Jornal Loucuras (Edição e Produção de Fotografia)

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A esperança de dias melhores

Convivência

A Reforma Psiquiátrica trouxe à tona tratamentos mais humanizados, voltados para a socialização dos usuários. Os novos métodos carregam a promessa de uma vida melhor para os pacientes Amanda Souza e Peterson Mayrinck

“S

ó você indo lá para ver” - é o que a psiquiatra Gilvanice Noblat recomenda àqueles que procuram informações sobre os tratamentos aos usuários do sistema de saúde mental. Apesar de poder soar como algo negativo, sua fala é repleta de esperança e certeza de que, após a Reforma Psiquiátrica, a situação dos pacientes melhorou muito. Foto: Denilton Laranjeira

A Reforma Antimanicomial propõe mudanças visíveis no modelo de tratamento vigente. No início da década de 90, o Ministério da Saúde começou a definir uma nova política de saúde mental, que possibilitava o tratamento em várias estruturas: Equipes de Saúde da Família (ESF), Residências Terapêuticas, Ambulatórios, Hospitais Gerais, Centros de Convivência e Centros de Apoio Psicossociais (Caps). Estes últimos são os substitutos dos hospitais psiquiátricos. Oferecem acolhimento e desenvolvimento de atividades, contando, para isso, com equipes de diversos profissionais da saúde. Robson, hoje com 18 anos, é um dos usuários dos tratamentos psiquiátricos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Aos 13, sofreu traumatismo craniano ao cair de uma árvore. O acidente deixou diversas seqüelas – dentre elas, transtorno de comportamento e agressividade. Aos 14, teve que sair do colégio pois estava sofrendo de bullying. As agressões, embora verbais, levaram-no a tentar se matar. “A professora disse que ele não estava tentando suicídio, que era um pedido de socorro”, diz a mãe, Dona Nilza. Em busca do tratamento ideal para o filho, D. Nilza já havia procurado ajuda de entidades privadas e até mesmo de hospitais psiquiátricos. “Por conta dos seus problemas, eu nunca encontrei um lugar para ele”, diz a mãe, com resignação. Sem desistir, no entanto, ela almejava um lugar onde o filho pudesse aprender, se desenvolver e se relacionar com outras pessoas. “Robson precisa de um lugar onde fique seguro. Ele precisa evoluir nas limitações dele, e se integrar com as outras pessoas”, afirmou. Foi no Caps que ela encontrou o que o filho precisa.

EM BUSCA DE UMA CASA Luana* brinca com um cachorro e deita no chão para alisar o bicho. Chamam-no Freud e explicam que ele tem um papel importante no tratamento. Logo, ela e seu animal saem correndo para outros espaços e o barulho se perde nos corredores. Foi isso que Robson viu em sua primeira visita ao Caps Espaço LivreMente, em Boa Viagem, no Recife. O lugar é composto por equipes multiprofissionais, com presença obrigatória de psiquiatra, enfermeiro, psicólogo e assistente social, aos quais se somam outros do campo da saúde. A estrutura física dos Caps prioriza o acolhimento, o desenvolvimento de atividades coletivas e individuais, a realização de oficinas de reabilitação e outras programação direcionadas a cada caso em particular.

tipos de CAPS

função

Caps I

Funcionam durante o dia e dão suporte a todos os usuários com transtornos severos, em cidades de pequeno porte

Caps II

Localizados em cidades de médio porte, atendem durante o dia, somente adultos.

Caps III

Localizados em cidades de médio porte, atendem durante o dia, somente adultos.

Caps ad

Atendem, durante o dia, pessoas com problemas pelo uso de álcool e drogas

Caps i

Serviços para crianças e adolescentes, atendem durante o dia. Fonte: Ministério da Saúde. Junho/2010

OUTRAS ALTERNATIVAS A nova política de saúde mental determina que a atenção básica aos usuários começa com a integração de profissionais da saúde mental às Equipes de Saúde da Família (ESF). A busca da singularidade de cada indivíduo com transtorno mental é o melhor caminho para o tratamento integral dos usuários. As ESF cuidam de casos mais simples (como a depressão) e encaminham os mais graves para os Caps.

Os ambulatórios psiquiátricos oferecem atendimentos com visitas domiciliares, atividades ressocializadoras e acompanhamento multiprofissional. Entretanto, a psiquiatra Gilvanice Noblat admite que não há uma quantidade suficiente e que seu papel não é bem definido. “O ambulatório não é um modelo com intuito bem definido na Reforma. Ainda não há um ambulatório-modelo no Brasil”, afirma.

Para os que estiveram internados em hospitais psiquiátricos por um longo período, existem as Residências Terapêuticas. São moradias que propõem a reconstrução dos laços sociais e afetivos. Nesses locais, não é permitido morar mais que oito pessoas, que devem contar com suporte profissional preparado para atender às necessidades individuais.

Já o tratamento nas unidades psiquiátricas dos Hospitais Gerais é a mais antiga estratégia de reforma na assistência à saúde mental – a primeira instalada no Brasil foi em Recife, no Hospital Pedro II, em 1947. Nessas unidades, os usuários podem ser internados para tratamento emergencial, substituindo o dos hospitais psiquiátricos.

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A mais emblemática das alternativas aos tratamentos nos manicômios é o Centro de Convivência. São estruturas de inclusão social, mantidas pelos municípios, que envolvem cultura e valorização do usuário. Contudo, em comparação aos outros modelos, ainda não há quantidade suficiente para atender às necessidades da população – dados de 2008 informam que havia apenas 51 espaços como estes no Brasil inteiro, dos quais 96% são localizados no Sudeste. Em Pernambuco, não há nenhum.

* Os nomes dos personagens foram trocados, para preservação da identidade.


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