Poemas do mar

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Dedicatória

Este trabalho é uma recolha de poemas sobre o Mar realizada pela turma C, do 5.º Ano, da Escola E.B. 2,3 de Avelar, como agradecimento pela colaboração e carinha demonstrados.

Muito obrigada

Avelar, 18 de Fevereiro de 2009

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Mar Português Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa

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O MAR ESTÁ CALMO

O mar está calmo Na onda até se rema O céu está azul No chão até se ama… O peixe não pica Picam as gaivotas Que lembram gaviões O mar está azul A areia é de oiro O oiro nem é riqueza Qual é o maior tesoiro? É a mãe natureza!

Rogério Martins Simões

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CARTA AO MAR Deixa escrever-te, verde mar antigo, Largo Oceano, velho deus limbos, Coração sempre lírico, choroso, E terno visionário, meu amigo!

Das bandas do poente lamentoso Quando o vermelho sol vem ter comigo, - Nada é mais grande, nobre e doloroso, Do que tu, - vasto e húmido jazigo!

Nada é mais triste, trágico e profundo! Ninguém te vence ou te venceu no mundo!... Mas também, quem te pode consolar?!

Tu és Força, Arte, Amor, por excelência! E, comutado, ouve-o aqui, em confidência; - A Musica é mais triste ainda que o Mar!

António Gomes Leal in 'Claridades do Sul'

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Sem título Quem sente no Mar a calma Quer dele fazer seu Hino Vive, sonhando, um trauma! Trá-lo em si um fascínio! Desperta uma paixão E quer ter um alento Diz ao Mar, sua canção Nestas ondas, vão o vento Do Mar faço a Poesia Da Poesia a onda minha Canto ao Mar minha alegria Quem me dera ser Rainha! Se eu fora Rainha do Mar Por nele fazer um casamento Me deixaria matar! Neste sonho de momento Luísa Zacarias

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O MAR AGITA-SE, COMO UM ALUCINADO O Mar agita-se, como um alucinado: A sua espuma aflui, baba da sua Dor... Posto o escafandro, com um passo cadenciado, Desce ao fundo do Oceano algum mergulhador. Dá-lhe um aspecto estranho a campânula imensa: Lembra um bizarro Deus de algum pagode indiano: Na cólera do Mar, pesa a sua Indiferença Que o torna superior, e faz mesquinho o Oceano! E em vão as ondas se lhe enroscam à cabeça: Ele desce orgulhoso, impassível, sem pressa, Com suprema altivez, com ironias calmas:

Assim devemos nós, Poetas, no Mundo entrar, Sem nos deixarmos absorver por esse Mar — Pois a Arte é, para nós, o escafandro das Almas! Alberto de Oliveira

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Sem título Fecho os olhos E vejo mar e sinto mar… Salgado-doce Assustador atracão Que nos afoga num sorriso Sendo pulsante vida Profunda transparência Reflexo do céu Frémito Escuro-sorriso Princípio e fim Calmaria e abismo Fonte do sonho Noite-manhã! Maria Petronilho

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PASSEI O DIA OUVINDO O QUE O MAR DIZIA Eu ontem passei o dia Ouvindo o que o mar dizia. Chorámos, rimos, cantámos. Falou-me do seu destino, Do seu fado... Depois, para se alegrar, Ergueu-se, e bailando, e rindo, Posse a cantar Um canto molhado e lindo. O seu hálito perfuma, E o seu perfume faz mal! Deserto de aguas sem fim. Ó sepultura da minha raça Quando me guardas a mim?... Ele afastou-se calado; Eu afastei-me mais triste, Mais doente, mais cansado... Ao longe o Sol na agonia De roxo as aguas tingia. «Voz do mar, misteriosa; Voz do amor e da verdade! - Ó voz moribunda e doce Da minha grande Saudade! Voz amarga de quem fica, Trémula voz de quem parte...» ................ E os poetas a cantar São ecos da voz do mar! António Boto

O GRANDE CONTINENTE AZUL Eu sou a água do mar, a água de todos os mares,

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a água azul, verde ou cinzenta que liga os continentes, as ilhas, as línguas de terra onde o trigo cresce, onde os pássaros fazem ninho, onde as cidades despertam, onde as mãos amassam o pão, onde as plantas e as pedras se casam em manhãs de sol quando chega a Primavera. Por cima da minha cabeça está o céu e quem diz o céu diz a noite e o dia, diz a manhã e a tarde, o lençol de nuvens que guarda a chuva, o vento e a geada. Sou habitada pelos peixes, que são os meus melhores amigos, os pequenos cavaleiros das ondas que viajam comigo até às praias, até às baías, e voltam comigo para o fundo, enfeitados de algas e corais. Gosto dos peixes e eles gostam de mim

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como só os peixes sabem gostar, batendo as pequenas barbatanas quando estão contentes, quando querem que se saiba que estão felizes. Eu sou a água do mar, a água de todos os mares, dos oceanos imensos ou dos pequenos mares quietos onde o sal é tanto que faz arder os olhos só de olharmos para eles. Tenho alimento bastante para dar de comer a todos os meus filhos e também aos filhos da terra, às bocas que pedem mais pão. Habita em mim a riqueza: o ouro, o petróleo, o carvão. Por isso me cobiçam, me furam o corpo à procura de novas riquezas. Não quero para mim aquilo que as minhas águas escondem e protegem. Mas só darei ao homem

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aquilo que o homem souber usar, trabalhar, melhorar. Não quero o ouro para me adornar, o petróleo para me mover, o carvão para me aquecer. A minha riqueza é de todos, mas é preciso que saibam merecê-la, aumentá-la, amá-la. Há quem me chame grande continente azul e eu gosto deste nome, porque é bonito e porque gosto do azul que é a minha cor preferida. Azul de água e de vento de brisa e de espuma; azul do céu de Junho reflectido nas escamas de prata dos peixes voadores. Gosto de ser continente, mas continente de água, o maior de todos, o mais fundo e secreto. Gosto das estrelas do mar, dos búzios e das conchas e tenho uma guarda

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de cavalos marinhos que me acompanha para onde quer que eu vá. É no meu rosto de água que as estrelas e os astros se vêem ao espelho, se miram e embelezam. É no meu rosto de espuma que as crianças constroem castelos de sonho e areia. E como eu gosto das crianças! Queria ser um grande, um enorme jardim verde para elas poderem brincar abrigadas de todas as tempestades. Se às vezes me zango e me torno temporal, acreditem que não é por mal. É só porque não gosto que me sujem as águas com óleo de navios, que me estraguem o sono com ruídos de motores, que me manchem o azul com lixo e nafta. Sou irmã dos ventos, dos astros e das estações,

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das quatro estações que o ano tem, dos doze meses em que elas se repartem. E digo: o que é meu também é vosso. Se estiverem comigo estarei convosco: com os pescadores, com os navegadores solitários, com os astros e as auroras boreais. Eu sou a água do mar, a água de todos os mares, de todos os oceanos, do Atlântico, do Índico, do Pacífico. Sou casa, celeiro, refúgio. Todos os dias aprendo novas coisas que vale a pena aprender: nomes de plantas, de rios, de cidades. Quero ter a cor do sonho, o cheiro da maresia e do peixe fresco. É em mim que começa o azul e também a viagem do sol à superfície das águas. A viagem dos homens à descoberta. José Jorge Letria

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Sem título

Cada vez mais Te vejo mar, te sinto mar! Sou de novo a menina Caminhando horas, esquecida De si mesma, que sonhava… Já quase se foi, a praia! Mas vive ainda a menina Temerosa e fascinada, Olhar além… tão perdida De si mesma, que sonhava! Sol vibrante no meu rosto Cabelos soltos ao vento Fascínio Ternura Medo! Maria Petronilho

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HISTÓRIA DO SR. MAR Deixa contar... Era uma vez O senhor Mar Com uma onda... Com muita onda... E depois? E depois... Ondinha vai... Ondinha vem... Ondinha vai... Ondinha vem... E depois... A menina adormeceu Nos braços da sua Mãe... Matilde Rosa Araújo

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OCEANO NOX

Junto do mar, que erguia gravemente A trágica voz rouca, enquanto o vento Passava como o voo do pensamento Que busca e hesita, inquieto e intermitente, Junto do mar sentei-me tristemente, Olhando o céu pesado e nevoento, E interroguei, cismando, esse lamento Que saía das coisas, vagamente... Que inquieto desejo vos tortura, Seres elementares, força obscura? Em volta de que ideia gravitais? Mas na imensa extensão, onde se esconde O Inconsciente imortal, só me responde Um bramido, um queixume, e nada mais... Antero de Quental

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MAR Mar, metade da minha alma é feita de maresia Pois é pela mesma inquietação e nostalgia, Que há no vasto clamor da maré cheia, Que nunca nenhum bem me satisfez. E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia Mais fortes se levantam outra vez, Que após cada queda caminho para a vida, Por uma nova ilusão entontecida. E se vou dizendo aos astros o meu mal É porque também tu revoltado e teatral Fazes soar a tua dor pelas alturas. E se antes de tudo odeio e fujo O que é impuro, profano e sujo, É só porque as tuas ondas são puras. Sophia de Mello Breyner Andresen

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NO FUNDO DO MAR No fundo do mar há brancos pavores. Onde as plantas são animais E os animais são flores. Mundo silencioso que não atinge A agitação das ondas. Abrem-se rindo conchas redondas, Baloiça o cavalo-marinho. Um polvo avança No desalinho Dos seus mil braços, Uma flor dança, Sem ruído vibram os espaços. Sobre a areia o tempo poisa Leve como um lenço. Mas por mais bela que seja qualquer coisa Tem um mostro em suspenso. Sophia de Mello Breyner Andresen

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OLHANDO O MAR, SONHO SEM TER DE QUÊ Olhando o mar, sonho sem ter de quê. Nada no mar, salvo o ser mar, se vê. Mas de se nada ver quanto a alma sonha! De que me servem a verdade e a fé? Ver claro! Quantos, que fatais erramos, Em ruas ou em estradas ou sob ramos, Temos esta certeza e sempre e em tudo Sonhamos e sonhamos e sonhamos. As árvores longínquas da floresta Parecem, por longínquas, 'star em festa. Quanto acontece porque se não vê! Mas do que há pouco ou não há o mesmo resta. Se tive amores? Já não sei se os tive. Quem ontem fui já hoje em mim não vive. Bebe, que tudo é líquido e embriaga, E a vida morre enquanto o ser revive. Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser Motivos coloridos de morrer? Mas colhe rosas. Porque não colhê-las Se te agrada e tudo é deixar de o haver? Fernando Pessoa

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Cantares dos búzios

Ai ondas do mar, ai ondas, ó jardins das alvas flores, sobre vós, ondas, ai ondas, suspiram os meus amores.

No fundo dos búzios canta o mar que chora a cantar ó mar que choras cantando, eu canto e estou a chorar!

Ai ondas do mar, ai ondas, eu bem vos quero lembrar: «a minha alma é só de Deus e o meu corpo da alma do mar!» Afonso Lopes Vieira

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LUSÍADAS, CANTO III Eis aqui, quase cume da cabeça De Europa toda, o Reino Lusitano, Onde aterra se acaba e o mar começa E onde Febo repousa no Oceano. Este quis o Céu justo que floreça Nas armas contra o torpe Mauritano, Deitando-o de si fora; e lá na ardente África estar quieto o não consente. Luís de Camões

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HORIZONTE O mar anterior a nós, teus medos Tinham coral e praias e arvoredos. Desvendadas a noite e a cerração, As tormentas passadas e o mistério, Abria em flor o Longe, e o Sul sidério 'Splendia sobre as naus da iniciação. Linha severa da longínqua costa Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta Em árvores onde o Longe nada tinha; Mais perto, abre-se a terra em sons e cores: E, no desembarcar, há aves, flores, Onde era só, de longe a abstracta linha. O sonho é ver as formas invisíveis Da distância imprecisa, e, com sensíveis Movimentos da esp'rança e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte Os beijos merecidos da Verdade. Fernando Pessoa

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O HOMEM E O MAR Homem livre, o oceano é um espelho fulgente Que tu sempre hás-de amar. No seu dorso agitado, Como em puro cristal, contemplas, retratado, Teu íntimo sentir, teu coração ardente. Gostas de te banhar na tua própria imagem. Dás-lhe beijo até, e, às vezes, teus gemidos Nem sentes, ao escutar os gritos doloridos, As queixas que ele diz em mística linguagem. Vós sois, ambos os dois, discretos tenebrosos; Homem, ninguém sondou teus negros paroxismos, Ó mar, ninguém conhece os teus fundos abismos; Os segredos guardais, avaros, receosos! E há séculos mil, séculos inumeráveis, Que os dois vos combateis numa luta selvagem, De tal modo gostais numa luta selvagem, Eternos lutadores ó irmãos implacáveis! Charles Baudelaire

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MAR ABERTO EM POESIA

Não me entendo Sem uma reflexão sobre o mundo Sem um mergulho profundo Em meu próprio mar Que contempla outros Mais ou menos fundos Vidas cruzadas Emoções aladas ou petrificadas Não me vejo Sem algum desatino Sem suspiros Sem a alegria despretensiosa de um menino Sem a companhia de sonhos e livros A poesia é um pedaço do meu chão Estrelado ou não É o que me faz viajar, hibernar Ser eu mesma Fugidia ou não Mar aberto em paixão Sou vida que abraça o horizonte A cada nova linha Avisto mais um monte Vida nutrida na fonte Poesia, poesia Te quero inteira Jamais distante Úrsula A. Vairo Maia

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QUERIA SER O MAR

Queria ser o Mar! em teu corpo despraiar Sonhar que nos abraçamos beijamos e nos amamos! Mas queria ser o Mar. Levar longe os pensamentos Na rebentação, o amor forte de paixão, molhar O corpo ardente, navegar. Na proa de um veleiro Ser eu o marinheiro Mas queria ser o mar! Na ondas de sal, deixar os olhos de azul, de tua Majestade e liberdade mas voltar sempre, olhar! Mas como gostava de ser... Este Mar!!! Lisa

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MAR SERENO Água peregrina Fina-flor do vento Tua voz divina Dá-me ainda alento. Navios antigos Há muito partiram Os mastros vão lindos As velas caíram. No cais beira da água Meus olhos perdidos Escutam a mágoa Dos barcos esquecidos! Que força ou perdão Quer ainda levar Todo o coração Nas ondas do mar! Ruy Cinatti

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VOZES DO MAR Quando o sol vai caindo sobre as águas Num nervoso delíquio d'oiro intenso, Donde vem essa voz cheia de mágoas Com que falas à terra, ó mar imenso?... Tu falas de festins, e cavalgadas De cavaleiros errantes ao luar? Falas de caravelas encantadas Que dormem em teu seio a soluçar? Tens cantos d'epopeias? Tens anseios D'amarguras? Tu tens também receios, Ó mar cheio de esperança e majestade?! Donde vem essa voz, ó mar amigo?... ... Talvez a voz do Portugal antigo, Chamando por Camões numa saudade! Florbela Espanca, Poesia Completa Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000

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O Mar Pela ponte de espuma chegaste. Ignoro o além da praia, O mundo que gerou; Se sugeriste do seio do dia Ou do grito da noite. Reconheço-me apenas No coral das unhas e da boca, Nos olhos líquidos, Na trança de sargaço. Sei que flutuas em mim, E teu corpo veste-se De vozes; No entanto, Regressarás ao mundo de areis brancas E meu murmúrio será sal, Brilhando em teus cabelos. Paulo Bomfim

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Uma Após Uma as Ondas Apressadas Uma Após Uma Uma após uma as ondas apressadas Enrolam o seu verde movimento E chiam a alva espuma No moreno das praias. Uma após uma as nuvens vagarosas Rasgam o seu redondo movimento E o sol aquece o espaço Do ar entre as nuvens 'escassas. Indiferente a mim e eu a ela, A natureza deste dia calmo Furta pouco ao meu senso De se esvair o tempo. Só uma vaga pena inconsequente Pára um momento à porta da minha alma E após fitar-me um pouco Passa, a sorrir de nada. Ricardo Reis, in "Odes" Heterónimo de Fernando Pessoa

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O Mar Bebido o luar, ébrios de horizontes, Julgamos que viver era abraçar O rumor dos pinhais, o azul dos montes E todos os jardins verdes do mar. Mas solitários somos e passamos, Não são nossos os frutos nem as flores, O céu e o mar apagam-se exteriores E tornam-se os fantasmas que sonhamos. Por que jardins que nós não colheremos, Límpidos nas auroras a nascer, Por que o céu e o mar se não seremos Nunca os deuses capazes de os viver. Sophia de Mello Breyner Andresen

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