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JUSSARA GUIMARAES

Biografia

Nascida em Porto Alegre/RS, Jussara Miranda Guimarães (1948-2011) é considerada uma importante referência artística do extremo sul catarinense. Seu primeiro contato com a cerâmica foi aos 14 anos de idade, no ateliê de cerâmica do artista Walter Scarpelli, italiano natural de Florença e radicado em Porto Alegre.

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Em 1967, ingressou no curso de Artes Plásticas da UFRGS e, em 1975, um ano após se graduar, Jussara foi convidada a vir para Criciúma/SC para trabalhar enquanto professora no curso de Desenho e Plástica da FUCRI –atual UNESC. Com atuação principalmente entre as décadas de 1980, 1990 e início dos anos 2000, Jussara Guimarães produziu incansavelmente.

Em 1977, conheceu Vilmar Kestering, que se tornou seu parceiro profissional e seu marido. No ateliê do casal, chegavam a produzir 1.400 peças mensais, com 12 funcionários e mais de 40 modelos em catálogo, atendendo às necessidades de clientes dos três estados sulistas e participando de feiras nacionais e internacionais. Produziu monumentos públicos e privados, a destacar: a Cruz São Paulo Apóstolo no bairro Michel – o único patrimônio artístico tombado na região do extremo sul catarinense; os painéis do Memorial Dino Gorini, no Parque Municipal Prefeito Altair Guidi e em prédios particulares; e as esculturas para a UNESC. De forma repentina, no dia 19 de maio de 2011, Jussara faleceu aos 63 anos em Criciúma.

Contexto

Em meados de 1970, a indústria cerâmica, em crescente desenvolvimento econômico na região de Criciúma, contratou inúmeros artistas e designers, que migraram de outros estados e regiões do Brasil na busca de compor o setor criativo de suas empresas. A falta de mão de obra local nesse campo era um dos problemas enfrentados pela industrialização de pisos, azulejos, porcelanatos e revestimentos cerâmicos. Jussara e Gilberto Pegoraro fizeram parte do primeiro grupo desses artistas e designers migrantes.

Posteriormente, o curso de Desenho e Plástica na FUCRI, atual UNESC, apropriou-se desses artistas na tentativa de formar novos integrantes locais para o setor criativo industrial e para o ensino da arte. Partindo de uma intencionalidade mais tecnicista, esses professores foram contratados para lecionarem disciplinas voltadas à escultura, ao design cerâmico, ao desenho técnico, etc. Jussara foi a primeira artista do grupo a ser efetivada na FUCRI, sendo, por muitos anos, coordenadora do curso e idealizadora das primeiras grades curriculares deste.

Com quem se relaciona?

· Rosário Guillermo · Simone Milak · Marta Berger

Po Tica

É possível identificar o quanto a artista mediava a experimentação e a pesquisa em si com a argila e os materiais a que tinha acesso, além de sua produção industrial, modular, em série e mais comercial. Com forte influência do design, Jussara conversava com os aspectos decorativos, tradicionais e contemporâneos no desenvolvimento de suas cerâmicas. Utilizava, frequentemente, os pisos e azulejos disponíveis na indústria cerâmica como suporte para seus painéis, e também na construção de mosaicos. A temática da natureza, dos bichos e das etnias é facilmente percebida em sua poética. Dedicou muitos anos de sua vida às pesquisas com a queima da cerâmica pela técnica do Raku, queima coque e queima primitiva, utilizando serragem e materiais orgânicos.

Conceitos

Etnologia

Estudo comparativo e analítico das culturas a partir do levantamento de fatos e documentos de aspecto cultural e social. Jussara dedicou anos de sua carreira a pesquisar a história e a cultura de Criciúma a partir da linguagem da cerâmica, tanto pelo viés artístico quanto pela intencionalidade comercial e industrial. A imaterialidade e a materialidade do patrimônio cultural da região foram parte de estudos detalhados para a composição dos painéis cerâmicos. As etnias e sua diversidade cultural, a natureza, a cultura indígena e africana, a gastronomia, a religiosidade e as manifestações musicais foram questões de referência para o ato criativo da artista.

Reprodutibilidade

Conceito elaborado por Walter Benjamin, que visava argumentar a perda da “aura” da obra artística pela ausência de qualquer valor ritual tradicional em sua feitura, perdendo seu caráter único e autêntico pela reprodução mecânica. Por essa perspectiva, a produção com moldes e peças seriadas de Jussara, influenciada diretamente por sua atuação na indústria cerâmica local, pode ser analisada pela reprodução de cópias e pela perda da singularidade da obra de arte. O pensamento criativo vinculado à dinâmica seriada da indústria propôs, inclusive, produções que permitiam a terceirização na composição com os colegas e assistentes, supervisionado e mediado pela artista e executado em grupo.

Materialidade

Qualidades perceptíveis do material que compõe a obra. A materialidade da arte deve ser vista a partir de uma visão processual ligada às propriedades do material e dissociada da ideia de que a arte seja apenas um produto final, ou dividida entre questões materiais e imateriais. Na produção de Jussara destaca-se, pela materialidade da cerâmica, a presença dos quatro elementos: a densidade da terra; a plasticidade e maleabilidade da água; o envolvimento do ar como agente de ligação do meio; a transformação e criação relacionada ao fogo. Em âmbito acadêmico, dedicou-se a estudar os suportes, as técnicas e as potencialidades presentes nos elementos naturais e químicos para a criação em arte. Ao longo de sua trajetória, Jussara acrescentou o vidro, o plástico, o ferro e a madeira em alguns de seus trabalhos, bem como pesquisou argilas provindas de diferentes lugares do extremo sul catarinense.

Gloss Rio

Acordelado - Técnica de modelagem em cerâmica em que se utilizam tiras cilíndricas, também conhecidas como cobrinhas, para a construção de peças.

Barbotina - Argila em forma líquida.

Coque - Tipo de combustível derivado da hulha (carvão betuminoso). É obtido pelo processo de “coqueificação”, que consiste no aquecimento do carvão mineral a altas temperaturas.

Decalque - Transferência de imagem em um papel para outra superfície.

Esmaltes - Mistura de materiais em pó que formam a camada vítrea na peça cerâmica e que é aderida à argila por meio de queima.

Ofício - Atividade ligada à determinada profissão.

Raku - Queima cerâmica de origem oriental, que consiste na retirada da peça incandescente do forno para submetê-la em recipientes com serragem e material orgânico, conferindo efeitos de craquelado, manchas negras e metálicas na superfície da peça.

Serigrafia - Impressão manual de imagens utilizando uma tela específica para a técnica.

Torno - Equipamento que gira em seu próprio eixo para a construção de peças em cerâmica de formato geralmente cilíndrico e arredondado. Pode ser acionado por força manual ou elétrica.

Imagem I

Jussara Guimarães. Cruz São Paulo Apóstolo, c.1994. Cerâmica, madeira, ferro e vidro, 800 cm x 400 cm. Paróquia

São Paulo Apóstolo - Criciúma/SC. Foto: Aionara Preis.

Imagem II

Jussara Guimarães, Gilberto Pegoraro e Vilmar Kestering. Painéis Cerâmicos do Memorial Dino Gorini: etnia lusa, 1995. Cerâmica, 25 m². Parque Municipal Prefeito Altair Guidi - Criciúma/SC. Foto: Aionara Preis.

Imagem III

Jussara Guimarães. Sem título, s/d. Cerâmica, 38 x 38 cm. Acervo de Edi Balod - Criciúma/SC. Foto: Aionara Preis.

Imagem IV

Jussara Guimarães. Monumento aos 20 anos da FUCRI, c.1988. Escultura, 122 x 70 x 68 cm. Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC, Criciúma/SC. Foto: Aionara Preis.

Sobre Os Autores

Aionara Preis

Artista, professora e pesquisadora. Possui curso técnico em Cerâmica Artística Artesanal (SATC), Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais (UDESC), mestrado em Ensino das Artes Visuais (UDESC) e atualmente cursa doutorado em Ensino das Artes Visuais pela mesma instituição. Tem experiência com cerâmica, restauração de patrimônio histórico, projetos culturais e, em 2021, publicou o livro “Lugar de Passagem: uma história contada por Manoel Alves”.

Mikael Miziescki

Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade (UNIVILLE), especialista em Teoria e História da Arte (UNESC) e graduado em Artes Visuais - Licenciatura (UNESC). Atua como professor universitário no Curso de Artes Visuais - Licenciatura da UNESC, e professor de Arte no Colégio UNESC e EEB Ana Machado Dal Toé. É Coordenador de Cultura do Geoparque Mundial da UNESCO Caminhos dos Cânions do Sul. Possui experiência com ensino, pesquisa e extensão nas áreas de Patrimônio Cultural, Educação, Arte, Artes Visuais e Teoria, História e Crítica da Arte.

Arte do Extremo Sul Catarinense © 2023

Aionara Preis, Mikael Miziescki

Idealização e execução do projeto: Aionara Preis e Mikael Miziescki

Pesquisa, produção textual e registros: Aionara Preis e Mikael Miziescki

Revisão ortográfica e gramatical: Nirio de Jesus Moraes

Projeto gráfico e diagramação: Tina Merz

Impressão: As tipografias utilizadas são Freight Text Pro e Elza. A impressão foi realizada na Editora Elbert. 1ª edição, Meleiro/SC, fevereiro de 2023.

Refer Ncias

ASSEMBLAGE In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2023. Disponível em: http://enciclopedia. itaucultural.org.br/termo325/assemblage. Acesso em: 22 fev. 2023.

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CANTON, Kátia. Temas da Arte Contemporânea. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. (Coleção – 6 volumes.)

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Miziescki, Mikael

Arte do Extremo Sul Catarinense : transitoriedade, poética e resistência / Aionara Preis Gabriel, Mikael Miziescki. -- 1. ed. -- Meleiro, SC : Ed. dos Autores, 2023.

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Bibliografia.

ISBN 978-65-00-60717-8

1. Artes visuais 2. Material educativo 3. Arte Catarinense I. Gabriel, Aionara Preis; Miziescki, Mikael. II. Título.

23-142163

Índices para catálogo sistemático:

1. Educação artística 370.1

CDD-370.1

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

RONCONI, Rita de Cássia Vieira. Arte e docência: a artista ceramista Jussara Guimarães. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, 2020. Disponível em: http://repositorio.unesc.net/ bitstream/1/9133/1/Rita%20de%20C%c3%a1ssia%20Vieira%20Ronconi. pdf. Acesso em: 21 out. 2022.

TREVISAN, Armindo. Os “totens” de Berenice [convite de exposição]. Museu de Arte de Santa Catarina/MASC: Florianópolis, 1986.