Consciência e Liberdade n.º 24 (2012)

Page 88

Democracias ocidentais: um direito familiar baseado na fé?

França ou na Turquia quando contestaram, ultimamente, perante os tribunais, a rejeição, por parte do Estado, de certos regulamentos ou de certas exceções sobre as suas escolas, as suas obras de beneficência ou as suas mesquitas. Também não têm conseguido fazer levantar as interdições pronunciadas contra o uso de roupas tradicionais religiosas para ensinar nas escolas públicas, testemunhar perante os tribunais ou trabalhar no serviço público. Os Estados americanos têm tido também dificuldade em ter em conta o Direito familiar muçulmano, sem falar dos tribunais da sharia. A maior parte dos tribunais americanos não têm confirmado, senão ocasionalmente, os contratos de casamento muçulmanos privados. Quando se trata de casamentos mistos, têm estatuído em favor do cônjuge não muçulmano nos casos de divórcio e da guarda dos filhos. Também se têm oposto firmemente à poligamia muçulmana e raramente têm aceite as sentenças arbitrais ou os acordos de mediação dos tribunais matrimoniais ou dos chefes religiosos muçulmanos. Os muçulmanos americanos têm, no entanto, continuado a fazer campanha em favor de uma maior liberdade religiosa, de autonomia e de autodeterminação no que diz respeito ao casamento e outros assuntos.2

há muito tempo que é considerado como uma instituição simultaneamente jurídica e espiritual, isto é, regulada por leis do Direito dos contratos e do Direito patrimonial próprios de cada Estado, mas também por cânones particulares da religião e por certas cerimónias religiosas. Tem também sido considerada, durante séculos, como a instituição mais fundamental da sociedade e da cultura ocidental. Aristóteles e os estoicos romanos já qualificavam o lar conjugal de “fundamento da República” e de “fonte privada da virtude pública”. Os Pais da Igreja e os católicos da Idade Média chamavam-lhe “o viveiro das vilas e das cidades”,a “a força que solda a sociedade”. Os primeiros protestantes modernos designavam-no por expressões tais como “pequena Igreja”,b “pequeno Estado”, “pequeno seminário”, a primeira escola do amor e da justiça, da caridade e da cidadania. E para John Locke e os filósofos do século das Luzes, o casamento era “a primeira sociedade” que devia constituir-se à medida que o homem e a mulher passavam do estado natural para uma sociedade organizada dedicada ao Estado de Direito e à proteção dos direitos.3 Dada a sua importância cultural, o casamento tem sido, também, uma das primeiras instituições a ser objeto de reformas no decurso das batalhas decisivas entre a Igreja e o Estado que o Ocidente conheceu. No IV século, quando Constantino e os imperadores que lhe sucederam ganharam o Império Romano para o cristianismo, rapidamente promulgaram um conjunto de novas leis sobre

O Direito, o casamento e a religião Não é de admirar que o Direito da família e do casamento tenha provocado este novo conflito entre o Direito e a religião nas democracias ocidentais. Com efeito, o casamento 87


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.