Nº 386 Edição Brasil

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OPINIÃO

CORRIGIR DEFICIÊNCIAS

Quando há fracassos, o primeiro culpado apontado é o governo

América Latina abriga 10% da população da Terra e responde por 5% do total do PIB mundial. No entanto, menos de 2,5% das mil maiores empresas do mundo são originárias da região. Muito já se analisou a economia do nosso continente dos pontos de vista macroeconômico e estrutural, mas quase nada se tentou pela ótica de suas empresas e da forma como elas são geridas. Nesse sentido, muito ainda pode ser feito na melhoria do ambiente empresarial e da microeconomia, para que um número muito maior de empresas possa florescer e avançar no mundo globalizado. Questões como a fortíssima influência da família e das amizades, ou a visão de que é sempre possível obter favores por parte dos governos, acabam permeando a forma de gestão em todos os países latino-americanos. Um dos traços mais característicos de nosso modo de gerir empresas, e também um dos mais problemáticos, é que a quase totalidade das grandes empresas latino-americanas tem seu controle acionário nas mãos de um indivíduo ou de uma ou duas famílias. Isso leva a um afrouxamento dos controles sobre os resultados e à ausência de profissionalização da gestão, ou seja, os acionistas, muitas vezes, não cobram resultados porque eles mesmos são os executivos. É comum os donos das empresas não conseguirem separar claramente os limites da empresa dos da família. O contrário ocorre nos Estados Unidos, onde o capital da grande empresa é muito mais pulverizado, e a pressão dos acionistas minoritários por resultados consistentes é muito maior.

38 AméricaEconomia Abril, 2010

Ilustração: Samuel Casal

A

Outra diferença importante na forma de gerir empresas entre Estados Unidos e América Latina, por exemplo, é de ordem fi losófica e está ligada ao papel histórico que as empresas tiveram no desenvolvimento econômico das duas regiões. Nos EUA, empresas e empresários assumiram um papel preponderante, até mesmo no processo de conquista e integração territorial, ao longo dos séculos 18 e 19, como mostram as grandes estradas de ferro, quase todas privadas. Já na América Latina, toda colonização, conquista e integração territorial nos principais países aconteceu sob a égide do Estado, tendo a iniciativa privada se ausentado totalmente. Alguns raros casos de empresários empreendedores, como o Barão de Mauá, foram hostilizados pelos demais empresários da época e até boicotados pelo Império. Essa característica da colonização gerou um aspecto cultural que até hoje perdura, de que o investidor privado latino-americano age se o governo agir antes, ou seja, os empresários latinoamericanos frequentemente optam por entregar ao governo decisões altamente complexas que se referem aos seus próprios negócios. Por outro lado, quando há problemas ou fracassos nas suas empresas, o primeiro culpado a ser apontado é o governo. Ou o fornecedor, os sindicatos de trabalhadores, ou até mesmo o cliente, quando não a natureza; mas nunca a própria empresa e seus acionistas ou executivos. Dessa forma, boa parte dos empresários latino-americanos perde a grande chance de examinar a competitividade de suas companhias. Deixam de perceber que o grande problema que põe em risco a vida de seus negócios é sua própria incapacidade de gerar produtos de qualidade, a preços acessíveis, adequados às necessidades e aos desejos de seus consumidores. O tema “diversidade cultural” tem atraído considerável atenção, nos últimos anos. As grandes empresas internacionais perceberam que, para operar eficazmente em diversos países, é preciso reconhecer que pode ser necessário atuar de forma diferente em cada um deles. O que está faltando é que nós, latino-americanos, nos debrucemos sobre nossas deficiências gerenciais e iniciemos o processo de correção das mesmas. Ou seja, temos de “por o dedo na ferida”; caso contrário, o número de empresas relevantes de nosso continente com projeção internacional só tenderá a diminuir ainda mais.

PAULO ROBERTO FELDMANN é professor da FEA-USP, foi executivo de empresas como Microsoft e Ernst&Young, e é autor do livro Empresas Latino-americanas.


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