Revista AlmadaForma 10

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REFLEXÃO

O Elogio da Diferença As Necessidades Educativas Especiais pertencem àqueles que se conformam e não àqueles que vivem descontentes e que tentam moldar o mundo à sua volta (e o seu próprio). Pretende-se com esta reflexão trazer um raio de luz a quem vive nas trevas, transmitir ânimo a quem não tem esperança e mostrar que é possível ter e pertencer ao sucesso, mesmo tendo o rótulo NEE («necessidades educativas especiais»).

Lurdes Aguiar Trilho

Professora na Escola Básica e Secundária Francisco Simões Mestre em Estudos Anglo-Portugueses – FCSH-UNL Doutoranda em Estudos Portugueses – FCSH-UNL Investigadora do IELT-FCSH

Falar de alunos com Necessidades Educativas Especiais não significa abordar um assunto de Coitadinho… Nunca há de conseguir… Não consegue evoluir… Tem tantas dificuldades… Discursos de compaixão, de pena, de derrota, de desistência, ao jeito do discurso negativista de Álvaro de Campos, no poema «Tabacaria»:

Muitos são os casos de alunos com o estatuto «NEE» que vamos encontrando ao longo dos anos, com problemáticas variadas, umas físicas outras emocionais. Enquanto professores, trabalhamos com alunos que não conseguem ler/ escrever, outros que têm défice de memória, outros que revelam um ritmo muito lento de compreensão e/ou de produção e tantas outras manifestações que a lei portuguesa prevê que

«Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.»

o sinuoso caminho que teve de percorrer até à meta, os incentivos que recebeu de todos quantos a rodeavam e (muito importante!) a sua determinação em alcançar o sucesso.

tenham um acompanhamento particular por parte de técnicos, professores e sistema educativo em geral, ao abrigo de legislação específica. O que se pretende mostrar com esta reflexão é que ser aluno com necessidades educativas especiais não significa ser inferior aos outros, a diferença não tem de ser encarada como algo menor. Existem casos de claro sucesso que poderão servir de encorajamento para todos aqueles que vivem o rótulo «NEE» (alunos e encarregados de educação) e que provem que a diferença pode ser sinónimo de conquista, de vitória… em tudo iguais (e por vezes superiores) aos demais. A diferença é aquilo que é comum a todos nós – diferentes uns dos outros, tal como dizia Carlos Drummond de Andrade, no seu poema «IgualDesigual»: «Ninguém é igual a ninguém / Todo o ser humano é um estranho ímpar».

Apesar de já terem decorrido vários anos desde que a Ana Filipa saiu desta escola, ainda é lembrada pelos professores como uma aluna que também marcou os seus percursos, uma aluna que valorizava o investimento que era feito por aqueles que trabalhavam com ela dia-a-dia. A professora de apoio educativo de então, Drª Beatriz Correia, ouviu com satisfação o percurso académico desenvolvido pela aluna de quem não ouvia falar desde que a mesma saiu da Escola Francisco Simões e, com um doce brilho no olhar, recorda-a dizendo: «Recordo a Ana como uma adolescente simpática, meiga e responsável que se relacionava bem com os seus pares e com os adultos. Passados anos, e atendendo ao percurso académico da Ana, é gratificante reconhecer que as medidas educativas, implementadas na altura, foram consideradas eficazes face às dificuldades manifestadas, aquando do início do terceiro ciclo. As opções tomadas proporcionaram um acompanhamento sistemático durante o desenrolar das atividades, facultando-lhe o necessário feed-back corretivo, permitindo-lhe fazer aquisições, com sucessos académicos no seu percurso escolar.»

Os casos que vou mencionar ilustram este tópico e pertencem a alunos e ex-alunos da Escola Básica e Secundária Francisco Simões. Presto, desde já, o meu agradecimento aos meus colegas que tornaram possível este artigo com os seus testemunhos sobre os alunos em causa e que são nomeados ao longo do mesmo. A Ana Filipa Viegas, atualmente com 24 anos e educadora de infância, é um caso de evidente sucesso, que não deixou que as suas dificuldades limitassem o seu percurso e que, sempre de olhos fixos numa meta, concluiu o seu mestrado em Educação Pré-Escolar em 2014. Durante o tempo que frequentou esta escola, revelou ser uma aluna muito empenhada, muito trabalhadora, que aceitava e correspondia aos desafios propostos pelos professores sem sentimentos de inferioridade nem de fraqueza (ler o seu depoimento que se encontra na pág. 36 desta revista) e que, apesar da sua problemática a colocar num patamar diferente dos seus colegas, o seu estatuto nunca foi encarado pela Ana nem pelos seus professores como uma limitação. É uma aluna que ainda hoje reconhece

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A professora de Inglês, Drª Cristina Eusébio, também se lembra da Ana e, apesar de manter com ela contacto regular, não hesitou em prestar o seu testemunho: «A Filipa foi uma boa surpresa na minha vida profissional e uma excelente aluna. Recordo-me com alegria do seu esforço, empenho e dedicação e, sobretudo, do seu sorriso. Apesar das dificuldades inerentes à sua problemática e à aprendizagem de uma língua estrangeira, a Filipa nunca desistiu. Tem sido com muita alegria que nos temos reencontrado nestes últimos anos. As notícias têm sido sempre boas: conclusão do curso superior e mestrado. 33


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