Vômito e não: práticas antropoêmicas na arte e na cultura.

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O destino da performance sempre me intrigou, pois depois de realizada, depois que o público deixa o espaço, a performance não existe mais. Existe na memória e existe como narrativa, porque as testemunhas contam para outras pessoas que não assistiram à ação. É uma espécie de conhecimento narrativo. Ou existem fotografias, slides, gravações em vídeo etc., mas eu acho que essas apresentações nunca conseguem dar conta da performance propriamente dita, fica sempre faltando alguma coisa. A performance só pode viver se for apresentada de novo...”

Re-enactment Para que se entenda a ação realizada é necessária a compreensão do termo Re-enactment: O Re-enactment, forma de preservação ao vivo de um acontecimento performático implicando corpo, presença, autotransformação do performer e reciclagem de energias, não é um ato retrospectivo somente que tenta manter a ilusão da permanência e retenção do efêmero de maneira aparentemente duradoura. Ele é também a forma de uma memória que, ao invés de lembrar o que foi perdido, reproduz e traz a tona uma presença. (ALICE: 2011)2

A reprodutibilidade da performance é questionada por esta ser uma arte efêmera, que acontece em tempo real, e embora se possa ter registros, apenas sobrevive na memória daqueles que participaram dela. Assim, toda forma de registro da performance seria uma lembrança daquela ação, mas não seria mais a ação.

Através das citações podemos perceber o re-enactment como mediador, entre a performance original e o público, entre o performer criador e o espectador de agora. Diferente de registros que nos mostra como foi a performance, o re-enactment possibilita ao público vivenciar aquela experiência e pensar sobre ela. Mas um pensar como define Larrosa 4: “(...) pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece.” (BONDÍA: 2002, p.21) Isso fica claro quando, em ocasião dos quarenta anos de carreira da artista, é lançado em 2010 no MOMA, Marina Abramovic: The Artist is Present, exposição na qual há uma performance inédita, homônima, e alguns re-enactments de obras históricas. A instituição optou por não só apresentar registros destas performances, mas dar ao público a possibilidade de vivenciá-las, e ter suas próprias sensações a partir do contato ao vivo com a obra – o saber da experiência.“Contra a memória fonte de costume. A experiência pessoal renovada 5”, já dizia Oswald de Andrade. Os registros de performance não são experiências, são informações. O re-enactment é experiência. A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. [...] A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência.” (BONDÍA: 2002, p.21)

Marina Abramovic, em ocasião de Seven Easy Pieces3, no qual popularizou a ação e o termo re-enactment, em entrevista a pesquisadora Ana Bernstein (Apud MELIM, 2008: p.46) disse:

A performance –––––––––––––––– 2 Tania Alice é performer, encenadora e professora do Departamento de Interpretação Teatral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

A minha escolha de re-enactment foi The Artist is Present de Marina Abramovic, por ser uma performance que questiona a relação entre artista/ obra

3

Evento realizado em novembro de 2005, no Museu Guggenheim de Nova York, do qual reperformou sete “performances históricas” – Body Pressure de Bruce Nauman; Seedbed de Vito Acconci; Action pants: Genital Panic de Valie Export; The conditioning, first action of self portrait(s) de Gina Pane; How to explain pictures to a dead hare de Joseph Beuys; Lips of Thomas da própria Marina Abramovic – e uma inédita de sua autoria, Entering the other side.

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–––––––––––––––– 4 Jorge Larrosa Bondía é professor da Universidade de Barcelona 5

Retirado do Manifesto Antropófago.

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