelo comando do Fundo. Para o Brics, é fundamental que o processo de sucessão seja transparente. Mesmo considerando o crescente reconhecimento dos emergentes e a mudança de postura do Brasil dentro do Fundo, o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Pio acredita que o país ainda é um coad-

No comando A escolha do diretor-gerente do FMI é decidida em uma eleição da qual participam os 187 membros da organização. Qualquer país pode indicar um candidato. O vencedor deve ter 85% dos votos. O critério é válido desde 1945. O poder de voto de cada país, no entanto, é concentrado, porque as “cotas” estão relacionadas ao Produto Interno Bruto (PIB), à natureza de suas economias e ao tamanho de suas reservas internacionais. A cota define o peso do voto e tem relação com a contribuição financeira ao Fundo. Com isso, os europeus detêm 33% do poder de voto na instituição. Os EUA têm 17%. Além disso, 8 das 24 cadeiras do FMI estão sob o comando de europeus.

24 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Strauss Kahn V1.indd 2

5/31/11 12:00:43 AM


Economia & comércio pessoa certa na hora certa”. “Na crise dos últimos três anos, ele tinha todas as credenciais em um momento em que o FMI precisava se impor. Do ponto de vista político, tinha melhor receptividade para advogar políticas nem sempre bem aceitas. Por ser socialista, com conhecimento em economia e finanças, pôde levar a mensagem do Fundo e impor medidas difíceis de ajuste.” O ministro da Fazenda, Guido Mantega, também elogiou a atuação do antigo diretor-gerente ao dizer que Strauss-Kahn foi “um importante aliado do Brasil”.

Foto: Andrew Gombert-Pool/Getty Images

ESCÂNDALOS SEXUAIS juvante nos processos decisórios da instituição. “A relação do Brasil com o Fundo, hoje, é de acionista, de um país que optou por pagar antecipadamente a dívida que tinha. Mas o Brasil é mais importante no próprio discurso interno do que fora daqui. Agora mesmo, na indicação do diretor-gerente, não tem vez”, diz o acadêmico. Pio classifica as mudanças na distribuição das cotas promovidas na gestão Strauss-Kahn como “cosméticas”. “Ele estabeleceu que uma eventual aliança entre Brasil, Rússia e Índia pode estancar processos decisórios, mas nada garante que essas alianças irão ocorrer. Os emergentes já vinham de um processo de reconhecimento, e as grandes potências reconheciam que o sistema de cotas do FMI era anacrônico e não representava mais a distribuição da riqueza como era no pós-guerra. Mas ele [Strauss-Kahn] teve o mérito de não bloquear esse avanço.” Para o professor, a postura do Brasil em relação à instituição ainda é equivocada, já que a política que o Fundo cobra dos endividados é a mesma que funcionou no país de 1993 para cá: o estabelecimento de medidas para controlar a inflação, aumentar a competitividade dos setores com a abertura econômica e manter as finanças públicas em melhor estado, entre outras.

Dominique Strauss-Kahn teve de renunciar após as acusações “Não existe isso de que a culpa é dos [países] ricos. Não fomos salvos porque alguém foi benevolente. Os problemas foram se resolvendo com políticas duras”, afirma. Se no caso brasileiro a influência do FMI não é tão relevante como foi no passado, especialistas são quase unânimes em apontar o papel da instituição – em especial sob o comando de Strauss-Kahn – como decisivo na condução da crise mundial, entre 2008 e 2009, e nos problemas econômicos enfrentados recentemente por países como Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda. Para muitos, Strauss-Kahn era a pessoa com o conhecimento e a autoridade necessários naquele momento. O papel de articulação entre as posições diferentes – e muitas vezes conflitantes – dos países da Europa também é ressaltada por Ricupero. “Ele coordenava os europeus de forma crucial porque preenchia as deficiências de articulação entre eles.” Segundo Pio, “Strauss-Kahn foi a

Apesar de uma avaliação positiva de sua gestão, Strauss-Kahn foi obrigado a renunciar após ser acusado de tentar estuprar uma camareira de um hotel de Nova York. Detido quando se preparava para voltar a Paris, em 14 de maio, ele só conseguiu ser solto dias depois, após pagar US$ 1 milhão de fiança. Ele responderá ao processo em liberdade. Não é de hoje que homens públicos enfrentam problemas por se envolverem em escândalos sexuais. Nos anos 1990, o ex-presidente americano Bill Clinton esteve perto de um impeachment depois de uma relação extraconjugal com uma estagiária da Casa Branca ter vindo a público. Frequentemente associado a festas com belas mulheres, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi tenta se safar de julgamento por fazer sexo com uma prostituta menor de idade. Embora episódios desse tipo não sejam raridade, o caso Strauss-Kahn é emblemático porque mostra até que ponto o lado privado pode interferir na vida pública. Para Carlos Pio, é inevitável que os lados público e privado se misturem porque as pessoas públicas “vinculam o sucesso da organização [que gerenciam] à sua capacidade pessoal”. “Há uma expectativa de que se comportem com princípios éticos e rigor, muito mais até que o cidadão comum”, analisa. Junho, 2011 AméricaEconomia 25

AE 400 Strauss Kahn V1.indd 3

5/31/11 12:00:57 AM


Economia & comércio

Uma ponte para o futuro E

colagem da infraestrutura foi esboçada durante o debate sobre infraestrutura no Fórum Econômico Mundial na América Latina de 2011, no Rio de Janeiro. Uma discussão encabeçada pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles e pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho, concluiu que enormes investimentos em infraestrutura aguardavam o Brasil e a América Latina. Mas, depois de três décadas de aceleração rumo a investimentos cada vez mais baixos, qual foi o fator catalisador? Como o Brasil, e depois o restante da região, conseguiu escapar do constante e deprimente 1,3% do PIB de investimentos em infraestrutura e chegar aos 4% vistos hoje, com eletricidade de classe mundial, transporte público para as massas, rodovias, pontes e outros símbolos de orgulho regional? Obviamente, foi a bem-sucedida Olimpíada da Cidade Maravilhosa, em 2016, cujo sucesso se deveu ao imenso fracasso da Copa do Mundo no Brasil, em 2014. Uma vergonha global seguida de um sucesso global. O rápido redesenho do Rio, transformado em paradigma do investimento em infraestrutura, é algo que ninguém poderia esperar ou imaginar. O BNDES financiou os projetos adequados. A Petrobras liderou um movimento em prol da criação de escolas técnicas baseadas no modelo suíço-alemão, que revitalizou a educação pública no Brasil, liderando a formação de 40 mil engenheiros. A cidade do Rio e o governo do estado, supervisionados pela autoridade olímpica, Henrique

NO MUNDO IDEAL, O BRASIL APRENDERIA COM O DESASTRE DA COPA E TRIUNFARIA NA OLIMPÍADA

Meirelles, criaram o programa Rio Produtivo, Rio para Todos, que, mais tarde, tornou-se um plano envolvendo transporte público, rodovias, águas e resíduos, financiado fundamentalmente pelo setor privado. Finalizado dentro do prazo e do orçamento, o plano se transformou em motivo de orgulho para todo o país. A América Latina tomou nota disso, olhou para o futuro e decidiu construir projeto a projeto. O exemplo do Rio gerou uma mudança e tanto. Uma visão

Foto: Genilson Araújo/AFP

m 1960, a América Latina representava 15% do PIB mundial. Em 2010, essa participação era de apenas 9%. Viajemos no tempo. É impressionante ver como agora, em 2035, esse número duplicou, chegando a 18%. Como isso aconteceu? Em uma única palavra: Brasil. Retrocedendo no tempo, até 2011, a região havia chegado a um beco sem saída. Era a fornecedora de commodities do mundo, exportando grãos e metal aos mercados em desenvolvimento, encabeçados pela China. O modelo de crescimento, dependente da demanda global, carecia de uma estratégia para as exportações de matérias-primas, premiava-se o trabalho barato e prescindia-se de um apoio para melhorar a educação ou criar oportunidades de qualquer tipo. Além disso, havia uma lacuna no que dizia respeito aos investimentos em infraestrutura para que se pudessem criar oportunidades internas. Depois veio o Brasil, com seu contagiante estilo de liderança. O desenvolvimento foi muito rápido, explosivo. Todas as peças estavam no lugar adequado: anos de estabilidade macroeconômica, uma imensa demanda de trabalhadores técnicos (que exigiam investimentos em educação), instituições públicas (como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, e a recém-criada Estruturadora Brasileira de Projetos, a EBP), que apoiavam e financiavam uma série de projetos, e o enorme aumento de um grupo de engenheiros e empresas de construção de classe mundial. Curiosamente, a ideia de uma de-

26 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 artigo Infra.indd 2

5/30/11 10:30:03 PM


Economia & comércio

global para a região eliminou as preocupações provincianas de índole política e ideológica e produziu algo semelhante a uma “religião de infraestrutura”. E os resultados vieram: o tratamento de águas residuais e o saneamento público em geral saltaram de 10% para 50% em cidades acima de 50 mil habitantes. Cada país desenvolveu sua própria infraestrutura bancária, seguindo o modelo do BNDES, e os investimentos foram crescentes. Aumentou a demanda por trabalhadores técnicos, tanto para os

projetos financeiros quanto para outros negócios. A proliferação de escolas de negócios e a renovação geral nas escolas públicas transformaram tudo. Assim, a exemplo do que houve no Rio, e com a liderança do Brasil, aconteceram transformações radicais. A infraestrutura estratégica, concebida com uma visão de longo prazo, deu ori-

gem a um novo modelo de crescimento, mais de acordo com a nova cara da América Latina e as oportunidades da economia global. O resultado final foram as formas criativas e incrivelmente diversas pelas quais os países da região e seus produtos de valor agregado conseguiram dominar setores inteiros da economia global.

Norman Anderson Estrategista de infraestrutura pública e privada e CEO da consultoria CG/LA Infrastructure, em Washington.

Junho, 2011 AméricaEconomia 27

AE 400 artigo Infra.indd 3

5/30/11 10:31:03 PM


Economia & comércio

Próximo passo: a integração A INTERCONEXÃO REGIONAL É QUASE INEXISTENTE NA AMÉRICA LATINA, O QUE SABOTA FUTUROS NEGÓCIOS

fato de a próxima Copa do Mundo ser realizada no Brasil faz com que milhões de cidadãos latino-americanos pensem em como serão suas férias em 2014, quando sonham ocupar um assento em algum estádio. Pelo ar, por mar ou por terra? O problema é que, ao contrário de outras regiões do planeta, a infraestrutura atual da maioria dos países não oferece muitas opções.

O

de transporte e uma interconexão de aeroportos com rotas comuns e companhias aéreas associadas. “Um projeto interessante é a integração das rotas marítimas, com livre trânsito de embarcações pela costa de todos os países da região mediante o pagamento de taxas nacionais”, diz Resende. “E, mesmo que isso seja muito mais simples e barato que construir uma estrada ou uma via férrea, os países não conseguem chegar a um acordo.” Para Claudio Boueke, sócio responsável pela área de Indústria e Finanças Corporativas da KPMG na Argentina, a infraestrutura, como se sabe, não acompanhou o ritmo de crescimento. “É uma questão pendente. A boa notícia é que os governos já estão começando a considerá-la”, diz. “A infraestrutura será o motor que determinará o crescimento sustentável dos países latino-americanos ao longo dos próximos anos.” So esse aspecto, a Iniciativa Sob par para a Integração da InfraestruA RODOVIA tu tura Regional Sul-Americana TRANSOCEÂNICA (I (IIRSA), promovida em BraVAI APROXIMAR BRASIL E PERU E s em 2000, apresenta-se cosília BAIXAR OS CUSTOS m o plano mais ambicioso de mo DE TRANSPORTE inv Apesar do sustentado investimento no setor do continente crescimento econômico, até o nente. Em janeiro de 2011, dos 524 ta com projetos que q se enquadravam na iniciamomento, a região não conta conexões realmente integradoras, em tiva, entre estradas interoceânicas, portermos de infraestrutura, que contri- tos e hidrovias, 10% estavam concluídos buam para melhorar a competitividade. e 34%, em plena execução. Os outros Para Paulo Resende, coordenador do projetos estão em fase de elaboração núcleo de Logística e Infraestrutura da de perfil ou em pré-execução. “Essa Fundação Dom Cabral, eventos como carteira de projetos é fundamental para a Copa do Mundo devem ser aproveita- países como o Brasil, que buscam um dos para dar início a um plano regional acesso ao Pacífico para consolidar suas

Foto: Odair Leal/Folhapress

NATALIA VERA E FERNANDO CHEVARRÍA, DE LIMA

28 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 integração.indd 2

5/30/11 6:29:42 PM


Economia & comércio relações comerciais com a Ásia sem ter de passar pelo Canal do Panamá”, diz o peruano Raúl Delgado, presidente da consultoria Cesel Ingenieros. Enrique Cornejo, ministro de Transportes e Comunicações no Peru, diz que seu país é um dos que mais progrediram no âmbito da IIRSA. “Dos três eixos viários que nos foram atribuídos, dois estão quase concluídos e um está bem avançado”, afirma. “Antes, o Peru via só o Pacífico, e o Brasil, só o Atlântico; estávamos de costas. Hoje, com a construção dessas vias, pode-se viajar de Lima a São Paulo de carro em quatro dias. Quando tivermos a hidrovia na zona norte, em cerca de três anos, estaremos articulados com novas rotas para a Ásia. Será uma vantagem importante para o Peru.”

“O trem passaria por Bayóvar, Paso de Porcuya e Pucallpa”, diz. “É o projeto mais viável. Exigiria um investimento de US$ 7 bilhões, sendo que alguns trechos custariam entre US$ 700 mil e US$ 3 milhões por quilômetro.” Para Andrés Remezzano, gerente sênior de Finanças Corporativas da Deloitte no Peru, a integração ferroviária tem sua popularidade aumentada ou reduzida de acordo com os preços do petróleo. “É lamentável que a América Latina não tenha conexões além das viárias. Certamente o assunto dos

NADA SOBRE OS TRILHOS

trens será retomado quando o preço do petróleo voltar a subir”, diz. Os obstáculos para a realização de grandes projetos de infraestrutura na região passam invariavelmente pelo financiamento. “Não são atraentes para o setor privado porque não inspiram confiança. Não se sabe se a legislação vai mudar nos anos seguintes”, diz Claudio Boueke, da KPMG argentina. “Um projeto de infraestrutura exige muito investimento, que só se recupera em dez ou 20 anos.” Mas e até lá? Segundo Gonzalo Prialé, presidente da Associação para o Fomento da Infraestrutura Nacional (Afin), do Peru, a solução para levar os projetos adiante envolve parcerias público-privadas (PPP). “Falta uma política de cofinanciamento explícita para que o país possa atuar dentro de um plano pelo qual passa o apoio ao investimento privado, que deverá ser complementado com subsídios ou cofinanciamentos”, diz. Essa também é a opinião de Rafael López de la Fuente, diretor de Transações, Finanças Corporativas e Infraestrutura da KPMG peruana. “Embora

Já os projetos de interconexão de vias férreas estão mais atrasados. A única exceção é o Ferrocarril Transandino Central, que inclui a construção de um túnel que atravessa a cordilheira e ligará Argentina e Chile por uma ferrovia que, a princípio, será de carga e, posteriormente, transportará passageiros. Para Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, existem duas outras rotas ferroviárias com grande potencial de integração. A primeira teria origem no norte do Brasil, com direção à Bolívia e ao Chile. “Com isso, poderemos unir a fronteira agrícola brasileira com a boliviana e com os portos chilenos”, diz. “A segunda poderia partir do centro do Brasil rumo ao Chile, passando por Peru, Argentina e Uruguai.” Segundo Juan de Dios Olaechea, presidente da Ferrovías Central Andina (FCA), concessionária da Ferrocarril Central no Peru, existe um projeto para interconectar o país ao Brasil, possibilitando o transporte da soja, que viria de Rondônia e Mato Grosso até o porto de Bayóvar (Peru), por onde seria exportada para a China e para o resto da Ásia.

o setor público seja responsável pelo planejamento coordenado dos projetos de transporte, energia e comunicação para impulsionar o processo de integração política, social e econômica da região, o envolvimento do setor privado nessa iniciativa comum é de suma importância”, diz. Remezzano, da Deloitte, estima que os países latino-americanos investirão mais de 5% de seu PIB nos próximos 20 anos para chegar a um nível adequado de infraestrutura. “Se o setor privado não acompanha, não resta alternativa:

Segundo a Deloitte, os investimentos em infraestrutura na AL deverão chegar a 5% do PIB nos próximos 20 anos o Estado deve intervir e executá-los sem considerá-los como iniciativa lucrativa, mas como uma necessidade para o bem-estar da população.” A maioria dos especialistas consultados é da opinião de que, nos próximos 25 anos, a integração entre certos países será maior, como no caso de Brasil, Argentina, Peru e Chile, e que continuará a luta para levar adiante os grandes projetos. Para que a iniciativa tenha sucesso, será essencial ter uma visão da América Latina como um único bloco. “Existe o risco de cairmos em políticas bilaterais e deixar o multilateralismo em segundo plano”, diz Resende, da Fundação Dom Cabral. “Quando Estados Unidos, México e Canadá se convergirem num sólido bloco comercial, vamos perder competitividade em relação à Ásia. Precisamos mudar nossa cultura política e considerar a infraestrutura como um objeto de integração, e não de divisão.” Talvez essa visão se estabeleça a tempo para os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. Porque, para a Copa do Mundo, o mais provável é que a torcida tenha de se virar com o que puder. Junho, 2011 AméricaEconomia 29

AE 400 integração.indd 3

5/30/11 6:30:08 PM


Economia & comércio

atual cenário positivo na maioria dos países não pode ser visto com complacência, já que os avanços apresentados na América Latina nos últimos anos são considerados insuficientes. A região não pode se contentar com os níveis de crescimento atuais e aqueles previstos para o futuro, da ordem de 4% a 5%, se quiser convergir com as economias avançadas e resolver seus problemas sociais. Para isso, é preciso ter um crescimento mais alto, da ordem de 6%, no mínimo. Em comparação com outras regiões do mundo, a América Latina perdeu importância relativa. A região continua com uma alta concentração de matérias-primas em suas exportações e não conseguiu reverter a tendência de perda de A DEPENDÊNCIA participação no coREGIONAL DAS EXPORTAÇÕES DE mércio global, que se COMMODITIES É observa há seis décaPREOCUPANTE das. É fundamental incorporar tecnologia e conhecimento para conseguir gerar maior valor agregado na produção e nas exportações. Por outro lado, é necessário investir a taxas muito superiores a 20% do PIB, que tem sido a média nos últimos anos na região, e fazer aumentos consideráveis nos níveis de produtividade, se a América Latina quiser superar a barreira dos 5% de crescimento. Esse investimento deve se concentrar prioritariamente em infraestrutura – econômica e de integração –, educação, tecnologia, fortalecimento institucional e promoção de condições que elevem a produtividade. É indispensável a ação coordenada entre o setor público e o privado, bem como aumentar a capacidade de atrair investimentos estrangeiros de alta qualidade. No entanto, a questão mais delicada refere-se à desigualdade. Embora a América Latina tenha avançado consideravelmente na redução dos índices de pobreza, essa melhora

O

Enrique García Presidente executivo da Corporação Andina de Fomento (CAF).

não foi capaz de superar a alta disparidade existente na distribuição de renda e de riqueza. A diminuição dessas diferenças é questão prioritária, dado que a construção do tecido social e político é vital para que a prosperidade chegue de maneira contundente e sustentável. Isso, no entanto, só é possível dentro de uma estratégia que permita alcançar um crescimento econômico alto, sustentado e de qualidade. Nesse contexto, a América Latina pode ser uma região próspera e mais igualitária. Mas isso só vai acontecer na medida em que resolva, no médio prazo, os gargalos e debilidades estruturais que ainda enfrenta, particularmente nas áreas microeconômica e de inclusão social. É necessário trabalhar em uma agenda integral de longo prazo, tanto no nível nacional quanto regional, que compatibilize os aspectos de estabilidade macroeconômica, igualdade social, eficiência microeconômica e equilíbrio ambiental. A América Latina deverá retomar de forma eficiente e pragmática os esforços de integração regional, concebendo-os como um fator decisivo para alcançar presença relevante no contexto econômico e político mundial. Se a América Latina quer realmente que o mundo a veja, precisa se inserir inteligentemente nas realidades da globalização. É possível alcançar essa meta, mas isso dependerá de seus esforços, com ações que sejam o resultado de uma visão compartilhada e de um consenso da sociedade que permita a adoção de políticas de Estado que, à margem da alternância democrática nos governos, mostrem continuidade e consistência. Além do esforço regional, porém, é indispensável que, em âmbito global, sejam estabelecidas condições mais simétricas em termos de políticas comerciais, cambiais, migratórias e de caráter ambiental. Só assim teremos uma América Latina mais próspera e integrada ao mundo, que não fique prisioneira da “armadilha dos países e regiões de média renda”.

Foto: Shutterstock

A armadilha da média renda

30 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Garcia2 V1.indd 2

5/30/11 7:23:04 PM


BASE PAGINA COMPLETA.indd 1

22/03/2011 11:23:40


Economia & comércio

economia brasileira passou por uma revolução nos últimos 25 anos. Em 1986, vivíamos em meio a um processo de transição política e de luta contra a hiperinflação, estávamos completamente fora do circuito financeiro internacional. Hoje, somos uma economia relativamente estável, exemplo de democracia para o mundo e destino de boa parte dos fluxos globais de investimentos – que buscam tanto nossos ativos financeiros quanto nossas oportunidades de investimentos reais, na produção. O país passou, nesse período, por três fases econômicas bem definidas. Na primeira, que durou até a década de 1990, o crescimento do PIB brasileiro era baixo e extremamente volátil, ao sabor da hiperinflação, do alto endividamento externo e de planos econômicos inconsistentes. Não havia ambiente para investimentos de longo prazo, o que perpetuava o baixo crescimento potencial. Mas passávamos por um processo político importante, o da construção da democracia. A partir da década de 1990, com a abertura ao comércio exterior, e após o Plano Real de 1994, que estabilizou a moeda, entramos na segunda fase. O PIB continuou crescendo pouco, mas sua volatilidade diminuiu. Novas reformas foram introduzidas, como as privatizações e a modernização da regulamentação financeira, que tornaram a economia mais eficiente. O ambiente passou a ser propício ao investimento de mais longo prazo, embora o período de consolidação da estabilidade tenha sido cercado de crises internacionais. O brasileiro começou a se acostumar com a inflação baixa, acelerando o processo de inclusão financeira, caracterizado pelo aumento importante de contas bancárias para a população de diferentes camadas sociais.

A

Caio Megale Mestre em Economia pela PUC-Rio e economista do Itaú BBA (megalecaio@gmail.com).

A terceira fase veio nos anos 2000. A democracia se consolidou, e a inclusão financeira amadureceu, propiciando o florescimento do mercado de crédito. Novas reformas foram introduzidas, como o crédito consignado e a Lei das SAs. Os investimentos de mais longo prazo começaram a dar frutos. E o mundo passou a conspirar a favor, com a China entrando no mercado mundial, demandando nossos produtos. O PIB brasileiro se manteve pouco volátil, mas finalmente começou a crescer mais rapidamente. O crescimento do período de 2003 a 2010 foi de 4,6%; frente aos 2,5% dos anos anteriores. E com uma contínua queda da desigualdade social, como mostram indicadores como o índice de Gini. O Brasil entrou no radar do invesO CRÉDITO FOI UM DOS PONTOS ti timento internaDE PARTIDA PARA c cional. O real já A EXPANSÃO DA fa parte do porfaz CLASSE MÉDIA tfó tfólio da maioria dos ggestores globais. inves O investimento direto deve chegar a quase US$ 60 bilhões ao ano, uma cifra relevante, especialmente se levarmos em conta que as economias centrais ainda estão em crise. E daqui para a frente? Provavelmente, o crescimento mais intenso da última fase se consolidará, haja vista o processo de expansão da classe média – que deve continuar por mais alguns anos – e o longo cronograma de investimentos que precisarão ser feitos para modernizar nossa infraestrutura e atender as demandas específicas de Copa do Mundo, da Olimpíada e da exploração do pré-sal. Por outro lado, ainda cresceremos abaixo de outros países emergentes parecidos e abaixo da nossa real necessidade de acelerar o processo de acabar com a miséria no país. Isso porque gargalos muito relevantes, como a falta de poupança doméstica e a educação de base deficiente, ainda estarão presentes. Há poucos sinais, por enquanto, de que faremos reformas estruturais mais profundas e investiremos de forma mais eficiente nossos recursos em educação. Esses são os grandes desafios das próximas décadas.

Foto: Rafael Andrade/Folhapress

A virada de mesa do Brasil

32 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 opiniao Caio.indd 2

5/30/11 6:46:29 PM


Economia & comércio

O cemitério das moedas A INFLAÇÃO PRESSIONOU CONSIDERAVELMENTE AS TRANSFORMAÇÕES MONETÁRIAS NA AL NAS ÚLTIMAS DÉCADAS ara economistas e governos, a força de muitos países da América Latina hoje é um problema. Os bancos centrais e os ministérios de Finanças procuram “debilitar” suas moedas com o acúmulo de reservas, por meio da imposição de controles de capital e da criação de fundos soberanos. O temor é que o prolongado auge das commodities gere desequilíbrios futuros. A situação atual contrasta com a história recente da região, quando um de seus problemas era o contrário: moedas debilitadas pela alta inflação e dívida elevada. Durante anos, muitos países latino-americanos faziam e desfaziam de suas moedas, a fim de afastar o pesadelo da hiperinflação. Apenas no Brasil, houve quatro moedas diferentes em menos de dez anos durante as décadas de 1980 e 1990. Lembram-se do inti do Peru ou do cruzado brasileiro? No fim dos anos 1980, eram as moedas oficiais desses países. Outras simplesmente desapareceram e foram substituídas pelo dólar americano, como o sucre equatoriano e o colón salvadorenho. A maioria dos países da América Latina viveu pelo menos uma mudança de moeda nos últimos 25 anos. Algu-

Foto: Shutterstock

P

mas foram sutis, como no caso do México: com o passar dos anos, o “novo” peso, introduzido em 1993, se desfez de seu prefixo e ficou simplesmente como peso. Outras, muito mais brutais. Estas são as finadas moedas mais conhecidas do cemitério das moedas: AUSTRAL Foi a moeda argentina entre 1985 e 1991, tendo substituído o peso a uma taxa de 1 por 1.000 pesos. Com a inflação em 5.000% em 1989, o austral perdeu valor e credibilidade. Veio o Plano de Conversibilidade e uma nova moeda: o peso. Em 31 de dezembro de 1991, o governo de Carlos Menem introduziu o peso a uma taxa de 1 peso por 10.000 austrais e o atrelou ao dólar americano a uma taxa de 1 para 1. A crise de 2001 levou consigo o tipo de câmbio fixo. Hoje, o peso está cotado a 4 por dólar. PESO BOLIVIANO A moeda sofreu com a crise da dívida e a hiperinflação dos anos 1980. Em 1985, a inflação chegou a históricos 11.750%. Em 1987, o governo lançou o boliviano a uma taxa de câmbio de 1 por 1 milhão de pesos. Naquele momento, 1 boliviano equivalia a cerca de 1 dólar americano. Hoje, a relação é de aproximadamente 7 por dólar.

CRUZADO E O CRUZEIRO O Brasil tem um verdadeiro mausoléu de moedas. Em menos de uma década, teve quatro diferentes. Em 1986, o governo de José Sarney introduziu o cruzado, substituindo o cruzeiro novo a uma taxa de 1 por 1.000. Mas, em 1990, o cruzeiro voltou pelas mãos de Fernando Collor de Melo. A elevada inflação crônica era o pano de fundo para tantas mudanças. Em 1990, alcançou um recorde histórico de 6.821%. Depois da introdução do real, os preços se estabilizaram. Inédita também foi a trajetória dessa moeda: debutou ao par com o dólar e, após altos e baixos no fim da década de 1990, hoje é cotado a 1,60 por dólar. SUCRE Foi a moeda oficial do Equador até 2000. Até o início dos anos 1980, era uma das mais estáveis da região, mas a crise na América Latina obrigou o governo a desvalorizá-la em 1983 e adotar um regime de câmbio móvel. A partir de 1999, começou sua trajetória de queda livre. A solução foi dolarizar totalmente a economia, o que vigora até hoje. INTI Com uma virtual guerra civil e elevada dívida, no fim dos anos 1980 o Peru entrou em uma das maiores espirais hiperinflacionárias da região. Em 1988, a inflação chegou a 667% e, em 1990, a 7.482%. Uma das vítimas foi o inti, a moeda introduzida em 1985 para substituir o sol. Em julho de 1991, o governo de Alberto Fujimori lançou o novo sol, como par de um amplo paparte O BRASIL co cote de reformas. De TEVE QUATRO lá para cá, o novo sol MOEDAS DIFERENTES te sido uma das tem DURANTE AS DÉCADAS DE 1980 m moedas mais estáE 1990 ve veis da região. Junho, 2011 AméricaEconomia 33

AE 400 moedas.indd 3

31.05.11 21:18:49


Bolsas & mercados

Um afago nas finanças A

O epicentro das reformas foi o Chile. A criação de contas de previdência pessoal foi uma confluência fortuita de teoria e conveniência. O sistema público não era capaz de repartir o suficiente para que os aposentados tivessem uma vida digna. A economia ainda tropeçava quase sete anos depois da chegada dos militares ao poder. Os responsáveis pela política econômica haviam desmantelado as complexas regras que fixavam preços, estabeleciam cotas e restringiam a concorrência. Uma ideia

apostou no BNDES, banco estatal que canalizou fundos para projetos prioritários. Depois foram introduzidas mudanças aparentemente menores nas regras para a emissão de novas ações e, assim, sem fanfarra, nasceu o Novo Mercado, em 2000. A partir de então, qualquer empresa que quisesse emitir novas ações precisaria cumprir um conjunto de normas: uma ação, um voto; diretorias independentes; sistemas de auditoria de acordo com padrões internacionais. Por mais de um ano, as novas normas não produziram nenhum resultado. A primeira onda de novas emissões veio em 2002. Mas, depois, elas se multiplicaram. Demorou mais tempo para que os investidores se dessem conta de que as regras do Novo Mercado, na AS VELHAS ver verdade, redistribuíam o poder BM&F E BOVESPA na governança corporativa. E, ERAM MERCADOS e então, o mercado decolou. MORIBUNDOS E Em maio de 2005, apenas MARGINAIS PARA O 2 2,8% das transações da BovesTAMANHO DO BRASIL pa correspondiam a posições no N Novo Mercado. Em outubro, ú o número havia subido para 5,6%. Em setembro de 2006, superou 60%. Essa migração foi rápida porque as empresas brasileiras viram que podiam levantar capital de forma mais barata. Antes, precisavam se financiar com dívida, um processo caro e arriscado, ou por sua dívida externa e de seus bancos que meio do reinvestimento de lucros. Até coxeavam, organizou-as de forma a as mais céticas se viram obrigadas a aumentar o investimento na ampliação recorrer ao Novo Mercado para baixar da capacidade, de 10,7% do PIB para seu custo de capital e continuar sen20,1%, em 1989. Esses investimentos fodo competitivas. ram, por sua vez, o motor de 14 anos de Os investidores se deram conta impactante crescimento econômico. de que as emissões de ações no Novo O Brasil fez seu próprio caminho Mercado eram atraentes. Viram que em direção à decolagem econômica. os minoritários estavam em uma posiAs velhas BM&F e Bovespa eram merção mais forte e que muitas das novas cados moribundos e marginais para emissões estavam subvalorizadas, uma o tamanho da economia. O governo, maneira de facilitar seu investimento. buscando estimular novas indústrias, oportuna era permitir que os próprios trabalhadores pudessem economizar suas aposentadorias. O esquema funcionou bem, especialmente depois de 1982, quando o sistema financeiro tradicional, dominado pelos bancos, entrou em colapso no país. As reformas estimularam o crescimento do mercado de capitais, de forma que as grandes empresas puderam emitir títulos, e o mercado de valores voltou a dar sinais de vida. O Chile, apesar da expressiva carga de

Foto: Alexandre Battibugli

s reformas financeiras do último quarto de século na América Latina não resultaram do surgimento espontâneo e sincronizado de novas ideias. Brotaram aqui e ali como brotos na primavera, em diferentes pontos e com diferente intensidade. Em alguns países, houve visionários que apostaram que as mudanças financeiras engendrariam outras reformas, mas a ideia geral era melhorar um sistema preexistente que não estava funcionando bem.

34 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 artigo Edmunds V1.indd 2

31.05.11 20:16:05


Bolsas & mercados E as empresas emissoras estavam de acordo com isso, pois obtinham capital a um preço muito menor do que antes. A subvalorização fez com que investir no Novo Mercado fosse mais fácil e rentável. Uma regra de investimento simples era tomar posições em todas as novas ofertas, guardar as ações por uns seis meses, vender e reinvestir. Um gestor de fundos britânico se gabava por haver conseguido lucros de 30% a cada seis meses entre 2004 e 2007 usando essa estratégia, sem falar uma palavra em português. A magnitude da decolagem foi maior do que qualquer um de seus promotores havia previsto. O gigante adormecido havia despertado. O valor de mercado de todas as ações ordinárias listadas no Brasil saltou rapidamente de US$ 126,762 bilhões no fim de 2002 para US$ 1,4 trilhão no fim de 2007. Um aumento de mais de dez vezes, em virtude da valorização das ações existentes e do interesse das empresas em emitir novas ações. Chile e Brasil não foram os únicos a reformar seus mercados de capitais. No âmbito latino-americano, a capitalização em bolsa aumentou de 12% em 1990 para 42% em 2004. Chegou a 63% em 2007 e caiu no ano seguinte, resultado da crise mundial. Mas se recuperou em 2009 e não parou de subir nos últimos dois anos. Claro que houve exceções. A Argentina renovou suas instituições financeiras, mas sem chegar a convencer os estrangeiros. Seu mercado acionário ainda é minúsculo em relação ao tamanho da economia, e o país nacionalizou duas vezes seu sistema previdenciário. É um país muito bem-sucedido e sofisticado em muitos aspectos, mas tão atrasado em relação ao Brasil em reformas e inovação financeira que, na hora de fazer seus IPOs (oferta pública inicial de ações), as empresas argentinas costumam voltar os olhos para São Paulo ou Londres, mas não para Buenos Aires.

Os altos no mercado de capitais As empresas mais rentáveis por país (% de variação desde o IPO*) EMPRESA

SETOR

Capitales (Bolsa de Santiago)

Finanças e seguros

DATA DO IPO 07/08/06

638,45

Minera Andina Exploraciones (Bolsa de Lima)

Mineração

25/01/05

354,16

Boldt Gaming SA (Bolsa de Buenos Aires)

Jogos

15/03/07

283,54

Le Lis Blanc (Bolsa de São Paulo)

Têxtil

28/04/08

273,35

Genomma Lab Intern. (Bolsa do México)

Cosméticos

17/06/08

208,43

Ecopetrol (Bolsa de Bogotá)

Petróleo e gás

27/11/07

161,41

RENTABILIDADE DESDE A OFERTA INICIAL (%)

E os baixos... As empresas menos rentáveis por país (% de variação desde o IPO*) DATA DO IPO

RENTABILIDADE DESDE A OFERTA INICIAL (%)

EMPRESA

SETOR

Laep (Bolsa de São Paulo)

Alimentos e bebidas

30/10/07

-97,56

Axtel (Bolsa do México)

Telecomunicações

05/12/05

-94,11

Cruzados (Bolsa de Santiago)

Esporte

03/12/09

-52,21

Grupo Clarin (B. de Buenos Aires)

Comunicação

18/10/07

-51,74

*

Desempenho até 17/05/ 2011, descontado o índice de referência de cada bolsa, como Ibovespa (S. Paulo), IPSA (Santiago) e Merval (B. Aires) Fonte: Economática

Junto com as reformas dos mercados de capital, houve reformas nos mercados de títulos, nos mercados futuros e nas plataformas de transação. Alguns países aumentaram cuidadosamente a abertura de seus sistemas financeiros. Peru e Colômbia vincularam seus mercados acionários aos do Chile, catapultando-se em conjunto, à frente do México e passando a ocupar o segundo lugar, atrás do Brasil. As reformas falharam em duas coisas. Uma é que as empresas médias não conseguem obter capital suficiente para aproveitar seu potencial. As grandes ficam com tudo. Falharam também com os empreendedores, que, com sorte, obtêm menos financiamento do que necessitam. Esses dois fracassos são motivo de grande preocupação nos países que fizeram reformas financeiras. Mas existem outros que afetam também os que conservaram seus sistemas financeiros

como eram há 25 anos. Custava muito às empresas pequenas obter financiamento a partir de qualquer fonte. A resposta foi o microcrédito, ressaltado como um caminho para escapar da pobreza e, depois, vilipendiado por seus altos custos administrativos e suas táticas de alta pressão. Além disso, os consumidores de classe média baixa podem obter crédito para a aquisição de bens duráveis, mas não para compras que poderiam melhorar sua renda. Por exemplo, um taxista pode pedir dinheiro para comprar um refrigerador, mas não para comprar o táxi que dirige. Depois de pagar parte do custo do refrigerador, ele pode comprar um televisor, mas não poderá comprar seu táxi. As instituições priorizam o crédito de consumo porque é mais rentável (seu negócio se baseia em leis estatísticas, em prever de maneira confiável as taxas de inadimplência e de recuperação dos empréstimos). Junho, 2011 AméricaEconomia 35

AE 400 artigo Edmunds V1.indd 3

6/1/11 12:25:07 PM


Bolsas & mercados Dinheiro no mercado Evolução anual de IPOs (número de IPOs feitos no ano)

México

2 5 3 4 5 5 3 2004 2006 2008 2011 2005 2007 2010 Bogotá

1 1 2007 2008 Lima

1 2

São Paulo

6 8 2004 2005

2005 2007

Santiago

2 5 4 2 31 2004 2006 2009 2005 2007 2010

57

4 5 10

7

São Paulo 2006 2007

2008 2009 2010

2011

19

Buenos Aires

11 42 2005 2007 2006 2010

Fonte: Economática

Os próximos 25 anos verão um redobramento de esforços para fazer com que os sistemas financeiros respondam às necessidades da população. Haverá iniciativas para financiar a criação de novos negócios, tanto para startups quanto para estimular o crescimento. Haverá financiamento para os empreendedores e procedimentos formais para a “bancarrota branda”, que permitam reduzir o castigo por fracassar. Para acelerar o fluxo de crédito aos pequenos e médios negócios, haverá inovações financeiras para superar os obstáculos. Em países onde a reforma de seus sistemas financeiros apenas começou, a prosperidade começa a ser visível em polos concentrados de crescimento e nos distritos financeiros das capitais. Aumenta o nível de vida dos pensionistas e surgem novas cortes de jovens

profissionais das finanças. As reformas permitiram reduzir a dependência desses países dos bancos internacionais e financiar a expansão de algumas indústrias, particularmente de oligopólios. Mas isso é apenas o começo. O crescimento dos ativos financeiros per capita foi bem recebido, mas trouxe também novos desequilíbrios. Em 2002, os ativos financeiros por habitante na América Latina, incluindo títulos, ações e ativos bancários, somaram US$ 5 mil, e os ativos financeiros totais equivaliam a 160% do PIB anual de toda a região. Em 2007, o nível per capita dos ativos havia mais que duplicado, para US$ 11 mil, e os ativos totais equivaliam a 176% do PIB. Quando houve a crise mundial de 2008-2009, os países latino-americanos resistiram bem, mas os ativos per

capita caíram para US$ 10 mil, e seu valor foi reduzido a 129% do PIB. No ano seguinte, haviam subido novamente, para US$ 13,2 mil. Prever a que nível chegarão em 2036 é um exercício especulativo, mas há motivos para crer que o montante total poderia alcançar cerca de US$ 124 mil per capita (para fins de comparação, nos EUA, em 2009, o montante subiu para US$ 201 mil). Haverá títulos, ações ordinárias, ativos bancários em poder das contas de aposentadoria, contas de banco, poupanças, fundos mútuos e apólices de seguros: os ricos possuirão uma grande proporção do total, mas a classe média terá sua fatia. O capital de muitas empresas permanece fechado, e pode ser aberto por meio de IPO. Se os sistemas financeiros de sucesso continuarem crescendo, e os sistemas sem reformas titubearem e estacarem, poderá haver efeitos transfronteiriços. Antes, os empreendedores e os profissionais com mais qualificação migravam para os países ricos, mas o sucesso das economias da região é um ímã poderoso para retê-los. Em vez de levar sua formação, juventude e criatividade para nações ricas, eles permanecerão na América Latina, ainda que não necessariamente nos países onde nasceram. E reter talento em casa não será a conquista máxima à qual a região pode aspirar. É possível que empreendedores e profissionais da Ásia e da Europa Oriental migrem para a América Latina. Dependerá de os países serem capazes de atraí-los com a possibilidade de criar empresas, dar-lhes financiamento de capital de risco e desfrutar (finalmente) de maior autonomia profissional. Se isso ocorrer, a gama de possibilidades para a prosperidade futura da região se ampliará dramaticamente.

John C. Edmunds Doutor em administração de empresas pela Universidade de Harvard, professor de Finanças do Babson Collage, em Boston, e coautor do livro Wealth by Association.

36 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 artigo Edmunds V1.indd 4

31.05.11 20:16:30


Bolsas & mercados

Otimismo com cautela inda ninguém sabe ao certo quanto tempo vai durar a crise econômica que tanto tem castigado os dois grandes países da Península Ibérica (Espanha e Portugal). Mas sabemos que a América Latina conseguiu contornar o temporal financeiro, então deveríamos nos atrever a imaginar um futuro otimista para a região nos próximos dez ou 20 anos. O horizonte que temos pela frente está marcado por cinco macrotendências que afetam a todos. A primeira é que a globalização não pode ser detida, e vai se intensificar com o passar do tempo. A segunda é que a economia de mercado continuará a existir, mas em um ambiente de maior desconfiança e com maior vigilância e intervenção por parte do Estado. A terceira é que a produtividade, a competitividade e o crescimento estarão mais vinculados do que nunca à inovação e às mudanças tecnológicas. A quarta é que o mundo, tão dominado durante o século 20 pelo formidável poder dos Estados Unidos, será mais e mais um espaço multipolar no qual vem ganhando força (política, econômica e, mais adiante, também militar) uma série de nações emergentes, sobretudo a China, para citar, mais uma vez, um caso paradigmático. E, por fim, a quinta macrotendência é determinada pela preocupação crescente diante das mudanças climáticas e pelo grande debate sobre como suprir as necessidades energéticas do planeta. A América Latina aprendeu com os erros do passado. Controlou sua macroeconomia. Manteve sob controle a inflação, com um conjunto de políticas fiscais, monetárias e cambiais. Aproveitou a bonança de seus produtos de exportação para reduzir sua dívida externa. Alguns países geraram reservas de até US$ 460 bilhões, número inimaginável no passado. A América Latina se abriu para o exterior, está avançando nesse equilíbrio sempre difícil entre Estado e mercado e está obtendo sucesso na redução da pobreza, o que é muito claro em países como Brasil, México e Chile. No entanto, embora não sejamos a região mais pobre do mundo, somos a mais desigual. Esta continua sendo nossa grande marca. Para combatê-la, é preciso fazer um trabalho

Foto: Agência Vale

A

focado nos grupos sociais com renda mais baixa, procurando um grande pacto fiscal, fazendo uma reforma tributária profunda, que permita melhorar a distribuição da renda, e esforçando-nos para aumentar a coesão social – fundamental para que nosso bom crescimento A DEMANDA ve venha acompanhado de um POR COMMODITIES, b bom desenvolvimento. COMO MINÉRIO DE Diante da crise econôFERRO, AJUDOU A m mica no Ocidente, a AméEQUILIBRAR A ECONOMIA ric Latina, que dispõe de rica recu recursos naturais abundantes, já n não é, como sempre foi, parte do problema, e sim parte da solução. Temos de aproveitar, claro, nosso grande potencial em termos de matérias-primas de que as potências emergentes da Ásia necessitam. Mas sem descuidar de nossos investimentos em educação e pesquisa, para que os países da região superem seu atraso tecnológico. Faz necessário ainda um esforço extraordinário para aumentar a atração de investimentos estrangeiros. Já que os dados são obstinados: enquanto nos últimos anos a China captou, em média, 30% de todos os investimentos estrangeiros diretos destinados aos países em desenvolvimento, o Brasil, o mais importante captador de investimento estrangeiro direto da região, canalizou pouco mais de 7%. O México, segundo país na região em importância para os investidores estrangeiros, ficou com pouco mais de 4% dos recursos. Apesar das incertezas mundiais, na América Latina é preciso ser cautelosamente otimista. Recordemos que um dos segredos do futuro será, insisto, encontrar o equilíbrio ideal entre Estado e mercado. Ambos devem ser mais eficazes e mais transparentes. Nem Estado intervencionista, torpe e corrupto, nem mercado selvagem, especulativo e desregulado. E confiemos, enfim, que o mundo avançará em direção a uma globalização mais humanizada, um poder econômico mais democratizado e uma nova ordem internacional, com instituições multilaterais renovadas e mais fortes.

Enrique Iglesias Secretário-geral da Secretaria Geral Ibero-Americana (Segib), da Espanha.

Junho, 2011 AméricaEconomia 37

AE 400 artigo Iglesias V1.indd 3

5/30/11 6:09:30 PM


Bolsas & mercados

indústria de capital privado opera há décadas na América Latina, e sua atividade evoluiu muito nos últimos anos, tanto na operação dos próprios fundos quanto nas características dos prospectos em que investem. Os interesses desses investidores têm se concentrado em alguns países, principalmente Argentina, Brasil, Chile, México e, mais recentemente, Colômbia e Peru. Mas os investimentos continuam muito abaixo dos níveis experimentados recentemente por outras regiões emergentes, particularmente Ásia e Leste Europeu. Isso não mudou nos últimos anos. Contudo, o nível de interesse dos investidores globais e o de profissionalização da indústria na América Latina, sim. Os investimentos latino-americanos têm proporcionado

A

A INDÚSTRIA DOS FUNDOS DE INVESTIMENTO CONTINUARÁ A CRESCER NOS PRÓXIMOS ANOS

bons rendimentos a seus investidores. Isso aconteceu graças à adaptação feita para captar melhor as oportunidades oferecidas pelos diferentes países da região. Em geral, os investimentos contam com pouca alavancagem financeira. Assim, não se sustenta a tese de retorno com base em engenharia financeira. Embora os fundos fortaleçam a estrutura de capital da empresa, a criação de valor normalmente se res-

Victor Esquivel Sócio e líder da Prática de Assessoria em Transações e Reestruturações da KPMG no México.

palda em uma maior massa crítica do negócio e na melhora da rentabilidade e da eficiência operacional. Os investimentos prevalecem em empresas de porte familiar ou de controle privado que podem receber dinheiro fresco dos fundos de capital para fortalecimento de sua estrutura financeira e melhora da governança corporativa. Depois de realizado o investimento, observa-se uma gestão ativa e próxima por parte dos gestores do fundo para proporcionar estratégia e, em especial, acompanhar o cumprimento do plano de negócios. Isso levou muitos fundos a transformar seu modelo de operação e tomar como sua sede de investimento cidades da região: São Paulo, Buenos Aires e Cidade do México, ao contrário de centros financeiros tradicionais, como Nova York e Londres. Outra característica peculiar são as estratégias de saída adotadas na região. A maior parte dos retornos para os fundos é realizada por meio da venda da empresa a um comprador estratégico, isto é, uma empresa local ou estrangeira na mesma linha de negócios. O crescimento dos mercados de capitais, particularmente nos últimos dez anos, permitiu a entrada na bolsa de empresas promovidas pelo capital privado, em países como Brasil e México. Mais um atributo que evoluiu nos últimos anos foi o fato de os fundos internacionais contratarem gerentes locais para dirigir suas estratégias de investimento. Isso prova que, embora falemos de América Latina, na realidade trata-se de um bloco de países com características similares, mas não idênticas. Há duas décadas, os gestores de fundos mais ativos estavam ligados aos grandes bancos internacionais, investindo recursos da própria instituição ou de terceiros, ou então faziam parte de investidores privados ou familiares (os family offices). Com o tempo, os gestores de fundos locais e regionais ganharam experiência. Hoje, os principais fundos são especializados em capital privado, não necessariamente ligados a alguma instituição financeira.

Foto: Shutterstock

A rota do dinheiro

38 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Esquivel2.indd 2

5/30/11 7:20:37 PM


Surfando na onda Investimento em private equity e capital de risco na AL (em US$ bilhões) 8

7,3

6,6

6

4

3,7

2

1,5 0,4 0

1996

1999

Fonte: VELA

2003

2007

2010

Uma mudança substancial que começou a se generalizar em quase todos os mercados em que opera o capital privado na América Latina é a abertura para a participação dos fundos de pensão locais nesse tipo de ativo. Os sistemas de Chile e Brasil foram os precursores em desregulamentar o regime de investimentos para permitir cestas de investimento em capital privado. Posteriormente, Colômbia, Peru e México o fizeram também. Nas próximas décadas, veremos uma indústria que continuará se expandindo. As perspectivas de crescimento continuarão sendo essenciais para essa atividade. A classe média está experimentando níveis de renda crescentes, e os principais países da região contam com um bônus demográfico que permitirá a entrada no mercado de fatias interessantes da população. Da mesma forma, a incursão dos fundos de pensão e outros investidores institucionais dará nova dimensão à indústria desses países. Os fundos de pensão na América Latina, que administram mais de US$ 700 bilhões, serão um importante jogador institucional para patrocinar o capital privado nos anos que virão. Outro caminho são os fundos de private equity, que no ano passado investiram US$ 6,6 bilhões no mercado latino-americano. Empresas privadas e algumas familiares continuarão a demandar recursos para crescer e acompanhar os mercados. É importante que os empresários e empreendedores conheçam os benefícios trazidos pelo capital privado em comparação com outros mecanismos tradicionais de financiamento, mas, sobretudo, que permeiem aspectos importantes na cultura empresarial local, como governança corporativa e transparência financeira.

Você já pode ler a mais importante publicação de negócios da América Latina no iPad. Faça o download na App Store.

AE 400 Esquivel2.indd 3

01.06.11 14:33:04


Bolsas & mercados

Até quando esperar? amos aos números. A América Latina tem 3% dos Lumpur e Hong Kong. Um centro financeiro isolado não ativos bancários do mundo, e suas bolsas represerve. Todos precisam de diálogo e vínculos com outros sentam 5% da capitalização acionária mundial. A centros financeiros em sua zona geográfica. região conta com 4% da indústria mundial de gestão de atiA incapacidade dos países para entender isso tira força vos de terceiros e 3% dos prêmios globais da indústria segurada integração financeira latino-americana. No Chile, ter dora. São números reduzidos para uma região que representa Santiago como centro financeiro é um desejo de pelo menos 9% da população global. Mas a baixa penetração reflete o dez anos, mas isso só será possível se Lima, Bogotá e São enorme potencial. Apenas um exemplo: os ativos sob gestão Paulo forem, por sua vez, centros financeiros com os quais de administradoras de fundos na se possa dialogar. América Latina representam A desconfiança que 21% do PIB da região, existe entre os países enquanto os números latino-americanos preequivalentes são de cisa ser reduzida. No 40% na Europa e 73% plano da integração nos Estados Unidos. financeira, os órEm um contexto gãos reguladores deno qual as persveriam ter acordos de pectivas de crescireconhecimento múmento são as metuo que permitissem lhores em décadas, às instituições de um podemos dizer que o país ter um tratamenfuturo é quase nosso. O problema to favorável ao operarem é o quase. A verdade é que a Amérinos países vizinhos. ca Latina continua sendo mais uma Há ventos frescos de integração noção geográfica que uma sólida na América Latina, como o anúncio da rede de negócios. Embora isso esteintegração operacional das bolsas de valores de Colômbia, Lima e Santiago, o projeto Mila. ja mudando com a expansão NOSSOS Em de empresas multilatinas, a Embora se trate de um acordo de encaminhamento LÍDERES NÃO d ordens (e, sob essa perspectiva, pode parecer integração é promissora, mas de ENTENDEM QUE O p ainda incipiente. pouca coisa), na verdade sua formulação é um SUCESSO DO PAÍS s Uma razão pela qual a Amésucesso. O Mila deve ser entendido como o priVIZINHO É UMA OPORTUNIDADE m rica Latina é entendida mais como uma meiro de vários passos de integração financeira entr Chile, Colômbia e Peru. A nova bolsa entrará zona geográfica do que uma rede de negócios é que, entre ntre em operação ope durante muitos anos, existiram desconfianças entre em pouco tempo e será, sem dúvida, um os nossos países. Grande parte dos líderes da nossa região é modelo para a região. incapaz de entender que o sucesso do país vizinho constitui Outro evento é a criação, há um ano, da Brasil Invesuma oportunidade. timentos & Negócios (BRAiN), concebido pela Febraban Se examinarmos a realidade dos grandes centros finan(a federação dos bancos), pelo mercado de ações de São ceiros globais, salvo aqueles que são paraísos fiscais, veremos Paulo, por meio da BM&FBovespa, e pela Andima (Assoque eles alcançaram essa posição porque estão integrados a ciação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro uma rede de negócios regional. Cingapura, por exemplo, é e de Capitais), com o objetivo de alinhar os grandes players um centro financeiro que começou como um nicho para os brasileiros rumo à integração financeira na região. O mohedge funds, mas hoje está integrado a Sidney, Tóquio, Kuala delo proposto pela BRAiN é justamente o de desenvolver uma rede de negócios e investimentos na qual cada país Guillermo Larraín possa buscar seu próprio nicho. A integração dos mercados Presidente da Chile Capital Consultores e consultor financeiros será a tendência mais relevante nessa indústria externo da BRAiN, Brasil Investimentos & Negócios. nos próximos anos.

Foto: Shutterstock

V

40 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Larraín V1.indd 2

5/30/11 6:11:52 PM


obrigado! No nosso aniversário de 25 anos, gostaríamos de agradecer aos nossos amigos, fornecedores, corretores e clientes espalhados em mais de 170 países. Com sua ajuda, nos tornamos uma das maiores seguradoras do mundo em Seguros Patrimoniais e Responsabilidades.

Seguros Patrimoniais Riscos de Engenharia Transportes Responsabilidade Civil Acidentes Pessoais Vida

BASE PAGINA COMPLETA.indd 1

27/05/2011 16:16:21


América & o mundo

Um bloco que patina O QUE ESPERAR DO MERCOSUL DEPOIS DE DUAS DÉCADAS DE AVANÇOS PONTUAIS PAULA PACHECO, DE SÃO PAULO

omo avaliar a relação entre países que brigam por picuinhas, como exportações de balas, bidês e vasos sanitários? Ou ainda por metros de tecidos e pares de calçado? Tal qual uma relação entre imaturos, os países que formam o Mercosul – Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – comportam-se mais como uma turma do jardim da infância do que feito adultos que há 20 anos decidiram formar um clube. Recentemente, o governo argentino, pressionado pelo desempenho fraco de sua economia, decidiu endurecer ainda mais a relação comercial com o Brasil. E pensar que um dos mais comemorados ganhos com a criação do bloco foi a aparente pá de cal sobre os conflitos entre os dois países, construído a partir da redemocratização da região. Mas o Mercosul não é um caso perdido. Em 20 anos de existência, completados em março passado, o comércio intrabloco aumentou em dez vezes, de US$ 4,5 bilhões, em 1991, para o valor recorde de US$ 45 bilhões em 2010. Os especialistas apontam avanços, mas ponderam que a fase de boas notícias faz parte do passado.

AE 400 Mercosul.indd 2

Foto: Shutterstock

C

5/30/11 7:56:43 PM


América & o mundo “O bloco ainda vive um processo de integração, com avanços econômicos e comerciais importantes. Mas o que se vê agora é uma sucessão de retrocessos, como as barreiras crescentes criadas pela Argentina em relação ao Brasil”, analisa o economista Pedro da Mota Veiga, diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) e sócio-diretor de EcoStrat Consultores. Para Alberto Pfeifer, diretor executivo do Conselho Empresarial da América Latina (Ceal), um dos resultados mais importantes obtidos com a formação do Mercosul foi a criação de canais de comunicação entre os países e a aproximação entre as burocracias. “É difícil imaginar a América do Sul sem o Mercosul”, avalia Pfeifer. O diretor do Ceal lembra, no entanto, que desde a assinatura do Tratado de Assunção, em 1995, pouco se avançou na reavaliação das listas de exceções dos países-membros – itens que não fazem parte da tabela da Tarifa Externa Comum (TEC). Cada país, para compensar setores em que se considerava frágil, submeteu uma relação de produtos com tarifas diferentes das que constavam da lista da TEC. Deveria ser temporário, lembra Pfeifer, mas até hoje essa situação prevalece. Ex-coordenador da Seção Nacional do Mercosul (1991-1993) e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o embaixador Rubens Barbosa explica que, no começo, o Mercosul estava voltado para a integração econômica e comercial. As negociações para a abertura dos mercados dos países-membros foram importantes para as empresas brasileiras, servindo como um exercício útil para o acompanhamento e a negociação de acordos regionais e multilaterais. Mas o que se vê hoje contraria a primeira fase de integração. “Os atuais órgãos do Mercosul fun-

cionam de maneira precária, o que não permitiu mais avanços nas negociações. O Tratado de Assunção continuou sendo seguidamente desrespeitado por todos os países-membros, com crescentes exceções quanto à TEC, aplicada apenas a cerca de 35% dos produtos, e restrições às exportações, como licenças prévias e restrições voluntárias, contrárias ao espírito do tratado”, afirma o embaixador. O especialista em comércio exterior propõe que sejam colocados em prática avanços institucionais, o que exigirá esforços adicionais para fortalecer a TEC e, especialmente, o mecanismo de solução de controvérsias. Hoje, a cada indisposição entre os parceiros,

Parte dessa queda tem a ver, é claro, com a pujança de outras economias, como a chinesa, para onde empresários do Brasil e do mundo têm direcionado seus negócios nos últimos anos, mas também é reflexo das constantes barreiras que fazem com que produtos, principalmente os brasileiros, fiquem acumulados na fronteira com a Argentina. Esse foi o caso das máquinas agrícolas e, mais recentemente, de massas, balas e chocolates barrados porque as autoridades sanitárias argentinas passaram a dificultar o desembaraço de mercadorias vindas do Brasil. Para os bidês, o governo Kirchner decidiu aplicar o critério de valor mínimo para os produtos.

Em 20 anos, o comércio intrabloco aumentou dez vezes. Apesar disso, a participação do Mercosul na balança comercial brasileira tem diminuído há uma sucessão de trocas de correspondências ou emissários que tomam um avião com destino ao país criador das animosidades. Apesar da evolução dos negócios entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, o comércio com países fora do bloco tem se mostrado mais promissor, em alguns casos. Nos últimos dez anos, a participação das vendas brasileiras para os três parceiros do Mercosul caiu de 14,4% para 11,9% do total exportado. No caso das importações, a queda foi ainda maior. De 2000 para 2010, diminuiu de 13,96% de participação para 9,15%. “Quando o presidente Lula tomou posse, procurou ter um discurso de fortalecimento dos negócios com a América do Sul. Mas, sem alarde, a região está perdendo importância. Enquanto isso, a Ásia, especialmente a China, absorveu as exportações brasileiras”, diz Mota Veiga.

Segundo a consultoria Abeceb, de Buenos Aires, atualmente, das exportações feitas pelo Brasil para a Argentina, 23,9% são alvo de barreiras. No ano passado, as medidas protecionistas atingiram 13,5% dos produtos brasileiros.

INTERESSE EUROPEU Recentemente, a União Europeia voltou a propor uma reaproximação com o Mercosul. Na verdade, os europeus estão de olho mesmo nas vantagens que podem ter em negociar com o Brasil. O Mercosul já tem acordos assinados com Israel, Índia, Indonésia, Malásia, Marrocos, Cuba, Coreia do Sul e Egito. Os especialistas não acreditam que os europeus vão passar da fase de discussão para se tornarem parceiros do Mercosul, especialmente por conta da hesitação da presidente Cristina Kirchner, da Argentina, que tenta domar um país em situação crítica na esfera econômica Junho, 2011 AméricaEconomia 43

AE 400 Mercosul V1.indd 3

5/30/11 6:16:45 PM


América & o mundo mente por França e Itália para combater A dificuldade em se desenhar perspeca imigração ilegal. O país, signatário tivas para o futuro não é uma realidade do Tratado de Schengen, não poderia apenas para o Mercosul. Depois que o adotar a restrição. A comissária para mundo viu a economia global esmoreAssuntos Internos na Comissão Eucer, em 2008-2009, uma onda de proteropeia, Cecilia Malmstrom, ameaçou cionismo se espalhou pelo mundo. iniciar um procedimento de infração Uma das mais recentes demonstracontra a Dinamarca por seus planos de ções disso aconteceu após o anúncio reintroduzir controles alfandegários nas da Dinamarca, país-membro da União fronteiras com Alemanha e Suécia. Europeia, de restabelecer o controle Há quem ressalte entre os atrativos alfandegário nas suas fronteiras com do Mercosul seu potencial energético oem cconstante expansão, o fato a Alemanha e a Suécia. A proCAMINHÕES de ter uma das áreas agrícolas posta foi defendida recente-

PROTECIONISMO

ESPERAM EM DIONÍSIO CERQUEIRA (SC) PARA CRUZAR A FRONTEIRA COM A ARGENTINA

As principais dificuldades vêm da assimetria econômica e social entre os países

mais produtivas do mundo, a riqueza no subsolo e ter sido bem pouco afetado pelo debacle econômico de 2009 – e, com isso, ter preservado o potencial do consumo interno. Afinal, são cerca de 200 milhões de habitantes – sendo que 80% dessa população está no Brasil. Será que esses fatores serão suficientes para tirar o bloco sul-americano do jardim da infância e torná-lo apto ao jogo de gente grande?

Foto: Sirli Freitas/Agência RBS

e, por isso, cada vez menos disposta a ceder. Além disso, a União Europeia não quer nem ouvir falar do fim dos subsídios a seus agricultores – uma reivindicação do Mercosul. Todo esse contexto só reforça o isolamento do Mercosul. Em duas décadas, o bloco ganhou pouca musculatura. Além dos quatro membros-fundadores, há cinco países associados: Colômbia, Bolívia, Chile, Equador e Peru. A adesão da Venezuela ainda não foi aprovada pelo Senado paraguaio, numa clara restrição ao presidente Hugo Chávez. Ao mesmo tempo em que o Mercosul patina, tentase articular a Unasul, a União das Nações SulAmericanas, que tem como objetivo a integração política regional. Uma de suas bandeiras é combater a desestabilização da região – por exemplo, por ocasião da tentativa de golpe contra o presidente do Equador, Rafael Correa. “O Mercosul se fortaleceu como ator internacional, o que foi um ganho significativo para a região. Por outro lado, as principais dificuldades derivam da assimetria econômica e social entre os países que não puderam ser resolvidas. À medida que o tempo avançou, a falta de resultados e de convergência tornaram-se elementos fundamentais para que tivéssemos poucos avanços e mais descrédito do que expectativas em relação à integração”, analisa Janina Onuki, professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo e coordenadora do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni). 44 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Mercosul.indd 4

5/30/11 7:57:17 PM


AÇÕES COMVALOR

Na FEMSA damos vida à nossa filosofia de gerar valor econômico e social simultaneamente em nove países.

155.600 Milhões investidos em programas de segurança ocupacional.*

Empregos diretos na América Latina.

US$24.7

931.000

Beneficiados com programas de vinculação comunitária.*

US$19.4

Milhões investidos em programas de cuidado com o meio ambiente.*

* Em 2010

FEMSA é a empresa líder na indústria de bebidas, com a Coca-Cola FEMSA, a maior engarrafadora independente de produtos Coca-Cola do mundo em volume de vendas. Em comércio ao detalhe, FEMSA Comércio opera com a OXXO, a maior rede de lojas de conveniência e de mais crescimento na América Latina. E na indústria da cerveja como o segundo acionista mais importante da Heineken, uma das cervejarias líderes mundiais com presença em mais de 70 países.

Sustentabilidade e Responsabilidade Social: (5281) 8318.1956 responsabilidadsocial@femsa.com.mx Comunicação Corporativa: (52.81) 8328.6046 comunicacion@femsa.com www.femsa.com

BASE PAGINA COMPLETA.indd 1

30/05/2011 15:38:07


América & o mundo

Os pecados do triunfalismo

Q

do passado e, graças a isso, conseguimos superar com sucesso a recessão nos países industrializados, tirando proveito do alto preço das matérias-primas e demonstrando prudência no gasto público, chegando depois a enfrentar com confiança as situações regressivas. Isso é louvável. Assim o entenderam os especialistas, que não pouparam elogios para destacar o bom desempenho econômico de uma região que se caracterizava pela frequência de suas crises e pelo fato de que, apesar dos prognósticos antes da crise de 2008, os números da pobreza com que concluímos o decênio, ainda que longe de serem satisfatórios, são claramente menores que os de dez anos atrás. Contudo, devemos evitar o triunfalismo de outras épocas, quando situações semelhantes foram seguidas por aumentos nos gastos e nas dívidas, para gerar maior desigualdade e novas crises. É preciso ter um juízo igualmente cuidadoso em relação ao nosso desenvolvimento democrático. Não há registro de um período da história da América Latina e do Caribe em que se tenha havido mais democracia. Mas também aumentaram as expectativas sobre o que ela significa. Antes, nos parecia suficiente ter eleições livres. Hoje, entendemos que os governos de origem democrática devem governar respeitando as instituições democráticas e os direitos políticos, civis e sociais de seus cidadãos. O passos dados até o consenso sobre a Carta DeOs A RECESSÃO, mo mocrática em 2001, com todo o peso de um passado QUE AINDA CASTIGA tr trágico, recordam a vigência de nossa organização PAÍSES COMO c como principal fórum do hemisfério e a convicção A ESPANHA, FOI d de seus assinantes para fazê-la respeitar. Esse é um SUPERADA POR fa São fatos que trago para identificar os avanços fato central da nova realidade que construímos e AQUI assi alcançados. Se hoje existem algumas vozes que see assinala os desafios que enfrentamos como comunidade de países para os próximos 25 anos. levantam para chamar a atenção sobre a fragilidadee de nossas democracias e outras que nos comparam, um tanto Saímos com graça da maior crise financeira depois da desdenhosamente, com o acelerado crescimento de outras Grande Depressão. Contamos, mais do que nunca, com regiões, é bom recordar esse passado recente. Não nos compadisponibilidade de fundos nos organismos internacionais. remos tanto com os países da Ásia, comparemo-nos também Mas ainda enfrentamos graves problemas de segurança com nós mesmos há menos de três décadas. e desigualdade, a pior herança de um passado de castas e Hoje, se fala de uma “década da América Latina”, e há imobilidade social. E não podemos deixar de mencionar essa bons motivos para o entusiasmo. Nosso crescimento, no fim circunstância, que talvez seja o que obscureça e ponha em do período 2000-2010, foi maior que a soma do registrado risco os avanços da democracia na região. nas duas décadas anteriores. A maioria de nossos países teve O que temos pela frente? Continuar trabalhando para políticas macroeconômicas mais estáveis, e a dívida da região alcançar um desenvolvimento sustentável, lutando contra já não é uma ameaça. Parece que aprendemos com as crises a pobreza, a desigualdade e a criminalidade, por meio de políticas eficazes de crescimento e distribuição e tornando, José Miguel Insulza ao mesmo tempo, verdadeiro o artigo de nossa Carta DemoSecretário geral da Organização dos crática que torna interdependentes os valores do desenvolviEstados Americanos (OEA). mento e da democracia.

Foto: Pedro Armestre/AFP

uando avaliamos a realidade que hoje se vive na América Latina e no Caribe, é bom retroceder um pouco no tempo, a fim de termos uma melhor perspectiva. Há 25 anos, a OEA (Organização dos Estados Americanos) preparava-se para celebrar sua assembleia na Guatemala. A América Central sangrava com um conflito que teve dezenas de milhares de mortos e terminou apenas em 1992, com a assinatura dos acordos de paz no México. A América do Sul também estava envolvida em uma história de repressão e violência que custou milhares de mortos e desaparecidos. A região inteira estava vivendo, às vezes sem saber, a pior década econômica de sua história, a “década perdida”, que findou com desenvolvimento negativo e um aumento substancial da pobreza.

46 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Insulza.indd 2

5/30/11 7:35:22 PM


SEMARC | 2011 Seminário FEBRABAN de Marketing e Relacionamento com Clientes

C

M

Y

CM

TEMAS PAUTADOS PARA O EVENTO:

MY

CY

CMY

»

Inclusão financeira: os desafios e oportunidades do relacionamento com novos consumidores

»

Educação financeira

»

Crédito, crescimento e endividamento

»

Autorregulação e supervisão de mercado

K

11 e 12.08.2011 Centro FECOMÉRCIO de Eventos · SP

AGENDE-SE!

Informações: eventos@febraban.org.br


América & o mundo

melhora nos padrões de vida tem sido historicamente ligada ao aumento do consumo de energia. A eletricidade iluminou nossos cantos mais escuros, os automóveis e os aviões nos permitiram viajar mais rápido e com mais frequência para maiores distâncias, e a eletrônica moderna aproximou as notícias do mundo de milhares de milhões de pessoas, em questão de segundos. Essas mudanças melhoraram nossas economias e nossos sistemas de saúde e educação. No entanto, aumentaram também nossa dependência energética. Hoje, consumimos globalmente nove vezes mais eletricidade do que há 50 anos. Essa dependência poderia esgotar nossos recursos naturais, aumentar a contaminação e saturar os sistemas de distribuição de energia atuais. Nossos padrões de vida devem continuar crescendo nos próximos 25 anos, mas, por questões de sustentabilidade, devemos controlar o crescimento da dependência energética. O duplo remédio para isso, sem sacrificar o padrão de vida, é aumentar a eficiência energética e a geração de energia renovável. Os latino-americanos entendem há muito tempo o valor da eletricidade renovável. O Brasil, cujo PIB cresce o dobro que o dos Estados Unidos, gera 85% de sua eletricidade a partir de fon-

A

Hoje, consumimos globalmente nove vezes mais eletricidade do que há 50 anos

tes renováveis, e a região, em seu conjunto, conta com o portfólio energético mais limpo do mundo, com quase 67% de energia renovável, segundo números da Energy Information Administration (2008), dos EUA. Composta principalmente por hidreletricidade, mas também por biomassa, eólica e energia geotérmica, a América Latina é um modelo de geração sustentável. Tem, também, potencial para se transformar em líder mundial, com uma forma de energia ainda mais limpa: a que não se produz. A eficiência energética foi descrita como novas tecnologias ou materiais que ajudam nossos lares, negócios, veículos, equipamentos e ferramentas a funcionar de maneira mais eficiente. No entanto, uma das formas de eficiência energética que mais crescem não necessita de nenhum tipo de hardware. O segredo está no comportamento. Ao fornecer mais informação aos consumidores para que gerenciem ativamente seu consumo energético, poderemos criar, até 2035, uma economia com nível de vida mais alto e uma demanda decrescente de energia. Quando se realizam focus groups (pesquisas de grupo), os consumidores apontam consistentemente duas razões que os motivariam a economizar energia: a economia potencial de dinheiro e a possibilidade de contribuir, de alguma forma, com o meio ambiente. Uma terceira razão, ser igual ao vizinho, é rejeitada com a mesma frequência. Nenhum consumidor quer reconhecer que suas decisões dependem de como se comportam as massas. Um estudo realizado em 2002 pelos professores Robert Cialdini e Wesley Schultz em San Marcos, na Califórnia,

reverteu o sentido comum dos focus groups. Cialdini e Schultz descobriram que, ao mostrar a uma residência quanto seus vizinhos gastam, produz-se uma queda de 6% no consumo. Embora nos ensinem a tomar nossas próprias decisões, e não simplesmente seguir a manada, é inegável o impacto dos padrões de nossos pares em nosso comportamento. Da forma como nos vestimos à música que ouvi-

Foto: Shutterstock

Hora de apagar a luz

48 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 opiniao Alex V1.indd 2

5/30/11 7:04:14 PM


América & o mundo mos, dependemos de sinais dos demais. Essas pistas, que põem em evidência o comportamento da sociedade como um todo, são conhecidas como padrões de comportamento.

Os padrões de comportamento foram documentados em diferentes culturas, desde os filósofos franceses do século 19 Gabriel Tarde e Gustave le Bon, pioneiros da pesquisa em inovação social e comportamento de massa, até em alguns restaurantes de Pequim

a eletricidade. Em 2007, fundamos a Opower, para ajudar a transformar o comportamento de 120 milhões de lares americanos, e, eventualmente, muitos outros em âmbito mundial. Associandonos a empresas elétricas e com base em uma plataforma de informática, nossa empresa distribui relatórios de consumo elétrico personalizados para mais de 3 milh milhões de residências atualmenA AMÉRICA te. Esses relatórios comparam LATINA PRODUZ o consumo elétrico de uma re67% DE SUA s sidência com o de residências ENERGIA A PARTIR DE FONTES LIMPAS, v vizinhas, oferecendo conselhos COMO A EÓLICA es específicos de eficiência energéti gética. Mirando esses relatórios em usuários usu de alto consumo, com maior espaço para melhorar, estamos, na prática, tirando da matriz energética cerca de 50 mil residências. Segundo nossas pesquisas, o consumo de energia residencial poderia ser reduzido em cerca de 20%, sem afetar a qualidade de vida, simplesmente se déssemos às pessoas mais informação. O potencial global de diminuir o consumo residencial em 20% é colossal. A população mundial poderia chegar a 8 bilhões de pessoas, e poderíamos melhorar os níveis de vida consumindo o mesmo nível de energia que hoje. Na América Latina, teríamos capacidade para alimentar as residências da Argentina e do Chile com o potencial liberado pela eficiência energética. Criar uma gama de consumidores de energia ativos, proporcionando informação, motivação e ferramentas de gestão, irá nos ajudar a aumentar signisidade, e eu acreditamos sempre no ficativamente nossa eficiência energétipoder dos padrões de comportamento. ca e reverter a curva de crescimento do Quando nos deparamos com o estudo consumo, além de permitir uma vida do professor Cialdini, nos sentimos melhor no futuro. E não devemos espeimediatamente cativados pela ideia de rar até 2035 para fazer essas mudanças. que uma conta de energia mais baixa Quanto mais cedo as fizermos, maior poderia mudar a forma como usamos será o impacto. hoje. Um estudo recente demonstrou que, quando se assinala no menu a popularidade de alguns pratos, a demanda por eles aumenta cerca de 20%. Dan Yates, um colega de univer-

Alex Laskey Presidente e co-fundador da Opower. Recentemente, foi convidado pela Casa Branca para discutir o tema inovação e trabalho criativo na economia verde com o presidente Barack Obama.

Junho, 2011 AméricaEconomia 49

AE 400 opiniao Alex V1.indd 3

5/30/11 7:04:38 PM


América & o mundo

O que vem depois dos 60? América Latina está envelhecendo paulatina, mas inexoravelmente. É uma realidade que já podemos perceber nos diferentes países. É também o que mostram as estimativas e projeções para os próximos decênios do Celade – a divisão de população da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). Esse cenário não apenas implica importantes desafios no longo prazo para as políticas públicas, como também abre oportunidades para que os países avancem rumo ao desenvolvimento com um ambiente de igualdade. Nas últimas décadas, os países da América Latina registraram profundas transformações demográficas, entre as quais se destacam a diminuição da taxa de crescimento da população e o progressivo envelhecimento dos habitantes. Essa evolução corresponde à acelerada baixa de fecundidade e à queda sustentada na mortalidade. Em meados do século passado, a taxa de crescimento anual da população da região era de 2,8%, enquanto a registrada atualmente é de apenas 1,2%. Segundo as projeções da Cepal, os latino-americanos serão 656 milhões em 2025 e 707 milhões em 2040. Atualmente, a América Latina ainda desfruta do chamado bônus demográfico, que significa uma redução da taxa de dependência entre as pessoas potencialmente inativas (de 0 a 14 anos e de 65 anos ou mais) e as pessoas potencialmente produtivas (de 15 a 64 anos). A Cepal expôs que, durante a etapa em que se registra uma menor pressão da população infantil e um limitado aumento das pessoas idosas, os países têm a oportunidade de fazer investimentos

A

Alicia Bárcena Secretária executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

50 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 artigo Demografiav1.indd 2

31.05.11 23:15:01




América & o mundo produtivos e multiplicar o investimento social para erradicar a pobreza, melhorar a educação e reformar a saúde, bem como se preparar para o envelhecimento de seus habitantes. Mas nosso organismo também enfatizou que os dividendos do bônus demográfico, limitado temporariamente, não estão garantidos, já que dependem da capacidade das economias da região de gerar emprego produtivo. O mercado de trabalho deverá absorver uma população ativa crescente, bem como uma população de idade avançada que buscará o trabalho remunerado durante mais tempo, já que a cobertura da previdência social e o valor das aposentadorias são limitados e a renda familiar ainda é baixa. Para 2025, a Cepal projeta que as pessoas acima de 60 anos serão pouco mais de 98 milhões, enquanto em 2040 alcançarão quase 150 milhões. Em 2050,

AE 400 artigo Demografia.indd 3

um em cada quatro latino-americanos terá mais de 60 anos. As pessoas com mais de 75 anos, que em 1950 representavam 1% da população regional e em 2000, 2%, constituirão 9% em 2050. Há diferenças por países. Bolívia, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua e Paraguai mostram um envelhecimento incipiente. Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, México, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela vivem um envelhecimento moderado, enquanto Argentina e Chile estão um passo além. Cuba e Uruguai já apresentam um envelhecimento avançado. Esse contexto traz desafios significativos para todo o conjunto da sociedade, tanto para os governos e as famílias quanto para a população de idosos. Para garantir a segurança econômica das pessoas de idade avançada é preciso aumentar a cobertura da previdência social da força de trabalho atual. Isso

permitiria frear a tendência ao estancamento ou a franca queda verificada em vários países nos últimos anos. É preciso ampliar a proteção às pessoas idosas, inclusive mediante aposentadorias não contributivas ou assistenciais, como foi adotado, recentemente, em países como Argentina, Chile, El Salvador e Panamá. E não podemos esquecer os atrasos históricos que precisamos enfrentar hoje, especialmente brechas nos níveis de morbidez e mortalidade, que revelam as enormes desigualdades econômicas, sociais, étnicas, territoriais ou de gênero que ainda persistem. A Cepal continuará empenhada em produzir informações para que os países possam tomar as melhores decisões de política pública diante das mudanças demográficas. Contribuir para o desenvolvimento com igualdade é nossa meta mais ambiciosa.

5/30/11 7:17:41 PM


América & o mundo

Como equilibrar os pratos Campeões da desigualdade* 45

40

Uruguai

Coreia

47

45 China

ÁSIA

Coeficiente Gini por região, 2005-2010

Costa Rica

48 Argentina

49 El Salvador

50 51 México

27 Dinamarca

28 Finlândia

31 França

34 Espanha

52

40

Rep. Dom.

EUA

54 Nicarágua

55

53 Etiópia

59

Chile África do Sul

55 Panamá

60

56

Madagascar

Colômbia

24

Rep. Checa

56 Brasil

35 Polônia

Heraldo Muñoz Subsecretário geral da ONU e diretor para América Latina e Caribe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

60 Equador

LESTE EUROPEU

O

No entanto, dez dos 15 países mais desiguais do mundo se encontram na América Latina, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) dedicado à região. A América Latina não é a mais pobre do mundo, mas é a mais desigual. O coeficiente de Gini (que mede a desigualdade de distribuição de renda; quanto menor, mais próximo da igualdade) da região é 65% mais elevado que o dos países de renda alta, 36% mais alto que o dos países do Leste Asiático e até 18% mais alto que a média da África Subsaariana. Existem, também, desigualdades de gênero, idade ou origem: as mulheres, a população indígena e os afrodescendentes são os grupos mais afetados. A desigualdade não apenas impacta de forma negativa as pessoas, a

AMÉRICA LATINA

lhando para os últimos 25 anos, a América Latina destaca-se hoje pela estabilidade democrática e pelo crescimento econômico. Em geral, a democracia eleitoral consolidou-se como o único meio legítimo de chegar ao poder na região. Em termos econômicos, o bloco América Latina e Caribe vive atualmente um importante crescimento e reduz estatisticamente a pobreza. A previsão de crescimento do PIB é satisfatória: 4,7% para 2011. Foi a região onde mais aumentou a porcentagem de investimentos estrangeiros diretos em âmbito mundial, com um aumento de 40% em relação a 2009, e, com isso, também aumentou a presença de empresas transnacionais latino-americanas no resto do mundo. Da mesma forma, produziu-se um boom de commodities que beneficia muitos países.

Peru

Tailândia

PAÍSES DESENVOLVIDOS

Venezuela

DEZ DOS 15 PAÍSES MAIS DESIGUAIS NO MUNDO ESTÃO NA AMÉRICA LATINA

59

ÁFRICA

48

43 Rússia

*Quanto mais alto o índice, mais desigual é o país. Fonte: PNUD

54 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 artigo Desigualdade V3.indd 2

5/30/11 7:40:19 PM


Foto: Shuitterstock

América & o mundo economia, a política e a sociedade em seu conjunto, como também afeta seriamente a qualidade de vida e a liberdade. É um obstáculo ao desenvolvimento humano. Estudos revelam que os países com alta polarização de renda e desigualdade são mais propensos a ter conflitos sociais, menos competitivos e têm políticas fiscais bem menos eficazes. Mas há sinais alentadores. Estudos do PNUD mostram que vários países da América Latina experimentaram uma diminuição na desigualdade de renda na última década. Essa diminuição deve muito às políticas voltadas diretamente à luta contra a pobreza. Tem havido maior investimento social, mediante programas de transferência condicionada de dinheiro vivo que, atualmente, cobrem aproximadamente

AE 400 artigo Desigualdade V3.indd 3

uma em cada seis pessoas na região. Sem dúvida, o combate à pobreza deve continuar como prioridade da política pública. Mas isso não basta: é necessário fortalecer os instrumentos que reduzem a desigualdade e fortalecem os setores médios. Para isso, é preciso criar instrumentos que cheguem de maneira eficaz às populações mais pobres e vulneráveis e reforçar a eficácia das políticas universais. É indispensável atingir consensos para uma reforma tributária que assegure ao Estado receitas estáveis e geradas de maneira justa para responder às demandas sociais. A região conta com baixa capacidade fiscal e uma estrutura tributária regressiva, baseada na arrecadação de impostos sobre o consumo e impostos indiretos. A América Latina precisa de pactos políticos

para reformar a estrutura tributária, melhorar sua competência técnica de arrecadação e fazer um uso mais eficiente dos recursos. O setor privado tem papel fundamental na geração de bem-estar social. Empresas e governos devem trabalhar lado a lado pelo desenvolvimento sustentável. O PNUD pode ajudar com a concepção de políticas eficazes nesses âmbitos, aproveitando sua ampla experiência adquirida e os conhecimentos derivados de nosso trabalho em todo o mundo, e em todo o espectro do desenvolvimento. Olhando para o futuro, temos confiança na capacidade da América Latina de superar esse importante desafio. Reduzir a desigualdade é um desafio que não admite atrasos. A oportunidade existe, está aí. Os desafios sociais assim o exigem.

5/30/11 7:44:15 PM


América & o mundo

Em alerta

número é tão crítico que, mesmo que se faça reflorestamento, a mata não voltará a se recuperar. De acordo com a análise, o risco de colapso de parte da floresta é maior no leste da Amazônia, que abrange parte do Pará e do Maranhão. O bioma mudaria tanto suas características que as árvores teriam cada vez mais dificuldade em parar de pé. No lugar, surgiria outro bioma, a savana. Os efeitos dos maus-tratos à Amazônia seriam percebidos SEGUNDO antes de o bioma desapareESTUDOS, ATÉ cer. “Simulações indicam 2025, 75% DA AMAZÔNIA PODERÁ que, se mais 40% da mata DESAPARECER amazônica original fosse cortada e transformada em pasto para o gado ou em campos de soja, o volume de chuva no leste da Amazônia poderia cair abruptamente”, explica Philip M. Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Em 2008, 18% da área já estava desmatada. Não só por sua dimensão, mas também por sua composição, essa é uma das regiões do planeta que mais atraem estudiosos, curiosos e, por que não citar, investidores. Estrangeiros compram terras no lado brasileiro da trata de informações catastrofistas, a Amazônia com o objetivo de abrir áreprojeção de um dos mais respeitados as para pastagem, para agricultura ou organismos internacionais, divulgada para exploração mineral. Alguns dos há pouco mais de um ano, confirma o interessados em explorar o solo provoque vem por aí. O relatório Assessment cam queimadas sob o pretexto de que of the Risk of Amazon Dieback, do Banco isso facilita a ocupação do terreno. A Mundial, considera real o risco de terra é motivo de conflitos e mortes enparte da Floresta Amazônica entrar tre produtores, agricultores e ONGs. É em colapso. O problema aconteceria em um pedaço da Floresta Amazônica, por uma combinação de três fatores: por exemplo, que fica Carajás, a maior desmatamento, mudanças climáticas mina de minério de ferro a céu aberto e queimadas. Segundo o estudo, em do mundo, pertencente à Vale. 2025, cerca de 75% da floresta desapaMas não são só as grandes minerareceria. Em 2075, o quadro seria ainda doras que estão na região. Garimpeiros pior, com apenas 5% de florestas de pé instalam-se à beira dos afluentes do Rio na região leste da Amazônia. Amazonas em busca de riqueza. DesO estudo baseou-se no conceito viam o curso dos rios, causam erosões Amazon Dieback, que representa uma e poluem as águas com mercúrio. Os redução da biomassa da floresta. O traficantes se proliferam nas florestas.

GRAZIELE DAL-BÓ, DE SÃO PAULO

m dos temas mais negligenciados pelas políticas públicas e pela população latino-americana é o meio ambiente. A prova mais evidente do pouco caso é o avanço do desmatamento. No centro disso está a Amazônia, maior floresta tropical do mundo, com seus 6,9 milhões de quilômetros quadrados, espalhada por nove países – Colômbia, Equador, Bolívia, Brasil, Guiana Francesa, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Pouco mais da metade dessa área – 4,2 milhões de quilômetros quadrados – está em território brasileiro, nos estados do Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima, Acre e Tocantins. Para quem costuma pensar que se

U

Foto: Lou Dematties/AFP

O MUNDO DILAPIDA A AMAZÔNIA, AMEAÇA O PLANETA E NADA ACONTECE

56 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Amaznia V1.indd 2

31.05.11 22:38:39


América & o mundo Contrabandeiam aves e animais, por vezes com destino certo – algum criador particular no exterior . Além dos zoológicos particulares, interessados em pesquisas sobre matérias-primas para a indústria farmacêutica também cobiçam os ativos vegetais do mais importante bioma da América do Sul. Tentam descobrir os segredos das plantas da região e as soluções para os mais diversos males – nem sempre de forma legal. Não são só a qualidade do ar e a temperatura do planeta que estão intrinsecamente atrelados ao que acontece na Amazônia, mas também riquezas minerais, produção de alimentos e incalculáveis fontes de matéria-prima para a indústria farmacêutica. Outra característica da região é o fato de abrigar um grande número de povos indígenas – sendo que alguns deles até hoje vivem em completo isolamento. A todas essas particularidades somam-se outros ingredientes perigosos. Um deles é o tráfico de drogas, que transita entre Brasil, Colômbia e Bolívia, por vezes usando como rota a Amazônia, com pistas clandestinas para aviões e laboratórios para o processamento da coca. Também estão entranhados na floresta alguns dos mais colossais projetos da construção civil. São hidrelétricas, como a de Jirau, no estado de Rondônia, e a de Belo Monte, no Pará, que mobilizaram a opinião pública internacional sob a alegação de que seriam um desastre para a vida indígena, a mata, os rios e a população ribeirinha. As rodovias também oferecem riscos. “A grande causa do desmatamento são as rodovias que abrem acesso à floresta e permitem a entrada de investidores, colonos que cortam e semeiam cultivos legais ou ilegais”, afirma Richard Chase Smith, diretor do Instituto do Bem Comum (IBC), de Lima. É particularmente polêmico o projeto que prevê a continuação da rodovia

Desmatamento da Amazônia brasileira Taxa anual de 1990 a 2010 (km2/ano) 29.059

18.226 19.014

13.730

6.451

1990

1995

2000

2005

2010

Fonte: Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)

que liga Lima a Pucallpa até Cruzeiro do Sul, no Brasil. Tal caminho é parte do sistema IIRSA (Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana) promovido pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Um dos principais opositores ao projeto é Marc Dourojeanni, ex-primeiro-chefe da Divisão de Meio Ambiente do próprio BID, assessor sênior do Banco Mundial e presidente da ONG ProNaturaleza. “Todos esses planos, muitos deles em plena execução, ocasionarão um aumento enorme no ritmo de desmatamento e degradação das matas naturais”, diz. Segundo um estudo do qual Dourojeanni é coautor, com projetos como o das grandes rodovias, veríamos uma extinção quase que total da área peruana da Amazônia Ironicamente, a melhor ou pior sobrevivência da Amazônia peruana depende do Brasil, segundo Dourojeanni. “O Brasil se interessa especialmente pela energia hidráulica, tanto que firmou um convênio com o Peru que lhe outorga possibilidades concretas de explorar cinco opções de centrais hidre-

létricas, com capacidade de gerar quase 7 mil MW. As opções mais avançadas, Inambari e Paquitzapango, já motivaram confrontos com os cientistas e ambientalistas”. No próprio Brasil, afirma Fearnside, do Inpa, o maior perigo está no projeto de reconstrução da Rodovia BR-319, que vai de Manaus a Porto Velho. Construída pelo exército em 1973, foi abandonada em 1988 e hoje opera apenas como um traçado pelo qual passa uma linha de fibra óptica da Embratel pendurada em postes de madeira. As expectativas de retomada levaram os produtores rurais, “em uma área a cerca de 100 quilômetros de Humaitá [perto de Porto Velho], a preparar algumas áreas para plantar soja”. O cientista prevê que tal abertura “permitiria, inclusive, o fluxo migratório desde o arco de desmatamento até a Amazônia Central”, por enquanto relativamente intacta. Como se vê, as ameaças vêm de todos os lados. E não na mesma velocidade das propostas para solucionar a crise amazônica. Com colaboração de Rodrigo Lara Serrano, de Buenos Aires

Junho, 2011 AméricaEconomia 57

AE 400 Amaznia V1.indd 3

31.05.11 22:39:13


América & o mundo

Longo caminho para a Amazônia brasileira O DESAFIO É ENCONTRAR MANEIRAS DE ESTANCAR O DESMATAMENTO GRAZIELE DAL-BÓ, DE SÃO PAULO

m um cenário em que urge a necessidade de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, produzidos, em parte, pelo desmatamento, o Brasil é peça-chave. Não só pelo fato de deter a maior fatia do território amazônico, como por ter ficado entre os países que mais perderam áreas de florestas entre 2000 e 2004. No último mês de maio, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais), que desde 1988 acompanha o desmatamento no Brasil, anunciou um dado assustador: o ritmo de desmatamento na Amazônia brasileira teve alta de 473% em março e abril deste ano na comparação com o mesmo período de 2010. No bimestre, os radares do instituto registraram o corte de 593 quilômetros quadrados de florestas, área equivalente a mais de um terço da cidade de São Paulo. A três meses do final do período da coleta da taxa anual, os dados apontam para uma interrupção da tendência de queda no corte de árvores dos últimos dois anos (veja gráfico na pág. 57). Para tornar o quadro mais incerto, foi aprovado em maio passado pela Câmara dos Deputados o texto do Código Florestal – criticado por ambientalistas e festejado pelo agronegócio. Especula-se que o aumento recorde no desmatamento esteja diretamente relacionado

E

às expectativas em relação a mudanças das regras do código, que ficariam mais rígidas. O que não aconteceu. O projeto ainda tem de ser votado no Senado. E, apesar de ter alcance nacional, a região que mais preocupa é a do bioma amazônico. Um dos pontos mais críticos do código é o fato de permitir ocupações em Áreas de Preservação Ambiental (APA). Além disso, deixa de ser exclusividade do governo federal regularizar as ocupações em áreas de preservação permanente em beiras de rios e faixas de vegetação natural ao longo de cursos d’água. Mais do que políticas que negociem o que pode ser área de plantação, a Amazônia Legal – ou Amazônia brasileira – precisa de mecanismos financeiros que a sustentem. “Temos de pensar em maneiras de remunerar as boas práticas”, afirma Antonio Carlos Porto Araujo, consultor de Energia Renovável e Sustentabilidade da Trevisan Escola de Negócios. Enquanto métodos de pagamento como a Reed (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) ou o PSA (Pagamento por Serviços Ambientais) ainda são incipientes, poucas iniciativas isoladas obtêm êxito. Isso porque projetos como este ainda são caros. Outro problema, segundo Araujo, é a

cultura de abundância que persiste no Brasil. “É inaceitável que se aproveitem apenas 45% das árvores cortadas. Os outros 55% são queimados, e sem aproveitamento energético”, observa. Paulo Moutinho, diretor executivo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), reconhece que os indicadores de conservação da região vêm melhorando de 2004 para cá, com maior fiscalização, mas afirma que ainda há muitas ameaças à redução do desmatamento. Entre elas, o aumento na demanda por commodities (especialmente grãos e carne), já que não existem mais áreas disponíveis para plantio em países como Estados Unidos e Europa. Além disso, Moutinho cita o próprio PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do governo federal, que não tem salvaguarda clara para a questão amazônica. “Hoje, a infraestrutura chega antes da governança. É preciso mudar isso”, diz. O diretor executivo do Ipam afirma que o grande desafio é monetizar a preservação das florestas. “Precisamos de um plano nacional robusto”, diz. É válido lembrar que, durante a 15ª Conferência do Clima das Nações Unidas, realizada em Copenhague, Dinamarca, no fim de 2009, o país se comprometeu a reduzir 39% da emissão de gases que provocam o efeito estufa e diminuir o desmatamento da Amazônia em 80% até 2020. Portanto, para que não se torne mais uma promessa, o assunto não pode sair da agenda dos governantes brasileiros.

Amazônia brasileira em números Estados

Municípios

9

760

(Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso)

espalhados pela região

População

24

milhões de pessoas

Área

4,2

milhões de quilômetros quadrados

Média da densidade demográfica nas regiões

23,97 habitantes por quilômetro quadrado

Fonte: IBGE (Censo 2010)

58 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Amaznia V1.indd 4

31.05.11 22:40:01


América & o mundo

Foto: Anderson Barbosa/AE

Diálogo para o trabalho E ste continente começava a se reencontrar com a democracia 25 anos atrás. Voltávamos à soberania dos cidadãos para construir instituições e impulsionar políticas que nos conduziram a um futuro melhor. Em 2010, aconteceu em Santiago, no Chile, a Conferência Regional Americana sobre o Trabalho. Pudemos observar certas tendências positivas. O crescimento mostrou seu retorno, com uma média de 6% no referido ano, o desemprego baixou de 8,2% para 7,4% e nenhum país da região pareceu enfrentar uma crise de dívida soberana. Embora seja bom ter aprendido as lições e poder mostrar uma face mais otimista, não podemos, porém, deixar de ver os “claros-escuros” de nossa realidade. Ainda resta muito por fazer. Um recente estudo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) indicou como a redução das desigualdades continua sendo uma questão pendente na região. E, com ela, golpeia-nos a crise do desemprego juvenil, três vezes maior do que entre adultos. Ao mesmo tempo, persistem por todos os lados os exemplos de trabalho precário, sem proteção e com rendas irregulares. Na América Latina, precisamos de trabalho de qualidade, porque a qualidade no trabalho define a qualidade de uma sociedade. Quando me perguntam qual é o principal desafio que temos na região, sempre digo: a dignidade do trabalho. Trata-se de entender que o crescimento deve ser rico em geração de empregos, com uma concepção produtiva em que o trabalho decente – um princípio fundamental, gerenciado e apoiado pelos três setores da OIT (Organização Internacional do Trabalho) – transforme-se em um propósito essencial da sociedade, dos atores públicos e privados.

Precisamos ter um sistema no qual a concepção e a execução de nossas políticas públicas e privadas fortaleçam a relação entre investimento, produtividade, trabalho e proteção social. Isso implica integrar de forma mais efetiva as políticas macroeconômicas com as políticas sociais e do mercado de trabalho. Com essa visão, o Fundo Monetário Internacional e a OIT organizaram uma conferência, em setembro de 2010. Ambas as entidades, embora às vezes estejam em extremidades opostas, coincidem no seguinte ponto: o trabalho é uma dimensão essencial da garantia de uma economia sustentável no futuro. Foi o que afirmamos na cúpula res do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo. A QUALIDADE O trabalho decente é DO TRABALHO uma demanda popular geDEFINE A neralizada em nossa região. QUALIDADE DE Também no mundo árabe UMA SOCIEDADE vestimento, inovação, produtivest a falta de trabalho e de dião vidad e competitividade se travidade álogo social está no coração l nad b duzam também em oportunidades de das mobilizações vividas naquelas trabalho crescentes e decentes. ções. Fui o primeiro líder de um órOs caminhos de saída da crise, e sogão internacional convidado a visitar bretudo após a crise, precisam colocar a região. Na OIT, estamos compromeo emprego produtivo no centro de sutidos em oferecer apoio para que goas estratégias. Deixar para trás aquela vernos, trabalhadores e empregadores visão equivocada que vê o trabalhador construam um diálogo social capaz de como um custo de produção, enquanto contribuir para mais oportunidades e o mercado o vê como um consumidor. esperanças. Uma visão empresarial do século 21 Por outro lado, os países latino-deve nos levar a entender o trabalho e americanos têm a possibilidade de proos trabalhadores como fatores de estamover a criação de empresas sustentábilidade social, de dignidade da famíveis, como foi definido na Conferência lia, de paz na comunidade e de novos Internacional da OIT de 2007. Elas decrescimentos econômicos. A América vem ser o lugar, a partir da economia Latina está em condições de fazê-lo. real e do sistema produtivo, em que se melhorem progressivamente a qualidade do trabalho e a qualidade da Juan Somavía empresa. Trata-se de ter um conDiretor-geral da OIT (Organização ceito de crescimento em que os Internacional do Trabalho). objetivos inevitáveis de maior inJunho, 2011 AméricaEconomia 59

AE 400 ART Somavía.indd 3

5/31/11 6:18:27 PM


América & o mundo

Mudanças no menu SE A AMÉRICA LATINA QUISER SE ALIMENTAR MENTAR E EXPORTAR ALIMENTOS, TERÁ DE REORGANIZAR ORGANIZAR R A CULTURA DE CONSUMO E SUA AGROINDÚSTRIA INDÚSTRIA DÚS R RODRIGO LARA SERRANO, DE BUENOS AIRES

U

de pradarias subtropicais ou florestais que estão presentes na região. Mas há outro recurso em vista. “O Brasil ainda tem 80 milhões de hectares disponíveis, sem que seja preciso cortar mais uma única árvore”, afirma Miguel Santiago Campos, proprietário da argentina MSC Bionegócios. Segundo ele, são terras semiabandonadas, que foram exauridas no passado e hoje precisam de mais investimentos para voltarem a ser produtivas. Alguns especialistas, como Víctor M. Villalobos, diretor geral do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), acreditam que existe espaço para mais avanços na produção de alimentos, mas dentro do conceito de “agricultura sustentável e competitiva”. O pacote tecnológico presente nas sementes transgênicas, diz ele, tende a favorecer não só os donos de grandes propriedades como também os pequenos produtores. No futuro, isso garantiria maior oferta de

alimentos, vindos, principalmente, do continente americano, que poderá ampliar suas fronteiras “sem prejudicar seus ecossistemas”.

OPÇÕES A América Latina tem pelo menos três candidatos a reforçar a participação da região na produção global de alimentos. Um é a Bolívia. Se o país passasse do atual modelo extensivo (com animais criados soltos) para um semi-intensivo (parcialmente confinados), com uma boa regulamentação para que a deterioração do solo não seja maior, poderia ser a grande surpresa regional em produção de carne bovina. Outra possibilidade de crescimento vem do Peru. “Ainda estamos muito abaixo da capacidade que o Peru tem para exportar. Há muitas terras a explorar e tecnologias que ainda não são usadas no país e que podem permitir um aumento na produtividade, melhorando a utilização do espaço”, prevê

Foto: Shutterstock

ma realidade incontornável: no próximo quarto de século será necessário aumentar em muito a produção de alimentos. Um dos desafios está no fato de as fronteiras agropecuárias globais estarem perto da exaustão. Para avançar na discussão, será preciso criar um ambiente de entendimento entre duas realidades: a das grandes monoculturas, melhoradas geneticamente, e a de uma agricultura familiar ainda carente de incentivo. Para que haja avanços no campo, a resposta deve ser mais audaz e complexa, com a reorganização total da agricultura e da agroindústria. O conceito de produtividade que conhecemos hoje terá de dar lugar a outro, que conviva melhor com o uso racional dos recursos naturais. Nas próximas décadas, é certo que continuaremos vendo o avanço da fronteira agropecuária na América Latina. A forma de expansão deverá ser como já ocorre, ou seja, pela ocupação

60 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Agricultura.indd 2

31.12.69 21:47:24


América & o mundo Laura Sánchez Piérola, coordenadora geral de Promoção Comercial da Câmara de Comércio de Lima. A Colômbia é apontada como outra esperança. De acordo com números do Incoder (Instituto Colombiano para o Desenvolvimento Rural), 45% do território do país está catalogado como aapto à exploração agrícola. Hoje, o uso do solo para atividade agropecuária n naquele país é de apenas 10% da área disponível. S Segundo Alfredo Sarmiento Narváez, diretor de Desenvolvimento Rural do d Ministério da Agricultura, o gover governo colombiano tem trabalhado para promover atividades silvipastoris, que combinam árvores, pastagem e gado em uma mesma área, ao mesmo tempo, e são manejados de forma integrada para aumentar a produtividade. Com isso, “a intenção é deixar para trás a cultura de exploração de gado em grandes áreas de terra, reduzindo assim o fenômeno de ‘pecuarização’ de terras potencialmente agrícolas”. O próximo quarto de século também deixará os latino-americanos diante de um dilema: manter ou não o ideal de uma dieta carnívora? Da forma como a criação de animais é feita hoje, não há campos que atendam a uma demanda mundial de carne bovina no mesmo patamar de consumo dos argentinos. Nem sequer dos chilenos ou dos brasileiros. O magnata da soja na Argentina, Gustavo Grobocopatel, que também produz no Brasil e no Paraguai, é claro em relação ao tema: “Há duas formas de fornecer proteína: por meio de carnes ou de legumes. Creio que o mundo deverá comer menos frango, menos bife e mais lentilhas”, afirmou em uma entrevista ao diário La Nación de seu país. E acrescentou: “É uma questão cultural, e as culturas podem ser modificadas. Espero que isso aconteça porque há consciência, e não porque há escassez, pois aí sim vamos sofrer”.

Se a era de ouro do gado terminar, o que poderemos acrescentar para melhorar a dieta? Um caminho para aumentar a produção seria aumentar a tecnologia no manejo e melhorar a destinação de recursos. “O problema principal tem sido a falta de investimento na agricultura de pequena escala”, explica Asier Hernando, responsável regional pelos temas ligados à agricultura e aos recursos naturais na América Latina da Oxfam, organização internacional que atua por meio de uma rede de ONGs autônomas, dedicadas à cooperação para o desenvolvimento e à ajuda humanitária. Na verdade, estudos da entidade “demonstram que os investimentos em agricultura de pequena escala são muito menores que o necessário e estão longe do que era destinado há 20 anos”.

A agricultura em pequena escala deve ser pensada como alternativa aos conglomerados do agronegócio Isso é um indício de um segundo dilema que precisa ser resolvido. Com os preços dos mercados mundiais de carne bovina e grãos crescendo cada vez mais, todos querem criar gado, plantar soja, algodão e milho, deixando de lado o cultivo de culturas locais, vistas ironicamente como “exóticas”. A tensão aumenta com a chegada de grandes fundos de investimento, pools de colheita e empresas estatais do Oriente Médio e da China. Os dois primeiros têm como objetivo a alta rentabilidade no curto prazo. Já as estatais buscam segurança alimentar no longo prazo, garantindo o fornecimento de comida em seus países, mesmo que se-

ja com a produção em outro continente. Como efeito, todos pressionam os preços das terras para cima. Os jogadores extrarregionais estão apenas se aquecendo antes de entrar no campo latino-americano. Marcos Mora, diretor do Departamento de Economia Agrária da Faculdade de Agronomia da Universidade do Chile, afirma que “há cifras significativas de investimento estrangeiro no agronegócio que estão aumentando”. A enxurrada de dinheiro vindo de fora aportado por grandes grupos é motivo de apreensão não apenas entre os governos locais, atentos para os riscos à soberania de seus países. No Brasil, o tema da terra nas mãos de forasteiros já chegou ao Congresso e deve gerar um projeto de lei que restrinja a participação agrária. Há ainda quem esteja atento ao fato de as ajudas governamentais, conhecidas como subsídios, serem predominantes na atividade agropecuária em países da Europa e nos Estados Unidos e distorcerem o mercado, minando a competitividade dos países que não usam esse tipo de artifício. Um manifesto lançado nos Estados Unidos por uma centena de cientistas e especialistas pede a reorganização total do setor, que recebe US$ 300 bilhões em subsídios, dos quais 73,8% vão para carnes e apenas 0,4% para frutas e vegetais. “Não integramos conhecimento, cada um joga o seu jogo. O grande desafio é criar cadeias de valor e deixar de pensar a agricultura como uma monocultura que pode salvar apenas uns poucos”, afirma Campos, da MSC Bionegócios. Diante das mudanças climáticas, que antecipam fortes secas no noroeste mexicano e na costa do Pacífico, “o grande ganhador pode ser o Cone Sul, como nação fotossintética”, prevê o empresário argentino. Mas se quisermos comer em 2036, teremos de começar a plantar ideias já. Junho, 2011 AméricaEconomia 61

AE 400 Agricultura.indd 3

5/30/11 10:23:40 PM




Líderes do futuro

Uma história para contar CONHEÇA OS LÍDERES QUE JÁ COMEÇARAM A FAZER A DIFERENÇA E PODEM SER UMA APOSTA PARA AS PRÓXIMAS DÉCADAS NOS MAIS DIVERSOS SETORES

N

Joesley Batista (39 anos) – JBS

1

Durante cinco anos, liderou a espetacular internacionalização da JBS, um dos maiores grupos alimentícios do mundo e principal exportador brasileiro do setor pecuário. Em fevereiro deste ano, deixou o cargo de presidente para seu irmão Wesley.

Hans Añaños (23 anos) Industrias San Miguel Esse empresário tem sido o grande motor da Industrias San Miguel, empresa fundada por Jorge Añaños que se separou da matriz Ajegroup. Tem impulsionado a chegada das bebidas e dos refrigerantes da San Miguel ao Chile, à América Central e ao Brasil. Hoje, já tem planos para a África.

Luis Larrain Stieb (28 anos) Ativista pelos direitos dos homossexuais

Filho de um economista conservador, esse engenheiro foi o primeiro homossexual a protagonizar uma campanha política no Chile. Desde então, é figura de destaque na comunidade homossexual do país.

Foto: 1 - Claudio Belli/Valor/Folhapress

os últimos 25 anos, a América Latina passou por mudanças dramáticas na forma de produzir e consumir, nas preocupações sociais e no alcance de sua produção artística. Nesse intervalo, novos rostos e discursos se posicionaram nos meios de comunicação e nas redes sociais da internet, cada vez mais ativas. São os líderes emergentes, homens e mulheres, entre 25 e 40 anos, que estão a cargo da expansão das multilatinas, da pesquisa científica e da inovação produtiva, assumindo a voz das minorias sexuais ou do meio ambiente ameaçado. A AméricaEconomia selecionou alguns dos mais promissores nomes, em âmbitos tão diversos como arqueologia, biologia e transformação de empresas familiares em grandes grupos internacionais diversificados. Será preciso repetir o exercício dentro de 25 anos, e ver como evoluíram essas lideranças, quantas delas deixaram marcas e quantas se calaram antes do tempo.

64 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 lderes.indd 2

5/30/11 11:49:01 PM


Líderes do futuro

Martín Méndez (37 anos) Neoris É fundador da Neoris, a maior empresa de consultoria em informática e integração de sistemas do México, segunda na América Latina e terceira na Argentina, de acordo com o IDC. Aos 37 anos, recebeu o prêmio Junior Chamber International (JCI Toyp) Argentina 2010.

Alejandro Sandoval (37 anos) Grupo Sandoval

Foto: 2 - Julio Bittencourt/Valor/Folhapress

Diretor do Grupo Sandoval e herdeiro de Oswaldo Sandoval (patriarca do grupo), ele opera quase todos os aeroportos do Peru e comprou a primeira empresa do setor no México. Sua meta é expandir a presença para a América Latina no médio prazo.

(41 anos)

(33 anos)

Lab. Imunopatologia do Inst. Biologia Experimental e Medicina da Argentina

Governo do Chile Economista e atual ministro do Planejamento e Cooperação, é o membro mais jovem do gabinete de Sebastián Piñera. Filho de um ministro de Augusto Pinochet, é responsável pela política social do primeiro governo de direita eleito no Chile em meio século.

Em 2004, esse cientista de Córdoba descobriu o motivo de o sistema imunológico sucumbir diante do câncer. Ganhou diversos prêmios em seu país e no exterior, como o John Simon Guggenheim Fellowship (EUA) e o Prêmio Bernardo Houssay (Argentina).

Maria Constanza Ceruti (38 anos) Pesquisadora arqueológica Com mais de cem escaladas de montanhas acima de 5 mil metros, é a única mulher do mundo que trabalha na área de Arqueologia de Altura. Busca rastros de culturas e civilizações distintas. Seu trabalho mais célebre foi uma expedição da National Geographic dirigida por John Reinhardt.

Nicole Jordan

Alberto Herrera

(42 anos)

(25 anos)

Copa X Prize

Anistia Int. do México

Piloto particular de aviação e voo acrobático. Trabalhou na Nasa e, hoje, ocupa o cargo de gerente operacional de foguetes na Copa X Prize, encarregada da programação e do lançamento de foguetes, assim como do design de módulos lunares e sondas espaciais com destino a Vênus.

Gabriel Rabinovich

Felipe Kast Sommerhoff

Quando assumiu a direção da organização de direitos humanos, há três anos, ela tinha 130 afiliados. Hoje, são 3 mil. E sua ação é sentida cada vez mais em temas como imigração e mobilização urbana nos tempos violentos que assolam o México.

2

André Esteves (42 anos) Banco BTG Pactual

Presidente e sócio do Banco BTG Pactual, é considerado um dos principais banqueiros investidores no Brasil. Também se dedica à docência e ensina Análise de Sistemas na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Junho, 2011 AméricaEconomia 65

AE 400 líderes V2.indd 3

01.06.11 15:32:09


Líderes do futuro

Antonio Moraes (22 anos) – Vox Capital

Olegario Vázquez Aldir (40 anos)

Neto de um dos maiores empresários do Brasil (Antonio Ermírio de Moraes, dono do Grupo Votorantim), criou, em pouco tempo e com grande patrimônio financeiro, o primeiro fundo brasileiro para negócios sociais, o Vox Capital.

Yoani Sánchez

Alejandro Santo Domingo

(35 anos)

(34 anos)

Blog Geração Y

Grupo Santo Domingo

Filóloga e filha de comunistas, em 2007 criou seu blog Geração Y, entre outros, em que ousou expor opiniões ácidas sobre Cuba e suas instituições. É autora do livro Cuba Libre: Vivir y Escribir en La Habana (Cuba Livre, Viver e Escrever em Havana), hoje proibido na ilha.

Juan Carlos Zuazua

Um dos empresários mais bem-sucedidos do México e peça-chave na expansão de uma das corporações mais importantes do país, o Grupo Empresarial Ángeles, que atua no setor financeiro e nas comunicações.

Vanessa Vilela (32 anos) – Kapeh

Banqueiro investidor e filho do empresário Julio Mario Santo Domingo. Hoje, conduz os negócios do grupo fundado por seu pai. Tem ampla visão global, domínio das finanças e uma fortuna de US$ 6 bilhões.

Martín Sabbatella

(30 anos)

(41 anos)

VivaAerobus

Partido Nuevo Encuentro

Com sua pouca idade, foi nomeado diretor-geral da VivaAerobus, empresa de aviação de baixo custo com sede em Monterrey, sua cidade natal. Em cinco anos, sobreviveu ao colapso do setor e aumentou de três para 49 o número de rotas que opera no México e nos EUA.

Grupo Empresarial Ángeles

Eleito em 1999, aos 29 anos, prefeito de Morón, na província de Buenos Aires. Em 2008, foi selecionado entre as cem personalidades mais relevantes da década na categoria “Administradores Públicos”, graças à sua gestão. Atualmente é deputado federal.

Fundadora da linha de cosméticos Kapeh, feitos de café, e premiada por uma das melhores e mais bem-sucedidas iniciativas empresariais dirigidas por mulheres em países em desenvolvimento. Finalista do prêmio da ONU Women in Business Award 2010.

66 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 lderes.indd 4

5/30/11 11:55:58 PM


100

95

75

25

5

0

America_Economia_Curvas quinta-feira, 19 de maio de 2011 11:16:14


Análise & debate

Autoritarismo nunca mais NOS ÚLTIMOS 25 ANOS, A DITADURA PERDEU ESPAÇO NA AMÉRICA LATINA À CUSTA DE GOLPES E CHOQUES CARLOS TROMBEN, DE SANTIAGO

m 21 de dezembro de 2000, o então presidente argentino Fernando de la Rúa participou do popular programa de televisão Videomatch. A ideia era dissipar a imagem de personagem apagado que pesava sobre ele. Mas tudo deu errado. No set, o presidente se encontrou com seu dublê, um ator que imitava sua voz e seus gestos, e um jovem saiu da plateia para lhe perguntar rispidamente sobre a situação de alguns presos políticos. A ação decidida do Oso Ruperto (outro ator disfarçado de tamanduá) impediu que a cena surreal tivesse maiores consequências. Doze meses depois, de la Rúa entrou para a história como o segundo presidente argentino desde o retorno da democracia a não concluir seu mandato. No total, 12 presidentes latino-americanos tiveram de renunciar ou foram defenestrados legalmente pelo Congresso. A isso, somam-se três golpes de Estado e dez tentativas de golpe militar, algumas tão singulares como o autogolpe fracassado do guatemalteco Jorge Serrano Elías, o “aprendiz de ditador”, que conseguiu governar por apenas sete dias após dissolver o Congresso.

E

que melhor define hoje a região é “du“Formalmente, há uma evolução rabilidade democrática”. O acadêmico democrática na América Latina”, afirrejeita o risco de recaída autoritária, ma Miguel Ángel Bastenier, diretor pois, para ele, não existem atores com do diário El País. “Não porque seja os capac capacidade política para protamentira, mas sim porque nos gon gonizar aventuras, nem apoio encontramos diante de situaCHÁVEZ ex externo às ditaduras. Como ções democráticas de fraca É UM EXEMPLO DE PRESIDENCIALISMO DE ESQUERDA

densidade. São democracias, sem dúvida, mas no nível mais precário possível e com o risco de que se enfraqueçam as divisões entre o que é democrático e o que não é.” Para o cientista político argentino Fabián Pressaco, da Universidade Alberto Hurtado, em Santiago, a expressão

assinalou o cientista político polonêsamericano Adam Przeworski, da Universidade de Nova York, nenhuma democracia caiu em um país com renda per capita superior à da Argentina em 1975 (US$ 6.055). “As democracias ricas sobrevivem a guerras, revoltas, escândalos, crises econômicas e de go-

68 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 poltica2 V2.indd 2

31.05.11 23:28:30


Análise & debate verno, ao inferno e à inundação”, escreveu em um estudo publicado originalmente pelo Programa de Desenvolvimento da ONU. O que de fato afeta as democracias latino-americanas é um “escasso rendimento” diante dos problemas sociais, o que abriu espaço para políticos como Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Correa (Equador) ou Evo Morales (Bolívia). “O populismo passa a comandar as instituições, mas, às vezes, se apegar ao jogo institucional não resolve os problemas socioeconômicos”, afirma. “As sociedades latino-americanas estão vivendo esse dilema.”

Foto: Juan Barreto/AFP

CONSTITUINTE, DOU-LHE UMA… “Creio que na América Latina haja muito experimentalismo no plano micro, o que não se traduziu em uma agenda institucional forte”, afirma Roberto Mangabeira Unger, professor da Universidade de Harvard e ex-ministro de Assuntos Estratégicos durante o governo do presidente Lula. “Isso fica muito claro no setor das inovações constitucionais.” Os exemplos são vários: Fujimori aboliu de fato a Constituição peruana de 1979 e redigiu outra que continua em vigor. No Chile, reformou-se cupularmente a draconiana Constituição pinochetista dos anos 1980. Chávez, Correa e Morales, por outro lado, ditaram Constituições sob medida. Apenas Argentina e México são regidos por Constituições centenárias, ainda que tenham passado por reformas pontuais. “A América Latina tem um nível de rotatividade de Constituições muito alto. Um fato notável e, em parte, preocupante”, afirma Roberto Gargarella, professor de direito constitucional da Universidade de Buenos Aires. Para o especialista, um problema das novas Constituições é que, em vez de identificar um grande drama ou objetivo, muitas vezes elas são motivadas por questões de curto prazo, como a ree-

leição presidencial. “Embora isso não evite que haja razões de fundo”, diz. Uma delas é a incorporação de direitos sociais, econômicos, ambientais ou étnicos. Sob esse aspecto, é significativo o caso da Constituição colombiana de 1991. Diferentemente de outras, ela nasceu da sociedade civil, e, entre suas colaborações, o ex-presidente da Corte Constitucional da Colômbia, Alfredo Beltrán, destaca “novos mecanismos de participação, como a iniciativa popular legislativa, a revogação do mandato para governadores e prefeitos e a eleição popular do vice-presidente da República”. “Justamente uma das Constituições mais criticadas, a da Bolívia, pelo certo grau de improvisação, tem a gran-

O comportamento cada vez menos previsível dos eleitores enfraquece os partidos de virtude de identificar um problema muito grave e que marcava a sociedade, a exclusão social e étnica”, analisa Gargarella. Diante dos diferentes graus de conservadorismo ou experimentação constitucional estão o comportamento cada vez menos previsível dos eleitores e o crescente enfraquecimento dos partidos políticos. “Estamos diante de sociedades que são mais voláteis politicamente, que estão disponíveis para modificar seu voto de uma maneira mais fácil, com base nas ofertas armadas para a ocasião, que depois desaparecem”, afirma Pressaco, da Universidade Alberto Hurtado. O Peru seria um caso paradigmá-

tico (e preocupante) de um fenômeno do qual se afastam apenas países como Chile ou Brasil.

O PRESIDENTE SOU EU O que está claro é que a América Latina continuará sendo a terra do presidencialismo, sistema que todos os especialistas consultados consideram enraizado na cultura política da região – presidencialismos fortes de direita, como o do colombiano Álvaro Uribe, ou de esquerda, caso de Hugo Chávez. Na história recente, a novidade está nas novas figuras que o encarnam: um indígena na Bolívia, um operário no Brasil, uma mulher divorciada e agnóstica no Chile ou um ex-guerrilheiro no Uruguai. “A autoridade está radicada em sujeitos que mais parecem da massa”, afirma Pressaco. Suficiente para avançar na agenda social e econômica, combater a corrupção e o narcotráfico? Mangabeira Unger considera que a América Latina poderia manter o presidencialismo por suas virtudes, mas dotar o regime de mecanismos para superar os impasses que, de tempos em tempos, o levam à beira do precipício. “Poderíamos permitir que qualquer um dos poderes (executivo ou legislativo) convocasse eleições antecipadas, de forma que o poder que exerça essa prerrogativa tenha de pagar o preço político de correr o risco eleitoral”, afirma. Algo assim poderia ter evitado a rotatividade presidencial da qual padeceu o Equador, entre 1997 e 2005, ou a polarização na Venezuela. Ao final de sua infeliz aparição televisiva, Fernando de la Rúa se confundiu, saiu pelo lado errado e se deparou com uma porta cenográfica. Sua figura torpe dando passos para trás e desaparecendo em segundo plano atrás do apresentador Marcelo Tinelli talvez tenha sido o momento mais baixo, simbolicamente falando, do presidencialismo argentino. Com colaboração de Jenny González, de Bogotá

Junho, 2011 AméricaEconomia 69

AE 400 política2.indd 3

5/30/11 6:34:08 PM


Análise & debate

Brasil: a “nova” cara da política filósofo Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia política da USP, concorda: “Há uma tendência de o PT se tornar imbatível. Por outro lado, é possível que as pessoas que subiram de vida com o PT comecem a defender mais seus direitos.” O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), ressalta o fiasco da ditadura em lidar com a oposição, que acabou se tornando uma “força real”, e o fato de vários partidos terem ADRIANA CHAVES, DE SÃO PAULO fortes raízes sociais. “Isso tudo ocorreu no bojo do desenvolvimento econômico, que deu início a movimentos soas últimas décadas, o Brasil passou por transformaciais fortes. Um deles originou o PT.” ções em diversas áreas. Na política não foi diferente. O presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra (PE), Em um processo de redemocratização iniciado com considera que o fim da bipolarização – entre Arena (governo) o movimento civil Diretas Já (1983-1984), as eleições diretas e MDB (oposição) – até o início dos anos 1980 ajudou a conpara presidente voltaram em 1989. Diferentemente de alguns figurar o sistema atual. “A democracia evoluiu, de um lado, vizinhos da América Latina, que continuaram sob influência para forças que trabalham pelo fortalecimento das legendas, militar, o país construiu partidos fortes e avançou na formacom discurso por reforma política, fidelidade partidária e ção de um sistema seguro de governabilidade. compromisso; de outro, para a multiplicação de legendas de Para o professor do Departamento de Ciências Políticas ocasião, num ambiente de processos eleitorais viciados, que da Universidade de São Paulo (USP) Amâncio Jorge de favorecem a corrupção.” Oliveira, o colapso do modelo econômico explica o fim do Criar barreiras para a grande quantidade de partidos, regime militar brasileiro. “O fortalecimento e a consolidação especialmente os fisiológicos, é apontado pelo professor dos partidos têm a ver com o desgaste do regime militar e Amâncio Oliveira como um desafio político. “Eles formam com a forte intervenção estatal na economia. Os latinoum jogo de coalizões, são ‘comprados’ e cooptados, não têm -americanos sofreram processos semelhantes, mas o Brasil sustentação sociopolítica.” conseguiu constituir uma economia pujante.” Janine destaca que quase todos os partidos significativos O efeito perverso do fortalecimento econômico, que dá do país vieram do regime militar, sejam originários ou dissilegitimidade política, segundo Oliveira, é que ele pode levar à dências de legendas da época. Desses, ele destaca PT, PSDB, manutenção prolongada de um único partido no governo. O PMDB e DEM (ex-PFL, que antes foi PDS). Na avaliação do filósofo, os partidos de direita ficaram numa posição de coadjuvante, disputando poder apena localmente. “Há uma tentativa de apresentação nas O MOVIMENTO p política progressista, facilitada pelo fato de isso não DIRETAS JÁ im implicar ações concretas.” MARCOU A REDEMOCRATIZAÇÃO Para Janine, falta definir o objetivo da reforma NO BRASIL po política, há tempos discutida nos corredores do Co Congresso. Para ele, os debates têm se fechado em quest questões conflituosas, como o voto distrital ou por lista fechada. “Não há sinal de acordo. Do ponto de vista do eleitor, seria preciso analisar a fidelidade partidária e o voto facultativo. Mas as posições são muito diferentes e é muito possível que não saia reforma alguma.” Guerra, do PSDB, considera a reforma importante para impor limites aos “partidos inconsequentes”, mas não vislumbra consenso. Já Humberto Costa acredita que haverá entendimento em pontos como o financiamento eleitoral.

O PAÍS DEIXOU PARA TRÁS A DITADURA E AGORA PRESCINDE DE REFORMAS PARA AVANÇAR

Foto: Reginaldo Manente/Agência Estado/AE

N

70 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 poltica2 V1.indd 4

31.05.11 21:47:53


Análise & debate

A democracia está nos detalhes América Latina ostenta oportunidades para os mercados internacionais desde a era do Descobrimento. Só que o ativo latino que mais se destacou nos últimos tempos não tem peso ou preço e nem sequer aparece nas balanças comerciais, mas mobiliza milhões de cidadãos e vale uma bolada: a democracia. A julgar pela primeira década do século, esta poderá ser lembrada como a época de ouro para a democracia latina. Com a pobreza em queda e a qualidade de vida em alta, as Américas desfrutam de raro momento de paz e participação plena na vida e obra de suas nações. Dos 35 países no hemisfério, 24 são livres, segun-A DEMOCRACIA do a Freedom House, de Washington, EM PAÍSES COMO A que monitora regimes políticos. OuARGENTINA INIBE A tros nove são “parcialmente livres” e MAQUIAGEM DOS apenas Cuba continua “não livre”. NÚMEROS PELO GOVERNO Poderia ser melhor. No México, na Colômbia e no Brasil, a epidemia de violência mancha a liberdade política. O abismo entre as classes, embora decrescente, ainda é recorde mundial, e a péssima qualidade do ensino anuvia a clamada alvorada da “década da América Latina”. Há ainda o arquipélago de países da aliança bolivariana, liderada pela Venezuela de Hugo Chávez, que empunha a bandeira da liberdade para embrulhar o autoritarismo cavalar. Mas, comparado ao resto do mundo em desenvolvimento, estamos bem na foto. Na região da Ásia e do Pacífico, apenas 41% dos países sustentam governos democráticos. Não é muito diferente no continente africano ou na emergente Europa Central, enquanto no Oriente Médio a democracia ainda é um sonho de uma noite de primavera árabe. Mais importante, a América Latina está melhor em comparação com ela mesma. Nos anos 1970, apenas quatro países – Costa Rica, Colômbia, México e Venezuela – estavam livres da regência militar. Agora, em quase todos, os generais só saem dos quartéis sob ordens do poder civil. O apoio à democracia também cresceu, embora modestamente, e, ao reboque dela, a qualidade de vida. Vive-se mais. Morre-se menos na infância. Noventa e dois por cento

Foto: Shutterstock

A

dos latinos estão alfabetizados. A extrema pobreza está prestes a cair pela metade bem antes de 2015, prazo dado pelas Metas do Milênio, das Nações Unidas. Se esse upgrade político comove os senhores dos mercados, são outros quinhentos. Até há pouco tempo, modelo de governo era detalhe. O investidor internacional era norteado por taxas de crescimento, estabilidade política e garantias à propriedade, e ponto final. Se levasse um caudilho ou martinete para amarrar as condições da prosperidade, paciência. Mas o planeta pós-crise financeira girou, e hoje, com o mundo e os mercados em polvorosa, a democracia pode ser o di diferencial. Um líder mão de ferro é louvado quando acerta, m um desastre quando descarrila, e pau e ferro para quem mas

ouse discordar. Democracia nem sempre premia o sucesso. Afinal, como explicar o Peru, país que vive o maior momento econômico do continente, ameaçado por candidatos radicais, da esquerda e da direita? Mas o cidadão pode ser um parachoque. Estudos na Ásia e na Europa Central mostram que os eleitores geralmente aprovam seus líderes em tempos de bonança, mas são impiedosos quando a economia vai mal. Na América Latina, o recado já chegou aos palácios. Os governantes entendem a necessidade de equilibrar as contas, e ninguém duvida mais do estrago que faz a inflação à nação e às carreiras políticas. Até os países que estouram as metas – Venezuela e Argentina – fazem malabarismo para maquiar os números. Parece pouco, mas o fato de que todo mundo está de olho neles, até as casas decimais, é a prova de que a democracia está viva.

Mac Margolis Correspondente da revista Newsweek. Realiza reportagens sobre o Brasil, outros países da América Latina e os mercados emergentes, e já colaborou para outras publicações, entre elas The Economist, The Washington Post e The Los Angeles Times.

Junho, 2011 AméricaEconomia 71

AE 400 opiniao Mac V1.indd 3

5/30/11 7:37:14 PM


Análise & debate

Show de trapalhadas O NOVO GOVERNO PETISTA MAL COMEÇOU, E PALOCCI, BRAÇO DIREITO DE DILMA, VÊ-SE ENVOLVIDO EM UM GRAVE ESCÂNDALO ÉTICO IZABELLE AZEVEDO, DE BRASÍLIA m apenas cinco meses de governo da presidente Dilma Rousseff, o país já presencia o primeiro escândalo ético envolvendo figuras do primeiro escalão. Uma crise que começou a mudar as estratégias de comando adotadas pela presidente e pelas vozes que dão as ordens no jogo do poder brasileiro. Até semanas atrás, decisões e ordens vindas do Palácio do Planalto partiam sempre do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, o homem mais forte da equipe governista. Ele recebeu carta branca para falar em nome da presidente, negociar com a base aliada do Congresso e defender os interesses do Executivo. Dilma Rousseff escolheu seu braço direito sem levar em conta o passado do ministro, cujas passagens por cargos públicos resultaram em um processo no Supremo Tribunal Federal por supostos desvios de dinheiro enquanto era prefeito da cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e outro por ter usado o poder que detinha enquanto ministro da Fazenda, no governo Lula, para ignorar a lei e violar o sigilo bancário de um caseiro que o acusou de usar uma mansão na zona nobre de Brasília para festas com garotas de programas e negociações pouco republicanas. Além de desconsiderar o currículo judicial, a presidente não questionou seu homem forte sobre o enriquecimento repentino conseguido por ele

E

em quatro anos, quando atuou como consultor de grandes empresas ao mesmo tempo em que detinha o mandato de deputado federal pelo PT. Publicamente, a cúpula do Palácio do Planalto tem dito que a crise está resolvida e que Palocci já prestou os esclarecimentos necessários. Mas a realidade é um pouco mais tenebrosa para o governo. A estratégia usada para ganhar dinheiro e a conduta adotada pelo ministro da Casa Civil para caminhar na linha tênue que separa lobby, serviços de consultoria e tráfico de influência estão sob investigação do Ministério Público Federal do Distrito Federal e são alvos de aliados insatisfeitos e da oposição, sedenta por uma brecha para o ataque. “Não podemos mais permitir que uma pessoa use o mandato parlamentar conferido pelo povo para ganhar dinheiro de empresas. É um absurdo que o Brasil permita isso”, declara o líder do oposicionista DEM, deputado Antonio Carlos Magalhães Neto. “O Palocci não pode declarar como ganhou

O desafio de Antonio Palocci será provar que não fez tráfico de influência enquanto era deputado

esse dinheiro porque não o fez nos termos da lei. Muita gente do PT também não pode declarar muita coisa publicamente. É preciso impor limites e fiscalizá-los de perto. A maioria dos integrantes do governo brasileiro de hoje tem muito a explicar sobre o trabalho que eles chamam de consultoria”, acusa o presidente do PSDB, deputado Sergio Guerra. Também dentro de legendas aliadas do governo, o poderoso ministro tem precisado dar explicações diariamente sobre como aumentou em 20 vezes seu patrimônio em um tempo recorde de quatro anos. Em reuniões privadas com senadores do PT, na última semana de maio, Palocci admitiu que cobrava uma “taxa de sucesso” pelos serviços que prestava a grandes empresas. Não detalhou, no entanto, o que o governo e seus aliados de legenda tiveram de fazer para garantir-lhe o atendimento dos pleitos dos seus clientes. O ministro também se nega a dizer quem eram esses clientes, alegando que o contrato que assinou previa sigilo absoluto. Diante da polêmica, apenas duas empresas que ajudaram Palocci a multiplicar o patrimônio admitiram ter contratado a Projeto Consultoria, criada pelo ministro: o banco Santander e a Amil. Deputados do PSDB também afirmam que, graças ao empenho e à influência do petista, a WTorre Engenharia conseguiu receber da Receita Fe-

72 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Palocci V1.indd 2

31.05.11 20:41:02


Análise & debate

Foto: Marcelo Camargo/Folhapress

ORIENTADA POR LULA, DILMA TEVE DE SAIR EM DEFESA DO MINISTRO DA CASA CIVIL

deral R$ 9,2 milhões em devolução de impostos, somente no ano passado. A empresa doou R$ 119.715,09 para a campanha do ministro à Câmara dos Deputados, em 2006, e R$ 2 milhões para ajudar no caixa da campanha presidencial de Dilma Rousseff. “É preciso investigar se os integrantes do PT estão retribuindo favores eleitorais com recursos públicos, se alguém está usando influência para se beneficiar e enriquecer. O Brasil não pode presenciar esse tipo de coisa e fazer de conta que tudo está sob controle. Por isso, insistimos tanto em uma Comissão Parlamentar de Inquérito [CPI]”, diz o líder do PSDB, deputado Duarte No-

gueira. As tentativas de seu gu par partido de instaurar uma CPI para investigar o ministro até f agora foram abortadas por manobras do governo. Mas não se sabe até onde será possível resistir, já que a base aliada começou a dar sinais de divisão e desobediência às ordens presidenciais.

DESARTICULADA Com as suspeitas e a artilharia voltadas para seu homem forte, Dilma mostrou completa falta de traquejo para lidar com os aliados e formar coalizão. Diante de uma presidente atônita em meio a uma guerra política, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva te-

ve de entrar em cena para apagar o incêndio e tentar dirimir a crise. Foi dele a orientação para que a sucessora se abrisse, fizesse aparições e entrasse pessoalmente nas negociações com os políticos, em vez de despachá-los para assessores sem poder para resolver problemas. Dilma começou a seguir os conselhos, mas está longe de conseguir se articular bem a ponto de evitar novas crises. Para o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vacarezza, a presidente sempre soube que deveria se aproximar do Congresso, mas não tinha entrado em cena ainda porque estava doente. “Será mais fácil lidar Junho, 2011 AméricaEconomia 73

AE 400 Palocci V1.indd 3

31.05.11 21:10:35


Análise & debate

2

LULA BUSCOU O APOIO DA BASE ALIADA PARA REVERTER O QUADRO CONTRA PALOCCI

com a base aliada a partir de agora, porque Dilma está m bem de saúde e vai entrar em campo”, diz. Apesar do discurso otimista, ainda é uma incógnita se Dilma vai ter sucesso como articuladora do próprio governo. Na dúvida, a ideia da cúpula palaciana é manter Lula por perto e chamá-lo a entrar em cena novamente se a crise ameaçar se agravar e dificultar ainda mais a vida da presidente, que

já precisa enfrentar a alta da inf inflação e as dificuldades pelo atr atraso nas obras de infraestrutura para sediar a Copa do Mundo e a Olimpíada. “Está acontecendo o que nós avisamos que iria acontecer caso Dilma Rousseff chegasse ao poder: ela não teria força para comandar o país, que ficaria nas mãos de quem não foi eleito. O poder e as interferências de Lula começaram cedo porque ela não sabe o que fazer no governo”,

critica José Serra, candidato derrotado na eleição presidencial.

BRECHAS Para multiplicar seu patrimônio, Palocci atuou em duas brechas deixadas pela legislação brasileira que envolvem poder e dinheiro: a falta de leis que regulamentam a atividade de lobby e a ausência total de regras que imponham limite à relação entre o exercício de cargos públicos e a atuação desses po-

74 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Palocci V1.indd 4

31.05.11 20:41:42


Fotos: 2 - Marcelo Camargo/Folhapress; 3 - David Ribeiro/Câmara dos Deputados

Análise & debate

líticos em entidades privadas. O lobby não é proibido no Brasil. Mas, sem regras claras, tornou-se sinônimo de negociações obscuras e coloca uma nuvem de suspeitas em cima de quem assume viver dessa prática, que caminha lado a lado com o crime de tráfico de influência. Se discutisse a questão, o Congresso brasileiro teria de seguir o exemplo de outros países e impor limites à atuação dos lobistas travestidos de consultores. Nos Estados Unidos, por exemplo, a atividade é regulamentada por lei específica. A norma prevê que os lobistas apresentem relatórios sobre clientes e sua atuação a cada três meses. Quem omitir dados pode ser condenado ao pagamento de multas e até à prisão. No Brasil, há quatro propostas sobre o assunto tramitando no Legislativo há anos. A mais completa é o Projeto de Lei (PL) 1202/07, que determina a identificação dos lobistas ou de que qualquer grupo de pressão que defenda determinado interesse e proíbe o credenciamento para o exercício da atividade de uma pessoa que tenha ocupado cargo público nos últimos 12 meses. Se a proposta fosse lei, Palocci não apenas teria de divulgar quem são seus clientes e que tipo de serviços prestou a cada um, como teria sido proibido de atuar como consultor e deputado simultaneamente. No parlamento, entretanto, os políticos têm demonstrado pouco ou nenhum interesse em regulamentar o assunto. Não por acaso. Pelo menos 274 dos 594 integrantes do Congresso – são 513 deputados e 81 senadores – prestam serviços de consultoria, segundo dados declarados ao Tribunal Superior Eleitoral.

PRESTÍGIO E DINHEIRO Para explicar como fez seu patrimônio declarado saltar de R$ 375 mil para cerca de R$ 7,5 milhões em apenas quatro anos, Palocci declarou que a passagem

Apesar de ser médico, Palocci diz que a passagem por cargos importantes agregou valor à sua carreira de consultor por cargos importantes no governo brasileiro agregam valor ao profissional. O argumento usado em sua defesa recebeu críticas. Afinal, o currículo de Palocci, formado em medicina, não é o mesmo de outros ex-ministros da Fazenda e antigos pre-sidentes do Banco Central do GUERRA, 3 Brasil, que se transformaram DO PSDB, ACUSA em empresários muito bemO MINISTRO DE ENRIQUECIMENTO -sucedidos e palestrantes bem ILÍCITO tra pagos. A questão é que todos tração da OGX Petróleo e Gás do empresário Eike Baeles, exceto o próprio Palocci, jáá Gás, inha tista. M eram economistas de primeira linha Malan também é curador antes de ocupar os cargos públicos. do Iasc Foundation, organismo que reO ex-comandante do BC Armígula o International Accounting Stannio Fraga, por exemplo, antes de asdards Board (Iasb), órgão encarregado sumir o banco era diretor-gerente da de difundir normas internacionais de Soros Fund Management LLC, o funcontabilidade. do de investimento de George Soros. Mailson da Nóbrega, que comanHoje, ele cobra cerca de R$ 40 mil padou a Fazenda entre 1988 e 1989, deira falar para públicos interessados em xou os cargos públicos para virar um ouvir sobre suas experiências e sobre dos sócios da Tendências Consultoria as estratégias da bem-sucedida Gávea Integrada. A lista de contratos inclui Investimentos, fundada por ele quanserviços que vão de R$ 40 mil a mais do deixou o BC e que, atualmente, adde R$ 1 milhão. ministra mais de US$ 10 bilhões em O rol de ex-ministros consultores investimentos, que incluem café e proinclui ainda quem não deixou o carpriedades. No ano passado, o banco go sob aplausos, mas conseguiu manJ.P.Morgan comprou metade da emter trânsito fácil no governo. O antigo presa, por cerca de US$ 270 milhões, e comandante da Casa Civil José Dirceu negocia os outros 50%. é um desses casos. Depois de perder o O ex-ministro da Fazenda no gocargo, acusado de comandar o esquema verno Fernando Henrique Cardoso de pagamento de propina a parlamenta(PSDB), Pedro Malan, é um dos mais res, ele tem sobrevivido de prestar serviprocurados palestrantes do país. O ços a grandes empresas interessadas em economista é do conselho de adminisfazer negócios com o Brasil. Junho, 2011 AméricaEconomia 75

AE 400 Palocci.indd 5

5/31/11 3:34:48 PM


Análise & debate

artamos para as boas notícias. Do ponto de vista quantitativo, a educação na América Latina tem ido razoavelmente bem. Nos últimos 25 anos, a maioria dos países aumentou rapidamente o número de matrículas em escolas e universidades. Isso é bom, pois os países e indivíduos que investem em educação se beneficiam econômica e socialmente. E os que mais aumentaram a cobertura de seu sistema universitário durante as últimas décadas observam como seus profissionais continuam melhorando suas rendas. Além disso, contar com uma grande massa de profissionais favorece a adoção de novas tecnologias que aumentam a produtividade. Não obstante, o mundo está em um processo de mudança que não se pode parar: população cada vez mais diversa e interconectada, acelerada mudança tecnológica no trabalho e na vida cotidiana, assim como disponibilidade instantânea de uma grande quantidade de informação. Mas o tipo de educação oferecida na América Latina ainda não é adequado para encarar desafios. Um dos grandes dilemas para os educadores da região é o foco nas habilidades cognitivas rotineiras. São as mais fáceis de ensinar e aquelas nas quais os estudantes latino-americanos demonstram bom rendimento. Mas também são as mais fáceis de digitalizar, automatizar e externalizar.

Vejamos a matemática: na América Latina, é ensinada de forma abstrata, sem contexto autêntico. Primeiro as técnicas da aritmética e depois a resolução de um monte de cálculos, como solucionar certas equações e depois resolver exercícios similares. Mas, para o mundo de hoje, os estudantes precisam ter uma compreensão dos conceitos e ser capa-

es, zes de relacioná-los a novas situações, expressar os problemas em termos matemáticos e depois avaliar sua solução no contexto do problema original. Isso é o que se mede no teste Pisa (sigla em inglês para Programa para a Avaliação Internacional de Alunos), que se aplica em âmbito internacional. Os estudantes latino-americanos têm um desempenho

muito abaixo do resto dos estudantes dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Esse pior desempenho se mantém até quando comparamos os resultados entre colégios com alunos de níveis semelhantes de renda. O mesmo acontece com a alfabetização. A maioria dos latino-americanos adquiriu as habilidades de leitura, mas grande parte deles não incorporou a capacidade e a motivação para utilizar material escrito de maneira ativa, associado a diferentes situações em mudanças contínuas de contexto. E isso é o que conta na atualidade. No passado, bastava ir direto a uma enciclopédia para encontrar a resposta para uma pergunta. Hoje, a alfabetização consiste no manejo de estruturas de informação não lineares, na construção da própria representação mental da informação, assim como encon encontramos nosso caminh nho por meio de um hiA EDUCAÇÃO p pertexto na internet. OFERECIDA NA AMÉRICA LATINA C Como lidar com a NÃO É ADEQUADA aambiguidade, a interPARA ENFRENTAR pr pretação e a resolução DESAFIOS de conflitos são peças da nov nova alfabetização. Tudo isso importa porque as evidências mostram que essas competências avaliadas no Pisa são fortes indicadores do sucesso em alcançar maiores níveis na educação e no trabalho. Não que a América Latina não tenha conquistas nesse sentido. De fato, desde 2000, o Brasil foi capaz

Foto: Shutterstock

Educando os mestres P

76 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Art educação2.indd 2

5/30/11 6:19:34 PM


Análise & debate De goleada Resultados do teste Pisa de leitura (2007)*

539 Coreia

497 Alemanha

496 França

493 Média OCDE

449 Chile

426 Uruguai

425 México

413 Colômbia

412 Brasil

398 Argentina

371 Panamá

370 Peru

* Quanto maior a nota, melhor o desempenho Fonte: OCDE

de aumentar muito a qualidade dos resultados do ensino em todas as áreas avaliadas pelo Pisa. Para Colômbia, Chile, México e Peru isso também é certo, ao menos em algumas áreas. No entanto, o Pisa (acima) demonstra que, na América Latina, a política tem um espaço restrito para a melhoria na gestão de escolas e dos professores. É um forte contraste com os sistemas dos países mais avançados em educação, onde os líderes das escolas e dos professores deixaram de buscar oportunidades de crescimento na burocracia. Enquanto os professores latinoamericanos ficam apenas nas salas de

aula, armados simplesmente com um conjunto de receitas sobre o que e como ensinar, os sistemas mais avançados tendem a estabelecer objetivos ambiciosos, deixando claro o que os estudantes deveriam ser capazes de fazer. Criam inteligentes sistemas de monitoramento e oferecem aos professores as ferramentas para estabelecer os conteúdos e as instruções que precisam fornecer a cada estudante. Esses sistemas passaram da entrega de conhecimento à geração de conhecimento pelo aluno. Outra característica da educação latino-americana é que diferentes alunos têm ensino semelhante. Nos sistemas mais avançados, os professores adotam a diversidade com práticas pedagógicas diferenciadas e experiências educacionais personalizadas, substituindo a padronização com engenhosidade, passando de práticas centradas em currículos àquelas que se centram no aprendizado. Esses sistemas educacionais reconhecem que diferentes indivíduos aprendem de forma distinta e até os mesmos indivíduos aprendem de maneira diferente em diferentes etapas de suas vidas. Por isso, fomentam novas formas de provisão educacional, que levam o aprendizado ao aprendiz. Tudo isso exige professores de um calibre muito diferente. Quando o ensino envolve comunicar conteúdos já estabelecidos, os países podem se valer de professores de qualidade moderada, recurso eficiente quando são os governos que dizem o que e como ensinar, usando métodos prescritos de controle administrativo e responsabilidade. Os sistemas mais avançados exigem que os professores sejam profissionais de conhecimento de alto nível. O obstáculo é que aqueles que têm potencial para ser esse tipo de profissional não se sentem atraídos pela bu-

rocracia de autoridade e controle. Para mudar isso, os sistemas educacionais da América Latina precisam transformar a organização de suas escolas em um lugar no qual as normas da gestão profissional complementem as formas burocráticas e administrativas. Ambientes com o status, a remuneração e a autonomia capazes de atrair os profissionais e que operem com mecanismos de avaliação eficazes e diferenciados para professores que escolham diferentes caminhos de desenvolvimento. É preciso repensar muitos aspectos das políticas de formação docente na América Latina: otimizar a seleção dos futuros professores e melhorar os sistemas de recrutamento; melhorar o nível da educação obtida por eles antes de serem recrutados e os sistemas de monitoramento, bem como os programas de educação continuada. Também é necessário reformar as estruturas de remuneração e os mecanismos para melhorar o desempenho dos professores, assim como as oportunidades de adquirir mais status e responsabilidade para aqueles que se saírem melhor.

Em países avançados, os professores fogem da burocracia Se a qualidade de um sistema educacional não pode ser melhor que a qualidade de seus professores, melhorar a organização do trabalho, a qualidade do desenvolvimento profissional, a carreira docente e seus sistemas de avaliação são, justamente, os grandes desafios da América Latina para os próximos 25 anos.

Andreas Schleicher Pesquisador e estatístico alemão, é diretor do Departamento para Indicadores e Análises do Diretório para Educação da OCDE e coordenador do teste Pisa.

Junho, 2011 AméricaEconomia 77

AE 400 Art educação2.indd 3

5/30/11 6:20:33 PM


Análise & debate

m uma geração, a América Latina mudou drasticamente. Basta dizer que, 25 anos atrás, nossa região estava mergulhada na pior crise econômica de sua história. A década de 1980 foi a década perdida, marcada por descumprimentos de dívida generalizados, com crescimento lento ou nulo, disparando o desemprego, a pobreza e a inflação galopante. Por outro lado, atualmente, a maior parte da América Latina desfruta de um rápido crescimento; a pobreza e a desigualdade, embora ainda vergonhosamente altas, diminuíram; e os investimentos estrangeiros estão em níveis recorde. Em 1986, a região estava saindo de seus pesadelos ditatoriais. O primeiro governo civil do Brasil desde 1964 tinha um ano de vida. Os regimes militares haviam cedido lugar para novos líderes no Uruguai e na Guatemala. Pinochet governaria o Chile por outros quatro anos, enquanto o autoritário PRI manteria o poder no México por mais 15 anos. Noriega estava a cargo no Panamá, Stroessner, no Paraguai, e Baby Doc, no Haiti. Hoje, apenas em Cuba os governantes não são eleitos, ainda que alguns dos presidentes da região estejam restringindo a democracia. Sangrentas guerras civis afetavam três países da América Central em 1986, enquanto as insurgências ameaçavam Colômbia e Peru. Atualmente, a Colômbia continua lutando contra os insurgentes, mas o sangue derramado e a insegurança diminuíram drasticamente no país. Hoje, a América Latina é uma região quase sem guerras, apesar de agora sofrer com as taxas mais altas de violência criminal. Nos últimos 25 anos, as nações latino-americanas reformaram seus sistemas econômicos e políticos e suas relações internacionais, em parte para melhor. Mas o futuro econômico é mais fácil de tratar, porque há muitos dados, mas não menos difíceis de prognosticar. A crise de 2008 revelou que as instituições econômicas da América Latina e seus dirigentes estavam mais bem preparados para uma tormenta financeira. Mas é necessário reconhecer as deficiências econômicas: poupança insuficiente, baixa produtividade, infraestrutura de má qualidade, precários sistemas de educação e grande desigualdade. Talvez a América Latina supere esses obstáculos, pois, em seu passado, houve piores. Se esse for o caso, deverá ser capaz de sustentar uma taxa estável e um crescimento relativamente rápido. Se isso não se cumprir, podemos esperar uma lenta expansão econômica, com diminuição da pobreza e uma igualdade gradual.

E

Peter Hakim Presidente emérito do Inter-American Dialogue, baseado em Washington.

As linhas gerais da política sugerem que, em toda a América Latina, as eleições livres continuarão a ser o único caminho legítimo para o poder e a maioria das nações será governada democraticamente. As dúvidas são, sobretudo, quanto à qualidade da democracia. As tendências são variadas. Em alguns países, as instituições políticas estão cada vez mais fortes e profundamente arraigadas, e os governos estão fazendo um trabalho melhor para satisfazer as necessidades de seus cidadãos. Mas, em outros, as instituições e o Estado de Direito estão erodindo. Em alguns, os líderes eleitos estão violando abertamente os princípios democráticos e excedendo sua autoridade legítima. A delinquência, a corcia rupção e a violência podem representar A INSEGURANÇA o maior perigo E O SANGUE para a estabilidaDERRAMADO DIMINUÍRAM de democrática DRASTICAMENTE nos países latinoNA COLÔMBIA americanos. ra Há razões para pensar que o México, a América Central e outros países carecem da capacidade institucional para resistir à atual onda de criminalidade. No entanto, há espaço para o otimismo enquanto os países latinoamericanos continuam livres dos amargos conflitos nacionais, étnicos e religiosos que afetam outras regiões. As tendências recentes sugerem que as nações da América Latina, ou pelo menos as da América do Sul, poderiam estar caminhando para além de suas divisões e avançando em direção a uma maior integração regional. Apesar de os latinos serem, de longe, o segmento de mais rápido crescimento da população dos Estados Unidos, ano após ano, o país do norte e a América Latina parecem cada vez mais distantes entre si. A inclinação de Washington por intervir nos assuntos regionais diminuiu drasticamente nos últimos anos, enquanto China, Europa e outros países estão ampliando sua presença. No longo prazo, é difícil imaginar essa mudança de trajetória, a menos que os Estados Unidos, por razões ainda desconhecidas, vejam sua segurança ameaçada pelos acontecimentos na região ou se deem conta de algumas oportunidades econômicas extraordinárias.

Foto: Raul Arboleda/AFP

A região deixa o fundo do poço

78 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Art Hakim3.indd 2

31.05.11 23:34:09


BASE PAGINA COMPLETA.indd 1

26/05/2011 10:15:51


Análise & debate

O ativismo no DNA e na rede ara que você se levanta todos os dias se não pode esforços voltados aos genocídios que ocorrem no Sudão, em mudar o mundo? Essa é uma das frases que nós, da Myanmar, na República Democrática do Congo, no Afegaárea do ativismo social, costumamos repetir. Nós, nistão, no Paquistão, no Iraque e na Somália. que trabalhamos com questões de pobreza, meio ambiente, Viver durante 18 anos em Quito, no Equador, sumido em inclusão política ou direitos humanos, percebemos que todos uma comunidade com mais de cem famílias nas quais ainda podemos fazer a diferença. Especialmente hoje, que temos estava gravada em seus olhares a dor que significava saber tecnologias e mídias disponíveis. que seus descendentes, pais ou eles mesmos estiveram presos Isso não era tão claro há oito anos, quando ganhei uma em algum campo de concentração, fez-me compreender que bolsa para estudar no Swarthmore College, na Pensilvânia, era necessário se negar a ser um simples espectador de injusEUA, e comecei a mobilizar as pessoas para que minha cautiças tão grandes como o genocídio. Mas nunca pensei que sa contra o genocídio se transformasse em algo público. Foi deixar de sê-lo chegaria tão logo nem de forma tão global. assim que as mídias começaram a informar sobre o grande As novas tecnologias assumem um papel muito imporgenocídio deste século: mais de 400 mil mortos em Darfur, no tante em nosso trabalho. Estamos constantemente inovando Sudão, por um conflito entre tribos árabes e não árabes. para criar ferramentas novas ou adaptar e adotar tecnologias A vontade de parar o massacre me ativava as veias. E foi existentes em nossos esforços para deter atrocidades. Um assim que, em 2003, junto com mais três pessoas, demos vida exemplo é a linha telefônica antigenocídio. Cada vez que, à organização que hoje se transformou na grande iniciativa nos Estados Unidos, alguém liga para 1-800-GENOCIDE contra o genocídio: a Genocide Intervention Network. No (1-800-436-6243), pede-se que a pessoa digite seu código começo, parecia ser uma anedota tirada de um quadrinho em postal. Nosso sistema registra as chamadas, acumula-as e que uma muçulmana, um cristão, um ateu e um judeu – eu envia relatórios aos congressistas e senadores sobre quan– uniam forças por essa causa. O objetivo é simples: mandar tas pessoas fizeram contatos perguntando pela segurança todo o tipo de recursos para as forças de paz que operam daqueles que são objeto de extermínio. Recebemos mais de no Sudão. Nós nos movemos como nunca antes. Facebook, 40 mil chamadas, o que impulsionou vários legisladores a se Twitter, Youtube e o boca a boca na faculdade foram as prinmanterem ativos na questão. cipais ferramentas com as quais, em cem dias, conseguimos O futuro é promissor para a ação. Hoje, em um mundo no reunir um quarto de milhão de dólares para destinar aos solqual há mais celulares que banheiros na África, o potencial dados da União Africana que faziam trabalhos humanitários global do esforço do ativista é cada vez maior. em Darfur. Foi um sucesso, mas era só o começo. Hoje, graças ao uso das tecnologias, cada indivíduo pode ter seu impacto. Não há desculpas, todos somos ferramentas de mudança. Após o esforço por Darfur, e depois de nossa graduação, começamos a materializar o projeto. As redes sociais foram nossas grandes parceiras, pois nossa inexperiência de recém-formados jogava contra nós. Muitos acreditavam que fracassaríamos por nossa pouca idade, mas importantes contatos com ministros de Exterior e pessoas relevantes do Ministério da Defesa da Casa Branca nos spermitiram suprir as carências de experiência profissional, que ainda não tínhamos. TRAGÉDIAS Em setembro de 2004, demos início a essa cauCOMO A DO sa, que hoje conta com 30 pessoas trabalhando em CONGO MOBILIZAM MILHARES DE nossos escritórios e um movimento que tem mais VOLUNTÁRIOS de 800 mil seguidores, dos quais a maioria é jovem. Atualmente, a organização tem seus olhos, recursos e

Foto: Lionel Healing/AFP

P

Mark Hanis Equatoriano, é fundador da Genocide Intervention Network, organização social reconhecida globalmente por suas campanhas contra o genocídio.

80 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 ativismo V2.indd 2

01.06.11 17:52:44


Expo Money.

O maior circuito de eventos de educação financeira e investimentos da América Latina. Visite a Expo Money: entre no site e inscreva-se no evento da sua cidade. Brasília - 10 e 11 de agosto Goiânia - 13 de agosto São Paulo - 22 a 24 de setembro Belo Horizonte - 18 e 19 de outubro Vitória - 26 e 27 de outubro Rio de Janeiro - 09 e 10 de novembro Porto Alegre - 29 e 30 de novembro

expomoney.com.br Evento Gratuito

Apoio

Anuncio America Economia.indd 1

Realização

5/13/11 6:31 PM


Análise & debate

É um mundo perigoso OS GASTOS MILITARES ESTÃO EM ALTA. MAS CIDADÃOS E GANGUES CRIMINAIS TAMBÉM FIGURAM NA CORRIDA ARMAMENTISTA JENNY GONZÁLEZ, DAVID SANTA CRUZ E CARLOS TROMBEN

uriosamente, a maior feira de defesa e segurança da América (Laad, na sigla em inglês) é realizada em um centro de convenções na Avenida Salvador Allende, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Em sua última edição, a Laad contou com a participação de 600 fornecedores, entre fabricantes de armamento, equipamentos de proteção pessoal, defesa nuclear e biológica e sistemas de simulação e treinamento. Os ânimos estavam exaltados, e não era para menos. Segundo a própria organização, o gas-

C

Compra de armas

to militar duplicou na América Latina entre 1999 e 2008. O que está acontecendo para que, na década da integração comercial e financeira, os países desconfiem tanto do vizinho? O sinal mais contundente é o programa de submarinos do Brasil, anunciado em dezembro de 2008. Um programa de US$ 8,3 bilhões para adquirir cinco submergíveis franceses, dos quais um terá propulsão nuclear. Segundo números do think tank sueco Sipri, o país com maior investimento militar da região, proporcionalmente falando, é a Colômbia, que aumentou os gastos de 2,4% do PIB, em 1988, para 3,7%, em 2008.

“Os investimentos em gastos militares não vão cair porque surgiram novos atores”, afirma Daniel Mejía, professor da Faculdade de Economia da Universidade dos Andes. “São grupos menores e isolados, mas continuam gerando danos em âmbito local.” Embora encurraladas, as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) não levantaram a bandeira branca. E estima-se que as chamadas gangues emergentes (conhecidas como Bacrim) tenham cerca de 6 mil homens, entre desertores do processo de paz, paramilitares desmobilizados ou que nunca entregaram as armas. Para 2011, o orçamento de defesa colombiano é de US$ 11,9 bilhões, 4,1% do PIB. A maior parte (80%) está destinada ao pagamento de pensões. Por outro lado, a ajuda americana, por meio do Plano Colômbia, tem diminuído nos últimos anos: a Colômbia receberá em 2011 US$ 255 milhões e, possivelmente, US$ 205 milhões em 2012. Segundo Mejía, não será necessário suprir essa diferença, pois o narcotráfico está em baixa.

% do gasto militar no PIB EQUADOR

CHILE

COLÔMBIA 1988

2,37

1988

4,94

1988

2,18

1998

2,63

1998

3,42

1998

2,36

2008

3,72

2008

3,51

2008

2,83

BRASIL

VENEZUELA

PERU

1988

2,10

1988

0,26

1988

1,90

1998

1,70

1998

1,61

1998

1,59

2008

1,47

2008

1,24

2008

1,06 0,46

EL SALVADOR

ARGENTINA

MÉXICO

1988

1,53

1988

2,12

1988

1998

1,27

1998

0,80

1998

0,54

2008

0,76

2008

0,53

2008

0,40 Fonte: Sipri

82 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Armas.indd 2

5/30/11 6:44:40 PM


Análise & debate

ANDAMOS ARMADOS Se nas últimas décadas os países ampliaram seus recursos para sistemas militares, os civis não ficaram atrás. Segundo estudo da International Action Network on Small Arms, dos 20 países em todo o mundo com maior número de homicídios por arma de fogo, 17 estão no continente americano. A lista é encabeçada por Colômbia, Honduras e El Salvador e encerrada por Estados Unidos, Uruguai e Argentina. Para o poder constituído, a origem das armas não é segredo. O diálogo a seguir é um exemplo. “Almirante […], falando do México […], as gangues transnacionais de crime organizado usam armamentos cada vez mais sofisticados […]. De onde vêm essas armas?”, perguntou, em abril de 2011, o senador americano Jack Reed a James Winnefeld Jr., líder do Comando Norte dos EUA. A resposta foi titubeante: as armas viriam de muitos lados, mas sobretudo dos Estados Unidos e de diferentes partes da América Latina. A pergunta foi então feita a Douglas Frase, chefe do Comando Sul americano. “Mais de 50% das armas militares que circulam pela região vêm da América Central, são remanescentes dos conflitos do passado”, respondeu. Um estudo realizado por Rachel Stohl e Doug Tuttle, pesquisadores do Center for Defense Information (CDI), em Washington, indica que, nas décadas de 1970 e 1980, a então União Soviética e seus aliados enviaram armas a Cuba, que posteriormente foram transferidas para a Nicarágua. Em resposta, os EUA muniram os contras nicaraguenses com armas soviéticas, por meio de Israel e de outros países, para negar sua participação no conflito. Esses mesmos rifles de ataque AK47 são os que hoje proliferam entre os cartéis mexicanos da droga. São chamados de “Cuernos de Chivo” (“Chifres de Bode”) pela forma curva de seu

carregador, explica Jorge Chabat, especialista em questões de segurança nacional e narcotráfico no México, que descarta que a entrada de forças especiais do exército mexicano e guatemalteco nas filas do crime organizado seja o principal motivo da sofisticação de que fala o senador Reed. “A cada dia é mais fácil usar armas, é uma tecnologia simples, não exige muito treinamento”, afirma. Entre as escutas diplomáticas reveladas pelo Wikileaks, existe uma de 10 de fevereiro de 2008 que indica que: “O governo dos Estados Unidos tomou consciência de que as armas leves antitanque e granadas fornecidas a Honduras no marco do programa de vendas militares ao exterior foram conseguidos no México e na Colômbia”. Demonstrou-se que El Salvador, Honduras, Nicarágua, Panamá e Costa Rica são a origem de mais de um terço (36%) de todas as armas que entraram no México nos últimos anos. No entanto, a pesquisadora associada do Centro de Recursos para Análise de Conflitos (Cerac), na Colômbia, Katherine Aguirre Tobón, afirma que os países que fazem fronteira com a Colômbia são também fonte e rota de tráfico de armas, pois foram encontrados armamentos com marcações próprias de arsenais oficiais de países vizinhos. “Isso pode estar relacionado tanto com o roubo de armamentos quanto com o desvio de armas por parte de pessoas corruptas”, afirma. Estimativas do Ministério da Defesa venezuelano situam o número de armas no país em 6 milhões. No entanto, para Rocío San Miguel, presidente da ONG venezuelana Control Ciudadano para la Seguridad, la Defensa y la Fuerza Armada Nacional, tais números carecem de valor metodológico, dado que não houve grandes apreensões nem existem controles fronteiriços que permitam gerar uma estimati-

va. Segundo a organização, o número real está entre 9 e 14 milhões.

TRAÇO LATINO No mundo latino, o porte de armas tem sido tradicionalmente ligado à masculinidade. No livro Tráfico de Armas en México, a pesquisadora Magda Coss afirma que “nove em cada dez assassinatos por armas de fogo são feitos por homens. Inclusive em algumas culturas, quando os adolescentes se transformam em ‘homens’, ganham uma arma de fogo”. Essa cultura de violência foi propagada em certa medida pelo cinema mexicano, no qual o macho bebe tequila e carrega a pistola no cinto. Com as gangues e os cartéis de narcotraficantes, a imagem perdeu o romantismo. No en-

Na sociedade latina, o homem é incitado a defender sua honra ou a de sua família. O resultado é mais violência tanto, Magda Cross chama a atenção para o papel das mulheres na cultura da violência, incitando o homem para que defenda sua honra ou a de sua família. “Em alguns casos, o nascimento de um filho homem é visto como a chegada de mais uma arma na família”, escreveu a autora. Todos esses fatores e a falta de regulamentação e controle rígido por parte dos países fabricantes levam os especialistas consultados a acreditar que o fenômeno não apenas não se reduzirá nos próximos 25 anos, mas pode até aumentar, tendo em vista o crescimento das gangues multinacionais do crime organizado. A menos que sejam adotadas leis duras e que a corrupção seja erradicada, haverá bala por muito tempo. Junho, 2011 AméricaEconomia 83

AE 400 Armas.indd 3

5/30/11 6:44:55 PM


Análise & debate

Desarmar a população é pouco ça tem resposta tímida em vários Estados latino-americanos. Temos polícias violentas e despreparadas para enfrentar novas modalidades de crime, Judiciário seletivo e moroso, entraves na gestão e na coordenação da política nacional para o setor (por causa dos arranjos institucionais complexos de todo o sistema de segurança pública), além de baixo acesso da população aos mecanismos de solução de conflitos. Coincidentemente (ou não), prospera nesse cenário o mercado da segurança privada, com crescimento exponencial. Com medo da violência e sem confiar nas instituições públicas, p percebe-se uma diminuição da coesão social, o que resu resulta, entre outros problemas, no menor acesso dos O MINISTRO ci cidadãos aos espaços públicos; na criminalização JOSÉ EDUARDO d da pobreza, na desconfiança generalizada entre as CARDOZO, DA JUSTIÇA, DESTRÓI, EM SÃO p pessoas, corroendo laços de reciprocidade e solidaPAULO, ARMAS ntre 1980 e 2000, quase 600 mil pessoas ri riedade social; e no aumento do tráfico de drogas. APREENDIDAS foram vítimas de homicídio no Brasil. PoComo se não bastassem tantos problemas, uma p rém, o problema da violência não se limitaa das principais causas da letalidade no Brasil é a quanas de aos assassinatos. Milhares de pessoas são vítimas tidade de armas de fogo (principalmente ilegais) em poder outros crimes, muitos não computados nas estatísticas ofida população. Mais de 80% dos homicídios no Brasil são cociais. Todos os tipos de violência geram danos incalculáveis metidos por armas de fogo. Nesse contexto, mais da metade à sociedade e, às vezes, irreparáveis. dos crimes por motivos fúteis, como brigas domésticas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) apresenta Pesquisas têm mostrado que boa parte das armas de a violência como uma das principais causas de mortes no fogo produzidas no Brasil é exportada para os vizinhos mundo. Na América Latina, além das milhares de mortes, a sul-americanos. Nesses países, são facilmente adquiridas deficiência no funcionamento das instituições responsáveis por brasileiros e retornam ao país, via contrabando, dada a pelo controle do crime e as altas taxas de criminalidade fragilidade das fronteiras. Mesmo nos casos de contrabando, resultam numa perda de legitimidade do sistema de justiça, grande parte das armas de fogo leves usadas em crimes no ainda altamente seletivo e arbitrário. Brasil é fabricada localmente. Deficiência de todas as agências do sistema de justiça Nesse cenário, toda ação do poder público e da sociedade criminal (polícias, Judiciário, Ministério Público, sistemas que resulte na diminuição de mortes é bem-vinda. Depois prisional e de medidas socioeducativas) colaboram para da campanha de desarmamento de 2003, no Brasil, mais os dilemas da segurança pública brasileira. Estima-se que de 3 mil vidas foram poupadas. O número corresponde a menos de 10% dos homicídios no Brasil sejam efetivamente uma queda de 8,2% no índice de mortes por armas de fogo solucionados. Cerca de 500 mil mandados de prisão não foem 2004 em relação ao ano anterior. Esse dado é suficiente ram cumpridos, por falhas nos sistemas policiais e judiciário. para convencer os cidadãos da necessidade de entregarem O custo da violência consome mais de 5% do PIB nacional. suas armas de fogo, além de comprometer o poder público No sistema prisional do Brasil, há uma carência de nos esforços pelo desarmamento. 194.650 vagas, considerando a atual população carcerária, As políticas de desarmamento são oportunas. Porém, o de 494.237 presos. Aliás, superlotação e arbitrariedade, prodesarmamento não é uma panaceia para resolver os males blemas presentes na América Latina, resultam em altíssimas da criminalidade. A vitimização causada pelas disputas do taxas de reincidência criminal dos egressos das prisões. tráfico de drogas e do crime organizado, responsável por O aumento da criminalidade e da sensação de insegurangrande letalidade, demanda ações específicas do poder público: vigilância eficiente das fronteiras, combate à corrupção dos agentes públicos, repressão qualificada com foco no Robson Sávio Reis Souza Pesquisador do Crisp, da UFMG, e coordenador do tráfico de drogas e nas organizações criminosas e melhorias Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC/MG. no sistema de justiça criminal.

Foto: André Vicente/Folhapress

E

84 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Violência V1.indd 2

5/30/11 6:01:53 PM


A o

ú n i c a

q u e

tênis de mesa

beisebol

r e v i s t a

r o l a

golfe

n o

q u e

m u n d o

bilhar

softbol

bocha

handebol

futsal

futebol society

t r a z d o s

sinuca

lacrosse

t u d o

e s p o r t e s

tênis

críquete

sepak takraw

futebol americano

futebol de areia

floorbol

polo aquático

rúgbi

vôlei de praia

vôlei

Na Revista ESPN não é só a bola que rola. Rola também comportamento, notícias, opiniões, história e reportagens que vão do futebol ao golfe, passando pelo vôlei, basquete, boliche, automobilismo, boxe, natação, esqui, polo, rúgbi, atletismo, surfe, esgrima e muitas e muitas outras modalidades. boliche

futebol

basquete

A

ML001-11_AnESPN 200x266.indd 1

E S P N

D E

L E R

5/24/11 3:42 PM


Análise & debate

ecorremos com frequência à experiência internacional para contrastar com a nossa. Precisamos de um contexto econômico e de proteção social para compreender melhor o desenvolvimento dos serviços de atendimento médico (clínicas e hospitais) na América Latina. Mas a comparação internacional é difícil pela amplitude e diversidade dos

R

cional do Trabalho), de 1952: Doenças, Maternidade, Velhice, Invalidez, Sobrevivência, Designação Familiar, Acidentes e Doenças do Trabalho e Desemprego. No caso de doenças, em duas linhas: proteção de renda por incapacidade passageira e disponibilidade de cuidados médicos. Nesse primeiro grupo estão países como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Uruguai. Um segundo grupo conta com sistemas semiabrangentes, com limitações, mas com bons padrões de cobertura médica e bons indicadores do estado de saúde de sua população: Costa Rica e Cuba. A Costa Rica tem um desenvolvimento precário do seguro por invalidez, mas tem cobertura de serviços médicos, boa expectativa de vida ao nascer e baixa mortalidade infantil. Cuba não tem um seguro por invalidez, mas a cobertura de serviços médicos é próxima de 100%, e sua expectativa de vida ao nascer é boa, assim como baixa taxa de mortalidade infantil (segundo dados da Organização Mundial de Saúde, a OMS, de 2010). E há um terceiro grupo, com sistemas de segurança social semiabrangentes, com limitações, mas com insuficiente cobertura de serviços de saúde e expectativa de vida ao nascer modera ou baixa, além de mortaderada QUANTO MAIS lid lidade infantil relativamente VULNERÁVEL UM a (OMS, 2010). É formado alta PAÍS, MAIS FRÁGIL p Bolívia, Guatemala, Peru por É SEU SISTEMA sistemas de proteção exise Venezuela. Os dois primeiDE SEGURANÇA SOCIAL ro são considerados de alta tentes, além da qualidade ros m dos relatórios. Reconhecen-e média vulnerabilidade, reses lapectiva do essas limitações, os países pectivamente, ao cruzar sua baixa tino-americanos podem ser separados proporção de emprego formal na ecoem três grupos: o primeiro conta com nomia com uma porcentagem alta de sistemas de seguridade social abranpopulação vivendo com US$ 2 per cagentes, que incluem todas as linhas pita (ou menos) por dia. de proteção definidas na Convenção Esse olhar foi lançado a partir da No 102 da OIT (Organização Internabase de indicadores de diferentes fontes,

Foto: Mehmed Zelkovic/GettyImages

A saúde e as comparações

86 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Saude.indd 2

5/31/11 4:23:36 PM


Análise & debate mas assentado em dois pilares analíticos básicos. Primeiro, que a efetividade e a qualidade da cobertura oferecida estão em direta relação com os fundamentos legais do sistema – statutory – e com os recursos dedicados a eles de forma sustentável. Segundo, que a vulnerabilidade dos países (medida pelo nível pobreza e emprego informal) determina as necessidades de proteção social. Sob esse aspecto, o panorama de hoje não é muito diferente daquele que tínhamos em 1987. Paradoxalmente, quanto mais vulneráveis são os países, mais frágeis são seus sistemas de segurança social, ou maior é a distância entre o estabelecido por lei – que expressa uma vontade política e social – e o que ocorre na prática, em função da disponibilidade de meios e recursos. Se prestarmos atenção às informações, poderemos constatar o vínculo entre maior disponibilidade de recursos no país e alta formalização do emprego, melhores indicadores de nível de saúde e de cobertura assistencial, sistemas de segurança social mais robustos e maior gasto social. Chile, Costa Rica e Cuba apresentam uma situação de saúde boa e comparável, com baixos índices de dependência e também baixa porcentagem da população com emprego informal. A proporção de pessoas vivendo com US$ 2 per capita por dia é muito pequena no Chile em comparação com os demais países. Depois vêm Uruguai e Costa Rica. Cuba não revela informações. A vulnerabilidade é baixa no Chile, no Uruguai, na Costa Rica, na Argentina, no Brasil e no Peru, embora neste último o sistema de segurança social e a cobertura de serviços médicos sejam comparáveis aos de Guatemala e Bolívia.

O hospital do futuro A imagem de um hospital ou centro médico, tradicionalmente, gera calafrios em quem se depara com ela. Paredes grossas de cor branca fria, pisos cerâmicos. Mas, nos últimos anos, isso começou a mudar na América Latina. Há uma tendência à criação de ambientes mais confortáveis, que se aprofundará nas próximas décadas. Consuelo Menéndez, arquiteta do Hospital da Universidade do Chile e administradora do Hospitalaria.cl, afirma que os hospitais serão pensados em uma construção horizontal, que não ultrapasse os quatro ou cinco andares de altura. Outra característica será a eficiência energética. “Hoje, são prédios enormes, que funcionam o ano todo e consomem muita água e eletricidade. E precisam se preocupar com a pegada de carbono”, afirma. Mas isso não é tudo. Consuelo e Victor Castillo, diretor executivo da Fundação Cardiovascular da Colômbia (FCV), coincidem ao apontar que, no hospital do futuro, haverá menos leitos, e ele será um lugar de passagem. Isso “porque o rápido desenvolvimento da tecnologia fará com que as operações sejam cada vez mais ambulatoriais. Tudo isso para que se passe menos tempo no centro”, afirma Castillo. Se hoje os hospitais são cada vez mais parecidos com um hotel, em 2036 serão praticamente idênticos. Isso porque a maioria dos arquitetos e médicos é da opinião de que a medicina, e sobretudo os centros de saúde, devem estar a serviço do paciente, e não o contrário. Áreas comuns bem distribuídas, alas cada vez mais unidas às salas de raios X, espaços delimitados e intransponíveis entre os pacientes e os funcionários. Algo que estará na vanguarda em mais alguns anos será a telemedicina. O diretor executivo da FCV afirma que houve avanço sob esse aspecto, e que este recurso será o apoio dos médicos quando as operações forem ambulatoriais. Por outro lado, a segurança tecnológica é um aspecto-chave, assim como a massificação do uso de equipamentos móveis e de tecnologia Radio Frequency Identification (RFID), para assegurar a simultaneidade e o acesso em tempo real dos sistemas de gestão em centros de saúde. Francisca Hernández, de Santiago

O Uruguai tem o perfil demográfico mais envelhecido da região – seguido por Cuba, Argentina e Chile. Esse dado é relevante quando olhamos as informações do gasto público em segurança social, dada sua importância para os sistemas de pensões para a velhice. O Chile mostrou um perfil de gasto público em segurança social de 11,4% do PIB (Produto Interno Bruto) em

2009, mas, descontando a saúde, que equivale a 4% do PIB, o número fica em 7,4%, superado por Brasil e Argentina. Os três países, assim como a Costa Rica, revelam um perfil abrangente de seus sistemas de seguridade social legalmente estabelecidos. Não é uma questão irrelevante, dados os altos coeficientes de Gini – que expressam a distribuição de renda – da maioria dos países da América Latina e do Caribe.

Marcos Vergara Médico cirurgião e professor da Divisão de Políticas e Gestão da Escola de Saúde Pública da Universidade do Chile.

Junho, 2011 AméricaEconomia 87

AE 400 Saude.indd 3

5/31/11 4:23:55 PM


Análise & debate

odernos prédios comerciais. Zonas turísticas e bairros universitários. Um simples observador poderia concluir que, na competitividade da economia global, as cidades tendem à homogeneização. O sucesso de uma cidade seria medido de acordo com seu grau de semelhança urbana com Nova York e Hong Kong. Parte do súbito crescimento imobiliário da América Latina nos últimos anos tem ocorrido sob esse aspecto. Mas isso gera entre as cidades uma corrida para ostentar os maiores luxos e atrair os ricos e seus empreendimentos, oferecendo garantias de que empresas estrangeiras terão mão de obra

barata e não sofrerão com impostos sobre os lucros – pelo menos durante os primeiros anos. Parecem argumentos familiares entre aqueles que promovem os investimentos em seu país? São argumentos muito usados nos últimos 25 anos. A globalização gera certa homogeneização, embora esta esteja relacionada a uma complexa uniformidade global que não pode ser comparada à fabricação em massa e à construção em grande escala de casas suburbanas da época keynesiana. Na verdade, trata-se de cumprir certos requisitos mínimos. O bairro empresarial que se levanta na região de Vitacura, em Santiago, tem pontos em comum

com a Vila Olímpia, em São Paulo. A recuperação histórica do centro de Quito se assemelha à do centro de Lima, seguida pelo centro de Bogotá. Mas é preciso fazer distinções: o fato de as construções dos escritórios de luxo seguirem padrões e estéticas muito similares não significa que o trabalho a ser feito em tais escritórios será o mesmo. Essa é a grande diferença entre o mundo de hoje e o mundo do século 20, quando o trabalho de escritório implicava funções administrativas e supervisionais. Hoje, os escritórios das grandes cidades do mundo são centros especializados em trabalho qualificado e gerencial. Enquanto isso,

Foto: Andre Seale/Specialist Stock/Corbis/Latinstock

A cidade interconectada M

88 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 Cidades2.indd 2

5/30/11 10:26:02 PM


Análise & debate cim cimento altamente qualificado em serviços financeiros, contá tábeis e jurídicos e outros neg gócios. Já a história econôm mica do Rio é mais variada, ass como seu setor de serviassim ços es especializados. Essa distinção entre a especialização foi o que levou a fabricante de aviões Boeing a estabelecer sua nova sede em Chicago, e não em Nova York, por exemplo. Segundo seus executivos, o conjunto de serviços especializados disponíveis em Chicago era mais adequado à empresa do que a variedade de Nova York. Para que as cidades tenham destaque na concorrência do futuro, é essencial que haja capacidade de ligar os elementos de sua história urbana com os serviços especializados de hoje, extraindo, assim, componentes de conhe-

SÃO PAULO É CONHECIDA PELA VOCAÇÃO INDUSTRIAL E FINANCEIRA

Falta transformar em conhecimento as singularidades das grandes cidades latino-americanas o antigo trabalho de escritório está em outra parte – subúrbios, povoados, fábricas fora da cidade, às vezes até em outro país. Embora os edifícios sejam os mesmos em diferentes cidades, os conteúdos econômicos são diferentes. Aqui que se encontra o tema-chave de uma cidade: suas diferenças especializadas, oriundas de sua história econômica e cultural. São Paulo, por exemplo. Sua história na indústria pesada proporcionou uma economia repleta de conhe-

cimento que posteriormente deverão ser transformados em produtos e vendidos como serviços especializados. Assim, entendemos que as cidades modernas se encontram em diversos circuitos regionais e mundiais. E são as diferenças que as conectam a essa rede. São Paulo e Rio são parte de diversos circuitos globais e especializados, mas não são iguais. São Paulo se construiu a partir da indústria; o Rio, a partir do petróleo. Existe uma sobreposição de circuitos, algo que ocorre prin-

cipalmente com aqueles que tendem a conectar-se a todas as cidades de grande população. Por esse ângulo, a economia global é uma rede de muitas linhas. É rica em recortes. As cidades que participam de diversos circuitos globais se destacam e, geralmente, são altamente especializadas. O terreno econômico alimenta a proliferação dessas interconexões. A imigração, o atrativo cultural e os feriados internacionais, assim como o conflito na sociedade civil resultante de problemas globais, entre outros, são fatores que alimentam a formação dessas geografias interconectadas. As empresas e as organizações que buscam presença global não buscam uma cidade que resolva todos os problemas, mas sim que proporcione acesso a um circuito, uma região ou uma nação, dependendo de suas necessidades. Hoje, uma empresa global não busca uma cidade global, mesmo que esta seja a melhor do mundo. Não existe capital imperial que dê conta de tudo. Nem mesmo Londres ou Nova York. Dependendo do que uma empresa fabrica ou vende, decidirá em que grupo de cidades se instalará. Isso tem feito com que as diversas cidades globais se convertam em um sistema mundial multiconectado. O surgimento dessa rede de cidades, acima do surgimento da China, é o que alimenta o caráter multipolar do mundo. As cidades da América Latina têm histórias econômicas singulares, alimentadas por recursos abundantes. O próximo passo é transformá-los em conhecimento especializado. Isso fomentará o desenvolvimento de redes dentro da região e de novos pontos de contato para uma entrada bem-sucedida nos circuitos que hoje moldam a economia global neste mundo multipolar.

Saskia Sassen Socióloga e urbanista, vice-presidente do Comitê de Pensamento Global da Universidade de Columbia.

Junho, 2011 AméricaEconomia 89

AE 400 Cidades2.indd 3

5/30/11 10:26:35 PM


Tecno & futuro

O ataque dos geeks APESAR DO AUMENTO DO INVESTIMENTO ESTATAL EM P&D, A INOVAÇÃO PRIVADA NA AMÉRICA LATINA CONTINUA CONCENTRADA EM UM PUNHADO DE EMPRESAS JUAN PABLO DALMASSO, DE CÓRDOBA

N

em 2006, o Fincyt, subordinado ao conselho de ministros, e executou seu orçamento em tempo recorde. Na Colômbia, a Colciências (Departamento Administrativo de Ciência, Tecnologia e Inovação), após vários programas bem-sucedidos em 2009, lançou um programa de 10 anos. Nos últimos 25 anos, a produção de commodities absorveu surpreendentes volumes

de inovação. No Brasil, a Petrobras liderou um cluster para a indústria petroleira que permitiu à empresa se consolidar como líder na perfuração em águas profundas, capturando 23% das operações mundiais. Há cinco anos, a gigante brasileira investe mais de US$ 280 milhões em P&D, em 50 áreas temáticas, e já construiu uma rede com mais de 130 instituições de pesquisa. A isso devemos somar o círculo de fornecedores. Apenas

Foto: Shutterstock

o último dia 29 de abril, um grupo de bloggers, investidores e techies do Silicon Valley partiu em direção a São Paulo, primeira escala do “Geeks on a Plane” (Goap), uma viagem anual para fazer contato com parceiros, empreendedores e inovadores de outras latitudes. “Há uma consciência de que é preciso buscar a inovação em qualquer lugar do mundo, e a América Latina se move em direção à sociedade do conhecimento, alguns países por dinâmica própria, outros por grande esforço de seus governos”, afirma o espanhol Pedro Moneo, membro da comitiva, CEO da empresa de investimentos Opinno e editor da Technology Review em espanhol, emblemática publicação do MIT. Na última década, os países da região identificaram o investimento em pesquisa e desenvolvimento e inovação como prioritário. O Brasil duplicou os investimentos em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) de 0,7% para 1,4% do PIB; a Argentina começou em 2003 com um empréstimo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) de US$ 280 milhões; em 2007, criou um ministério para a área ao modo brasileiro; e, em 2009, somou outro acordo ao do BID, agora por US$ 750 milhões. O Peru lançou,

90 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 artigo tecnologia V1.indd 2

5/30/11 8:02:45 PM


Tecno & futuro no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sete empresas do calibre de Schlumberger e Halliburton estão radicando centros de pesquisa. Sem falar do setor agropecuário, sobretudo das produções extensivas de Brasil e Argentina. Após investimentos no Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária, na Argentina, e na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), criou-se uma massa crítica de produtores que implementaram uma série de pacotes tecnológicos. Presença obrigatória na lista: o etanol de cana brasileiro, que, de longe, é o mais competitivo do mercado internacional. As melhoras genéticas na gramínea permitiram dobrar os rendimentos e aperfeiçoar os processos nas plantas de produção. Agora, os objetivos do país são obter uma nova geração de biocombustíveis e expandir a produção independentemente das fronteiras agrícolas. Por outro lado, o aprendizado em genômica e biologia molecular abre um leque de possibilidades tão extenso como a biodiversidade. Um exemplo é a BiosChile, empresa que aproveita os moluscos bivalves chilenos, extraindo sua pegatina (um adesivo natural) para produzir diferentes proteínas. O conhecimento em materiais e nanotecnologia também está sendo aproveitado pelo setor industrial. “Ações especiais, minerais com novas propriedades e plásticos biodegradáveis foram desenvolvidos em nossas universidades e hoje são usados na indústria”, afirma Felipe Matos, CEO da Inventta, consultoria brasileira especializada em gestão da inovação tecnológica. A brasileira Braskem e a argentina Tenaris lançaram seus laboratórios e redes para multiplicar a alquimia e obter produtos de maior valor agregado. Mas, sem dúvida, a grande vedete são as tecnologias da informação e as comunicações. “Pelos grandes investimentos privados e do governo que estão

sendo feitos no Chile, no Brasil, na Colômbia e na Argentina, é possível que, em 25 anos, o próximo Facebook ou Google venha da América Latina”, afirma Matos, entusiasmado. Maluco? De qualquer forma, vários geeks da região estão dando o que falar. Por exemplo, os mexicanos Miguel de Icaza e Federico Mena, que, em 1997, lançaram o projeto Gnome, o ambiente de escritório mais popular hoje entre os usuários de Linux e Unix. Empresas de serviços, co-

Investir em P&D virou prioridade em muitos países nos últimos anos, mas os valores ainda são pífios mo a mexicana Softec ou as argentinas Globant e Prominente, conseguiram se posicionar permanentemente no top 100 dos melhores fornecedores globais de outsoursing, segundo a International Association of Outsourcing Professionals (IAOP). “E hoje as possibilidades são muito melhores que na época das pontocom”, afirma Pedro Moneo, editor da Technology Review. “O mercado é dez vezes maior. O custo de banda larga, dez vezes menor. A linguagem de programação, muito mais versátil. Além disso, é possível integrar todo um bloco internacional em espanhol.”

TUDO PELA FRENTE No entanto, alguns indicadores advertem que a inovação na América Latina ainda é emergente e setorizada. Se a inovação, especialmente P&D, explica entre 40% e 70% do crescimento da produtividade no longo prazo, na América Latina resta muito por fazer.

Entre 1990 e 2005, a produtividade latino-americana aumentou apenas 1,5% ao ano, contra 2,4% nos países desenvolvidos e 4% na Ásia. Apesar dos projetos anunciados, o crescimento dos investimentos em P&D foi bastante marginal. Apenas o Brasil os duplicou em relação ao PIB, o que explica 60% dos gastos regionais na área. Menos de 40% da atividade de pesquisa e desenvolvimento ainda é levado adiante pelo setor privado. “Uma patente não é inovação, é um plano de negócio; uma equipe de gestão, sim, é uma inovação”, afirma Nathan Young, CEO da Neos, empresa chilena especializada em transferência tecnológica. Para piorar, segundo estudos do BID, mais da metade da inovação privada é aquisição de capital, proporção que cresce à medida que diminui a escala do mercado. “E a compra de tecnologia fechada aproxima a empresa da fronteira produtiva, mas não gera uma inovação distintiva”, afirma Gustavo Crespi, analista em ciência e tecnologia do órgão multilateral. Vários países estão buscando alternativas. Na Argentina, há injeção de recursos para incentivar a relação universidade-empresa, subsidiando a contratação de pesquisadores. No México, o Tecnológico de Monterrey montou seis clusters – MediTEC, CarTEC, AeroTEC, NanoTEC, InfoTEC, HomeTEC – para conectar startups, grandes empresas e o pool de talentos da universidade. No Chile, foi lançado o Start-up Chile, um chamado internacional para radicação no país, por pelo menos seis meses, para desenvolver projetos em troca de um subsídio de apenas US$ 40 mil e visto imediato. Em um primeiro chamado para 110 localidades, foram recebidas 328 inscrições de 28 países diferentes. “Com pouco dinheiro, será inserido no país o que há de mais inovador para impulsionar a cultura da inovação”, afirma o editor da Technology Review. Junho, 2011 AméricaEconomia 91

AE 400 artigo tecnologia V1.indd 3

5/30/11 8:03:13 PM


Tecno & futuro

O futuro chega rápido S

e olharmos para alguns anos atrás, entre 2005 e 2008, crescendo a uma taxa correspondente a um mercado maduro, as linhas de voz fixas mantiveram bom crescimento. já que, em alguns países, se alcançará um maior nível de satuMas, a partir de 2009, observa-se uma queda entre 2% ração. O crescimento dos smartphones e telefones tradicionais e 4%, o que fez com que a quantidade de linhas voltasse aos será baseado principalmente em linhas existentes, ou seja, níveis de 2005. Isso é resultado de uma crescente tendência à na substituição de equipamentos. substituição desses serviços por voz móvel e por alternativas A banda larga fixa aumentará graças às atividades de dados, como mensagens instantâneas, e-mail e outros. conjuntas dos setores público (governos) e privado (forneceA demanda gerada pelo crescente uso de aplicativos baseadores), que terão de satisfazer os usuários que não contam dos na web e acesso a meios de comunicação e redes sociais, com essas conexões. A banda larga móvel manterá seu somado ao aumento da oferta de serviços, impulsionou os crescimento, dado o avanço no uso de dispositivos portáteis serviços de banda larga fixa na América Latina. Estes vêm como notebooks. Os fornecedores dessas tecnologias continuaregistrando níveis de crescimento de dois dígitos nos últimos rão investindo para aumentar a cobertura e os serviços. cinco anos. O acesso à internet de alta velocidade cresceu Se compararmos a situação de 2005 com a esperada para continuamente, chegando a duplicar. Em dezembro de 2010, 2014, há uma notória mudança nos serviços de telecomuni22% das residências contavam com uma conexão desse tipo. cação na América Latina. No início desse período, o mercaAo mesmo tempo, as tecnologias de acesso que dominaram foram ADSL Como nos conectamos e o Cable Modem, representando 96% na América Latina? (em %) do total de conexões. Os assinantes de serviços de telefonia móvel duplicaram entre 2005 e 2010. No fim de 2010, havia cerca de 2005 2010 Est. de crescimento 2010–2014 480 milhões de assinaturas na região. 46,30 -1,70 52,00 Telefonia fixa domiciliar Isso se explica principalmente pelas assinaturas de pré-pago, que são mais 83,50 5,30 38,30 Telefonia móvel* de 80% do total. 22,40 1430,00 6,00 Banda larga fixa domiciliar Os serviços de banda larga móvel, lançados em 2007 (ano em que come1,80 33,30 0,00 Banda larga móvel** çaram a decolar as redes 3G na Amé*A penetração de telefonia móvel inclui apenas aquelas destinadas aos consumidores, enquanto que as rica Latina), fecharam o ano com 480 de banda larga móvel incluem o total. **Banda larga móvel inclui as assinaturas destinadas a conectar mil assinaturas. Desde o lançamento, PC à internet, seja por meio de um modem ou de um dispositivo móvel. os fornecedores melhoraram tanto a cobertura geográfica quanto a oferta de serviços. No final do se encontrava dominado pelos serviços de voz, tanto fixos de 2010, 10 milhões de latino-americanos já contavam com quanto móveis. Hoje, há uma transição de voz para dados, esse tipo de serviço. não apenas em termos de linhas ou assinantes, mas também Até 2014, no IDC, esperamos uma redução nos serviços nos investimentos projetados pelos fornecedores de serviço de voz fixos, mas haverá um aumento nas linhas (incluídas e pelas tecnologias que já estão disponíveis. em voz fixa). Consideramos que, se incluirmos as linhas Nos próximos anos, veremos mudanças importantes na tradicionais na oferta conjunta com outros serviços, como é forma com que os usuários acessam conteúdo e se comunio caso da TV e da banda larga, isso impedirá uma redução cam. Para isso, será necessário uma decolagem das tecnolomaior nesse tipo de linha. gias de fibra óptica e de quarta geração nas redes móveis. A Do lado dos serviços de voz móveis, as linhas continuarão princípio, como ocorreu com os serviços móveis e de banda larga fixa no passado, esses serviços estarão disponíveis apenas para uma fatia mais restrita da população, mas, com Diego Anesini Gerente da área de Telecom do IDC o passar do tempo, espera-se que os planos e pacotes façam para a América Latina. com que ganhem maior dimensão.

92 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 artigo Telecom V3.indd 2

5/31/11 5:08:27 PM


Tecno & futuro Da TV ao Google Linha do tempo das telecomunicações

1986

1987

A Televisa transmite o Mundial do México

1992 México: é criado o primeiro provedor privado de acceso à internet

1990

Venezuela: privatização da CANTV

Carlos Slim e France Telecom arrematam a Telmex

Nascem a TV Azteca e a MTV América Latina

Termina o monopólio de longa distância no Chile

2000

2001

O Terra compra o Lycos por US$ 12,5 bilhões

A Emergia conclui o primeiro anel de fibra óptica na América Latina

2008

2007

A brasileira Embratel (filial da Telmex) lança o satélite Star One C2

A telefonia móvel 3G é lançada na região

3 operadoras de celular atuam no Chile

1991

1994

Fundação do portal Terra

2009

O australiano Alan Bond compra 30% da CTC Chile

1993

1999

1989

1988

Surge o Movicom, primeiro serviço de telefonia celular da Argentina

1995 O sistema mexicano de satélites Satmex é privatizado

1998

1997

1996

A Telebrás é privatizada no Brasil

Abertura do mercado de longa distância no México

Fernando Espuelas funda o Starmedia, primeiro portal de internet em espanhol

1 em cada 3 uruguaios tem acceso à internet

2002 A chilena VTR oferece o primeiro serviço de triple play

2003

2004

No Brasil, nasce a operadora de telefonia celular Vivo

A telefonia celular ultrapassa a fixa na Argentina

2006 A espanhola Telefónica compra a estatal Colombia Telecomunicaciones

2010 A espanhola Telefónica compra a Vivo no Brasil

2005 Chile: 382 usuários de internet para cada 1.000 habitantes

2011

Guerra do triple play no México: Televisa e TV Azteca contra Telmex

Junho, 2011 AméricaEconomia 93

AE 400 artigo Telecom V3.indd 3

5/31/11 5:08:51 PM


Art & Artes cultura cul

Lucro nos cabides e

nas passarelas

JENNY CAROLINA GONZÁLEZ C., DE BOGOTÁ

ra uma indústria inexistente há 25 anos, até que no Brasil começaram a se organizar, a partir de 1996, as semanas da moda no Rio de Janeiro e em São Paulo. No começo, era um evento de pouca projeção, apenas um espaço para os estilistas nacionais. Hoje, a São Paulo Fashion Week (SPFW) e a Fashion Rio alcançaram envergadura mundial, atraem influen-

E

tes editores de moda e compradores internacionais. De fato, estilistas como Alexandre Herchcovitch e Carlos Miele fazem parte dos calendários oficiais das principais passarelas do mundo. Mas, atrás de tudo isso, há uma cadeia produtiva composta de 30 mil empresas e 1,65 milhão de trabalhadores, produtores de algodão, fábricas de linhas e tecidos e costureiras.

Entre outras coisas, foi uma questão de especialização. Durante décadas, a moda, ditada em países do hemisfério norte, gerava produtos sem muita acolhida em países de inverno pouco rigoroso, como o Brasil. O inverso também acontecia. Roupinhas leves e coloridas não despertavam o desejo de compra entre americanos, europeus e asiáticos. Mas, graças ao intercâmbio de informações e à participação em feiras internacionais, os brasileiros conquistaram seu espaço e puderam pas-

Foto: Vanderlei Almeida/GettyImages

A MODA DA AMÉRICA LATINA BEIRAVA O EXÓTICO. O ESTIGMA FICOU PARA TRÁS, E A REGIÃO HOJE EXPORTA CRIATIVIDADE

RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO SÃO DESTAQUES NA INDÚSTRIA REGIONAL DA MODA

94 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 moda2.indd 2

31.05.11 20:34:13


Artes & cultura

sar a concorrer com os europeus. Na indústria têxtil global, o Brasil é sinônimo de biquínis, jeans, mantas, toalhas, linhas e tecidos. Um exemplo disso é o sucesso das sandálias Havaianas, populares no Brasil e fashion no jet set. O tempo passou, milhões de dólares foram investidos pela fabricante Alpargatas, e hoje esses calçados são tendência mundial. Na Colômbia, o setor têxtil, de design e moda também é um dos grandes empregadores da indústria manufatureira. Com 750 mil trabalhadores e vendas de US$ 7,8 bilhões em 2010, representa 5% do total de exportações e 3% do Produto Interno Bruto (PIB). O selo colombiano é a roupa íntima: o país é o terceiro produtor mundial desse tipo de artigo. Mas as semelhanças com o Brasil param aí. Segundo a Associação Nacional das Indústrias da Colômbia (Andi), as exportações aumentaram a uma taxa anual de 15% entre 2004 e 2008, chegando a US$ 2,063 bilhões. Depois veio a catástrofe: uma queda de 40%, culpa da crise diplomática com a Venezuela, da contração da demanda externa e da revalorização do peso colombiano. “Fomos míopes, ficamos focados em nossos mercados próximos, com uma dependência muito complexa”, afirma Juan Diego Becerra Platin, diretor do Observatório do Instituto para Exportação e Moda, o Inexmoda, da Colômbia. Para Arturo Tejada, pioneiro da moda na Colômbia, o setor é frágil por ter dedicado os anos 1980 e 1990 exclusivamente a detalhes mais cosméticos, em vez do conceito. Nesse intervalo de tempo, os produtores deixaram de gastar um tempo precioso em design e inovação. Além disso, ao não aprofundar a análise das tendências globais, ficaram em uma posição vulnerável para ajustar seus portfólios em épocas de vacas magras, como a temporada 2009-

2010. “É incrível que, depois de cem anos de vocação têxtil, não tenhamos ainda marcas próprias que causem impacto globalmente e que tenhamos desperdiçado tantos anos copiando os modelos feitos pelos outros. Isso já não é uma garantia para o sucesso”, afirma o colombiano. Apesar disso, María del Mar Palau, diretora da Câmara Têxtil da Aandi (Câmara da Cadeia do Algodão, Fibras, Têxtil e Confecções), afirma que há motivos para ser otimista. “Os que estão se consolidando são aqueles que entenderam que o design e a criatividade são a diferença no produto e no serviço” afirma. Entre os exemplos estão as peças em jeans e a nova tapeçaria para automóveis à base de poliéster reciclado ou

Há iniciativas pontuais de apoio governamental à indústria da moda, como o PTP, da Colômbia em mescla de algodão, que estão sendo feitos por empresas como Enka ou Fabricato, de Medellín. María não tem dúvidas em relação às perspectivas de crescimento em vendas, marcas e inovação, mas sim quanto à consolidação da cadeia: “É preciso focar na produção de fibras e tecidos”, afirma. “Se não conseguirmos superar as adversidades, nos transformaremos em um país distribuidor, com apostas de design próprio, mas produzindo em outros países.” Para conseguir o crescimento sustentado, os produtores colombianos precisarão superar com sucesso vários obstáculos, como a revalorização do

peso, a alta do valor das matérias-primas (de 170%, segundo a Inexmoda) e o encarecimento da mão de obra, entre outros. Outros desafios são a alta informalidade, na casa dos 40%, e a estrutura industrial muito pulverizada, formada por 90% de pequenos empresários. Ao menos há sinais de recuperação. Nos primeiros meses de 2011, as exportações colombianas do setor alcançaram US$ 159 milhões, 21% a mais que no ano anterior. “Estamos em um caminho de recuperação lento e sustentado. Realizamos uma tarefa importante em termos de competitividade e em substituição ao mercado venezuelano”, afirma María. De fato, uma porção significativa da produção destinou-se ao mercado interno. Outra aposta é a aliança públicoprivada por meio do PTP (Programa de Transformação Produtiva). Segundo o Ministério de Comércio, Indústria e Turismo da Colômbia, o objetivo é gerar US$ 14,3 bilhões em faturamento em 2032. Para isso, será aplicado um cronograma com diferentes etapas de internacionalização, segundo as características de cada país consumidor, sem se esquecer dos continentes americano e asiático, onde se pode entrar forte com design. Por isso, apesar das diferenças tarifárias, a indústria observa com carinho o Mercosul, bloco no qual começará a atuar neste ano. “O setor levantou sua autoestima, está certo de que tem o potencial”, afirma María. “Esse convencimento de que somos importantes e necessários dentro do esquema econômico representa uma mudança histórica.” Gisele Bündchen, a top model brasileira de maior projeção no mundo, vende de tudo, de roupa a cartões de crédito e sapatos. Projeta uma imagem sensual e atraente de seu país. Conseguirá a modelo colombiana Carla Ossa vender café e moda ao mesmo ritmo que as sandálias Havaianas? Junho, 2011 AméricaEconomia 95

AE 400 moda2.indd 3

31.05.11 20:34:32


Art & Artes cultura cul

Na tela ou no papel? OS LATINO-AMERICANOS CONTINUAM COMPRANDO JORNAIS. OS ANUNCIANTES AINDA DESCONFIAM DA INTERNET. NO ENTANTO, AS EMPRESAS DE COMUNICAÇÃO JÁ NÃO SÃO O QUE ERAM HÁ 20 ANOS

o último mundial de futebol, milhares de telespectadores chilenos não podiam acreditar no que estava acontecendo. O canal estatal não transmitiria a partida entre Inglaterra e Alemanha pelas oitavas de final. Mas os indignados telespectadores puderam finalmente assistir ao jogo em streaming (forma de distribuir informações multimídia em rede por meio de pacotes), acessando o portal da Televisa. Segundo um estudo da PricewaterhouseCoopers (PwC), a decisão

N

pode ter significado para a empresa televisiva de Emilio Azcárraga Jean cerca de US$ 14 milhões em receitas publicitárias extraordinárias. A decisão da Televisa de não transmitir o mundial completo (por incertezas em relação ao retorno publicitário) e de fazê-lo via internet mostram os dilemas enfrentados pelos meios de comunicação tradicionais na América Latina. Em um momento de crescente penetração da banda larga fixa e móvel, anunciantes e meios de comu-

nicação ficam com cara de interrogação, em busca de um modelo que satisfaça a todos. “A publicidade destinada à TV não aumentará significativamente nos próximos anos”, afirma Rafael Ruano, sócio da PwC no Chile. “Onde de fato existe um crescimento muito forte é no consumo de conteúdo online e por banda larga móvel.” Em seu último relatório, a PwC dimensiona o mercado latino-americano de meios tradicionais em US$ 17 bilhões, com crescimento anual médio de 11% nos últimos cinco anos e desaceleração nos próximos quatro. Por outro lado, o prognóstico para os meios eletrônicos é bem mais empolgante: crescimento de 52,8%, no caso da TV online, contra 6,7% em sua forma tradicional. Segundo a Câmara Argentina de Agências de Mídia (CAAM), o investimento publicitário melhorou 41% em 2010, com jornais e TVs concentrando mais de três quartos do total investido. Mas quanto disso vem de mais anúncios e quanto vem da inflação? “Infelizmente, o custo da TV aberta na América Latina, que há dez anos era bastante competitivo no mercado global, hoje já não é mais”, afirma o brasileiro Ricardo Monteiro, diretor para a região de Mídias e Relações Públicas da Reckitt Benckiser, multina-

Foto: Shutterstock

CARLOS TROMBEN, DE SANTIAGO

96 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 mídia.indd 2

5/30/11 7:58:31 PM


Artes & cultura

cional do setor de produtos de limpeza e higiene pessoal. “O preço é extremamente alto: o custo por mil aparições é, em média, mais alto que na Alemanha”, afirma Monteiro, que também é vice-presidente da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA). Parte da solução é a internet. “Definitivamente, estamos usando a internet de forma variável, dependendo do país. A maior parte das conexões, hoje, não é de banda larga. Então, há um limite para o que podemos fazer, mas definitivamente isso está crescendo.” A cada dia, mais adolescentes baixam ou assistem a um dos episódios da série Glee, por exemplo, driblando o sinal aberto dos canais locais com a ajuda do computador. “Os jovens latinoamericanos assistem a cada vez menos televisão nos aparelhos tradicionais, e usam muito mais o computador, criando os menus e fazendo sua própria programação”, afirma o colombiano Germán Rey, diretor do Centro Ático da Universidade Javeriana e analista de novas tecnologias. Nos meios escritos, a situação é mais complexa. Diferentemente de outras regiões do mundo em que a migração de leitores e anunciantes dos meios impressos para a internet é notória, os latino-americanos continuam preferindo o papel. Ruano, da PwC, credita o fato à menor penetração da banda larga, mas também a fatores culturais. “Um argentino de classe média precisa ter um jornal nas mãos”, afirma. A PwC espera um aumento moderado da circulação (2,9% anual) dos meios impressos na região até 2014. Contudo, a indústria não é nem remotamente aquela de 20 anos atrás. Após cair para a categoria de jornal semanal, o El Espectador de Bogotá voltou a ser diário, ainda que com circulação reduzida, e o Jornal do Brasil, o terceiro mais antigo do país, encerrou sua edição im-

pressa para se transformar em um jornal exclusivamente online. Para trás ficaram também os tempos das grandes redações e das redes de correspondentes em Londres, Tóquio ou Nova York. “Nesses 25 anos, os leitores da imprensa escrita envelheceram”, afirma Rey. “Duvido que as crianças e os jovens latino-americanos do presente sejam os leitores da imprensa escrita do futuro, por uma simples razão: porque eles já são nativos digitais.” Contudo, as plataformas digitais

Os jovens latino-americanos assistem cada vez menos à televisão em aparelhos tradicionais representam menos de 1,9% da receita publicitária da imprensa diária regional e, apesar das perspectivas de crescimento antecipadas pelos analistas, os anunciantes ainda não estão dispostos a pagar por um banner o mesmo que pagam por uma página em papel. Tampouco os usuários demonstram muito entusiasmo pelos conteúdos pagos, tornando o modelo de negócios do futuro uma espécie de Santo Graal que ainda ninguém encontrou. “O grande problema é que os meios de comunicação online dão dinheiro aos buscadores, como o Google, mas não àqueles que estão investindo para produzir informação”, afirma Rey. Um dos que estão dando pistas de como fazê-lo é o conglomerado norueguês Schibsted, que apostou forte na imprensa gratuita e nos classificados online. Na América Latina, a rede opera uma série de plataformas em papel e virtual, como o portal colombiano fin-

carraíz.com.co e o segundamano, no México e na Argentina. Diferentemente de outros, o Schibsted obtém um terço da sua receita operacional e cerca de metade de seus lucros das atividades via internet. “Hoje em dia, vemos um aumento no uso de smartphones”, afirma, de Oslo, Rolv Erik Ryssdal, CEO da empresa. “Quando incluímos celulares, web e tablets, nossas publicações sofreram uma grande mudança, já que estes nunca haviam sido utilizados por tanta gente diariamente, como acontece hoje. De fato, muitas das marcas da empresa foram lançadas no iPad.” No entanto, Ryssdal reconhece que o desafio para a indústria não é apenas o de ganhar dinheiro. “Para sermos capazes de financiar um jornalismo de qualidade, será preciso, no futuro, encontrar uma maneira de cobrar dos usuários pelos serviços oferecidos nas plataformas digitais”, afirma.

O QUE ESTÁ EM JOGO Entre os elementos usados pelos analistas para explicar a situação atual dos meios escritos está o surgimento de uma nova classe média. Nela, estariam os leitores de jornais gratuitos e populares, como os argentinos Libre e Muy (pertencente ao grupo Clarín), cujos conteúdos são basicamente esportes, espetáculos (leiam-se fofocas) e notícias policiais, com uma diagramação ad hoc. “O que sabemos é que as marcas dos grandes meios de comunicação têm muita força para o público consumidor de informação”, afirmou, há dois anos, o brasileiro Roberto Mesquita, presidente da agência NeoGama/BBH (“A Dupla Crise das Mídias”, AméricaEconomia no 374, abril de 2009). “A grande questão é saber se eles conseguirão transpor a força de suas marcas como meios específicos para plataformas mais amplas.” Junho, 2011 AméricaEconomia 97

AE 400 mídia.indd 3

5/30/11 7:59:15 PM


Futebol & economia

Inflação futebolística AS CIFRAS DENTRO E FORA DE CAMPO GANHARAM MUITOS ZEROS NAS ÚLTIMAS DÉCADAS CARLOS TROMBEN, DE SANTIAGO

Q

uando o primeiro exemplar de AméricaEconomia saiu às ruas, em junho de 1986, o Brasil entrava em campo com astros como Falcão, Branco, Oscar, Sócrates e Zico. Mas foi Diego Maradona quem fez história no campeonato mundial do México. Nessa época, o astro argentino, considerado por muitos o melhor jogador do mundo, ganhava no Nápoles da Itália um salário de US$ 5 milhões anuais, equivalente hoje a US$ 10 milhões e pouco mais da metade do que o Manchester City pagava ao também argentino Carlos Tévez em 2010. Sua transferência para o clube italiano valeria hoje US$ 17,2 milhões, menos de um quinto do que o Real Madrid pagou pelo brasileiro Kaká. O futebol não estava exatamente na pré-história quando a carreira de Maradona estava no auge. Na verdade, a grande mudança havia ocorrido na década anterior, mais precisamente em 1974, com a chegada de João Havelange à Fifa (Federação Internacional de Futebol) e os primeiros

mundiais patrocinados por marcas de roupas esportivas e bebidas. Mas estava longe da escala que alcançaria nos 20 anos seguintes, com complexos contratos televisivos, direitos de imagem e pay-per-view. Um executivo de uma empresa brasileira de marketing esportivo assinalava, na edição de outubro de 1996 de AméricaEconomia, que uma emissora de TV poderia comprar o campeonato brasileiro por US$ 14 milhões, mas que, em dois anos, o valor aumentaria para US$ 80 milhões. “Essa enorme diferença entre os números obtidos e aqueles que os promotores acreditam que podem obter é um claro sinal de que o negócio ainda está engatinhando”, continuava o artigo. “E os conflitos entre clubes, associações e emissoras de televisão criados nos últimos anos indicam que, no final do caminho, provavelmente surgirá uma indústria futebolística diferente daquela que conhecemos… mais próxima do show business que do esporte.” As cifras são cada vez mais espantosas. Na Liga Inglesa de futebol, por exemplo, o contrato de venda dos direitos televisivos das três temporadas (2009/2010 a 2012/2013) chegou a 3,538 bilhões de euros. É o que justifica salários nas alturas, como o de Cristiano Ronaldo, que, ano passado, embolsou US$ 19,5 milhões – ou US$ 37 por minuto! A profecia se cumpriu? Continuamos tendo gols como o que “el pelusa” fez contra os ingleses? Julgue você mesmo.

Mais caros que um F-16 As 10 transferências mais caras do futebol latino-americano JOGADOR

PAÍS

CLUBE

ANO

MILHÕES DE US$ (valor em 2011)

Kaká

Brasil

Real Madrid

2009

95

Robinho

Brasil

Manchester City

2008

64,5

Hernán Crespo

Argentina

Lazio

2000

61,5

Verón

Argentina

Manchester U.

2001

45,8

Denilson

Brasil

Real Betis

1998

45

Ronaldinho

Brasil

Barcelona

2002

42,8

Ronaldo

Brasil

Real Madrid

2002

41,1

Claudio López

Argentina

Lazio

2000

39,3

Batistuta

Argentina

Roma

2000

39,3

Rivaldo

Brasil

Barcelona

1997

36

Diego Maradona

Argentina

Napoli

1986

17,2 Fonte: AméricaEconomia

98 AméricaEconomia Junho, 2011

AE 400 futebol.indd 2

31.05.11 21:25:31


GANHE PONTOS DE BONIFICAÇÃO

EM QUALQUER LUGAR – VOCÊ É QUEM DECIDE Com nosso programa Priority Club® Rewards, reserve o pacote Bônus Points em qualquer de nossos quase 200 hotéis na América Latina e Caribe e ganhe ainda mais pontos. Nossos pacotes Bônus Points, além de oferecerem um excelente apartamento, lhe dão pontos-base Priority Club Rewards e bônus adicional de até 4.000 pontos. Nós damos a você ainda mais oportunidades para ganhar pontos rapidamente. Para reservas, ligue para o seu agente de viagens ou visite www.priorityclub.com/bonuspoints.

Para os termos e condiçoes completos do programa, visite www.priorityclub.com/terms. © 2011 InterContinental Hotels Group. Todos os direitos reservados. A maioria dos hotéis são propriedades independentes e / ou operados independentemente.

BASE PAGINA COMPLETA.indd 1

27/05/2011 16:07:53


IWC. Engineered for men.

“Eu não falo nada.” Portuguesa Yacht Club Cronógrafo. Ref.ª 3902: "Por favor, dê meiavolta, se puder." Os instrumentos utilizados pelos marinheiros na tradição de Vasco da Gama são menos incômodos. Uma das lendas de navegação é o Portuguesa Yacht Club Cronógrafo. O seu movimento fabricado pela IWC com função de flyback e corda de duplo trinquete garante aterragens precisas. E mesmo se acontecer de você ir na direção errada, ninguém vai começar a aborrecê-lo. IWC. Engineered for men.

Mecanismo de relógio mecânico – manufatura IWC (figura) | Função de Flyback | Corda automática de duplo trinquete IWC | Indicação de data | Vidro safira anti-reflexo | Fundo transparente com vidro safira | Resistente à água 6 bar | Aço inoxidável

IWC Schaffhausen, Suíça. www.iwc.com

BASE PAGINA COMPLETA.indd 1

27/05/2011 16:24:36


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.